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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 1 ACERCA DO APRENDER E SUAS RELAÇÕES: INTERAÇÕES ENTRE NEUROLOGIA, PSICOLOGIA E PSICOPEDAGOGIA ................................... 4 1.1 Acerca do âmbito da aprendizagem ............................................................... 4 1.2 Sobre desenvolvimento e aprendizagem ........................................................ 7 1.3 Sobre a rede subjetiva que envolve o corpo ................................................. 10 1.4 Sobre a psicopedagogia e a construção de rotas alternativas ..................... 14 2 TEORIAS DA APRENDIZAGEM .................................................................. 20 2.1 Psicologia da educação: principais pesquisadores....................................... 20 2.1.1 Sigmund Freud (1856-1938) ......................................................................... 20 2.1.2 Jean Piaget (1896-1980) .............................................................................. 21 2.1.3 Henri Wallon (1879-1962) ............................................................................. 22 2.1.4 Lev Vygotsky (1896-1934) ............................................................................ 22 2.2 Teorias da aprendizagem: correntes teóricas ............................................... 23 2.3 Processo de ensino e aprendizagem ............................................................ 27 3 APRENDIZAGEM ......................................................................................... 30 3.1 O conceito multiparadigmático da Aprendizagem humana ........................... 30 3.2 As teorias cognitivas de aprendizagem ........................................................ 34 3.3 Aprendizagem social na perspectiva da teoria cognitiva social .................... 38 4 LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM ........................................................ 41 4.1 Atendimento educacional especializado e inclusão escolar ......................... 41 4.2 Estratégias educacionais .............................................................................. 44 4.3 Atribuições do professor ............................................................................... 46 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 48 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 1 ACERCA DO APRENDER E SUAS RELAÇÕES: INTERAÇÕES ENTRE NEUROLOGIA, PSICOLOGIA E PSICOPEDAGOGIA 1.1 Acerca do âmbito da aprendizagem Levando em consideração a aprendizagem como principal aspecto que proporciona a união de diversos campos do conhecimento, o texto expõe a pensamentos e questões sobre as relações que integram a neurociência, psicologia e psicologia educacional. Como se definem, recebem influencias e se constituem essas três áreas? Como as intervenções terapêuticas no campo da psicoeducação podem produzir alterações sobre a estrutura e a função neural? Como os aspectos neurais determinam os fatores psicológicos que caracterizam o comportamento de aprendizagem? O ponto essencial da aprendizagem em vários campos tem relação com a relevância da aprendizagem na nossa cultura, tendo em vista que compete a todos cumprirem essa ação com excelência. A obrigatoriedade da aprendizagem hoje se define na escolaridade obrigatória e na aquisição de conhecimentos ordenados, que se manifesta primordialmente através de habilidades como leitura, escrita e aritmética. No decorrer da História, a ampliação da escolarização efetivou uma maior atenção aos processos de aprendizagem, seus elementos constitutivos, seus fatores intervenientes, e também as dificuldades que surgem, além de contribuírem para a formação do mesmo campo, que hoje é chamado de “dificuldades de aprendizagem”. ”. (ROTTA; ET AL, 2016). A imposição de uma aprendizagem esquematizada para todos os envolvidos foi acompanhada por uma compreensão mais ampla da aprendizagem como um elemento integrante ao longo da vida. Sendo assim, estudos mais recentes, como os de Usher (2013), Kegan (2013) e Mezirow (2013), forneceram modelos explicativos, abordagens e conceitos relacionados à aprendizagem na vida adulta e nas carreiras. Para Maturana e Varela (2005), sob a premissa de que “viver é conhecer e conhecer é viver”, a vida apresenta-se como condição necessária e, ao mesmo tempo, 5 suficiente para o aprender. Nessa perspectiva, a aprendizagem é um elemento intrínseco à condição humana. Aprendemos a todo o momento, em um processo de interação permanente com o meio, manifestando diferentes níveis de complexidade referentes ao conhecimento construído. Historicamente, os aspectos médicos, em especial os elementos neurológicos, exerceram grande influência na busca de causas e do entendimento sobre a aprendizagem e suas dificuldades. As primeiras incursões decorrem dos estudos de Franz Joseph Gall (1758-1828), por volta de 1800. Esse médico frenologista dedicou- se a investigar adultos com lesões cerebrais adquiridas que manifestavam alterações na fala e na capacidade de expressar ideias e sentimentos, apesar das funções intelectuais preservadas (CRUZ, 1999; GARCIA, 1998). Passados mais de 100 anos desde as contribuições de Gall, Alexander Luria (1902-1977) revoluciona a compreensão sobre os processos neurológicos trazendo à cena o conceito de plasticidade cerebral derivado principalmente de seus estudos com pacientes lesionados durante a Segunda Guerra Mundial. Luria explora o cérebro como um sistema biológico aberto, em constante interação com o meio físico e social em que o sujeito está inserido. Destaca- se aí o conceito de plasticidade cerebral, isto é, a ideia de que as funções mentais superiores, tipicamente humanas, são construídas ao longo da evolução da espécie, da história social do homem e do desenvolvimento de cada sujeito. (OLIVEIRA; REGO, 2010, p. 111). Luria parece concentrar em sua própria história acadêmica e profissional a possibilidade de articular diferentes campos do saber na busca da compreensão sobre o funcionamento humano, mais especificamente ao que se refere às funções humanas mais elaboradas e/ou superiores. Luria tratou o cérebro como uma estrutura que apresentava áreas para funcionamentos específicos, como apontavam seus antecessores, mas introduz a ideia de que o cérebro poderia ser um sistema amplo e interligado, que, por meio de uma relação complexa, porém objetiva, seria capaz de agir unindo as diferentes áreas simultaneamente. A correlação entre áreas cerebrais, que mescla a ideia de especificidade, mas também a ideia de interatividade, permite um avanço na compreensão dos conceitos atuais de plasticidade e aprendizagem como concebemos atualmente. (ROTTA; ET AL, 2016). Uma primeira definição das dificuldades de aprendizagem foi proposta pelo psicólogo Samuel Kirk (1904-1996) com o intuito de deslocar a abordagem organicista que pouco colaborava para a compreensão e a intervenção no âmbito educacional. 6 Nesse período, as crianças com dificuldades de aprendizagem eram diagnosticadas com lesão cerebral ou disfunção cerebral mínima. Kirk propôs o termo dificuldades de aprendizagem para designar alterações no desenvolvimento da linguagem, da fala, da leitura e das habilidades comunicativas que comprometessem a interação social de crianças, excluindo, desse grupo, crianças com deficiências sensoriais e com atrasos mentais. Dessa forma, Kirk estabelece os seguintes critérios para a identificação de crianças com dificuldades na aprendizagem: 1º) mostravam uma discrepância entre o seu potencial de aprendizagem e o de execução; 2º) o atraso acadêmico não se devia a outras deficiências sensoriais; 3º) não tinham aprendido pelos métodos usuais e que necessitavam de métodos especiais de instrução. (CRUZ, 1999, p. 30). Para Fletcher et al. (2009), a ideia original proposta por Kirk, em 1963, refere um grupo de crianças que apresentavam [...] habilidades sensoriais intactas, inteligência adequada, ausência de dificuldades emocionais que interfiram na aprendizagem e uma oportunidade adequada para aprender [...] Assim o baixo desempenho é inesperado. (FLETCHER et al., 2009, p. 18). Desde a década de 1960 até os dias atuais, o campo tem passado por revisões conceituais e classificatórias que envolvem, para alguns autores brasileiros (MOOJEM, 2004; MOOJEM; FRANÇA, 2006), a distinção entre dificuldades de aprendizagem e transtornos de aprendizagem. Porém, esses são aspectos que continuam merecendo a atenção investigativa no sentido de avançarmos quanto às formas de nomear e classificar esse vasto campo. (ROTTA; ET AL, 2016). Para Sternberg e Grigorenko (2003), as dificuldades de aprendizagem representam um processo interacional entre o indivíduo e o ambiente. Nesse sentido, os autores rejeitam uma compreensão ancorada exclusivamente em elementos intrínsecos, como também relutam em aceitar abordagens centradas unicamente em elementos extrínsecos. Para os autores, as “[...] características intrínsecas interagem com as extrínsecas e acabam gerando crianças com dificuldades de aprendizagem” (STERNBERG; GRIGORENKO, 2003, p. 36). Em linhas gerais, Fletcher et al. (2009), ao se referir aos transtornos de aprendizagem, indicam que sua manifestação representa fragilidades em habilidades 7 acadêmicas específicas, como reconhecimento de palavras, compreensão leitora, fluência leitora, cálculo e/ou resolução de problemas matemáticos e expressão escrita. Os referidos autores têm defendido um modelo híbrido de identificação que envolve três componentes: (1) uma resposta inadequada à instrução apropriada; (2) baixo desempenho em leitura, em matemática e/ou em expressão escrita; e (3) evidências de que outros fatores (p. ex., transtornos sensoriais, retardo mental, proficiência limitada na língua de instrução, instrução inadequada) não sejam a principal causa do baixo desempenho. (FLETCHER et al., 2009, p. 19). Apesar da tentativa de conceituação e identificação baseadas em evidências científicas, é importante reconhecer nossa responsabilidade como profissionais da área, diante da necessidade de avanços no que tange ao desenvolvimento de pesquisas e à ampliação do debate, para que possamos qualificar o discurso, a compreensão e a intervenção no campo das dificuldades de aprendizagem. Na busca de compreender o aprender humano, parece-nos necessária a pergunta sobre como os diferentes campos científicos conversam entre si, se influenciam e se determinam reciprocamente. Em que medida os elementos neurológicos estruturais e funcionais afetam aspectos psicológicos e os processos de aprendizagem humana? De que forma os fatores psicológicos provocam alterações no sistema neurológico e na aprendizagem? Como a aprendizagem reconfigura a estrutura e o funcionamento neurológico, bem como redimensiona os processos psicológicos? (ROTTA; ET AL, 2016). 