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IMUNOLOGIA CLÍNICA Helem Ferreira Ribeiro Diagnóstico imunológico de parasitoses Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar o papel do imunodiagnóstico em parasitoses. � Classificar as etapas e aplicações do imunodiagnóstico de protozooses. � Descrever as metodologias imunológicas empregadas no diagnóstico de helmintoses. Introdução A resposta imune contra infecções é complexa e robusta, uma vez que envolve mecanismos celulares e humorais, além da ativação de diferentes células e moléculas com funções distintas. Alguns patógenos são capazes de incitar uma resposta imune mensurável por testes diagnósticos, tais como vírus e bactérias, e essa ativação pode ser mensurada por exames laboratoriais na área de imunologia. No entanto, protozoários e helmintos também podem gerar uma resposta imune. De acordo com as caracterís- ticas específicas desses organismos, pode-se realizar o diagnóstico direto ou indireto de infecções por meio de métodos imunológicos. Neste capítulo, você conhecerá a importância e o modo de utilização do imunodiagnóstico em infecções protozoóticas e helmínticas. Além disso, verá em quais situações a utilização de métodos imunológicos é preferida em relação a métodos de detecção direta. Por fim, verá quais metodologias imunológicas devem ser utilizadas para o diagnóstico direto ou indireto de helmintos e protozoários. 1 Parasitologia e imunodiagnóstico As doenças infectoparasitárias são uma importante causa de morbidade e mortalidade em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2018, 228 milhões de casos de malária foram diag- nosticados em todo o mundo, causando um total de 405 mil mortes, sendo 272 mil destas em crianças com idade inferior a 5 anos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019). Outras doenças parasitárias de elevada importância são leishmaniose, amebíase, doença de Chagas, ascaridíase e esquistossomose, as quais fazem parte do grupo considerado como doenças negligenciadas pela OMS (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017). Esse grupo de doenças apresenta desafios no controle, diagnóstico e tratamento correto para a dimi- nuição da morbimortalidade que causam. A maioria dos parasitas, principalmente os helmintos, apresenta tamanho suficiente para fácil identificação por métodos de microscopia, sendo estes os principais métodos utilizados (CHRISTAKI, 2020). No entanto, há pro- blemas associados a esse método de diagnóstico, tais como a necessidade de profissionais experientes e bem-treinados para a correta identificação dos parasitas, além de microscópios com boa manutenção, coleta adequada e uma densidade parasitária considerável. A exemplo do diagnóstico de malária, a identificação da espécie causadora da doença pode ser feita por microscopia, porém requer profissionais muito bem treinados, que, muitas vezes, não estão presentes nas localidades com maior ocorrência dessas doenças. Para outras parasitoses, como as causadas por parasitas do gênero Leishmania, a identificação morfológica da espécie é basicamente impossível. Nesse contexto, a utilização de métodos imuno- lógicos é crucial para um diagnóstico rápido, correto e efetivo das doenças (FERREIRA; MORAES, 2013). Assim, inclui-se a utilização de métodos imunológicos de detecção de parasitas, tais como ensaios imunoenzimáticos para detecção de antígenos e anticorpos, testes imunocromatográficos, ensaios baseados em imunofluorescência, entre outros (McPHERSON; PINCUS, 2012). Além da detecção direta ou indireta da presença de parasitas, os méto- dos imunológicos permitem a identificação da fase da doença (se aguda ou pregressa), o diagnóstico de infecções congênitas, a triagem laboratorial para doadores de sangue ou de órgãos e, em um contexto epidemiológico, o monitoramento da prevalência de uma determinada doença em uma popu- lação, bem com a erradicação e a reintrodução de afecções que apresentam elevada reprodutibilidade e sensibilidade (FERREIRA; MORAES, 2013). Diagnóstico imunológico de parasitoses2 Várias metodologias imunodiagnósticas estão disponíveis para a identi- ficação de antígenos de parasitas ou de anticorpos produzidos em resposta à infecção parasitária. Alguns sinais são amplificados por reagentes marcados (fluorescência, radioimunoensaio, imunoenzimáticos), ao passo que outros são métodos de detecção direta (McPHERSON; PINCUS, 2012). O Quadro 1, a seguir, apresenta os principais métodos imunológicos aplicados ao diagnóstico de doenças parasitárias. Fonte: Adaptado de Ferreira e Moraes (2013), McPherson e Pincus (2012) e Neves et al. (2016). Ensaio Detecção Exemplo de uso Imunofluorescência Antígenos (geralmente) ou anticorpos Identificação de taquizoítas de Toxoplasma gondii Imunoenzimático (Elisa) Antígenos ou anticorpos Infecção aguda ou pregressa, antígenos parasitários presentes na amostra (Trypanosoma cruzi, Leishmania spp., etc.) Imunocromatográfico (testes rápidos) Antígenos ou anticorpos Discriminação específica entre espécies de Plasmodium spp. Quadro 1. Principais métodos imunológicos aplicados ao diagnóstico de doenças parasi- tárias de uso corrente na prática clínica Métodos imunológicos utilizados em parasitologia Os métodos de diagnóstico para parasitoses baseados na detecção de antígenos são capazes de determinar a presença do parasita na amostra