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FACULDADE PIAGET CURSO DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA GILSON DOS SANTOS GENÉTICA E COMPORTAMENTO Suzano 2022 FACULDADE PIAGET CURSO DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA GILSON DOS SANTOS Trabalho Discente Efetivo (TDE) apresentado como exigência para a disciplina de Biologia, sob a orientação da Profª. Ana Claudia Pelizon. Suzano 2022 3 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o objetivo de discutir a influência genética no comportamento humano. É de conhecimento que a predisposição genética tem papel importante, mas hábitos e ambiente são também influências significativas nos seres humanos. O caminho escolhido passa pela análise de artigos que tratam da interação entre genes e ambiente, a determinação biológica, a questão ética na manipulação do genoma e o papel da genética na dependência do álcool. Isso nos possibilitará um entendimento maior das complexas interações que moldam o comportamento de uma perspectiva científica, abordando aspectos sociais e biológicos. Segundo Pinheiro (1995), quando grupos humanos são considerados, a simples observação nos convence de que as diferenças na constituição física são biológicas, mas há também diferenças em muitos traços comportamentais e estes costumam confrontar o observador com o seguinte problema, se as diferenças comportamentais são determinadas cultural ou geneticamente. 4 2. OBJETIVO Ampliar o conhecimento sobre o que o molda/ determina o comportamento humano por meio da análise das complexas interações entre aspectos sociais e biológicos. 5 3. COMPORTAMENTO HUMANO 3.1 Ambientalista Historicamente, grande parte das discussões sobre origens ou causas do comportamento revela a existência de uma questão muito controversa, a questão inato-adquirido, também conhecida como nativismo-empirismo, natureza-educação ou hereditariedade-ambiente. A premissa básica da abordagem ambientalista é que o ambiente é o principal responsável pela formação das características básicas do ser humano. Nesse sentido, a forma ambientalista mais extrema é a do filósofo John Locke que entende o ser humano como sendo uma tábula rasa ao nascer e o meio ambiente escreveria a história do indivíduo por meio das condições e experiências de vida. Os psicólogos John Watson e Burrhus Skinner foram os principais adeptos dessa posição. Watson como fundador do behaviorismo nos Estados Unidos, que defendia uma explicação cultural ou ambiental no desenvolvimento do comportamento humano e Skinner, introdutor do conceito de condicionamento operante, conduta sujeita à regulação de fatores ambientais (PINHEIRO, 1995). Essa explicação ambientalista resultou em ...um esforço que atingiu seu ápice nos grandes programas sociais e nas elevadas esperanças da década de 60, quando a atenção governamental recaiu sobre os direitos dos grupos minoritários e daqueles "socialmente desprivilegiados". Nos Estados Unidos, vários milhões de dólares foram gastos na esperança de que essas pessoas pudessem ser levadas a comportar-se como cidadãos responsáveis, previsíveis e produtivos. A oportunidade era apresentada sob a forma de maiores facilidades educacionais, treinamento profissional etc. Mas muitos dos programas sociais não deram resultado ou não mudaram quase nada. Não o suficiente para convencer o público, que era quem estava pagando as contas. Novos programas vieram e com eles, como bem ressaltou Robert A. Wallace em seu livro Sociologia - O fator genético, perguntas que ainda estão no ar: "estamos realmente mudando nossa sociedade com nossas atuais tentativas de moldagem cultural"? (Wallace, 1985, p.12). (apud PINHEIRO, 1995,p.54). 3.2 Nativista O nativismo refere-se à herança biológica de uma pessoa, ou seja, recebida de seus pais. A afirmação da existência de ideias inatas surgiu com René Descartes e se constituiu no ponto de partida do longo debate inato-adquirido. Essa posição nativista, considera que as características básicas do homem já estão formadas no nascimento, devido à sua herança biológica. Por este motivo, seus adeptos sempre justificaram a presença ou ausência da mesma em um ou em ambos os pais, e mesmo em outros 6 consanguíneos, afastados ou não. Assim, por exemplo, um indivíduo é inteligente porque seu pai também o é; a outra só poderia ser uma ótima aluna de balé, pois sua mãe é uma grande bailarina; ainda outro é delinquente porque herdou no sangue etc. (PINHEIRO, 1995). Essa posição nativista resultou na ...crença de que o comportamento humano (ou grande parte dele) é inato, no sentido de que nós nascemos com determinadas tendências e propensões, que não podem ser alteradas por