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AULA 3 – DIR. COMERCIAL III – 2022.1 PROFESSOR: Deixa eu me apresentar, eu sou o Maurício. Bem-vindos de volta. Meu nome é Maurício Menezes, sou professor desde 1999 e eu tenho dado aulas tanto na graduação quanto na pós, mais na pós até. Essa turma, como vocês já sabem, estou contando com a ajuda do Nicolas que foi meu aluno na graduação, é meu aluno do mestrado e é uma pessoa super qualificada. Na segunda-feira passada, por um erro de comunicação meu, acabei confundindo a distribuição da carga horária com o Nicolas e aí vocês não tiveram aula. Então, peço desculpas a todos. Bom, feitas as apresentações e pedido de desculpas. Pelo que o Nicolas me passou, vocês pararam no ponto em que ia começar a ser estudado o Código Civil, na parte de títulos de créditos. Foi isso que ele me passou. Eu preparei os slides que eu acho que ele fez uso, não fez? ALUNO: Ele usou o quadro. PROFESSOR: Eu tenho todas as minhas aulas preparadas em arquivos PowerPoint e eu vou passar pra vocês. Como a gente está atrasado, a aula de hoje vai ser sem uso do PowerPoint, mas eu mesmo tenho o meu projetor que eu deixo ali guardado no meu escaninho há anos. Então, eu nem conto com o projetor da sala, que às vezes não está funcionando, está com problema. Então, normalmente, eu trago meu equipamento, boto meu projetor, uso aqui e depois retiro tudo. Mas, como eu disse, hoje a gente está um pouco atrasado e eu vou passar esse arquivo para vocês e seria bom ter uma interlocução, um contato, com o representante. Vocês estão sem representante, né? Então, seria bom ter alguma interlocução. Se alguém se propuser a fazer esse papel para eu mandar os arquivos e a gente ter uma troca. As vezes eu recebo muitos e-mails e teve um semestre que eu fiquei com 3 turmas de graduação, então, imaginem, é impossível ficar respondendo. Então, se alguém me mandar e-mail e eu não responder, não é má vontade, pessoal, é realmente muito difícil. Então, se puder, entre vocês ter um interlocutor, uma interlocutora, facilita muito a nossa vida. Alguma dúvida, pessoal? ALUNOS: Não. PROFESSOR: Então beleza. Vocês já tiveram uma aula introdutória com o Nicolas e eu vou tentar retomar mais ou menos nesse campo da introdução. Começo dizendo a vocês que essa matéria, títulos de créditos, é uma matéria que está em plena revisão pela academia. Eu faço parte de alguns grupos acadêmicos e todos que se dedicam ao Direito Comercial sabem tranquilamente que se trata de uma matéria em plena revisão de conceitos mesmo. Por que isso? Porque as formas de negociação do crédito evoluíram muito rapidamente. Então, a aula que eu dou hoje é muito diferente da aula que eu dava há 10 anos e provavelmente a aula que eu vou dar daqui a 5 anos vai ser muito diferente da que eu estou dando hoje. Então, é uma boa notícia e uma má notícia porque vocês estão em um momento em que muita coisa nova está acontecendo. De repente, se a gente estivesse a 50 anos atrás, a gente estudaria algo que ficaria por um bom tempo, hoje não. Isso tudo envolve, basicamente, a dinâmica, a própria velocidade das relações negociais no mercado financeiro e também a tecnologia. Então, hoje, com o uso da tecnologia, novas formas de negociação de crédito vêm tomando força e o Direito ainda não se debruçou sobre elas. Por exemplo, criptoativos. Alguém aqui já comprou alguma criptomoeda? É ligada à questão de criptoativos, chamada tokenização de direitos. Alguém aqui já escutou falar de token? Token de ... Então, tem aquelas NFTs, vários tipos de tokens. Eu vou publicar agora um artigo. Não sei se vocês estão a par, mas a Faculdade de Direito está lançando um livro comemorativo dos 85 anos e eu vou publicar o artigo sobre tokenização de direitos, que tem a ver com essa matéria de certa maneira, mas é um campo do Direito ainda não regulado. Então, por cautela, o que a gente precisa fazer em sala de aula, principalmente na graduação? A gente tem que deixar isso como um estudo de atualidades. De repente no final de semestre a gente, esse programa de Comercial III é mais reduzido, então normalmente a gente consegue trabalhar bem o semestre, que é um programa mais reduzido, diferentemente de Comercial II, por exemplo, que é um programa muito abrangente. Então, havendo tempo, a gente pode ter aqui uma discussão sobre essas normas e formas de negociação de crédito, inclusive aquelas que não estão reguladas, mas, por cautela, a gente segue o programa de Direito Comercial III tal como ele está fazendo os comentários quando pertinentes, uma observação sobre como se dá na prática e tudo mais. Exemplo, há alguns anos a aula mais didática que eu poderia dar aqui era sobre cheque, mas, cá entre nós, o cheque caiu em desuso também, mas na época era o mais usado. Então, a gente vai falar de letra de câmbio, por exemplo. Esse é um título que está até se reinventando em algumas áreas, mas a letra de câmbio tradicional está em desuso há muito tempo. Nota promissória ainda é bem usada, mas não tanto quanto era. Cheque caiu em franco desuso. *Professor pergunta para a turma se alguém usa cheque* Mas era a aula mais didática. Era a aula que todo mundo se sentia confortável porque ou já tinha usado cheque, ou usava, ou os pais usavam, alguém próximo usava e hoje o cheque realmente está entrando em desuso. Uma observação importante - se vocês forem no site do Banco Central ou de algumas das entidades do Mercado Financeiro que mostram suas estatísticas, o cheque ainda é bastante usado, principalmente pela indústria, o cheque ainda é bastante usado. Você vê pelos dados de compensação de cheque. Parece que as pessoas em geral não usam tanto, mas ele ainda é muito usado. Isso acontece com os outros títulos e é por isso que a gente tem que ter cautela ao trazer para sala de aula essas novidades porque muita gente adora dar pitaco, ouvir uma historinha aqui e outra lá e começa a tratar aquilo como se fosse direito, mas não é. Então, gente, porque eu estou perdendo nosso tempo aqui falando disso? Porque é um grande desafio, Comercial III é um grande desafio e é importante que vocês estejam abertos para esse desafio, ou seja, muitas vezes o cara estuda química para caramba - eu vejo isso com os meus filhos fazendo vestibular - "Por que eu estou estudando isso?”