coletada naquele momento, podendo ser utilizados tanto para parasitas intestinais quanto para hemoparasitas. Esses métodos podem ser especialmente úteis quando o caso clínico do paciente é sugestivo de uma parasitose, mas os exames tradicionais apresentam resultados negativos. Outra vantagem é que não necessitam de um microscopista experiente para a avaliação do caso. 3Diagnóstico imunológico de parasitoses Entre as metodologias para detecção de antígenos, destacam-se os ensaios imunoenzimáticos (EIA), a imunofluorescência direta e os testes imuno- cromatográficos por fluxo lateral (testes rápidos). Os testes rápidos estão disponíveis para diagnóstico de malária (FERNANDES, 2018) e filariose humana (DIAS, 2019). Além disso, há testes comerciais de aglutinação para detecção de antígenos de Trichomonas vaginalis a partir de amostras coletadas em swabs (hastes com algodão nas extremidades) vaginais (McPHERSON; PINCUS, 2012). No entanto, a maioria dos kits diagnósticos comerciais para a detecção de antígenos baseia-se em EIAs, que capturam os antígenos do parasita em questão por meio de anticorpos monoclonais ou policlonais adsorvidos a microplacas que acompanham o kit, os quais são detectados por um anticorpo secundário conjugado a uma enzima capaz de produzir uma reação colorida, medida por um espectrofotômetro; a intensidade dessa reação é proporcional à quantidade de antígeno presente na amostra (XAVIER; DORA; BARROS, 2016). Os ensaios imunoenzimáticos em parasitologia são bastante utilizados para a detecção de anticorpos IgA e IgG antitripanossoma, por exemplo. Os testes de imunofluorescência baseiam-se na detecção direta de antí- genos (imunofluorescência direta) ou de anticorpos e antígenos (imunofluo- rescência indireta) no material a ser analisado, utilizando, para tal, anticorpos marcados com um corante fluorescente (Figura 1). Assim, quando há formação de imunocomplexos, estes podem ser facilmente visualizados em microscópio de fluorescência (XAVIER; DORA; BARROS, 2016). A base da marcação desses testes são os corantes fluorescentes, substâncias que, quando excitadas com luz de alta energia, absorvem luz de um comprimento de onda menor e emitem luz de maior comprimento de onda, o que é denominado fluorescên- cia (FERREIRA; MORAES, 2013). Um exemplo de utilização de corantes fluorescentes é para a detecção de formas taquizoítas de Toxoplasma gondii em líquido amniótico de pacientes grávidas com suspeita de toxoplasmose congênita. Diagnóstico imunológico de parasitoses4 Uma das vantagens da utilização do método deimunofluorescência direta é que ele permite a visualização do parasita na amostra clínica, demonstrando, de forma inequívoca, a presença do agente infeccioso (Figura 2). Diversas amostras podem ser utilizadas para tal, como líquido amniótico, raspados dérmicos, soro, entre outras. Figura 1. Diferença entre as imunofluorescências direta e indireta. No método direto, o material biológico será submetido à busca de antígenos por marcação direta de um anticorpo primário, específico para esse antígeno e marcado com fluorescência. Já no método indireto, tanto antígenos quanto anticorpos podem ser utilizados. Fonte: Adaptada de Kateryna Kon/Shutterstock.com. Direta Indireta Fluoróforo Fluoróforo Anticorpo primário Antígeno Anticorpo secundário (anti-anticorpo) Anticorpo primário Antígeno O método de imunofluorescência indireto pode ser utilizado para a iden- tificação tanto de antígenos quanto de anticorpos na amostra de origem, além de requerer a utilização de dois anticorpos: um primário, para a formação do imunocomplexo específico, e um secundário, marcado com fluorescência, que se liga à região constante do anticorpo primário, aumentando a sensibilidade de detecção e diminuindo a ocorrência de marcações inespecíficas (FERREIRA; MORAES, 2013). Ao utilizar anticorpos primários com especificidades dife- rentes, pode-se detectar diferentes antígenos para o mesmo microrganismo de forma simultânea, o que melhora ainda mais a sensibilidade analítica do teste. 5Diagnóstico imunológico de parasitoses Figura 2. Formas tripomastigotas de Trypanosoma cruzi detectadas no soro de pacientes infectados por imunofluorescência direta. Observe a facilidade para identificar a morfo- logia do protozoário, bem como a quantidade de reação de fundo (manchas amareladas e azuladas), representando marcações inespecíficas no material de origem, que podem prejudicar a correta análise da técnica, caso estejam em excesso. Fonte: Imunofluorescência (2019, documento on-line). Os testes imunocromatográficos de fluxo lateral são geralmente conhe- cidos como testes rápidos por apresentarem resultados em alguns minutos, podendo ser realizados fora de ambientes laboratoriais e ser utilizados tanto para a detecção de antígenos parasitários como para a detecção de anticorpos contra esses antígenos (VAZ et al., 2018). No entanto, a principal desvanta- gem desses testes é a perda de sensibilidade e especificidade, de modo que é importante considerar a possibilidade de falso-positivos e falso-negativos nesses testes (FERREIRA; MORAES, 2013). Portanto, os testes imunocro- matográficos devem ser utilizados principalmente para triagem de indivíduos infectados. Esses testes podem ser realizados utilizando-se como amostras tanto fezes quanto soro, sangue total e saliva. A metodologia imunocromatográfica