1.2 Sobre desenvolvimento e aprendizagem Ao pensarmos a conexão possível entre neurologia e desenvolvimento, mais especificamente desenvolvimento cognitivo, devemos pensar que o próprio desenvolvimento neurológico só é possível por meio da conexão do sistema neural com o ambiente. A essa conexão damos o nome de aprendizagem. Fruto da interação neurobiológica-genética com o ambiente, os processos interativos exigem uma modificabilidade constante do sujeito como um todo. De modo 8 amplo, podemos imaginar que o que é previsto geneticamente é uma condição de futuro desenvolvimento, de uma possibilidade de incremento dentro de um sistema primitivamente estabelecido. É possível afirmar que nenhum sistema é capaz de um desenvolvimento sem que haja trocas com o ambiente onde está inserido. Mesmo em situações em que o desenvolvimento é incompleto ou interrompido, o sistema restante ou parcialmente desenvolvido reage ao meio e apresenta características próprias, caminhos próprios de expressão. Atualmente é impossível imaginar o campo da neurologia como um campo isolado ou alheio às excessivas estimulações a que qualquer um é submetido cotidianamente. A ideia segregada corpo-mente dos gregos na Antiguidade agora representa as pontas interligadas do sistema interativo e relacional do físico e do cognitivo, e a essa relação chamamos aprendizagem. Do mesmo modo que o físico precisa de estimulações, conflitos e embates com o meio para, a partir de uma necessidade de sobrevivência ou expressão, se desenvolver, o processo cognitivo (que incluem os processos mentais e as aprendizagens) necessita que o corpo esteja em constante transformação para ganhar amplitude e se expandir. (ROTTA; ET AL, 2016). O conceito de plasticidade cerebral nos mostra que não é exclusivamente em intervenções físicas ou medicamentosas que o corpo vai se adaptar às novas exigências do meio. Se essas interposições ao corpo o auxiliarem, será pela interação com o meio onde o sujeito está inserido. Medicações devem estar a serviço da potencialização da interação do corpo físico com o ambiente e na mediação da capacidade de aprender. Segundo Muskat (2006), a plasticidade cerebral é multidimensional, um processo dinâmico que estabelece uma relação entre estrutura e função: a plasticidade atua no nível neuroquímico, hedológico e comportamental. No primeiro, a interação com o meio é capaz de auxiliar, junto com o desenvolvimento e o crescimento previstos a cada etapa do sujeito, na modificação de neurotransmissores e neuromoduladores. Assim, conforme as exigências do meio, novas interações neuroquímicas ocorrem ou deixam de ocorrer, como forma de adaptação da estrutura do sistema nervoso com o ambiente. A condição hedológica refere-se aos diferentes padrões de sinapse e à rede ativa de sinapses, e o aspecto comportamental está ligado à resolução de problemas na interação com o meio. (ROTTA; ET AL, 2016). 9 Estudos como o de Naninck, Lucassen e Korosi (2015) apontam que a relação que se estabelece entre a mãe e a criança no período perinatal afeta o desenvolvimento cerebral e comportamental da criança. Esse estudo cita as contribuições de Van Hassel et al. (2012) e Bagot et al. (2009 apud NANINCK; LUCASSEN; KOROSI, 2015), nas quais há referência à variação do nível de cuidado recebido nesse período com as respostas ao estresse e às funções cognitivas tardias. Quanto maior a agressão (não cuidado), piores as respostas e o desenvolvimento posterior. Acredita-se que essa resposta do meio é capaz de atuar plasticamente no desenvolvimento cerebral, diminuindo a capacidade de desenvolvimento satisfatório posteriormente. Essa inter-relação está presente em todo o nosso cotidiano. A cada ação ou intenção de ação, os sistemas físico e cognitivo, de modo indissociável e entrelaçados, entram em funcionamento simultâneo, utilizando a bagagem já adquirida e lançando-se a novos desafios para o novo ato. O ambiente que acolhe e desafia é a base de influência do input, assim como a sua constância e repetição exercem efeitos nas organizações e estruturas corticais, ampliando a potencialidade de crescimento da arborização dentrítica. É sabido que há uma maior expansão da neuroplasticidade nos meses iniciais de vida, mas esse processo não se interrompe por todo o desenvolvimento maturacional nem mesmo na vida adulta. Conceitos como plasticidade cerebral estão ligados ao de reorganização funcional quando atrelados ao espaço de aprendizagem. O desafio se apresenta ao campo de aprendizagem, na medida em que procuramos quais os caminhos a serem percorridos e que atinjam de forma efetiva o desenvolvimento global do sujeito. A estimulação permanente não é fruto apenas de processos formais de escolarização ou estimulação, sequer de apenas exercícios repetitivos do corpo ou do aprender. É um processo contínuo, no qual elementos e comportamentos cotidianos, permanentemente apresentados e exigidos, estimulam a complexidade relacional e interativa. (ROTTA; ET AL, 2016). Os processos que descrevemos ao longo deste estudo representam apenas uma parte – uma parte que fez diferença e criou novos significados nas estruturas cognitivas – de todo um processo e um olhar interventivo. A grande característica foi ter rompido com a linearidade com que esses corpos cognitivos eram desenvolvidos e construídos. Em muitas situações, o que se percebe é a descrição de uma nova forma de interação, que coloca todo o sistema em crise, na busca de uma nova 10 solução. Sabemos que o sistema límbico, constituído pelos órgãos que regulam as funções mais primitivas além dos nossos órgãos do sentido, regula as emoções e também está relacionado com as aprendizagens. Isso reforça a ideia de que, mesmo nas instâncias primárias, o processo de aprendizagem constitui uma fonte de registro, possibilitando as trocas com o meio e registrando as impressões do meio sobre o sistema. (ROTTA; ET AL, 2016). O sistema como um todo está previsto ontogeneticamente, porém muitos são os intercursos que podem interferir nesse processo, tanto sobre o aspecto objetivo ou físico, como nos múltiplos aspectos subjetivos a que somos apresentados desde antes do nosso nascimento. Isso afeta nosso desenvolvimento e, consequentemente, nossa forma de absorver o mundo e de colocarmos o nosso desenvolvimento em pleno funcionamento. Sob o aspecto mais formal da aprendizagem, a incompletude de um processo esperado no desenvolvimento pode ser vista como um problema ou uma dificuldade, muitas vezes ganhando contornos ou nomenclaturas próprias as quais denominamos como diagnósticos. É uma forma de delimitar e reconhecer as etapas de funcionamento que ainda não correspondem, quer pelo tempo quer pela estrutura, ao esperado dentro daquela etapa de desenvolvimento. (ROTTA; ET AL, 2016). 1.3 Sobre a rede subjetiva que envolve o corpo A constituição física serve como um balizador do desenvolvimento. Há uma previsão generalizada que atravessa cada ser na expectativa de ser cumprida. Sob uma visão macroscópica, uma grande parte da população cruza essa linha de forma similar, criando a ideia de que há uma expectativa e uma normalidade para cada parte do desenvolvimento. Entretanto, os múltiplos processos encadeados para que isso ocorra apresentam sempre um desenvolvimento peculiar a cada indivíduo, refletindo o modo singular em que cada estrutura se organiza, seus pontos de apoio e suas dificuldades. Na massa homogênea, tendemos a imaginar que todos os seres adquirem conhecimento de forma similar, porém, na particularidade de cada um, criamos nossas redes internas, nossos caminhos sinápticos e maturacionais, criando nossas características individuais. (ROTTA; ET AL, 2016). Nossa rede neural, que ajuda a sustentar a nossa aquisição de conhecimento, é permeada por um mapa constitutivo, por elementos que chamamos de 11 subjetividade. A subjetividade é fruto do resultado do corpo com o ambiente, dos entraves e das soluções encontradas para cada choque de sobrevivência da nossa existência no mundo. Parisi (2003) refere que o cérebro e o corpo são uma máquina física, enquanto a mente, uma máquina simbólica. O que o autor chama de mente refere-se ao que aqui chamamos de subjetividade. Referenda o autor que o grande desafio da atualidade é estudar os aspectos biológicos e pós-biológicos dos seres humanos em um esquema teórico unitário e com uma mesma metodologia de pesquisa. Já se sabe que o comportamento que é determinado pela rede neural também é por