aprendizagem. Há dois erros básicos nessa abordagem. O primeiro é que o que passa através das células sexuais não são caracteres, traços ou características (físicas ou comportamentais), mas sim uma informação genética ou genes, para simplificar. Não há genes que tornem alguém um músico ou um cientista. Os genes criam as bases para os traços culturais, mas não forçam o desenvolvimento de nenhum traço em particular. Caracteres adquiridos não são transmitidos por via biológica. (PINHEIRO, 1995,p.55). O segundo erro está relacionado ao significado da palavra inato. Qualquer traço, caráter ou característica que o indivíduo apresenta ao nascer é, por definição, inato ou congênito, mas não necessariamente hereditário (genético), pois há traços causados por fatores ambientais. Como exemplo, podemos citar as alterações produzidas no feto em decorrência do abuso de álcool pela mãe durante a gestação (principalmente durante os 3 primeiros meses); as anomalias produzidas pela gestante no início da gravidez, tais como sífilis, toxoplasmose e rubéola; entre outros. (PINHEIRO, 1995,p.55). Há, por outro lado, traços congênitos (inatos) que são genéticos; por exemplo, a cor da pele, certas doenças hereditárias como a aquiropodia (uma amputação congênita quádrupla; Freire-Maia, 1992), a acondroplasia (uma forma de nanismo; Fitzsimmons, 1985) etc.; mas há também muitos traços genéticos que não se manifestam ao nascer. É o caso da coréia de Huntington, uma degeneração progressiva do sistema nervoso central que, em geral, só surge no adulto (Ajmar et al., 1991). Outro exemplo é o de displasia ectodérmica pura que só afeta os cabelos e os dentes (Freire-Maia e Pinheiro, 1984, p.149) (apud PINHEIRO, 1995,p.55). 3.3 Instintivo A discussão do inato deu origem a outra: a do instinto, cujo significado todos supostamente conheciam, mas que justamente por isso era mal compreendido - cada um tinha sua própria definição e quase todos estavam errados. Para vários autores, o ato instintivo é inato porque o indivíduo é capaz de executá-lo com eficiência desde a primeira vez, mesmo sem ter visto o ato ser executado por outro, ele é também inconsciente porque não há um ensaio mental prévio ou um planejamento consciente 7 que oriente a ação para a meta útil. Assim, alguns atos instintivos, bem típicos e automáticos, fazem parte do repertório do bebê - ele chora, mesmo sem ter visto ninguém chorar. m outras palavras, o comportamento instintivo é fundamentalmente genético, isto é, depende mais dos genes que o indivíduo herda, do que das experiências por que passa. Mas isto não significa que muitos instintos não possam se aperfeiçoar ou mesmo se redirecionar ante circunstâncias novas do ambiente (PINHEIRO, 1995,p.55-56). Enfim, para os ambientalistas, o comportamento apreendido resulta da interação do indivíduo com o meio, para criar experiências que se registram na memória e contribuem para o aperfeiçoamento dos desempenhossubsequentes. Por resultar de uma interação do indivíduo com o meio sua execução é possibilitada pela constituição genética do indivíduo (PINHEIRO, 1995, p.56). 3.4 O papel da genética Os pesquisadores Messas & Vallada Filho (2004), procuraram examinar a questão da herdabilidade na dependência do álcool por meio da revisão de estudos em famílias, em gêmeos e de adoção, encontraram evidências para afirmar a importância dos fatores genéticos na transmissão da vulnerabilidade à dependência do álcool. Essa transmissão, segundo eles, pode ser melhor compreendida através de um modelo epigenético de desenvolvimento do transtorno, no qual condições biológicas hereditárias associam-se a situações ambientais ao longo da vida para a produção da dependência. Eles apresentam as condições biológicas intermediárias vinculadas ao alto risco para dependência do álcool. Por fim, descrevem os estudos moleculares que vêm estabelecendo associações entre polimorfismos e a dependência do álcool, com relevo para o sistema dopaminérgico. Os autores acima iniciam pela compreensão dos processos de formação dos transtornos mentais que vem se mostrando desafiadora desde a fundação do campo psiquiátrico. A busca por determinantes somáticos, que pudessem caracterizar em termos biológicos tais fenômenos, conferindo legitimidade não somente às categorias patológicas, mas consequentemente à própria psiquiatria, esteve presente como objetivo em diversos momentos da história da disciplina. 