. Então, talvez quando a gente tratar de algumas regrinhas de letra de câmbio vocês vão se perguntar: "Por que eu estou estudando isso?" e depois vocês vão ver que faz todo sentido, faz sentido mesmo. Eu já adianto para vocês que, e esse é um tema que a gente vai tratar aqui hoje, que a regulação das chamadas letras de câmbio ela, ainda hoje, é o substrato normativo de toda a disciplina dos títulos de crédito e é por isso que a gente estuda letra de câmbio, por isso é o carro-chefe. Agora, o título em si já não é tão usado há alguns anos, mas o sistema normativo dos títulos de crédito ele cabe ali na Lei Uniforme de Genebra que é aquela que regula as Letras de Câmbio. E é por isso que a gente estuda, porque quando a gente tem alguma dúvida, na prática, a gente vai se socorrer nesse substrato normativo. Bom, então, falando disso, hoje a gente vai começar a tratar do regime jurídico dos títulos de crédito. Aqui eu vou fazer um comentário inicial. A gente já vivia fazendo uma ginástica antes do Código Civil sobre o regime jurídico dos títulos de crédito e eu vou explicar o porquê. Veio o Código Civil e atrapalhou mais ainda a nossa vida, a bem da verdade. Hoje, esse exercício é um pouco mais amplo. Bom, o Nicholas deve ter falado sobre alguns aspectos históricos dos títulos de créditos e aí eu não vou até muito longe, mas vou até o século XIX para mencionar que o atual panorama normativo dos títulos de crédito resulta de uma dogmática que foi trabalhada no século XIX, principalmente pela Escola Alemã. A Alemanha, vocês sabem que, naquela época, não era ainda unificada, no começo do século XIX, então havia vários estados com trocas negociais entre eles e foi proposto na época a criaçãode uma Lei Uniforme Germânica e essa Lei Uniforme da antiga Alemanha e dos estados alemães, foi fruto de uma dogmática mesmo, ali que nasceu alguns conceitos que a gente aqui não falou, acho que o Nicholas deve ter falado, sendo o principal deles a autonomia da obrigação cambiária. Essa autonomia da obrigação cambiária resulta de uma objetivação do direito de crédito, porque vejam: naquela época o que se tinha era uma relação obrigacional, como vocês já estudaram em Direito Civil, em que dois sujeitos contratavam entre si direitos e obrigações. Então, quando a gente fala de uma obrigação, a gente tinha ali a questão subjetiva fazendo parte da essência da própria obrigação. E aí, como a circulação do crédito era, na época, considerada fundamental para o desenvolvimento das atividades econômicas... Ou seja, o sujeito pode não ter dinheiro, mas se ele tem crédito, ele consegue realizar investimentos. E quem concede o crédito quer pegar aquele crédito concedido e potencializá-lo, circulando-o, então, se ele circula o crédito, ele pode reaver o caixa, correspondente aquele crédito, e fazer uma nova operação de crédito. Qual a racionalidade ou o incentivo para o cedente do crédito? Ser remunerado por essas operações de crédito que os bancos fazem - ele concede crédito, se remunera, pega aquele crédito e tenta negociar, para que ele possa pegar a grana e fazer uma outra operação de crédito. E isso em grande volume. Então, naquela época, para que isso acontecesse com maior facilidade era necessário que o crédito fosse destacado daquela relação obrigacional, que ele fosse coisificado. E essa questão da coisificação é tão interessante que nos tratados de direito comercial do séc. XIX, os títulos de crédito eram estudados como direito das coisas, como direitos reais. Vocês ainda não começaram direitos reais, né? Acho que é no próximo semestre. PROFESSOR: Era tratado como direitos reais, porque? A corporificação do crédito se dava pelo título, um título bastava para que aquele direito fosse negociado, algo que hoje está em revisão, essa a chamada cartularidade, hoje sim, é um ponto que é tranquilamente explicável, compreensível. Se os direitos são negociados eletronicamente hoje, em grande quantidade, você não precisa mais de um papel para corporificar o direito para trazer segurança para aquela negociação, circulação. Bom, porque estou falando isso tudo? Porque essa regulação que veio do século XIX, foi sendo aperfeiçoada, e no final do século XIX, alguns países europeus se propuseram a criar uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias, que é chamada mais tarde, foi aprovada efetivamente nos anos 30 já do século passado, então, isso vem do século XIX, esse esforço de unificação, uniformização das disciplinas jurídicas das letras de câmbio. Mas, só foi realmente aprovada nos anos 30, a chamada Lei Uniforme de Genebra. De novo, porque houve esse esforço? Porque era interesse dos empresários desses países que houvessem regras comuns porque como aprendemos em direito comercial I, o direito comercial se propõe a ser um pouquinho universal, digamos assim, porque as trocas comerciais não conhecem fronteiras, ao