ela construído. A costura feita entre a genética, a biologia e a aprendizagem é que determina nossa mutante constituição, inclusive no campo da aprendizagem formal. (ROTTA; ET AL, 2016). A relação do corpo é uma relação de sustentação. Ao permitir que conexões sejam formadas, permite-se que a estrutura entre em contato e permute com o ambiente, formando um registro interno dessas trocas. Esse registro, subjetivo e simbólico, é a fonte de todo o nosso processo de conhecimento. Segundo Imbasciati (1998, p. 147) “[...] o nosso mundo interno é completamente diferente do externo, no entanto é o modo que tem à sua disposição para conhecer o externo”. Desde o início, os inputs que resultam das interações com o externo formam as nossas simbolizações mais primitivas. Essas simbolizações iniciais servirão para a continuidade do processo cognitivo que nos acompanhará por toda a vida. Essas referências simbólicas servirão também para a aquisição da linguagem e as representações do pensamento. As unidades semânticas que sustentam as relações com o conhecimento estão intimamente ligadas às percepções do sujeito sobre o meio, suas respostas corpóreas, suas interações emocionais e os registros subjetivos dessa vivência. Muitas dessas atividades, pela sua complexidade afetiva e relacional, ocorrem em instâncias não plenamente conscientes do sujeito, deixando marcas de agrado ou de repelência, mesmo que não haja um motivo explícito que assegure isso. Podemos inferir que essa unidade primitiva, sob a qual estarão apoiadas as demais, nasce de uma interação com o meio que receberá também uma carga afetiva. No campo das emoções, esse afeto estará ligado a toda a cadeia de elementos que estará coligada às ações que o sucederem. O simbólico que sustenta o conhecimento nasce do afeto e da relação com o mundo. A cada circunstância em que o conhecimento for acionado, 12 o afeto também o será, muitas vezes com respostas físicas a esse momento, tanto para o lado produtivo quanto para a sua rejeição. (ROTTA; ET AL, 2016). O campo simbólico é o espaço presente que converge o físico e o cognitivo por meio da sua representação. Consequentemente, é nesse espaço de confluência que muitas vezes detectamos as dificuldades de um lado ou de outro, mesmo quando aparentemente nada se apresenta. As dificuldades dentro de um processo de aquisição de conhecimento é um balizador das linhas desenvolvimentistas. Muitas vezes, as dificuldades representam a originalidade na forma de aprender ou as estruturações peculiares a cada um. Todas as linhas de desenvolvimento foram construídas pelo contraponto da diferença. Ao percebermos que algo ou alguém não estabelecia um paralelo com os demais, pontos de divergência foram identificados, mapeando a busca da linha da expectativa. A diferença marca as múltiplas possibilidades que o humano apresenta diante de uma determinada situação. Possibilita que enxerguemos de que forma são construídas as obviedades esperadas a cada um. Porém, uma diferença também marca um ser humano. Marca um ser que, diante de expectativas, expõe seu modo de construir conhecimento e afeto e nem sempre sente que o atingiu de forma satisfatória. (ROTTA; ET AL, 2016). Para Imbasciati (1998), a representação do elemento cognitivo é, muitas vezes, uma imagem, um elemento preciso sob o qual convergem variações que o completam ou o delineiam, formando um significado compartilhado por mais de uma pessoa. No afeto, ao contrário, a representação se mostra difusa, pouco apreensível, mas com uma força intensa a ponto de fazer uma conexão indissolúvel ou um afastamento extremado, de bloquear um sistema inteiro de significados e representações. Para Canguilhem (2011), anomalia é uma consequência da variação individual, porém, a diversidade não é uma doença. O anormal não é patológico. O pathos, que se refere ao patológico, está relacionado com o sentimento de sofrimento e impotência. Cabe aqui esclarecer que estamos falando de processos diferentes pelo seu tempo, pela forma de desenvolvimento ou mesmo pelos elementos necessários para a aquisição de um determinado conhecimento. O sofrimento nem sempre recai sobre a variação na forma como se adquire o conhecimento, mas sobre a impossibilidade de adquiri-lo na mesma linha dos outros, na mesma etapa de desenvolvimento. 13 Quando pensamos nessas dificuldades em um padrão formal de aquisição de conhecimento, como o processo de escolarização, o elemento visível quase sempre é a impossibilidade daquele que aprende. Para uma criança, pelo atrelamento entre afeto e representação, é muito frequente confundir que aquilo que ela faz é aquilo que ela é. Por perceber-se diferente dos demais, tende a imaginar-se improdutiva ou incapaz, tomando a sua singularidade como um invólucro permanente e incapacitante. (ROTTA; ET AL, 2016). Os processos de aprendizagem estão entre os primeiros contatos explícitos da criança com o meio que a cerca. Há uma expectativa de todos para que ela desenvolva as mesmas habilidades dos demais no tempo médio previsto. Esses processos são o primeiro ponto de conflito interno, colocando toda a estrutura em alerta, acionando representações e afetos para que um resultado seja produzido. A aprendizagem é, certamente, um processo de autoconhecimento contínuo, que acaba por determinar nossas relações com o meio, por toda uma vida. A absorção do conhecimento assim como a sua repulsa nos ilustram a luta interna entre ser e ter, entre o que é esperado e o que é possível de ser construído. Não há como não reconhecer a diferença de um determinado sujeito em relação aos seus pares na aquisição do conhecimento ou em qualquer outro elemento do desenvolvimento. Contudo, a marca da diferença muitas vezes não serve como norteadora, mas como elemento de estigma e de temor sobre todo o futuro do aprendente. Muitas crianças apresentam elementos explícitos, físicos e visíveis, como uma lesão ou uma síndrome, e podem muitas vezes ser definidas ou reconhecidas a partir de tal elemento. Mesmo que isso não seja agradável, é lido como um elemento limitador. Por outro lado, crianças que não apresentam nenhum elemento visível ou explícito tendem a fusionarem com o problema, imaginando que é ela, a criança, uma incapaz para o processo. A criança tende a ser vista – e a assumir esse papel – como impossibilitada no processo de aprendizagem. Quando não revertida, essa marca pode ser o organizador do futuro e de todo o modo como a criança vai se relacionar com a aquisição dos mais variados conhecimentos ao longo de toda a sua vida. (ROTTA; ET AL, 2016). 14 1.4 Sobre a psicopedagogia e a construção de rotas alternativas Situada entre a busca de compreensão e a possibilidade de intervenção sobre o aprender humano, a psicopedagogia caracteriza-se por oferecer um espaço de ressignificação da aprendizagem. O encontro do sujeito com o campo/espaço psicopedagógico ocorre no momento em que suas estruturas, ferramentas e estratégias internas mostram-se insuficientes para atender às demandas externas (escolares, acadêmicas, profissionais). Sem conseguir superar suas fragilidades sozinho, o sujeito e sua história chegam ao espaço psicopedagógico. Rotta; et al, (2016), aduz que: um percurso individual e único caracteriza um paciente. Nesse sentido, a psicopedagogia deve oferecer um espaço singular de reconstrução do processo evolutivo na aquisição do conhecimento. O espaço psicopedagógico é, metaforicamente, a exposição do espaço simbólico do aprendente. Não é tanto a quantidade de materiais ou sua diversidade que determinam o tratamento, mas sim a capacidade de transformação do espaço interno, de intervenção, de reconstrução. A psicopedagogia, mesmo quando sistematizada por meio de produções ou organizações de escrita ou cálculo, busca conectar o sujeito com suas capacidades, com o reconhecimento das potencialidades que ele mesmo acredita que tinha perdido ou não possuía. Os materiais pedagógicos para a psicopedagogia, assim como os medicamentos para a medicina são intermediários e não o fim em si, pois servem de apoio para a expressão das representações internas e devem propiciar a mobilidade necessária para a expressão do sujeito. Estão mais ligados à criatividade reparadora do que à repetição sistemática, tal como nos aponta Corso (2007, p. 86): [...] tenho elegido como estratégias terapêuticas propostas que evidenciem a atividade criadora do paciente. Tais propostas se aproximam de uma atividade mais espontânea e prazerosa. Além disso, configuram uma expressão simbólica que resulta de processos simultaneamente intelectuais, motores e afetivos – sendo, por isso, estratégias tão integradoras. O espaço interno, por ser constituído de elementos subjetivos, como imagens e sensações, permeados pelos mais diferentes afetos, tende a ligar-se a elementos que possibilitem a expressão dessas referências internas. Em sua maioria, os sujeitos que buscam o espaço psicopedagógico, nas mais diversas etapas da vida, conectaram esses elementos internos com expressões de incapacidade ou 15 impossibilidade sobre o aprender. O ambiente, por meio de sucessivas experiências dolorosas e frustrantes, reforçou a ideia limitadora sobre o aprender. Nesse sentido, por meio da intervenção psicopedagógica, intenciona-se transformar, reconstruir, ressignificar. Para Leonhardt (2006, p. 242), tal processo envolve a reconfiguração dos “ciclos de inibição” simbólica em “ciclos de progressos”. Por meio de estratégias de ação psicopedagógica que retomem caminhos de integração entre sentimento, ação, pensamento, linguagem e aprendizagem cultural, objetiva-se a reconstrução criativa de uma inserção escolar e profissional