utiliza uma membrana de nitroce- lulose, na qual serão fixados os antígenos ou anticorpos de captura em uma região específica — região de teste —, geralmente dispostos em forma de linha, para uma fácil visualização do resultado (McPHERSON; PINCUS, 2012). Os antígenos ou anticorpos contendo o conjugado — em geral, uma solução de ouro coloidal (coloração vermelha) ou prata coloidal (coloração azul) — estão em outro local da fita, imediatamente após o sítio onde é inserida a amostra a ser analisada; caso o teste seja positivo, ele irá captar o conjugado e formar o imunocomplexo na área de teste, revelando a coloração mostrada na Figura 3 (VAZ et al., 2018). Os testes também apresentam um controle interno de reação, para garantir que os conjugados coloidais utilizados no ensaio estão intactos e que ocorreu um fluxo capilar adequado (FERREIRA; MORAES, 2013). Diagnóstico imunológico de parasitoses6 Figura 3. Estrutura de um teste imunocromatográfico aplicado ao diagnóstico de anticorpos contra o Plasmodium spp. e Plasmodium falciparum. Há duas áreas de teste, no qual estão proteínas do Plasmodium spp. (qualquer espécie do gênero) e do Plasmodium falciparum, que servem para capturar os imunocomplexos formados pelos anticorpos presentes na amostra do paciente com os antígenos conjugados com ouro coloidal, liberando a cor e demonstrando positividade. A área de controle captura conjugados em excesso, demons- trando que o fluxo lateral ocorreu corretamente. Fonte: Adaptada de Brasil (2014). Ouro coloidal CONJUGADOS Ouro coloidal Antígenos de Plasmodium spp. Antígenos de Plasmodium falciparum Anticorpos monoclonais contra Plasmodium spp. Anticorpos monoclonais contra Plasmodium falciparum Anticorpo anti-Plasmodium spp Anticorpo anti-Plasmodium falciparum Reagente da área de controle Tampão Superfície amostra Superfície absorvente Superfície conjugado Membrana nitrocelulose Amostra com parasitas do gênero Plasmodium S C 2 JANELA DE LEITURA ÁREA DE CONTROLE ÁREA DE TESTE PLASMODIUM FALCIPARUM ÁREA DE TESTE PAN-PLASMÓDIO CONJUGADO AMOSTRA + TAMPÃO 1 2 Imunodiagnóstico de protozoários sanguíneos Algumas das principais doenças negligenciadas são causadas por protozoários sanguíneos, sendo importantes causas de morbimortalidade mundial. Entre essas doenças, destacam-se a toxoplasmose, a malária, a doença de Chagas e as doenças causadas por parasitas do gênero Leishmania (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017). Diagnóstico da toxoplasmose A toxoplasmose é uma zoonose causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, sendo o homem e outros animais de sangue quente considerados hospedeiros intermediários, ao passo que os hospedeiros definitivos são felinos domésticos ou selvagens. Estudos de prevalência sorológica indicam que aproximada- 7Diagnóstico imunológico de parasitoses mente 60% das pessoas já entraram em contato com esse parasita, chegando a 90% em indivíduos mais velhos (FERREIRA; MORAES, 2013). A infecção por Toxoplasma gondii geralmente é branda e assintomática em indivíduos imunocompetentes, porém pode causar encefalite severa e fatal em pacientes imunodeprimidos, bem como uveíte, que pode causar cegueira, e abortos espontâneos e alterações congênitas em fetos expostos à primoinfecção ainda no útero (FISCH; CLOUGH; FRICKEL, 2019). Um dos principais objetivos do imunodiagnóstico da toxoplasmose é a identificação de infecção aguda em gestantes e o monitoramento da reativação da doença em pacientes imunocomprometidos (FERREIRA; MORAES, 2013). A identificação precoce e correta desses indivíduos é crucial, pois o diagnóstico da toxoplasmose permite o tratamento específico com espiramicina, que pode ser utilizada sem efeitos colaterais nas populações em risco de complica- ções, diminuindo significativamente a ocorrência de morbimortalidade (VAZ et al., 2018). As pesquisas de anticorpos das classes IgM e IgG são rotineiras no pré- -natal, visando a identificar gestantes em risco de contaminação e a monitorar as pacientes suscetíveis à contaminação. A gravidade da toxoplasmose con- gênita está diretamente relacionada com a idade gestacional na qual ocorreu a infecção primária materna, chegando a 60% quando a infecção ocorre no último trimestre de gestação. No entanto, as manifestações são mais graves quanto mais cedo ocorrer a contaminação fetal (FERREIRA; MORAES, 2013; NEVES et al., 2016). O Quadro 2, a seguir, apresenta os perfis de anticorpos encontrados para Toxoplasma gondii em diferentes fases da infecção. Fonte: Adaptado de Ferreira e Moraes (2013), McPherson e Pincus (2012) e Vaz et al. (2018). Fase IgM IgA IgG de baixa avidez IgG de alta avidez Aguda Sim Sim Não Não Transição Sim ou não Não Sim Não Latente Não Não Não Sim Quadro 2. Perfis de anticorpos encontrados para Toxoplasma gondii em diferentes fases da infecção Diagnóstico imunológico de parasitoses8 A presença de taquizoítos de toxoplasma no sangue da mãe pode causar inflamação na placenta, atravessando essa barreira e causando infecção fetal. Essa inflamação aumenta a chance de ocorrência de abortos espontâneos e de nascimento prematuro e com baixo peso. Fetos contaminadospor toxoplasma no terceiro trimestre de gestação podem manifestar graves alterações congênitas, incluindo coriorretinite, calcificações cerebrais, atraso psicomotor e macro ou microcefalia (conjuntamente