contrário, os países que se fecham para os pactos comerciais são os que menos se desenvolvem e a gente ainda é muito fechado aqui no Brasil, mas estamos caminhando para frente, já fomos bem mais fechados. Mas logo, havia um incentivo para se criar uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias. Porque letras de câmbio? Porque sempre foi considerado um título de crédito, digamos, “perfeito”, a autêntica cambial. Por isso que o direito dos créditos também é conhecido como direito cambiário. No Brasil, antes da aprovação da própria Lei Uniforme de Genebra, no Brasil, havia já uma grande evolução normativa que era chamada de lei interna, o decreto Nº 2044/1908, que foi o decreto que contou para sua redação, contou com a colaboração dos principais jurista da época, então foi muito bem elaborado, o decreto de Nº 2044 tem força de lei, embora, seja um decreto, tem força de lei, ele já estava em igual passo com o sistema normativo mais avançado internacionalmente. Para o civil law e para o nosso direito tradicional aqui, um caminho diferente e é isso que também precisamos só deixar ali na prateleira, um caminho diferente foi tomado pelos países de origem anglo-saxão, eles tem alguns conceitos mais abrangentes do que esses conceitos estritos que foram aqueles que nos influenciaram diretamente e estão previstos na nossa lei. Mas como em outras áreas do Direito, como no direito norte-americano, vem influenciando algumas mudanças legislativas. Isso acontecia muito aqui no Brasil com os valores mobiliários, que vocês estudaram no semestre passado. E por que estou falando de valores mobiliários? Porque em alguns pontos iremos entender aqui em sala de aula que a disciplina dos valores mobiliários tocam em alguns pontos a disciplina do título de crédito. Alguns títulos de créditos, e isso as leis específicas mencionam e eu vou mencionar melhor um pouco mais para frente para vocês, estou só fazendo uma introdução, algumas leis específicas que regulam determinados títulos, dizem o seguinte: quando esses títulos são negociados em massa, em sistemas eletrônicos, eles são considerados valores mobiliários. Então, determinados títulos de créditos são negociados em mercados organizados. Hoje a B3 que concentra mercado de bolsa, o chamado mercado de balcão organizado. A B3 concentra isso tudo. Então alguns títulos de crédito são negociados lá na B3. E aí as leis específicas dizem: quando negociados a versão escritural, ou seja a versão eletrônica para ser um pouco mais didático, esses títulos também são considerados valores mobiliários. Então essas coisas vão se tocando. E o direito norte-americano também vem influenciando, como influenciou a Lei 6.385/76, que trata do Mercado de Valores Imobiliários, a própria Lei das Sociedades Anônimas 6.404/76, mas a nossa espinha dorsal é o direito tradicional que veio lá no civil law europeu, em matéria de título de crédito. Então, porque estou fazendo essa explicação toda, por que estou falando da nossa Lei interna, o Decreto Lei 2.044/1908 que nasceu numa qualidade excelente. Muito bem. Quando foi aprovada a Lei Uniforme de Genebra lá nos anos 30, o Brasil passou a olhar para esse movimento normativo e trabalhou para que fosse aqui ratificado e também aprovado. E finalmente a Lei Uniforme foi promulgada pelo Decreto Lei 57.663/66. Ora, e como funciona essa lei uniforme internamente? Primeiramente deve-se ter em mente que ela é fruto de algo do século XIX, e naquela época, as pessoas envolvidas na inauguração daquela Lei Uniforme, visualizaram que havia determinadas matérias que prevalecia uma certa divergência, cada país tinha o seu jeito. Então foram feitos dois anexos na Lei Uniforme de Genebra. O anexo 1 trata das normas efetivas sobre letras de câmbio e notas promissórias, em grande ênfase na letra de câmbio, depois eu explico o porquê; e o anexo 2 trata das reservas, que são determinado temas/regrinhas/matérias que, em razão de uma divergência entre os direitos dos vários países signatários da Lei Uniforme, entendeu-se por bem permitir a adoção daquelas reservar para que, naquelas matérias prevalecesse o direito interno de cada país. Então, quando se fala da Lei Uniforme, se fala o seguinte: aplica-se a Lei Uniforme de Genebra em matéria de título de crédito, essa é nossa lei cambiária e, quanto às reservas adotadas pelo Governo brasileiro e quanto às omissões/lacunas da Lei Uniforme, aplica-se o chamado direito interno, que é o Decreto Lei 2.044/1908. Então se vocês forem ver aqui a redação do decreto 75.763, o decreto tem a seguinte linguagem: “Havendo o Governo brasileiro, (...) aderido às seguintes Convenções assinadas em Genebra, a 7 de junho de 1930: 1ª) Convenção para adoção de uma Lei Uniforme sobre letras de câmbio e notaspromissórias, anexos e protocolo, com reservas aos artigos 2, 3, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 19 e 20 do Anexo II” Então quando a gente for estudar a lei uniforme, eu ou o Nicholas, a gente vai comentar com vocês “Olha, essa matéria aqui o Brasil adotou reserva”. Quando a gente fala que o Brasil adotou reserva, aplica-se o direito interno daquela matéria que é o decreto 2.044. Eu não vou ficar aqui exemplificando os pontos, porque eu vou embolar se fizer isso agora. Meu objetivo aqui hoje é trazer esse racional para vocês. Muito bem, bom, nesse racional ele tranquilamente é compreensível, não tem muito esforço. E aí chega o Código Civil em um texto dos anos 70 e lá em 2002 aprovado finalmente e tem um capítulo próprio sobre títulos de crédito. Vocês já devem ter estudado alguns pontos do Código