satisfatória em ritmo, eficiência e adequação às exigências transformadoras. Todo ato de aprender é fruto de uma frustração. É fruto do reconhecimento da nossa insuficiência sobre um determinado ato ou aquisição e, partindo dessa consciência dolorosa de ignorância, o corpo físico e subjetivo busca uma nova aquisição, um novo modo de enfrentar o que se apresenta. Serve de exemplo a passagem física do engatinhar para o andar, para o subir e correr, assim como servem de exemplos as nossas aquisições de letras para palavras e para textos, em diferentes níveis de compreensão. A cada uma dessas etapas, o que inicia o processo de ampliação dos comportamentos anteriores é a frustração ou o impedimento de executá-lo. O sujeito precisa reunir o conhecimento existente e se lançar ao desconhecido, ao risco de uma atitude diferente para avançar. Nem sempre isso ocorre de forma imediata, mas certamente abre a perspectiva de que novos caminhos são possíveis nas próximas insistências. (ROTTA; ET AL, 2016). A aprendizagem está, em primeira instância, mais ligada à nossa capacidade de reconhecer e aceitar as limitações do que necessariamente compreendê-las. Muitas das dificuldades não são compreensíveis ao próprio sujeito, cabendo a um outro esse papel de decodificador. A experiência clínica e educativa nos mostra o quão onipresente está essa perturbação. Sob a forma de um mal-estar subjacente, o embotamento da crença de um fazer ilimitado se torna presente. O não aprender vai balizando o não fazer, o não se arriscar na vida do sujeito. A dificuldade vai minando a crença do sujeito na sua capacidade de evoluir, de ambicionar e de interessar-se pelo risco do novo aprender. A perturbação que pode receber a nomenclatura da disfunção que se torna visível, como desatenção, dificuldade de memória, hiperatividade, muitas vezes é fruto de uma produção subjetiva de impossibilidades que atinge o corpo e só se torna visível 16 por meio dele. Não estamos afirmando que o corpo não adoece primeiro, mas todo adoecimento corpóreo também atinge e é atingido por um adoecimento no campo simbólico. Quem quer que seja que detecta essa dificuldade deve compreender que não há apenas um caminho psíquico-emocional, cognitivo ou corpóreo, senão um único sujeito que sofre em vários níveis. (ROTTA; ET AL, 2016). Aos profissionais, cabe o trabalho de transcender a essa ideia impossibilitadora. Poeticamente, poderíamos dizer que nosso trabalho é traficar a transcendência do sujeito. De forma sutil, oferecer doses de pequenos prazeres e sucessos que vão minar a antiga estrutura, provocando um alívio nas angústias e ansiedades que recobrem e escondem o sujeito. A ideia de traficar é acentuada pela ideia de que há uma regra estabelecida, pela própria história do sujeito, sua família e, geralmente, sua escolarização, que necessita ser burlada como forma de arregimentar o sujeito para uma nova experiência, mesmo contra toda uma imagem familiar e histórica que nos é mostrada na chegada ao tratamento. (ROTTA; ET AL, 2016). Como um desenho ensinado a ser copiado, o sujeito e sua história repetem em níveis diferentes as frustrações e dificuldades ao longo da vida. Esse processo, que envolve seu entorno, abarca também as expectativas familiares, os desejos e os sonhos daqueles que cuidam ou revelam o descuido e a desatenção sobre aquele que sofre. Muitos laços se rompem, muitas expectativas frustradas transformam-se em raiva e dor, negligências aparecem para encobrir feridas familiares. O processo do aprender é um processo coletivo, transversal e dinâmico que envolve quem executa e partilha os resultados dessa execução. A impossibilidade ou incompletude arrasa um significativo número de investimentos, dizimando sonhos por todos os lados. Rosa e Lacet (2012, p. 362), ao se referirem ao novo formato familiar, relatam os achados de outros autores, como Bernardino e Kupfer, sobre as transformações sofridas pela família contemporânea: [...] apontam para a mudança de um modelo que vigorava até o século passado, no qual a criança permanecia no ambiente familiar até sua entrada na pré-escola, por volta dos dois, três anos, para sua entrada mais precoce no ambiente social. Relatam que nessa passagem a família como lugar de segurança e referência para a criança é substituída precocemente por um ambiente social e comunitário com suas respectivas leis, em que é introduzida por pessoas que não lhe são familiares, numa transmissão, via de regra, técnica e anônima. 17 Amarrar pontos da rede que ficaram arrebentados é também uma decorrência da reconfiguração a partir do espaço psicopedagógico. Essa amplitude é o que sustenta a condição do espaço psicopedagógico, que se mostra terapêutico pela nova reconfiguração que possibilita construir as novas relações com o conhecimento. Ao redesenhar criativamente a relação com o aprender, esse traço configura um novo horizonte para os envolvidos ali representados. A exigência primeira acaba sempre sendo a premente necessidade de reordenar o sujeito a partir de uma tarefa, implícita ou explícita. O pedido que se apresenta em qualquer espaço terapêutico, médico, psicológico ou psicopedagógico, e o pedido de ajuste ou supressão de sintomas ou doenças. Tal objetivo tem seu valor e sua necessidade, mas deve partir do olhar sobre a criança e a configuração que seu universo interno apresenta. Do mesmo modo que uma medicina cuidadosa utiliza o medicamento como auxílio e não como fim, a atitude psicopedagógica não está centrada na tarefa, mas sim na aprendizagem cultural ou no conhecimento. Nesse sentido, a intervenção psicopedagógica está (em certa medida) centrada na inserção do sujeito na cultura, na apropriação dos elementos histórica e culturalmente construídos que envolvem a linguagem, a escrita, os números, o conhecimento científico, entre outros aspectos. (ROTTA; ET AL, 2016). A pressão implícita, porém intensa, pelo resultado pode fazer nosso objetivo se transformar na eliminação do sintoma como objetivo principal. Entenda-se que o sintoma no campo psicopedagógico ou da aprendizagem, tal como nos aponta Paín (1985) e Filidoro (1999), foi o modo como aquela estrutura conseguiu reagir a um determinado conflito, sendo que, sob esse sintoma, há um sujeito a ser observado. O que chamamos de sintoma no processo de aprendizagem é fruto de dois elementos opostos, a sofisticação e a imaturidade. Por um lado, na imaturidade, temos a ausência de elementos adequados para a resolução de uma determinada situação, seja ela física ou cognitiva, demonstrando que naquele sistema alguns elementos ainda se mostram incapazes de assumirem determinadas atitudes ou ações. De outro lado, na sofisticação, temos a compensação elaborada por outras partes com o intuito de buscar um equilíbrio interno do sujeito. A neurologia nos apresenta casos em que, na ausência de um funcionamento adequado de uma área específica, outra área pode assumir, resguardando o funcionamento, ainda que com o sacrifício ou a ineficiência nas suas execuções. Também podemos ver em atitudes de rejeição ao aprender, no 18 qual o sujeito sintomaticamente se afasta do processo, como forma de proteger-se do sofrimento advindo dali. (ROTTA; ET AL, 2016). As diversas manifestações sobre o aprender, partindo do corpo, recoberto pela psicomotricidade e pelas inúmeras funções subjetivas que constituem o aprender, podem ser explicitadas nas funções executivas. As funções executivas, produto do interstício entre o funcionamento neuronal e a organização da cognição, são representativas da integridade das dimensões diversas do sujeito. Nesse campo subjetivo, podemos, ilustrativamente, imaginá-lo como um mapa com inúmeras possibilidades de rotas e caminhos, mas no qual apenas alguns deles estão assinalados. Alguns caminhos levam a lugares paradisíacos ou divertidos, onde o caminho é curto ou ao menos com belas paisagens. Por outro lado, há caminhos que a nada levam, podendo muitas vezes trazer o sujeito de volta ao seu ponto de início, em um círculo fechado e enfadonho. Por vezes, alguns desses caminhos difíceis apresentam-se cobertos de densa vegetação ou apontam por um terreno pantanoso que a poucos interessa. O mapa ainda apresenta uma série de indicações de caminhos a serem trilhados ou terrenos nos quais nenhuma marca se apresenta, indicando que ainda há caminhos a serem descobertos. O mapa é uma metáfora das funções executivas de qualquer ser humano. Todos temos pântanos e praias, todos temos caminhos difíceis ou inacessíveis no campo do conhecimento, porém, nem todos sabem ler o mapa ou, principalmente, escolher um caminho que torne a sua jornada mais agradável, mesmo quando trilhada sobre zonas lúgubres. (ROTTA; ET AL, 2016). As funções executivas, segundo Mourão Junior e Melo (2011, p. 309), podem ser descritas como a função cortical que [...] é requerida sempre que se faz necessário formular planos de ação ou quando uma sequência de respostas apropriadas deve ser selecionada e esquematizada. Do ponto de vista da neuropsicologia a função executiva compreende os fenômenos de flexibilidade cognitiva e de tomada de decisões. Atualmente é sabido que os módulos corticais responsáveis pelas funções executivas se localizam nos lobos frontais direito e esquerdo. Essas funções corticais e cognitivas não nascem como um mapa pronto, mas são construídas pelas experiências e exigências dos campos trilhados. Ela reflete a condição física e subjetiva em um mesmo mapa, sendo possível intercambiar entre esses dois espaços (condições). 