conhecidos como síndrome de Sabin), além de comprometimento ganglionar, hepatoesplenomegalia, miocardite, anemia e trombocitopenia (NEVES et al., 2016; LEVINSON, 2016). A resposta imune do hospedeiro humano, por meio de mecanismos humorais e celulares, elimina os taquizoítos circulantes e mantém os cistos contendo bradizoítos de Toxoplasma nos tecidos sob controle, caracterizando a fase de latência da doença. Nos indivíduos imunossuprimidos, a resposta imune enfraquece, e os bradizoítos voltam à sua forma reprodutiva, causando sin- tomas similares aos da fase aguda da doença, porém com intensa severidade (LEVINSON, 2016; FISCH; CLOUGH; FRICKEL, 2019). O diagnóstico soro- lógico de pacientes imunossuprimidos com suspeita de reativação é complexo e difícil, e em até metade desses indivíduos pode ser encontrado um perfil sorológico similar ao da infecção latente, sendo ainda possível a ocorrência de sororreversão, com desaparecimento dos anticorpos antitoxoplasma e negativação dos testes sorológicos (FERREIRA; MORAES, 2013). Nesses casos, é importante considerar um teste de diagnóstico molecular. Outro método imunológico para a detecção de toxoplasmose é a imunoflu- orescência, seja direta ou indireta, para a identificação de taquizoítos no soro ou em outros líquidos, tais como líquido amniótico, lavado broncoalveolar e líquido cebrospinal. Em suspeitas de infecção aguda, a imunofluorescência é útil para a detecção de antígenos do toxoplasma. Nesse teste, sucessivas dilui- ções da amostra investigada serão incubadas com o reagente para a detecção fixado em lâmina, as quais serão lavadas e incubadas novamente com conju- gado fluorescente (McPHERSON; PINCUS, 2012). Os resultados podem ser expressos pela maior diluição reagente ou em unidades internacionais (UI/mL, em relação ao soro padrão da OMS) (FERREIRA; MORAES, 2013). 9Diagnóstico imunológico de parasitoses Em pacientes com suspeita de reativação da toxoplasmose, o perfil sorológico pode ser anômalo ou muito variável. Em casos de encefalite, é recomendado utilizar o líquido cerebrospinal para a análise sorológica ou para a detecção do parasita por imunofluorescência. A detecção molecular do protozoário também pode ser útil nessas situações. Imunodiagnóstico da malária Os dados mais recentes da OMS, para o ano de 2018, indicam 228 milhões de casos de malária, com 405 mil mortes, sendo a maioria destas de crian- ças com idade inferior a 5 anos (WORLD HEALTH ORGANIZATION). A doença é causada por quatro espécies do gênero Plasmodium, sendo a Plasmodium vivax a maior causadora de infecções no mundo todo, ao passo que a Plasmodium falciparum causa doença mais grave e potencialmente fatal (NEVES et al., 2016). De acordo com a publicação do Ministério da Saúde sobre a malária, No Brasil, cerca de 99% da transmissão da malária concentra-se na região da Amazônia Legal, composta por 9 estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mara- nhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e 808 municípios. A região extra-amazônica, composta pelos outros 17 estados e o Distrito Federal, é responsável por apenas 1% do total de casos notificados no Brasil, que ocorrem geralmente em área de Mata Atlântica e possuem maior leta- lidade devido, principalmente, ao retardo no diagnóstico e no tratamento (BRASIL, 2020, p. 10). Além de regiões da Amazônia Legal e da Mata Atlântica, existe ainda transmissão residual no Piauí e no Paraná (BENTES; COSTA; TEIXEIRA, 2019). A malária deve ser incluída no diagnóstico diferencial de febre em pacientes com história de viagem ou residência em áreas endêmicas. O padrão-ouro para o diagnóstico laboratorial da malária é o exame de gota espessa, no qual a amostra do paciente é corada e analisada em microscópio em busca de diferentes formas evolutivas dos plasmódios. Esse teste permite a análise morfológica e a identificação da espécie causadora da infecção, porém depende de fatores, como: habilidade técnica no preparo; manuseio e Diagnóstico imunológico de parasitoses10 coloração da lâmina; qualidade do microscópio; e treinamento e competência do microscopista (NEVES et al., 2016). Como nem sempre esses parâmetros estão disponíveis nos locais onde os casos de malária são prevalentes, outros métodos diagnósticos foram desenvolvidos, focando na praticidade de acesso e na rapidez dos resultados. O diagnóstico da malária por métodos imunológicos apresenta outras vantagens, além da rapidez: permite a triagem de grandes quantidades de amostra, crucial para a triagem de doadores de sangue em áreas endêmicas, além do acompanhamento de pacientes em tratamento específico, estudos de prevalência passada e atual em populações, entre outros (FERREIRA; MORAES, 2013). Além da gota espessa, podem ser utilizados ensaios mole- culares para a detecção do material genético do parasita, com pouca aplicação na rotina diagnóstica. Os testes de detecção de anticorpos contra a malária apresentam positivi- dade por um período extremamente variável, podendo ser detectados mesmo após o tratamento da infecção e da eliminação do parasita. Por esse motivo, quando o objetivo é o diagnóstico precoce e de pacientes sintomáticos, o método laboratorial de escolha deve ser a pesquisa de plasmódios ou de seus antígenos (FERREIRA; MORAES, 2013). Para alcançar esse objetivo, os testes de detec- ção de antígenos de Plasmodium