Civil, principalmente nos antecedentes da sua aprovação, imagino que tenham estudado. Mas na parte que nos toca é importante dizer que esse livro, tanto o livro de empresa do CC, quanto essa parte de título de crédito, ela contou com uma influência muito grande dos professores que na época estavam lá na USP e que tinham sido discípulos de vários professores italianos, entre eles Tulias Karev. Então vocês vão ver que em várias partes, aqui nos títulos de crédito, o Código Civil brasileiro, não vou dizer que é uma cópia, mas é inspirado no CC Italiano. E aí a ideia foi criar uma lei geral sobre títulos de crédito. Porém, a gente já tinha nossa lei geral da época, porém recém aplicada no Brasil, que era o decreto 5.7663/66. Bom, isso ficou, digamos assim, guardado, e passou a não ser mais um problema, mas se a gente pegar os artigos publicados na época lá nos anos 70, a gente vê um pouquinho da discussão sobre qual o sentido do código civil tratar de uma matéria que já tinha uma lei geral que é de decreto 5.7663 a Lei Uniforme de Genebra nas lacunas ou nas reservas decreto de 2.044. Essa é a lei cambiária, era na época e ainda. O que se tem da doutrina clássica a esse respeito era que o objetivo era: primeiro, permitir a regulação dos chamados títulos de crédito atípicos, títulos de crédito atípicos. Quem mencionava isso era um dos líderes daquela turma que elaborou o anteprojeto que é o Mauro Brandão Lopes e isso gerou muita discussão. Por que? Porque em matéria de títulos de crédito, existe uma… eu diria para vocês que não chega a ser um princípio está, mais uma característica. Talvez o [inaudível] já tenha falado com vocês, exatamente a tipicidade, exatamente a tipicidade. Ou seja, um título de crédito, qualquer que seja ele, ele é previsto em lei. Ele é regulado por uma lei específica. Então, a gente tem uma lei que funciona como lei especial, que é a lei que regulamenta a letra de câmbio para aquele tipo e por conta desse dessa sua abrangência, ela também é tida como uma lei geral em matéria de títulos de crédito. Mas a gente vai ter uma lei específica do cheque, a lei 7.357, lei específica para títulos do agronegócio, lei que regula as cédulas de crédito bancário, etc. Então, a gente tem leis específicas e os títulos estão previstos nestas leis específicas. Tanto, que eles têm uma característica que é a tipicidade. Por que isso é importante, pessoal? Porque nessa matéria de negociação de crédito, qual é o maior interesse para quem negocia crédito? É a segurança, é previsibilidade, é clareza de como o jogo funciona. Um empresário, vocês sabem bem, já estudaram isso, o empresário ele exerce uma atividade de risco. O risco é da essência da empresa, mas esse risco não é tomado loucamente. Os empresários planejam, os bons empresários pelo menos. O que eles fazem? Eles mensuram os riscos. Ninguém é maluco de sair tomando risco à torto e à direito. Na atividade de concessão de crédito, existe até uma disciplina própria para isso que é estudada, que é a análise de crédito. Faz-se uma análise do risco envolvido. E esse risco vai estar relacionado com a remuneração do crédito, por exemplo. Quanto maior o risco, maior a remuneração. Por que no Brasil os juros são altos? Porque, por conta do risco. Então, eu dou um exemplo meu aqui. Eu tomei um financiamento imobiliário no ano passado. Naquela época os juros pagos pelo governo, é o chamado juros soberano, porque está a taxa Selic. Por que é chamado de juros soberano? Porque é o menor risco daquele país, é o que o próprio país paga. Se o país está pagando esse juros, o empresário que está se virando para conseguir dar algum lucro, ele tem mais risco do que o próprio Estado, então por aí vai. Os juros no Brasil estava 2,5%, se não me engano, e aí saiu uma nova lei de crédito imobiliário com uma taxa fixa que usava essa taxa SELIC e mais um acréscimo, então era juros de 3% ao ano, chegava a quase 4... eu nunca imaginei que ia ver isso no Brasil, juros de um país de primeira linha. Os juros, vocês devem estar vendo aí, tá chegando a 13%, então na época eu pensei “se der tudo errado”, vamos supor que vá triplicar os juros, eu vou sair de 3 e pouco pra 9 no máximo no pior cenário... me ferrei, né? O financiamento ficou muito mais caro e aí a opção é que nesses financiamentos imobiliários você pode trocar de instituição financeira, é como se fosse aquela coisa de linha de celular, que você faz a portabilidade. E a portabilidade você pode fazer também pelo regime da própria remuneração, na mesma instituição, então eu fiz isso, pedi pra mudar pra fixado. Mudei, beleza. Mas os juros já tinham subido também, então o pré-fixado da época que eu contratei era bem menor do que o pré-fixado que eu acabei contratando para mudar nessa história de juros. Ninguém quer isso, isso é ruim para todo mundo. Então, gente, por que eu cheguei nesse bate papo sobre juros? Por conta de risco, e como é que se reduz o risco? Um bom sistema normativo, que traga previsibilidade, e aí por isso que se fala, que a tipicidade do título de crédito confere uma certa ideia de segurança, tá tudo ali previsto na lei, como funciona o título de crédito – se o devedor não pagar, a exigibilidade do direito está ali prevista, o título basta para isso. E aí veio o Mauro Brandão Lopes lá nos anos 70 dizendo “não, aqui a gente tá no direito privado, prevalece a autonomia privada”- então, assim como acontece nos contratos, os contratos você pode contratar com base na autonomia da vontade, tem os contratos previstos em lei e os contratos que prevalece a vontade, a autonomia privada, a