19 Os trabalhos do âmbito psicopedagógico atuam nesse mapa, permitindo que, por meio de novas descobertas e do caminhar em novas trilhas, ocorram mudanças, inclusive físicas. A ideia de que o ambiente modifica o sujeito tem sua representatividade nas funções executivas, uma área que congrega toda a subjetividade dos diversos campos do conhecimento, sem pertencer exclusivamente a nenhum deles. (ROTTA; ET AL, 2016). A intersecção do trabalho de diferentes profissionais assim como a visível melhora no campo sintomático podem ser vistas como fruto da combinação de estímulos diferentes em um mesmo território, forçando a construção de um novo caminho, a partir do mapa trazido pelo sujeito. A alteridade provocada pelas diversas áreas de atuações e suas contribuições confluem para uma intersecção de auxílios, permitindo que a sua área específica de atuação seja modificada pelos demais, ao mesmo tempo em que atua e auxilia no propósito de outros. O sujeito que traz o mapa é sempre o principal atuante do processo. A leitura e as novas veredas não são feitas de modo passivo, mas sim pela oferta e pela participação permanente sobre seu próprio desenvolver, sobre as trilhas que oferta e caminhos que deseja seguir. Nenhum trabalho é realmente profissional se não for capaz de incluir um olhar sobre aquele que se submete e confia. (ROTTA; ET AL, 2016). Uma rota não é um caminho. Uma rota é uma direção, um local de desejo a se chegar. O caminho é a trilha que nasce do esforço que se faz para que o objetivo seja alcançado, mesmo que se tenha de passar por etapas difíceis, desconhecidas ou angustiantes. Muitos profissionais iniciam a jornada sem a clareza de quais os caminhos a serem seguidos. Levam apenas a bússola do próprio conhecimento e um desejo de trilhar junto até o final. A difícil ação terapêutica, em qualquer área do conhecimento, é sempre um trabalho laborioso, de ensaios e acertos, de descobertas e singularidades. A ação terapêutica é uma ação de conforto, mesmo quando decisões difíceis e apostas devem ser tomadas. A ação psicopedagógica, que constrói conhecimentos e novas formas de conhecer, faz parte desse fazer, apoiada na sua própria rede de conhecimentos e na trama de saberes com quem dialoga para ajudar a quem solicita. (ROTTA; ET AL, 2016). 20 2 TEORIAS DA APRENDIZAGEM As teorias da aprendizagem compreendem um amplo espectro de abordagens e conceitos, elaborados a partir da visão de diversos teóricos e com influência do contexto social e histórico nos quais se inserem. Conforme as pesquisas de muitos desses teóricos, a aprendizagem pode ser flexível em sua multiplicidade de possibilidades, que atravessam o tempo e as transformações sociais. (LOPES, 2019) 2.1 Psicologia da educação: principais pesquisadores Em meio à lógica racionalista do século XIX, a psicologia tomou seus primeiros contornos enquanto ciência, inicialmente, desenvolvendo seus estudos com base em observações sistemáticas e com a criação de métodos experimentais, ambos com isenção de pressupostos, por meio do distanciamento de conhecimentos do senso comum, e objetivando a verificação de manifestações puramente externas. Até o final do século XIX, a psicologia se relacionou com a educação através da filosofia, sendo esta relação geradora de conceitos psicológicos sobre o desenvolvimento dos processos educativos viáveis para a formação da base da psicologia da educação. A filosofia influenciou diretamente os modos de elaboração de intervenções da psicologia em ambiente educativo, particularmente em ambiente escolar Essas concepções iniciais foram ponto de partida para muitos teóricos despertarem seus interesses e desenvolverem de maneira mais aprofundada suas teorias. Dentre esses teóricos se destacam Sigmund Freud, Jean Piaget, Henri Wallon e Levy Vygotsky, autores cujos estudos contribuíram diretamente para a área da educação. (LOPES, 2019). 2.1.1 Sigmund Freud (1856-1938) Reconhecido como pai da teoria psicanalítica, inovou o campo teórico da ciência psicológica ao aderir o corpo biológico ao funcionamento da mente. Ou seja, a partir de sua visão enquanto fisiologista, Freud buscou conexões entre os pensamentos neurológicos e pensamentos filosóficos. Em suas pesquisas, Freud 21 referiu sobre o funcionamento da sexualidade humana, entendendo-a como influenciadora dos processos mentais e criando, dessa maneira, as teorias psicossexuais. (LOPES, 2019). As teorias psicossexuais de Freud foram pioneiras em atribuir o conceito de sexualidade ainda nas primeiras fases do desenvolvimento humano e colaboraram de maneira significativa para a educação, ao entender o funcionamento psíquico em três setores: o inconsciente ou id, relacionado aos desejos, motivações e impulsos primitivos, inerente a todos os seres e estruturante dos demais setores; o pré- consciente ou superego, relacionado à constituição de valores morais e culturais, atuando como uma censura; o consciente ou ego, relacionado ao modo de interagir com a realidade do contexto, buscando equilíbrio entre a realização dos desejos mais primitivos com sua adequada expressão ao ambiente (FREUD, 1997). 2.1.2 Jean Piaget (1896-1980) Também desenvolveu sua visão sobre a educação baseada em estágios do desenvolvimento, indo do que chamou de período sensório motor – entre o nascimento até os dois anos de idade – ao período operatório abstrato – dos doze anos de idade em diante. Piaget referiu especial importância à interação da criança com seus pares, com seu professor e com a escola, ambiente responsável por proporcionar uma ampliação dos processos de assimilação, mediante a promoção de atividades que estimulem e desafiem, motivando a aprendizagem por meio de desequilíbrios e reequilíbrios de maneira ininterrupta. Dessa forma, o sujeito, na visão de Piaget, é um elemento ativo que busca compreender o contexto em que está inserido, construindo problematizações constantes sobre sua noção singular de mundo e buscando perceber, também, sua influência nesse contexto. Piaget propõe uma ideia de sujeito intelectualmente ativo, que observa, questiona, compara, classifica, ordena, constrói e reconstrói hipóteses. Assim, na visão piagetiana, a educação deve promover uma composição de sujeitos inventivos, criativos e criadores em busca de autonomia e desenvolvimento contínuo e constante. Dessa forma, a escola é um ambiente que pode ofertar, para além dos conteúdos, uma possibilidade de conceber novas maneiras de aprender. (LOPES, 2019). 22 2.1.3 Henri Wallon (1879-1962) Militante em essência, coordenou um projeto, o Langevin-Wallon, que propunha uma educação com garantias de direitos e reconhecimento da afetividade no processo de aprendizado. Wallon fez referências ao copo orgânico, afetivo e social, com forte respeito às emoções na aprendizagem, estruturando suas teorias em quatro bases: o movimento, referindo-se à liberdade de expressão corporal como conector para a assimilação do conhecimento; a afetividade, com seu conteúdo emocional, por meio da percepção e da elaboração das emoções; a inteligência, como processo a ser estimulado em consonância ao modo de ser e estar no mundo; e a formação do “Eu”, como ser constituído e constituinte no contexto no qual está inserido e no mundo. (LOPES, 2019). Na visão de Wallon, as emoções são elementos essenciais para o desenvolvimento do sujeito, pois são sinalizadoras de desejo, contentamento e disponibilidade do ser em busca de ampliação de conhecimentos acerca do mundo e de si. Por isso, ao processo de aprendizagem não poderia estar aderido à reprovação escolar, pois a reprovação representava exclusão, negação e expulsão. As teorias wallonianas, ou teorias socioafetivas, referem-se a um sincretismo dialético, no qual concepções diferentes podem se agregar, promovendo conflitos; são justamente esses conflitos fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem e do intelecto. Aspectos como esses atribuíram uma noção de humanização da educação às teorias de Wallon. (LOPES, 2019). 2.1.4 Lev Vygotsky (1896-1934) Apesar de não ter realizado formação em psicologia e embora tenha tido uma vida breve, foi um dos maiores colaboradores para a psicologia do século XX, sendo o inspirador dos primeiros estudos da psicologia cultural-histórica. Chegou a produzir cerca de duzentas obras, nas quais seu objeto de maior interesse foi o desenvolvimento mental dos sujeitos e, por isso, concedia especial importância ao conteúdo das propostas pedagógicas. Na teoria de Vygotsky, os signos e a linguagem simbólica são instrumentos de mediação entre o universo interno do sujeito e a realidade. Para Vygotsky, a 23 aprendizagem se desenvolve desde o nascimento, pois, em seu entendimento, os sujeitos só despertam seu desenvolvimento conforme aprendem. A partir dessa teoria, o modo como cada sujeito aprende tem relação, também, com a disponibilidade do apoio educacional. Assim, em suas obras, Vygotsky relaciona os conceitos e as tarefas que a criança consegue assimilar sozinha como zona de desenvolvimento real, e os que a criança não realiza sozinha, mas desempenha quando instruída e ensinada, como zona de desenvolvimento proximal, defendendo que a prática educativa deve atuar como mediadora e facilitadora desses desenvolvimentos. (LOPES, 2019). ATENÇÃO: Para Vygotsky (1988), a linguagem é uma construção social, viável para promover mudanças tanto nas funções psicológicas, como na formação do pensamento, da memória e da atenção, quanto na aptidão para ater-se aos estímulos do contexto e promover transformações nas escolhas. 