podem ser realizados por meio de diferentes metodologias, tais como imunofluorescência, ensaios imunoenzimáticos ou imunocromatográficos, sendo estes últimos os preferidos, devido à facilidade de uso e à rapidez nos resultados, com uso de anticorpos mono ou policlonais (NEVES et al., 2016). As principais desvantagens do uso dos testes rápidos são a diminuição da sensibilidade em situações de baixa parasitemia e o fato de que não apresentam resultados quantitativos e podem apresentar resultado positivo por até um mês após a eliminação parasitária, devido à presença de antígenos circulantes persistentes (FERREIRA; MORAES, 2013). Existem testes para diagnóstico confirmatório apenas de plasmódios, os quais se baseiam na detecção das enzimas aldolase ou lactato-desidrogenase parasitárias (pLDH), identificando as quatro espécies causadoras de malária sem distinção. Da mesma forma, existem testes imunocromatográficos para a proteína 2 rica em histidina (pHRP2), antígeno específico da espécie Plasmo- dium falciparum. A sensibilidade desses ensaios é comparável ou inferior ao exame microscópico tradicional, mas eles apresentam sensibilidade superior a 90% (McPHERSON; PINCUS, 2012). A combinação da detecção dos antíge- nos em um mesmo teste traz a vantagem de tanto diagnosticar a presença de P. falciparum como confirmar a malária por quaisquer outras espécies, sendo 11Diagnóstico imunológico de parasitoses importante em locais onde várias espécies circulam (FERREIRA; MORAES, 2013). Além disso, há testes capazes de identificar a espécie de plasmódio causadora da malária com base na detecção de pLDH; porém estes apresentam especificidade menor. O Quadro 3, a seguir, apresenta os antígenos alvos de detecção nos testes imunocromatográficos para malária. Fonte: Adaptado de Ferreira e Moraes (2013) e McPherson e Pincus (2012). Espécie Marcador diagnóstico pHRP2 pLDH Aldolase P. falciparum X X X P. vivax X X P. malariae X X P. ovale X X Quadro 3. Antígenos alvos de detecção nos testes imunocromatográficos para malária Imunodiagnóstico da doença de Chagas A doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana, é causada pela infecção por Trypanosoma cruzi. Aproximadamente 8 milhões de pessoas vivem com esse parasita, que causa cerca de 10 mil mortes anu- ais (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020a). O ciclo biológico desse parasita ocorre de forma normal emanimais silvestres, porém a destruição de florestas e o íntimo contato humano com animais silvestres e de estima- ção espalhou a doença de Chagas para as populações humanas. O T. cruzi é endêmico em 18 países da américa latina (NEVES et al., 2016). Nos últimos anos, houve um aumento da transmissão da doença de Chagas via ingestão de alimentos com fezes de triatomíneos contaminados, tais como caldo de cana, açaí, entre outros (SANTANA et al., 2019). A contaminação por transfusão sanguínea também apresenta importância crescente, tendo sido identificada em países europeus e nos Estados Unidos, onde o parasita não é endêmico (FERREIRA; MORAES, 2013). Diagnóstico imunológico de parasitoses12 A doença de Chagas apresenta manifestações agudas ou crônicas, sendo a forma aguda mais comum em crianças, podendo causar mal-estar, calafrios, febre, hepatoesplenomegalia e miocardite. Quanto maior for a idade do indi- víduo contaminado, maior será a chance de uma fase aguda assintomática, recebendo diagnóstico somente quando as complicações crônicas estão pre- sentes (McPHERSON; PINCUS, 2012). Quando a contaminação ocorre por via oral, as chances de manifestação aguda da doença, inclusive de forma fulminante, são maiores (SANTANA et al., 2019). A fase crônica da doença de Chagas apresenta manifestações assintomáticas (aproximadamente 50%) cardíacas, digestórias ou mistas, cujos sintomas são causados pela destruição contínua do tecido muscular, causada pelo parasita ao longo de muitos anos. Nos indivíduos crônicos assintomáticos, a doença pode permanecer latente por mais de 30 anos, com preservação da função cardíaca e digestória, porém com presença de anticorpos contra o parasita. A forma cardíaca acomete entre 20 e 40% dos portadores e pode causar miocardite crônica difusa e cardiomegalia, com progressiva insuficiência cardíaca, sendo uma importante indicação do transplante de coração (NEVES et al., 2016). A forma digestória leva ao aumento do cólon ou do esôfago, além de diminuir a motilidade autônoma. Formas congênitas da doença de Chagas são possíveis, porém raras. O aumento de indivíduos imunossuprimidos, especialmente os HIV-positi- vos, representa novos desafios para o manejo e o diagnóstico dessa doença. A reativação da doença também tem sido relatada em indivíduos leucêmicos e transplantados em regime de imunossupressão, com manifestações clíni- cas muito graves, incluindo o comprometimento do sistema nervoso central (NEVES et al., 2016). O diagnóstico laboratorial da doença de Chagas pode ser feito por meio do exame de gota espessa, no qual serão visualizadas formas tripomastigotas na corrente sanguínea do paciente, sendo esse método preferível para pacientes em fase aguda, devido à elevada parasitemia (VAZ et al., 2018). Em indivíduos em fase de latência, ou para a triagem laboratorial em bancos de sangue, métodos sorológicos para a detecção de anticorpos contra T. cruzi devem ser utilizados, incluindo metodologias de fixação do complemento, agluti- nação, imunofluorescência (preferencial para a detecção de IgM) e ensaios imunoenzimáticos, estes últimos preferidos, devido à sua reprodutibilidade e padronização (FERREIRA; MORAES, 2013). É importante ressaltar que o parasita em questão apresenta grande complexidade antigênica em sua estrutura, de modo que a utilização de diferentes antígenos recombinantes aumenta a sensibilidade do teste. 