liberdade de contratar, então você pode dar o nome que você quiser para um determinado contrato, desde que o objeto seja lícito, as partes sejam capazes, tudo bem. Só que com os títulos de crédito não é bem assim, por conta de tudo que eu já expliquei. Então, a ideia do Mauro Brandão Lopes foi essa que eu já expliquei, e isso está publicado, e aí ele dizia que esse tipo de regulação não era uma questão técnica-jurídica, ele dizia que era uma questão de política legislativa, o próprio Estado poderia optar por regular os títulos de crédito atípicos. Como aquilo não convenceu muito, outros dois autores, um na época, que já era um sênior lá de São Paulo, que é o Antônio Mercado Jr., e um outro que era um garoto na época, mas que hoje é um Iminente, muito respeitado, Professor da USP... foi até da minha banca, aqui, para Titular. Ele até elaborou uns comentários ao Código Civil, e ele didaticamente expõe que, na época, ele era um pesquisador, né, trabalhava na pós-graduação da USP, e ele teve as lições recebidas dessa turma que trabalhou na elaboração do anteprojeto do Código Civil. Então ele dizia o seguinte: que o Antônio Mercado Jr. – que na época já era sênior, como disse pra vocês –, ele entendia que o CC viria não só para regular os títulos atípicos, como também era subsidiário aos títulos de crédito, funcionava como uma disciplina subsidiária dos títulos de crédito. Então, quem defendia isso era o Antônio Mercado Jr., e quem defende é o Dr. De Lucca, titular da USP há muitos anos, que é o desembargador... nem sei se ele já se aposentou,do TRF lá em São Paulo. Além de ser uma pessoa super gentil, querida, então... é uma referência para nós. Na 5ª Jornada de Direito Civil, ainda... eu participei dela, também... foi aprovado o Enunciado que eu vou passar aqui para vocês, de número 464, que, por sua vez, revisou o Enunciado anterior. Esse Enunciado diz o seguinte: “As disposições relativas aos títulos de crédito do CC aplicam-se àqueles regulados por leis especiais, no caso de omissão ou lacuna”. E o antigo Enunciado – revisto –, que era o 52, ao tratar do mesmo artigo, que é o 903 do CC, ele dizia o seguinte: “Por força do art. 903, as disposições relativas aos títulos de crédito não se aplicam aos já existentes”. Então, vejam que, é um tema que eu diria para vocês que é mal resolvido por aqueles que se dizem especialistas na matéria. Então, qual é o efeito prático do CC? Vou ser muito sincero para vocês: eu não vejo. Por que eu não vejo? Percebam, agora, o que é o gatilho do raciocínio, muito importante. Porque, como eu falei para vocês, temos os títulos de crédito em leis especiais, beleza... aplica-se aquela lei especial... em caso de lacuna, ou de omissão da lei especial: o que que se aplica? Em geral, se aplica a Lei Cambiária, o que que é a Lei Cambiária, que nós acabamos de ver? É a Lei Uniforme de Genebra e, nas omissões, lacunas e reservas adotadas pelo Governo brasileiro, aplica-se o Decreto 2.044. Essa é a lei específica das letras de câmbio e notas promissórias, e é a lei geral em matéria de Direito Cambiário. Então, quando a gente fala de disciplina de títulos de crédito, a gente ainda fala de Direito Cambiário, e essa nomenclatura está na origem da formação desse direito especial que era e sempre foi a regulação das letras de câmbio, que é a personagem principal, protagonista das relações de crédito. E aí, beleza, se tiver mais lacuna aplica-se o CC. Mas não tem. Ao contrário, a gente vai ver aqui que algumas regras do CC contrariam a Lei Uniforme, criando ainda mais confusão. Por estas e outras, gente, que eu defendo... e isso é uma matéria também super discutida, parece aquela coisa de Bolsonaro contra PT, PT contra Bolsonaro, mas é uma matéria super polarizada no Brasil, uma questão super polarizada em direito comercial do Brasil é termos ou não código comercial. Eu, inclusive, fiz parte de uma comissão da Câmara, uma comissão lá de juristas que trabalhou na revisão do texto do código comercial e essa é uma matéria, uma discussão polarizada, parece briga de... você sabe... aquela coisa, briga de colégio, pega na saída e coisa assim. As pessoas se apaixonaram quando na verdade o código comercial ele ajudaria, porque essas confusões elas seriam eliminadas. Vocês já estudaram direito de empresa lá em comercial I e tem regra ali que é obsoleta, que não deveria existir, mas a gente vai levando, vamos levando, tudo bem, vamos interpretando, vamos levando, aperfeiçoando a interpretação. Então, hoje qual é a situação que a gente vive? É ter o código civil atrapalhando nossa vida em matéria de títulos de crédito. Agora ele está lá e nós temos que estudar. A gente formula, aqui, no nosso programa levando em conta que está aí vigente, o código civil está em vigor, então a gente vai tratar de algumas regrinhas do código civil e aproveitando para trazer conceitos que a gente normalmente traria quando fossemos estudar lei uniforme. Ai quando chegar lá na lei uniforme o que que a gente vai fazer? Lembra aqui do endosso, aval e tal que a gente já estudou? Beleza, aqui são as regrinhas que a gente tenta aplicar, ta? Então é isso. Alguma dúvida pessoal? Então vamos encarar o código civil, né? Vamos lá. Bom, só para a gente começar o código civil, só para a gente dar o fecho, eu não sou contra essa linha de pensamento que eu citei aqui que defende a aplicação do código civil quanto aos títulos atípicos. O que eu posso dizer para vocês é que essa discussão fazia algum sentido na época em que o código civil entrou em vigor, que não se sabia como é que seria recepcionado pela