2.2 Teorias da aprendizagem: correntes teóricas A aprendizagem, como movimento integral e incessante de contínuo desenvolvimento, inerente a todos os seres ao logo de sua trajetória de vida, eclode globalmente com amplo espectro de influência individual ou coletiva. Aprender é reflexo de relações criadas com o contexto, conforme seus aspectos afetivos e possibilidades de criação com o social. Dessa maneira, cada sujeito tem, em si, um processo único para o desenvolvimento da aprendizagem (ALLPORT, 1973). A aprendizagem se desenrola conforme a subjetividade do viver de cada sujeito e se manifesta em um tempo determinado por ocorrências especificas de cada existir. Os conhecimentos produzidos pelo processo de aprendizagem, bem como os modos de assimilação e fixação desses conhecimentos, e ainda qual é a posição do sujeito diante desse processo, são alguns dos questionamentos que alguns teóricos utilizaram para desenvolver as teorias de aprendizagem. As teorias de aprendizagem são provenientes de duas teorias base da ciência psicológica: o inatismo, que designa o objeto como fonte do conhecimento, estabelecendo para a aquisição e apreensão da aprendizagem os níveis de pensamento, ou seja, todas as características básicas para o desenvolvimento da 24 aprendizagem estão presentes no sujeito antes mesmo de seu nascimento, por meio de uma transferência hereditária; e o empirismo, que tem como base o aprendizado promovido pela experiência com o ambiente, potencializando o modo como o sujeito percebe esses estímulos ambientais, dos mais simples aos mais complexos. (LOPES, 2019). As teorias de aprendizagem são modelos que organizam padrões para viabilizar a explicação acerca do modo como os sujeitos aprendem e não necessariamente como a mente funciona, mas compreendendo um entendimento sobre seu desenvolvimento biopsicossocial. Dentre as principais sustentações teóricas em teorias da aprendizagem, é possível destacar, a partir das bases da ciência psicológica, o racionalismo e o ambientalismo. O ambientalismo, também conhecido como empirismo ou associacionismo, teve sua sustentação nas teorias de John Locke (1632-1704), filósofo inglês reconhecido como criador do liberalismo. Constituiu o conceito de “tábula rasa”, no qual refere que todos os sujeitos nascem com sua capacidade de sentir e perceber, imprimindo as experiências sensório-motoras a partir dessa base fundamental. Outro teórico que é referência para o ambientalismo é David Hume (1711-1776), que discute a construção do conhecimento por meio da interação do sujeito com o ambiente, percebido através dos cinco sentidos, de modo que, a partir disso, nenhum conhecimento se construiria sem passar pelos sentidos. (LOPES, 2019). Esses conceitos iniciais do ambientalismo deram origem ao behaviorismo ou comportamentalismo, do russo Ivan Pavlov (1848-1958) e do americano John Watson (1878-1958), trazendo o conceito de que estímulos do ambiente geram respostas. O behaviorismo entrou na educação por Burrhus Skinner (1904-1989), que, a partir de seus experimentos, propôs que a aprendizagem está relacionada aos estímulos que gerarão respostas, que podem ser determinadas ou encaminhadas por reforço positivo ou reforço negativo, promovendo o processo de condicionamento e, por consequência, o comportamento complexo, com a combinação de uma série de condutas simples. Por exemplo, ao caminhar, inicialmente o bebê aprende a firmar o abdômen e as costas, em seguida, aprende a sentar, para, então, arrastar-se ou tentar erguer-se e, por fim, caminhar; ou seja, ações simples condicionadas pela repetição e pelo reforço positivo do ambiente, como o incentivo dos pais ou cuidador, que ao 25 insistirem em produzir mais comportamentos simples, levam ao caminhar, que se constitui como um comportamento complexo. Para o behaviorismo, o papel do educador é o de estimulador, como um treinador que se disponibiliza de modo a oferecer estímulos que gerem situações que promovam assimilação da aprendizagem. As aulas são sucessões de estímulos que objetivam transformar uma resposta zero, sem reação, incondicionada, ou seja, com reação que não necessita de aprendizagem ou resposta instintiva, em resposta condicionada, que é uma reação produzida após percepção de estímulos que levam a uma aprendizagem. A avaliação, para o behaviorismo, desenvolve-se em função da resposta certa condicionada para o estímulo correspondente. (LOPES, 2019). Outro ponto de destaque para o behaviorismo é com relação ao conceito de livre arbítrio. Para o behaviorismo, livre arbítrio é um mito, uma ilusão, é inexistente, pois todas as respostas são geradas a partir de um estímulo do ambiente, assim como o modo de ser individual de cada pessoa; portanto, os sujeitos são modelados inteiramente pelo ambiente exterior. Dessa maneira, para o behaviorismo, com a alteração do ambiente as emoções, os pensamentos e comportamentos são alterados, de modo que o ambiente determina a natureza humana. Não é a natureza, mas o ambiente que influi sobre o modo de ser dos sujeitos. Da mesma maneira, conceitos como bom e ruim, bonito e feito são determinados pelo ambiente; por exemplo, em uma região onde a pimenta é o tempero principal das refeições, os sujeitos se acostumam com refeições bastante apimentadas, mas, em regiões não acostumadas com este tempero, a pimenta pode ser insuportável para o paladar. (LOPES, 2019). O racionalismo, ancorado nas ideias do inatismo e do teórico René Descartes (1596-1650), com seu discurso do método, não potencializa a importância dos sentidos para o desenvolvimento do conhecimento, que só se enfatiza a partir de evidências. Assim, as influências do ambiente pouco têm a ver com o modo de aprender. O racionalismo é uma corrente filosófica que teve seu início marcado pela definição de raciocínio e da aprendizagem, não meramente como uma operação sensorial, mas sim como uma operação mental, discursiva e lógica que utiliza uma ou mais proposições para extrair conclusões, ou seja, forma conjunturas sobre se uma ou outra proposição é verdadeira, falsa ou provável. 26 Do racionalismo, emergiu o nativismo ou apriorismo, teoria que refere o conhecimento como fruto da herança genética do sujeito. A partir dessa teoria, surgiu o interacionismo ou construtivismo, teoria do conhecimento que visualiza o sujeito histórico e cultural em constante interação. O interacionismo, sob a ótica dos estudos aprofundados a partir de Jean Piaget, foi reconhecido como interacionismo cognitivista. O interacionismo sociointeracionista teve sua conceituação com base nos estudos de Vygotsky, ambos com entendimento sobre o sujeito implicado pela busca de sentido e significados no mundo. (LOPES, 2019). É possível pensar em uma dicotomia entre racionalismo e ambientalismo quando observamos que as teorias racionalistas desenvolvem seu foco no pensar e o ambientalismo tem foco no sentir. No entanto, percebemos também similaridades: tanto para os ambientalistas quanto para os racionalistas, são as experiências com o ambiente que geraram aquisição de conhecimento, ou seja, as condições do meio influenciam o desenvolvimento. No entanto, a diferença está no modo de compreender a devolução do sujeito para o ambiente. Dessa forma, a Figura a seguir mostra uma ilustração dessas teorias. (LOPES, 2019). 27 (LOPES, 2019). 2.3 Processo de ensino e aprendizagem A aprendizagem é compreendida como processo que tende a oportunizar o desenvolvimento intelectual e a ampliação da consciência. Assim, a aprendizagem não está vinculada somente à condição física, como idade cronológica, experiência ou atributos intelectuais, mas se conecta diretamente com a formulação de estratégias mentais que viabilizem a estruturação e o planejamento para aquisição de conhecimento. A partir dessa perspectiva, as teorias de aprendizagem auxiliam os educadores a compreender como o processo de ensino se relaciona com a aprendizagem. Isto é, as teorias de aprendizagem promovem sustentação ao método de ensino utilizado, 28 permitindo a visualização do aprendizado a partir da aplicação de estratégias educacionais. (LOPES, 2019). O processo de ensino se ampara nas teorias de aprendizagem para perceber como o sujeito aprende, considerando sua singularidade referente a tempo, forma e ritmo. Ainda, o processo de ensino busca perceber aspectos emocionais, como motivação e identificação com a aprendizagem. Dentre os modelos teóricos sustentados nas teorias da aprendizagem que produzem mais significação sobre o processo de ensino e aprendizagem, podemos destacar: o comportamentalismo ou behaviorismo; o construtivismo; e o socioconstrutivismo. O comportamentalismo ou behaviorismo se sustenta no ambientalismo e produziu seus estudos para a aprendizagem com base nas pesquisas do psicólogo americano Skinner. Seus pressupostos se baseiam no condicionamento dos comportamentos, com o objetivo de promover uma modelagem nos sujeitos. Dessa maneira, o processo de ensino e aprendizagem para esta abordagem teórica se estrutura com a proposta de estímulos e recompensas, mediados pela resposta a esses estímulos, para o alcance de um resultado almejado. O conceito âncora para essa abordagem teórica é o estímulo-resposta. Assim, o ensino se constitui em meio aos conteúdos transmitidos e mediados pelo educador. Os educadores, assim como o conteúdo didático, têm papel fundamental, pois são os detentores do conhecimento ofertado. Nesse sentido, para essa abordagem, o papel do aluno se restringe a absorver o conhecimento, por meio da memorização pela repetição. (LOPES, 2019). O construtivismo foi constituído a partir das ideias de Piaget, com suas teorias sobre os estágios do desenvolvimento e da aprendizagem. Piaget não desenvolveu um método de aprendizagem em seus escritos, mas suas teorias geraram sustentação para outros teóricos, dentre os quais está Emilia Ferreiro, com pesquisas sobre a aquisição da escrita e da leitura em