13Diagnóstico imunológico de parasitoses A detecção de anticorpos da classe IgA por métodos imunoenzimáticos está associada às manifestações crônicas nas formas digestória e aguda por contaminação via oral (VAZ et al., 2018). Os anticorpos IgG estão presentes ao longo de toda a vida de pacientes infectados, sendo úteis para estudos de prevalência e triagem sorológica. O Quadro 4, a seguir, apresenta os marcadores diagnósticos investigados nos testes imunológicos para T. cruzi. Apesar da utilização de antígenos recombinantes e purificados nos testes sorológicos, é importante considerar a possibilidade de ocorrência de reação cruzada com Leish- mania spp., principalmente em regiões onde ambos os parasitas circulam. Fonte: Adaptado de Ferreira e Moraes (2013) e McPherson e Pincus (2012). Método Marcador IgM IgG IgA Imunofluorescência indireta X Ensaios imunoenzimáticos X X Quadro 4. Marcadores diagnósticos investigados nos testes imunológicos para Trypano- soma cruzi Imunodiagnóstico de Leishmania spp. As leishmanioses são doenças causadas pela infecção de parasitas do gênero Leishmania em células fagocitárias, principalmente macrófagos e suas es- pecializações teciduais, apresentando diferentes formas clínicas, incluindo doenças cutânea (também denominada tegumentar), mucocutânea e visceral, sendo que esta última pode, inclusive, levar a óbito. A variação clínica das manifestações depende da espécie de Leishmania infectante, da localização Diagnóstico imunológico de parasitoses14 geográfica e da resposta imune do hospedeiro (CHRISTAKI, 2020). As formas cutâneas apresentam entre 700.000 e 1.200.000 novos casos anuais, e apro- ximadamente 100.000 casos de leishmaniose visceral são diagnosticados a cada ano (EPIDEMIOLOGY..., 2020); mais de 1 bilhão de pessoas vivem em áreas endêmicas para leishmanioses. O diagnóstico da leishmaniose depende da forma da doença que se apre- senta. No caso de leishmaniose cutânea, pode-se fazer a visualização direta dos parasitas em lâminas montadas a partir do raspado das bordas das le- sões cutâneas, coradas e visualizadas em microscópio (NEVES et al., 2016). Já para a leishmaniose visceral, são utilizados métodos imunológicos, como a imunofluorescência indireta para anticorpos anti-Leishmania, amplamente utilizada para a confirmação de resultados positivos em outras metodologias. Contudo, esse teste não é mais considerado o método de triagem, devido à ocorrência de reações cruzadas com Trypanosoma cruzi, malária, esquistos- somose e hanseníase (FERREIRA; MORAES, 2013). Em busca de métodos com maior padronização e reprodutibilidade, foram desenvolvidos ensaios imunoenzimáticos utilizando antígenos recombinantes purificados de Leishmania, os quais apresentaram excelente reatividade. Os principais antígenos utilizados nesse teste são os K39, que permitem, ainda, a produção de antígenos recombinantes e a utilização destes em testes rápidos de triagem (FERREIRA; MORAES, 2013), com sensibilidade igual ou superior à dos testes imunoenzimáticos (ASSIS et al., 2008). O diagnóstico imunológico da leishmaniose cutânea costuma ser feito avaliando-se a hipersensibilidade tardia aos antígenos de Leishmania, conhe- cida como intradermorreação de Montenegro. Nesse teste, antígenos de promastigotas de Leishmania são aplicados na face interna do braço esquerdo, e a leitura da reação é realizada em 48h, sendo considerados positivos os testes que apresentarem área endurecida maior que 5 mm. Contudo, reações negativas não excluem a infecção, e falso-negativos podem ocorrer no iní- cio da infecção ou em indivíduos imunodeprimidos (NEVES et al., 2016). Da mesma forma, a presença de reação positiva pode indicar somente contato prévio com o parasita, além de ocorrer reatividade cruzada com doença de Chagas (FERREIRA; MORAES, 2013). Em relação aos testes imunoenzimáticos em pacientes suspeitos de leish- maniose cutânea, os anticorpos costumam apresentar baixos níveis, sendo maiores nas formas cutâneo-difusa e mucocutânea, dependendo, ainda, do tipo de espécie infectante (FERREIRA; MORAES, 2013). 15Diagnóstico imunológico de parasitoses 3 Imunodiagnóstico de helmintos A maioria das parasitoses causadas por vermes aloja-se no trato digestório. No entanto, outras podem afetar sistemas e órgãos distintos, como a filariose linfática, a esquistossomose e a hidatidose, havendo, ainda, outras que, depen- dendo da forma ingerida pelo ser humano, causam doenças em órgãos distintos do comum, como a neurocisticercose (NEVES et al., 2016). Essas doenças tambémsão importantes causas de morbimortalidade, afetando milhões de pessoas no mundo inteiro, e passíveis de controle por meio de medidas sani- tárias. O diagnóstico dessas doenças também se beneficia do uso de técnicas moleculares, uma vez que a demonstração direta desses parasitas se torna, muitas vezes, difícil, devido ao local onde vivem no organismo humano. A filariose linfática é