iniciativa privada. Mas passou aqui 20 anos, né? Mais ou menos isso, e eu nunca vi título de crédito atípico e é a minha área de especialidade. “Ah, que não existe...” pode existir, mas eu nunca vi. Então, ficou meio que no passado, ta? Não, tudo bem, autonomia privada, a gente vai que o código, ele ao tratar dos títulos em geral, ele mesmo permite, em tese, que você emita um título no nome que você quiser, então, em tese, não precisa. Pode? Pode, beleza, não vejo por que não, não existe uma proibição, existe aquela característica dos títulos de crédito, que vocês vão encontrar em qualquer doutrina, que é a tipicidade. Não tem uma norma legal dizendo que só é... só ao portador que a gente vai ver, chamado títulos ao portador, mas tirando títulos ao portador inexiste uma norma que estabeleça a edição de uma lei para que haja a reemissão de títulos de crédito. Bom, gente, vamos lá. Dito isso, qual é o jeitão do código civil? Se vocês forem olhar para o código civil, vocês vão ver que ele disciplina os títulos de crédito numa racionalidade que está ligada ao regime de circulação do título. Então vocês vão ver que vão ter disposições gerais e depois são regulados os chamados títulos ao portador, títulos endossáveis e os títulos nominativos. Então títulos ao portador, títulos à ordem, que eu vou explicar porque são chamados de endossáveis e os títulos nominativos. Então, por que o código civil assim o faz? Porque o critério do código civil é o regime de circulação de títulos. E aí, nós temos três regimes: ao portador, à ordem – que são os títulos endossáveis, que eu vou explicar, e os chamados títulos nominativos. O que é um título ao portador? O título ao portador, como a própria nomenclatura leva a crer, é aquele que não identifica o beneficiário do direito. Você emite o título com uma cláusula ao portador, ou seja, basta qualquer um que traga consigo aquele título, basta que ele traga consigo aquele título para ele exigir a satisfação do direito, ele não precisa ser identificado. Isso era muito comum no passado, extremamente comum, talvez fosse até o preferido, mas nos anos 80, principalmente nos anos 90, mas começou nos anos 80, digamos, eu diria para vocês, com a internacionalização dos esforços para coibição do crime de lavagem de dinheiro, diversos países lá fora começaram a fazer normas restritivas ao particular e uma dessas normas, eu diria quase que um princípio, é a identificação do beneficiário de qualquer direito considerado minimamente relevante para que se coíba o crime de lavagem de dinheiro e tudo aquilo que está por trás disso, inclusive sonegação fiscal, financiamento a outras atividades ilícitas, tráfico de drogas, corrupção, coisas piores mundo à fora. Então, no Brasil nós tivemos uma lei, a Lei 8.021 de 1990, que simplesmente proibiu a emissão de títulos ao portador, salvo a hipótese de exceções previstas em lei. Aluna: professor, qual é o número da lei, por favor? Professor: 8.021, que inclusive alterou a Lei das S.A., que vocês estudaram no semestre passado. A Lei 8.021, ela tirou da Lei das S.A. as ações ao portador, as debêntures e também as endossáveis, a Lei. 8.021 só permitiu que fossem nominativos, a forma nominativa. Então, hoje na lei a permissibilidade para emissão de títulos ao portador ela basicamente se resume a uma hipótese, que é a emissão de um cheque de um valor de até 100 reais. Isso era considerado relevante na época de emissão dessa exceção pela lei 9069/95, artigo 69, , além do plano real. Então, o campo para emissão e negociação de título ao portador é reduzidíssimo. O direito foi evoluindo, foi se aperfeiçoando para trazer mais restrição ainda. Nos anos 90, final dos anos 80 para cá, há cada vez mais restrições. Inclusive sigilo bancário, por exemplo, hoje é um bem, que é protegido, mas comporta uma série de exceções mundo afora, não só no Brasil. Isso se justifica realmente. É um esforço universal, global, de coibição de crimesque são financiados por esse dinheiro que flutua sem ter a clareza ali de quem é o dono do direito. Então, antigamente, pessoal, eu lembro (era recém-formado) que se chamava de paraísos fiscais, eram terras completamente inalcançáveis pelas autoridades fazendária, ou enfiam, autoridade de qualquer país aí mundo afora. Hoje, não. Hoje, essas autoridades desses paraísos fiscais, elas têm convênios, têm acordos para fornecer informação, até para a Suíça. A Suíça era muito criticada, porque era um país de banqueiros, em geral, e todo mundo sabia que o dinheiro sujo do mundo todo ia para a Suíça. Isso há alguns anos. Era um lugar super seguro e as pessoas tratavam o sigilo bancário como se fosse uma cláusula pétrea de uma instituição. Ninguém fornecia informação. Então, isso realmente mudou muito. Mudou muito. Vindo aqui para o que interessa, o título ao portador, autorização da lei específica, também está previsto no artigo 907, do código civil. Então vou aqui citar alguns “artiguinhos” do código civil para situá-los no que a gente está falando. E a grande característica, como eu falei, desse título, além de não identificar o beneficiário, é a transmissibilidade do direito pela tradição do título. O título é corporificado e o direito de crédito se transfere pela tradição do título (art. 904, CC). Alguma dúvida, pessoal? Beleza. Dito isto, a gente vai para a segunda categoria de títulos regulados pelo Código Civil, que é o chamado “título à ordem''. Quando a gente fala à ordem, a gente está falando de uma expressão com significado técnico. É a chamada “cláusula à ordem”. O que é a cláusula à ordem? Cláusula à ordem ela