crianças (ZOIA, 2009). Essa concepção teórica entende que o sujeito aprende quando em interação com o ambiente, sendo essa aprendizagem mediada por sua capacidade de absorver e processar as percepções geradas em si mesmo. Ou seja, o ensino se transmite em meio aos processamentos sensoriais e cognitivos, indo além da disposição dos 29 conteúdos, provocando uma ampliação de ideias em meio à estimulação para a exploração do mundo em busca por respostas. O educador é um observador que busca explorar como os conhecimentos são absorvidos para, em seguida, disponibilizar elementos que provoquem o aluno. Assim, o aluno tem parte essencial em seu aprendizado, pois, de maneira ativa, constrói seu saber; a aprendizagem se desenvolve a partir das vivências e experiências. O socioconstrutivismo é uma abordagem teórica desenvolvida a partir dos estudos de Vygotsky. A aprendizagem, para esse modelo, acontece em meio a uma relação dialética entre o sujeito e o contexto social. Dessa maneira, o ambiente modifica o sujeito tanto quanto é modificado por ele. Assim, todo aprendizado é mediado pela interação entre sujeito, educador e contexto social (VYGOTSKY, 2000). O educador tem o papel de captar o desenvolvimento das estruturas mentais e buscar meios de promover qualidade mediante a assimilação da aprendizagem. O ensino deve preceder ao que os sujeitos ainda não conseguem desenvolver sozinhos ou não percebem como fazer. O foco dessa abordagem está na mediação, na interação, na relação. O educador atua como facilitador entre o aluno, os conhecimentos prévios desse aluno e a aprendizagem que necessita ser desenvolvida. O aluno aprende ao observar o meio, assimilando seus conhecimentos e gerenciando novas aprendizagens na interação com outros. (LOPES, 2019). EXEMPLO: Para desenvolver o método socioconstrutivista, o educador disponibiliza problemáticas em que os alunos possam encontrar respostas a partir de conhecimentos prévios; quando confrontados por si mesmos sobre a restrição desses saberes, os alunos buscarão novas formas de ampliar seus conhecimentos. O educador pode auxiliar indicando caminhos para a exploração, por exemplo, com pesquisas físicas ou virtuais, entrevistas ou experimentos. A aprendizagem se desenvolve de maneira colaborativa, na qual os erros são percebidos como constituintes do processo de aprendizado. 30 3 APRENDIZAGEM O conceito de aprendizagem possui uma natureza multiparadigmática pois existem muitas formas para se interpretar esse conceito. O entendimento acerca dos processos de aprendizagem beneficiar o entendimento do ser humano de um modo mais aprofundado, por esse motivo, é essencial o estudo desse conceito e desperta o interesse de diferentes áreas. (HEUMANN, 2018). 3.1 O conceito multiparadigmático da Aprendizagem humana Através de várias perspectivas teóricas se debate o conceito de aprendizagem. Como forma de explicar esse fenômeno surgiram diversas teorias desde o século XIX. Parte dessas teorias foram superadas, atualizadas e transformadas em novas perspectivas, porém, na atualidade cabe observar muitas coexistem, dando uma característica multiparadigmática ao conceito. Portanto, ao abordar sobre o mesmo fenômeno, existem diferentes métodos, sob diferentes aspectos (ILLERIS, 2013). É destacado por Rotta, Bridi Filho e Bridi (2016) que a aprendizagem é objeto de estudo de diferentes ciências, tais como a psicologia, a pedagogia e a neurologia. Isso acontece graças à sua relevância para a cultura, tendo em vista que todos os seres humanos necessitam aprender formal ou informalmente. Atualmente, é uma obrigatoriedade na nossa sociedade da escolarização e da apropriação do conhecimento sistematizado e essa característica tem produzido um olhar mais atento a esses processos. ATENÇÃO: De acordo com Rotta, Bridi Filho e Bridi (2016), a obrigatoriedade da aprendizagem para todos os seres humanos amplia a percepção desse conceito. A aprendizagem é considerada um fenômeno presente da infância até a velhice. Ou seja, entende-se que uma pessoa aprende durante todo o ciclo vital. Conforme Feldman (2015), Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018) aduzem, a aprendizagem pode ser compreendida, de uma forma mais ampla, como uma mudança relativamente permanente no comportamento humano em decorrência de uma experiência. No mesmo sentido, Illeris (2007) conceitua aprendizagem como um 31 processo que leva a uma mudança permanente na capacidade de um organismo vivo qualquer, que não seja decorrente unicamente do amadurecimento biológico ou do envelhecimento. Insta salientar que de acordo com Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018), a aprendizagem acontece no momento em que a experiência torna o sujeito mais bem preparado ou adaptado para lidar com o meio em situações futuras. Ou seja, nem toda a mudança pode ser considerada aprendizagem, ela precisa resultar em uma melhor adaptação ou preparação para lidar com algo ou com alguma situação, isto é, a aprendizagem requer uma melhoria. Nesse sentido, a capacidade de aprender é essencial para o ser humano, determinando desde o desenvolvimento de habilidades básicas, como andar e falar, até habilidades complexas, como se relacionar com outras pessoas ou realizar cirurgias cardíacas. PARA COMPLEMENTAR: A aprendizagem é definida como uma mudança relativamente permanente no comportamento do ser humano, fruto de uma experiência. Entretanto, é importante destacar que nem sempre é fácil identificar mudanças no comportamento decorrentes da aprendizagem. Além disso, há casos em que o comportamento muda, porém essa mudança não pode ser considerada como aprendizagem. Algumas mudanças são fruto da maturação do organismo, por exemplo, quando um indivíduo se torna maior ou mais forte e, por isso, consegue desempenhar melhor uma atividade. Ou então fruto de uma situação momentânea, como o que ocorre com o comportamento de alguém que está cansado devido à fadiga ou falta de interesse. Em ambos os casos, está se falando de mudanças comportamentais, mas não de aprendizagem (FELDMAN, 2015). Desde o nascimento o ser humano já está preparado para aprender. Entretanto, os bebês apresentam um processo de aprendizagem mais simples chamado de habituação. Consiste na adaptação a um estímulo, como o que ocorre quando um bebê vê um brinquedo colorido pela primeira vez. Naquele momento o estímulo (brinquedo) chama muito a sua atenção, porém, com o passar do tempo, aquele estímulo já não surte o mesmo efeito, ou seja, o bebê se adapta ou se habitua àquela informação. Os adultos continuam apresentando o processo de habituação, contudo, 32 a aprendizagem também passa a ocorrer de maneiras mais complexas (FELDMAN, 2015). Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018) destacam três tipos principais de aprendizagem: Não associativa: Quando alguém aprende sobre um estímulo, como uma imagem ou um som, e emite uma resposta em decorrência daquele estímulo. Um exemplo é o que ocorre quando você ouve um som e vai em busca de onde ele está vindo. Fazem parte desse tipo a já mencionada habituação e também a sensibilização – quando a resposta a um estímulo aumenta com o passar do tempo. Associativa: Quando a pessoa aprende a relacionar/associar um evento com outro. Nesse tipo de aprendizagem a pessoa aprende que os estímulos do ambiente, as respostas comportamentais que ela emite e as consequências dessas respostas estão relacionadas. Um exemplo é o que ocorre quando você relaciona ter dor dente ao comportamento de ir ao dentista, essa relação é considerada uma aprendizagem do tipo associativa. Por observação: Quando alguém adquire ou muda um comportamento a partir da observação de como outras pessoas se comportam. Por exemplo, quando você assiste a um tutorial de como preparar um prato e passa a implementar esse novo repertório de comportamento na sua vida. Complementando esse raciocínio, Illeris (2013), na obra Teorias contemporâneas da aprendizagem, destaca três dimensões ou esferas da aprendizagem: Conteúdo: diz respeito ao que é aprendido, engloba conhecimentos, habilidades, insigths, significados, valores, postura, modo de agir, entre outras coisas que contribuem para a compreensão e para a capacidade de quem aprende. 33 Incentivo: esfera relacionada à energia necessária para promover a aprendizagem. Engloba sentimentos, motivação, emoções. Sua função é garantir o equilíbrio mental. Interação: diz respeito aos impulsos que dão início ao processo de aprendizagem, tais como: percepção, ação, experiência, imitação, participação, entre outros. Na imagem, a seguir, você poderá ver de forma esquemática como as dimensões se organizam: Note que o triângulo evidencia o campo de tensão em que a aprendizagem ocorre, entre as três dimensões/esferas, ou seja, para que a aprendizagem ocorra é necessário que as três dimensões estejam em interação. Sendo assim, de acordo com o autor, no processo de aprendizagem as três esferas precisam estar presentes e se relacionar (ILLERIS, 2013). 34 Dando continuidade à essa compreensão, Illeris (2013) ainda destaca dois processos essenciais na aprendizagem: Processo externo: remete à interação do indivíduo com o meio no qual está inserido. Processo psicológico/interno: remete à aquisição e à elaboração das informações disponíveis no meio. Para Illeris (2013), esses processos ocorrem em toda forma de aprendizagem, contudo, algumas teorias se dedicam mais à compreensão e explicação de um ou de outro processo. Por exemplo, teorias cognitivistas costumam se dedicar mais aos processos internos, enfatizando os aspectos mentais. Já as teorias de aprendizagem social tendem a destacar mais os processos externos, de interação do indivíduo com o meio. Destaca-se, nesse sentido, que ambas as teorias contribuem para o desenvolvimento da compreensão do conceito através de uma abordagem diversificada, demonstrando a característica multiparadigmática da aprendizagem. 