causada por vermes cilíndricos da espécie Wuche- reria bancrofti, que são transmissíveis por picadas de mosquitos do gênero Culex, popularmente conhecidos como pernilongos, além de Aedes e Anopheles. Os vermes adultos apresentam dimorfismo sexual e vivem nos vasos linfáticos e nos linfonodos, alimentando-se principalmente da linfa. A grande quantidade de vermes provoca obstrução na circulação linfática, causando o aumento do volume dos órgãos afetados. Outro fator complexo é a longevidade dos vermes, com registros que variam entre 17 e 40 anos no organismo infectado sem tratamento (REY, 2009). Cerca de 120 milhões de pessoas em áreas tropicais e subtropicais estão infectadas com Wuchereria bancrofti, sobretudo na Índia e em países africa- nos e do Sudeste Asiático (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020b). No Brasil, ainda há focos ativos no Nordeste, principalmente nas cidades de Recife e Maceió. A região amazônica, outrora foco da doença, conseguiu eliminar a transmissão por meio de intensos programas de diagnóstico e tra- tamento populacional durante as décadas de 80 e 90 (FERREIRA; MORAES, 2013). A OMS possui o objetivo de eliminar completamente a filariose em 2020, meta difícil de ser alcançada. O diagnóstico laboratorial da filariose pode ser feito de forma direta, coletando-se sangue do indivíduo suspeito no início da noite, visto que a concentração de microfilárias coincide, na maioria das regiões endêmicas, com os horários preferenciais de repasto sanguíneo do vetor (NEVES et al., 2016). O método de gota espessa para a observação microscópica é o preferencial, embora apresente baixa sensibilidade para indivíduos com pouca parasitemia. As microfilárias podem estar ausentes no sangue, mas presentes na urina, sendo possível também o diagnóstico por meio da análise desse material. Diagnóstico imunológico de parasitoses16 Os testes imunológicos para a pesquisa de anticorpos contra Wuchere- ria bancrofti não são utilizados, por apresentarem pouca especificidade e muitas reações cruzadas com diferentes helmintos (NEVES et al., 2016). No entanto, utiliza-se a pesquisa de antígenos circulantes por meio de Elisa — sendo, portanto, um método quantitativo —, com anticorpo monoclonal Og4C3, cuja amostra deve ter, pelo menos, 100 µL de soro, apresentando excelente sensibilidade (MARY; KRISHNAMOORTHY; HOTI, 2016). Outro imunométodo disponível é o imunocromatográfico BinaxNOW, que detecta antígenos circulantes de Wuchereria bancrofti, apresentando sensibili- dade elevada, o qual foi recomendado como método de escolha da OMS para o diagnóstico e o acompanhamento da filariose (FERREIRA; MORAES, 2013). No entanto, estudos recentes indicam que esse método apresenta reatividade cruzada para outras espécies de filárias, como Loa e Onchocerca ochengi, que não são encontradas nas Américas (WANJI et al., 2016). A esquistossomose é transmitida por platelmintos da espécie Schisto- soma mansoni através do contato da pele com água contaminada com as cercarias desse verme, infectando 200 a 300 milhões de pessoas em todo o mundo (MCPHERSON; PINCUS, 2012). Essa espécie apresenta dimorfismo sexual, e os vermes adultos acumulam-se no sistema porta-hepático, liberando ovos que atravessam a parede intestinal e são eliminados nas fezes (REY, 2009; NEVES et al., 2016). Alguns desses ovos se perdem no processo migratório e se acumulam em órgãos como o fígado, causando intensa reação inflamatória, sendo responsáveis pela maior parte dos sintomas da esquistossomose (VAZ et al., 2018). A detecção direta dos ovos de S. mansoni nas fezes é um método de diag- nóstico eficiente em indivíduos na fase aguda da doença e com alta carga parasitária, o que se torna mais difícil na fase crônica da doença (NEVES et al., 2016). É importante levar em consideração que o verme-fêmea de S. mansoni perde gradativamente a capacidade de oviposição, diminuindo o número total de ovos (FERREIRA; MORAES, 2013). Testes de imunodiagnóstico podem ser utilizados em indivíduos com esquistossomose avançada, portadores de baixa carga parasitária, no monitoramento populacional em regiões endêmicas ou na análise de possíveis casos em regiões com baixa ocorrência de casos (REY, 2009). 17Diagnóstico imunológico de parasitoses Não há consenso na literatura científica sobre o tipo de metodologia imunológica a ser utilizada para o diagnóstico de S. mansoni e ainda não há uma ampla disponibilidade de um método de imunodiagnóstico que seja prático, sensível, específico e que supra as limitações do diagnóstico parasitológico direto (FERREIRA; MORAES, 2013). Ensaios imunoenzimáticos para a detecção de anticorpos contra S. man- soni estão disponíveis, mas são pouco utilizados, pois, normalmente, estão disponíveis apenas em laboratórios de referência (VAZ et al., 2018), além de poderem apresentar resultado positivo anos depois do tratamento e da resolu- ção da infecção. Os testes de Elisa para a detecção de antígenos parasitários apresentam interesse, visto que os níveis detectados declinam rapidamente após a cura por tratamento farmacológico, em contraste com o encontrado para os métodos sorológicos (NEVES et al., 2016). Ainda não há uma padronização de antígenos a serem utilizados nesses testes, mas os relatos indicam que o uso de antígenos purificados a partir de ovos apresentam maior sensibilidade e especificidade (FERREIRA; MORAES, 2013). A intradermorreação também pode ser utilizada, com a limitação de indicar apenas contato com os antígenos parasitários, e não a infecção por S. mansoni (REY, 2009). Uma verminose de importância crescente é a hidatidose ou equinococose, causada por vermes do gênero Echinococcus. A espécie Echinococcus gra- nulosus é a mais importante no Brasil, sendo endêmica na região Sul, com o extremo sul do estado do Rio Grande do Sul como uma área de grande prevalência (NEVES et al., 2016). O ciclo biológico dessa doença envolve canídeos e outros carnívoros como hospedeiros definitivos, os quais liberam ovos através das fezes, contaminando hospedeiros intermediários, como caprinos, bovinos e suínos, sendo o homem um hospedeiro acidental, no qual é encontrada apenas a fase larvária do verme (REY, 2009). Os ovos de Echinococcus são ingeridos pelo homem e invadem a corrente sanguínea, alojando-se preferencialmente no fígado e, em menor quantidade, nos pulmões, sendo menos comuns em órgãos como cérebro, ossos, baço, músculos, rins e olhos. Nos tecidos, a larva formará um cisto, que cresce e se desenvolve por, pelo menos, seis meses, mantendo-se viável por muitos anos (NEVES et al., 2016). A infecção pode ser assintomática por décadas, manifestando-se apenas quando o cisto hidático contendo a larva do Echi- Diagnóstico imunológico de parasitoses18 nococcus está muito grande, muitas vezes requerendo remoção cirúrgica (CHRISTAKI, 2020). Os sintomas podem variar conforme a localização e o número dos cistos presentes e incluem incômodos digestório (sensação de estômago cheio) e, em casos mais graves, estase biliar, congestão portal, icterícia e ascite. Caso o cisto se rompa, há risco de intensa reação inflamatória ou alérgica, além do surgimento de cistos-filhos na cavidade abdominal. No pulmão, os cistos podem apresentar tamanhos ainda maiores, comprometendo brônquios e alvéolos, causando sensação de cansaço, dispneia e tosse com expectoração; em caso de ruptura de cistos, as larvas podem ser visualizadas no material expelido (NEVES et al., 2016). O diagnóstico da hidatidose é geralmente clínico, após queixas inespecíficas apresentadas pelo paciente. A avaliação laboratorialutiliza testes imunológicos inespecíficos, como a quantidade de IgE total no organismo — que costuma estar elevada —, além da detecção de IgG-patógeno específica por métodos imunoenzimáticos, incluindo Elisa para a detecção de anticorpos contra an- tígenos do líquido cístico, que apresenta alta sensibilidade. No Brasil, esses métodos estão basicamente restritos a instituições de pesquisa e saúde pública (VAZ et al., 2018). Esses testes podem, ainda, apresentar reação cruzada contra Toxoplasma gondii, Trypanosoma cruzi e cisticercos (FERREIRA; MORAES, 2013). A cisticercose humana é causada por cisticercos da espécie Taenia solium, os quais são ingeridos por seres humanos, e não pelo hospedeiro definitivo (para essa espécie são os suínos). Assim, no organismo humano, o ciclo de vida do parasita não se completa, e os cisticercos formam cistos em diferentes órgãos (REY, 2009). A contaminação pode ser por via externa, através de alimentos contaminados com água ou alimentos contaminados, ou através de autoinfecção de um indivíduo com teníase. Após alcançarem a corrente sanguínea, os sítios mais comuns de acúmulo dos cisticercos são o tecido nervoso, os olhos e, em menor quantidade, a pele e os músculos (NEVES et al., 2016). A neurocisticercose é uma complicação grave e potencialmente fatal, e suas manifestações dependem da quantidade de cistos presentes, da localiza- ção destes e da resposta inflamatória causada. As manifestações clínicas mais comuns incluem convulsões, aumento da pressão intracraniana, meningite e parestesias, sintomas compartilhados com outras doenças (VAZ et al., 2018). Exames de imagem auxiliam na identificação de estruturas do parasita, bem como do hospedeiro, e a análise do líquido cebrospinal auxilia na demonstra- ção do processo imunoinflamatório, principalmente quando se visualiza um aumento de eosinófilos (NEVES et al., 2016). 19Diagnóstico imunológico de parasitoses Métodos de diagnóstico imunológico também podem auxiliar no diag- nóstico da neurocisticercose, incluindo a detecção de anticorpos anticisti- cerco por ensaio imunoenzimático, cuja positividade não indica infecção ativa e apresenta reação cruzada com outros cestoides (VAZ et al., 2018). O Elisa para a pesquisa de antígenos no líquido cerebrospinal, quando positivo, é confirmatório, no entanto, a padronização desse teste ainda está em anda- mento (FERREIRA; MORAES, 2013). ASSIS, T. S. M. et al. 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Acesso em: 6 out. 2020. 21Diagnóstico imunológico de parasitoses Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Integrating neglected tropical diseases into global health and development: fourth WHO report on neglected tropical diseases. Geneva: World Health Organization, 2017. 269 p. Disponível em: https://www.who.int/neglected_di-seases/resources/9789241565448/en/. Acesso em: 6 out. 2020. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Lymphatic filariasis. World Health Organization, Geneva, 2 Mar. 2020b. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/ lymphatic-filariasis. Acesso em: 6 out. 2020. 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