indica que aquele documento, aquele título, ele é transferível por meio de uma técnica que foi criada lá atrás no direito cambiário, ainda no período francês, que é o chamado endosso. Cláusula à ordem tem um significado técnico que é dizer que aquele título, aquele documento, ele é transferível por meio chamado endosso. Que aí a gente vai estudar o que é o endosso. Antes disso, é importante dizer que em alguns títulos, a cláusula À ordem se presume, não precisando ter escrito. Quando trouxer os slides dos títulos, vocês vão ver que normalmente está escrito no próprio documento: “pague a fulano de tal ou a sua ordem”. Essa é a chamada cláusula ordem; se ela não estiver escrita, em alguns títulos, se presume, que é o caso da própria letra de câmbio, em consequência das notas promissórias [artigo 11, primeira linha da Lei Uniforme]. Uma questão que vocês precisam se familiarizar é como é redigida a Lei Uniforme pois além da forma, ela possui artigos grandes, parrudos e sem incisos. Em geral, não tem incisos, então, a gente vai falar aqui em primeira linha, ou primeiro parágrafo. Então, quando a primeira linha é o primeiro trechinho do artigo. Então, o artigo 11, primeira linha da Lei Uniforme diz que a cláusula à ordem se presume nas letras de câmbio, quando não estiver escrita expressamente. E aí, um outro exemplo, só para vocês terem em mãos, é o cheque [artigo 17 da lei 7357], também diz que a cláusula à ordem se presume. O que é o endosso, tecnicamente falando? É um ato, uma declaração unilateral de vontade, lançada no título de crédito à ordem, que transfere a propriedade do título, por conseguinte o direito nele mencionado. Então, tecnicamente, se no conceito de endosso há a declaração unilateral de vontade, que transfere a propriedade do título e, por conseguinte, o direito nele mencionado. Esse é um conceito bem clássico, bem tranquilo de se explicar. Portanto, a partir disso a gente vai estudar algumas variações de endosso, que diz que a mera assinatura, lançada no título, já pode valer como endosso. Endosso em branco: a assinatura representa a declaração unilateral de vontade. Ora, o objetivo aqui é facilitar ao máximo a transferência do direito, incentivando essa facilidade. Descomplicar, esse é o objetivo de endosso. Por isso que uma mera assinatura pode valer como endosso, como a gente vai ver na regra geral e que foi lançada ao verso do título – a gente vai ver isso ainda como uma regrinha da lei uniforme. Bom, o Art. 919 do CC distingue o endosso da mera cessão de crédito, diz assim: “A aquisição de título à ordem, por meio diverso do endosso, tem efeito de cessão civil.”; então, veja, se não forem respeitadas as regras do endosso e aquele título for remetido de uma outra maneira, são atraídas as normas sobre a cessão de crédito. Quando falo em cessão cível é a cessão de crédito lá nos artigos 200 e poucos do CC. E, em matéria de negociabilidade de direitos, é tudo que não se deseja, porque na cessão de crédito, o cessionário, digamos, adquire um direito derivado. É um direito que pode estar contaminado com todos os vícios eventualmente existentes na relação anterior. O devedor, ele pode opor ao cessionário as exceções que ele tem, as defesas que ele pode vir a ter contra as do seu credor original. Na cessão de crédito, quanto mais crédito é negociado, mais risco está envolvido. E como eu falei aqui, e não foi a toa, tudo que se deseja aqui é que não aumente risco. Então, vamos imaginar que na relação originária, num contrato de prestação de serviços existe um vício, onde o serviço não foi bem prestado da maneira adequada, ficou péssimo e o credor não quer pagar a remuneração, porque o serviço foi mal prestado. Só que o marceneiro já negociou esse crédito e fez uma cessão desse crédito: é um direito patrimonial, atrai as regras do CC sobre cessão de crédito. Aquele direito, aquela cessão de crédito, além de ser o contrato que deve observar as formalidades previstas no Código Civil, porque a transmissibilidade do direito estava prevista em dois pontos do Código Civil: cessão de crédito e lá no capítulo de títulos de crédito. Então na época, acredito que eu estava no mestrado, eu publiquei um livro organizado pelo professor Gustavo Tepedino, interessante e bem didático sobre o tema. É a cessão de crédito é um documento pesado, é um documento que tem que se observar uma série de formalidades. É um documento que traz mais risco para o devedor e, além de tudo o cedente, como regra geral não garante o pagamento, ele não garante o pagamento do crédito, salvo tiver uma cláusula em sentido diverso e essa garantia se limita ao preço da cessão. Então quando o cedente aliena o crédito, ele está alienando o risco, por isso que ele recebe um valor, normalmente, menor do que o valor nominal do próprio crédito. Se o valor nominal é de R$ 50.000, 00, a depender do risco, ele vai alienar esse crédito por R$ 40.000,00, R$30.000, R$ 20.000,00 pois ele está alienando o risco. Então a cessão de crédito é assim, um contrato parrudo, cheio de formalidade que não protege adequadamente o cessionário. Com o endosso, como já estudaram comigo, ele cria um direito autônomo e o devedor do título, próprio endossante, ele não pode se opor ao final do título, se ele circular mais vezes quaisquer exceções que ele tenha contra quem ele contratou diretamente. Então essa autonomia da obrigação cambiária, que goza o endosso. Obrigação que não se confunde com as demais eventuais, qualquer vício eventualmente existente nas outras obrigações. Aí eu remeto e volto um pouquinho no tempo pra dizer pra vocês