3.2 As teorias cognitivas de aprendizagem Conforme discutido até aqui, há diversas abordagens ou formas de se estudar a aprendizagem, o que evidencia a característica multiparadigmática desse conceito. Entre as diversas possibilidades, destacam-se neste capítulo as teorias ou abordagens cognitivas de aprendizagem. Essas teorias partem do entendimento de que o ato de aprender está relacionado aos processos de pensamento ou cognição, ou seja, essas teorias enfatizam os processos mentais (invisíveis) que ocorrem quando alguém aprende (FELDMAN, 2015). PARA COMPLEMENTAR: As abordagens cognitivas da aprendizagem surgem como um contraponto às abordagens behavioristas. Nas behavioristas, entende-se que a aprendizagem ocorre a partir da interação entre: Estímulo (situação presente ou antecessora); Resposta (ação do indivíduo); Consequência (alteração no ambiente consequente àquela resposta). 35 De acordo com essas abordagens, a aprendizagem de um novo comportamento ocorre em função das consequências que determinada ação têm no meio, limitando-se ao que é possível ser observado. Dessa forma, a aprendizagem é fruto da associação entre estímulo-resposta- consequência, sendo que, quando uma resposta provoca uma consequência favorável (um reforço), há maiores chances de que aquela resposta comportamental ocorra novamente no futuro. Já quando uma resposta provoca uma consequência desfavorável (como uma punição), há menores chances de que aquele comportamento ocorra novamente no futuro. De acordo com as abordagens behavioristas de aprendizagem, é a partir dessa relação que a pessoa aprende, ou condiciona seus comportamentos para ações futuras. Nas abordagens cognitivistas da aprendizagem, diferentemente, há um viés mentalista, ou seja, há um enfoque nos processos mentais que não são observáveis (tais como a expectativa de uma consequência decorrente de uma resposta comportamental). Vale destacar ainda que as teorias cognitivas não negam a relação entre estímulo-resposta-consequência, mas ampliam essa visão, incluindo aspectos visíveis ao processo de aprendizagem (FELDMAN, 2015). De acordo com os estudiosos dessa abordagem, um exemplo desse tipo de aprendizagem, que enfatiza os processos mentais não visíveis, é a chamada aprendizagem latente (ou encoberta). Entende-se que um novo comportamento pode ser aprendido, mas não demonstrado, até que haja uma oportunidade ou incentivo para que ele seja expresso. Ou seja, a aprendizagem pode ocorrer de uma forma não visível, sem que haja a relação estímulo-resposta-consequência, como descreviam os behavioristas. Sendo assim, entende-se que é possível aprender um conteúdo novo, mas não emitir uma resposta expressa, isto é, é possível que haja aprendizado sem que novos comportamentos sejam exibidos, apenas a partir da mudança mental. Assim, existe diferença entre a aquisição de um comportamento — o saber fazer — e o desempenho de tal comportamento — a ação em si (FELDMAN, 2015; GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). A aprendizagem latente pressupõe a existência de conteúdos latentes ou não aparentes, que foram chamados de mapas cognitivos. Esses mapas são 36 representações mentais ou abstratas da realidade que permitem a obtenção, o armazenamento e o processamento de informações do ambiente em nível neural ou mental. Assim, a compreensão de mapas mentais permite pressupor que há uma elaboração interna anterior à emissão de um comportamento. Isto é, de acordo com a compreensão de mapas cognitivos, entende-se que a aprendizagem pode ocorrer através dos fenômenos mentais, a partir do armazenamento de informações do ambiente (mapa cognitivo), que abarca até mesmo informações que não foram utilizadas pelo sujeito até aquele momento (FURTADO, 2018; TOLMAN; HONZIK, 1930). EXEMPLO: A aprendizagem latente ocorre quando uma pessoa aprende um comportamento sem necessariamente realizá-lo. Tendo esse entendimento como base, imagine que um adolescente, que sempre andou de carro com seus pais, vai aprender a dirigir. Já no seu primeiro contato com a direção do veículo, não é necessário falar para ele que girar o volante faz com que o carro vire para a direita ou para a esquerda. Mesmo sem nunca ter emitido um comportamento como esse, quando o adolescente vai dirigir, já tem esse conhecimento armazenado simplesmente por ter observado outras pessoas fazerem. Complementando essa compreensão, Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018) destacam um outro tipo de aprendizagem que funciona de maneira semelhante à aprendizagem latente, a aprendizagem por insight. Na aprendizagem por insight o processo também ocorre de maneira encoberta, sem necessidade de expressão de um comportamento, e é identificado quando alguém está refletindo sobre um problema, fica um tempo indeterminado debruçado na questão e, de repente, chega à resposta (ou tem um insight). Note que, da mesma forma como ocorre na aprendizagem latente, na aprendizagem por insight não é possível que outra pessoa visualize o processo de aprendizagem, ele ocorre de maneira interna. Com essa compreensão, retoma-se o conceito ampliado de aprendizagem, entendida como uma mudança, derivada da experiência, relativamente permanente no comportamento ou nas capacidades de um indivíduo, resultando em uma melhor adaptação ou preparação, por parte desse indivíduo, para lidar com algo ou alguma situação. A partir desse entendimento, destaca-se que a aprendizagem, de acordo 37 com o que propõem as abordagens cognitivas, pode ocorrer internamente, em nível neural ou mental, não necessariamente podendo ser observada por outras pessoas (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018; ILLERIS, 2007). ATENÇÃO: As abordagens cognitivas da aprendizagem enfatizam os aspectos não visíveis do processo de aprendizagem. De acordo com essa concepção, a aprendizagem pode ocorrer apenas em nível neural ou mental, sem, necessariamente, expressar uma mudança comportamental. Nas abordagens cognitivas, a mudança resultante da aprendizagem pode ser apenas interna, cognitiva, e, quando houver a necessidade ou a vontade do sujeito, poderá ser expressa como um comportamento novo, visto que, quando há aprendizagem, há uma nova informação armazenada (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). Nessa perspectiva, enfatizou-se a concepção de aprendizagem latente e de aprendizagem por insight e, seguindo a mesma linha de raciocínio, destaca-se a aprendizagem observacional. A aprendizagem observacional pode ser entendida como um aspecto ou uma forma de desenvolvimento da aprendizagem em uma abordagem cognitiva, como fica claro no exemplo anterior (quando o adolescente pega o volante para dirigir pela primeira vez e sabe alguns movimentos que precisam ser feitos devido à observação que fez anteriormente). Assim, destaca-se que a aprendizagem latente, comumente tem como estratégia a observação (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). A aprendizagem observacional foi foco de estudos do psicólogo Albert Bandura, que afirmou que uma grande parcela da aprendizagem humana se dá através da observação de outras pessoas se comportando, ou seja, a partir da relação de quem aprende com outra pessoa (um modelo). Desse modo, a aprendizagem ganha uma conotação social, sendo vista como um fenômeno social e a perspectiva de aprendizagem observacional ganha uma conotação sociocognitiva. Devido à sua importância, na sequência você estudará sobre a aprendizagem com essa conotação social, sob a ótica da teoria conhecida como teoria cognitiva social de Bandura (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). 38 3.3 Aprendizagem social na perspectiva da teoria cognitiva social Como visto até aqui, de maneira ampliada, pode-se entender que a aprendizagem é um processo de mudança no comportamento ou na capacidade de um sujeito, resultante da experiência, e tem como produto uma melhoria na sua adaptação ou na sua capacidade para lidar com uma situação ou com algo no futuro (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018; ILLERIS, 2007). Tendo esse entendimento como pano de fundo, nesse trecho do capítulo você estudará a forma ou estratégia de aprendizagem descrita por Albert Bandura, conhecida como aprendizagem social, baseada na teoria cognitiva social, também chamada de teoria sociocognitiva (GAZZANIGA; HEATHERTON; HALPERN, 2018). Albert Bandura, nascido em 1925, é um importante psicólogo canadense que desenvolveu sua carreira na Califórnia (Estados Unidos), como professor e diretor do departamento de psicologia da universidade de Stanford e presidente da APA (American Psychological Association — Associação Americana de Psicologia). Bandura foi autor de diversas obras, tendo como um de seus principais legados o desenvolvimento da teoria da aprendizagem social (GHEDIN, 2012). Na teoria da aprendizagem social, Bandura (1977) também enfoca os aspectos mentais envolvidos na aprendizagem, assim como ocorre nas abordagens cognitivas. Entretanto, o autor enfatiza também os aspectos sociais envolvidos no processo, descrevendo o desenvolvimento da aprendizagem a partir da observação de outras pessoas (que servem como modelos), por isso sua teoria também ficou conhecida como teoria da aprendizagem observacional (FURTADO, 2018; GHEDIN, 2012). ATENÇÃO: Na teoria da aprendizagem social, Bandura (1977) também enfoca os aspectos mentais envolvidos