que o endosso ele teve lá a sua construção no direito francês. No direito francês, a letra de câmbio, mas a letra de câmbio a gente vai mencionar um pouquinho melhor isso, ou seja, século XVII, por aí, mas foi aperfeiçoado, tecnicamente, no século XIX, pela dogmática alemã. Nessa época, como o objetivo era trazer mais força e segurança para o crédito, elevar isso à máxima potência, constou nos regulamentos da época que o endossante ele não só gerava direito autônomo, mas o endossante, ele também era responsável pelo pagamento. Embora o conceito de endosso esteja ligado a transferência do direito, essa é a essência do endosso, foi criada uma regrinha suplementar, muito importante, que era a vinculação do endossantepelo pagamento do título caso o devedor originário não o fizesse. Aqui, a gente vai entrar em um campo, que é um campo riquíssimo, importantíssimo que vocês entendam, que é a chamada solidariedade cambiária. Aqueles que lançam assinatura no título, seja o devedor que emite o título, sejam os endossantes, como regra geral, eles respondem pelo pagamento, e aí como existe uma pluralidade de responsáveis, incide uma solidariedade, só que não é uma solidariedade do direito civil, a comum que vocês já estudaram em obrigações. Lá na solidariedade do direito civil, cada devedor responde pelo todo, mas pode exercer um direito de regresso em face dos demais devedores solidários, segundo a cota parte de cada um. No regresso é diferente, você regressa, aquilo que pagam, ele tem que respeitar as cotas partes de cada um, na solidariedade comum. Na solidariedade cambiária, aquele que paga pode cobrar do devedor que seja anterior do título, essa questão a gente vai estudar de maneira demorada porque é complexa, mas aquele que paga ele pode cobrar o todo de qualquer outro que figure no título e que lhe seja anterior a uma cadeia de recursos. Então o quarto endossante, se houver, pode cobrar do terceiro, do segundo, do primeiro, e do devedor principal, chamado devedor principal, embora seja o último que vai responder, ele não pode regressar contra ninguém, em geral. Essa regra geral está prevista no Art. 15, primeira alínea, da Lei Uniforme, também no Art. 43 do Decreto 2044 e a solidariedade cambiária, essa história do regresso, resulta desse regime de responsabilidade. No CC até está previsto, mas eu ainda vou falar do CC. Essa é a regra geral, aí vem o CC e diz o seguinte: a regra geral é essa, salvo cláusula em contrário, então o endossante pode ressalvar sua responsabilidade. Então o CC estabelece uma regra exatamente contrária, dizendo o seguinte, o endossante não responde, salvo cláusula em contrário. É o Art. 914 CC. E aí vem os §s 1° e 2° uma regrinha explicativa da solidariedade cambiária. Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título. § 1º Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário. § 2º Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados anteriores. Que doideira é essa em que o CC prevê uma regra contrária à Lei Uniforme? Não é tão doido assim, eu diria para vocês se situar no tempo que em meados do século passado alguma doutrina, a italiana, passou a discutir que aquela dogmática alemã que foi aproveitada da Lei Uniforme, exagerou ao prever também a responsabilidade do endossante, porque o endosso nessa doutrina, essencialmente, é o ato de transferência de título, isso que é o endosso. Então aquele afã de proteger ao máximo, trazer mais segurança, mais força, teve um certo exagero ao prever uma regra que independeria de autonomia privada, que diria “olha eu sou responsável sim”. Então, isso explica por que no texto do código civil constou uma regra que, digamos, nessa linha de entender o que foi um certo excesso, essa responsabilidade grave do endossante. Por isso que constam no Código Civil e essa foi a historinha, porque na época eu fui buscar, esse negócio que estava arquivado no Congresso Nacional, que história é essa, a linha de raciocínio, e estou trazendo tudo mastigadinho aqui para vocês. Outras características do endosso, art 912 do Código Civil, diz que o endosso deve ser puro e simples, ou seja, não se admite o endosso condicional ou endosso parcial. Ele é puro e simples, para que não se trate de incertezas, dúvidas em relação ao que foi cedido, o que foi transferido. Eu não posso endossar “desde que o fulano me pagar aquela conta lá que está me devendo”, você não pode acrescentar condições no próprio ato de endosso. Se houver, é tipo como não escrito, na verdade, o endosso não vale como endosso. nesse caso A declaração de vontade não vale como endosso. Quanto às modalidades, o endosso pode ser em branco, basta uma mera assinatura dada no verso do título, artigo 910. Ou em preto, caso em que o endossante indica o nome do endossatário. Os artigos 910 e 913 tratam dessas modalidades. Também, o artigo 910 trata do modo como deve ser aposto isso. Então diz aqui: o endosso deve ser lançado no verso ou no anverso. Aí vem o parágrafo primeiro: pode designar o endossatário, que é o endosso em preto, e para validade do endosso dado no verso é suficiente a simples assinatura do endossante. Ou seja, endosso em branco deve ser dado no verso, porque se for no anverso a gente vai ver que ele é interpretado como um aval, em geral, que é uma garantia equivalente a fiança. O aval é uma garantia prestada no título de crédito. Se for uma mera assinatura lançada no anverso, que não emite o título, é interpretado como aval. Se for uma mera assinatura lançada no verso é interpretado como um endosso.
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