8 3.4.1 Hipóteses Biológicas Nas últimas décadas, foi observada a ascendência das hipóteses biológicas sobre a formação dos transtornos e, a partir dos anos 1970, as investigações destinadas a identificar possíveis determinantes orgânicos e a elaboração de uma classificação diagnóstica objetiva das patologias mentais passaram a predominar no cenário psiquiátrico. Com os avanços proporcionados pelas tecnologias de pesquisa médica, especialmente aqueles conquistados no campo das pesquisas genéticas, e o surgimento de diversas possibilidades de investigação do cérebro, uma verdadeira revolução no que se refere ao entendimento dos transtornos mentais estaria em curso. Nesse contexto, as neurociências ocupariam um papel central no campo da saúde mental, como fonte de conhecimento válido, científico e objetivo, capaz de revelar os nexos causais que conduzem à formação dos transtornos mentais (MESSAS & VALLADA FILHO 2004). Nesse sentido é importante notar que: As pesquisas em neurociências tinham como um de seus principais objetivos encontrar a determinação biológica dos mais variados fenômenos, entre os quais, os transtornos mentais. Com o desenvolvimento das pesquisas, as patologias mentais passam a ser entendidas e investigadas como transtornos neurológicos e a herança genética e a fisiologia cerebral são tomadas como cerne das doenças. Segue-se a isso um período de intenso investimento em investigações sobre a genética dos transtornos mentais, que buscavam identificar o gene responsável por cada transtorno e sobre o funcionamento cerebral, buscando correlacioná-lo a sinais e sintomas de doenças (MESSAS & VALLADA FILHO 2004, p.2). A consequência disso foi que: No âmbito da classificação diagnóstica, a publicação da terceira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), em 1980, é entendida como um marco do processo de transformação da psiquiatria e, principalmente, da mudança na fundamentação conceitual que servia de alicerce para o conhecimento e a prática psiquiátrica. Ainda que o DSMIII tenha sido elaborado com base em uma suposta neutralidade objetiva, exatamente em contraposição ao excesso de teoria psicodinâmica que teria predominado nas versões anteriores, as descrições objetivas e universais do manual representaram mais um passo em direção à prevalência de uma compreensão organicista dos transtornos no campo da saúde mental (MESSAS & VALLADA FILHO 2004, p.2). A tendência de transformação na fundamentação conceitual gerou uma preocupação bastante pertinente ao se verificar que: 9 A defesa das hipóteses biológicas sobre a determinação dos transtornos mentais foi acompanhada pelo enfraquecimento dos demais discursos dirigidos ao entendimento da patologia mental. Até então, predominavam no campo psiquiátrico explicações psicológicas e ambientalistas sobre a formação dos transtornos, com pouca ou nenhuma referência aos determinantes biológicos. A psicanálise, a psiquiatria social e demais teorias psicológicas e sociológicas que vigoraram como referência primordial para a explicação da doença mental até os anos 1980 foram intensamente questionadas a partir da ascensão das primeiras teorias neurocientíficas (MESSAS & VALLADA FILHO 2004, p.2). Portanto, é importante destacar, ainda mais, que: ...no contexto de elaboração do conhecimento médico-psiquiátrico da segunda metade do século XX, ambas as vertentes de explicação do adoecimento mental apresentavam-se como justificativas únicas e antagônicas, desfavorecendo qualquer possibilidade de compreensão que articulasse de forma complementar os campos biológico e psicossocial. Desse modo, o predomínio de um modelo biológico de explicação dos transtornos mentais tenderia a influenciar significativamente as possibilidades terapêuticas ofertadas na atenção à saúde mental, privilegiando intervenções medicamentosas e objetivas, e esvaziando as demais possibilidades de cuidado. O alcance da chamada remedicalização da psiquiatria e da ascensão do conhecimento neurocientífico não se limitou ao campo da saúde mental, mas foi difundido amplamente no imaginário cultural, tonando-se referência para explicar os mais variados fenômenos humanos, justificar condutas, fundamentar argumentos políticos e servir como suporte para narrativas pessoais (MESSAS & VALLADA FILHO 2004, p.2). 3.4.2 Herança genética e ambiente Dando sequência ao estudo sobre a relação entre herança genética e ambiente que se desenvolve a partir da identificação de que um gene ou de um conjunto de genes como fonte originária de um processo mental patológico esteve entre uma das principais ambições da psiquiatria biológica. Durante décadas, cogitou-se que o desconhecimento acerca da etiologia dos transtornos seria superado com o avanço tecnológico e as possibilidades de pesquisa dele decorrentes. A partir do desenvolvimento de técnicas avançadas de pesquisa genética, a possibilidade de encontrar o eventual gene responsável pelo desenvolvimento de determinado transtorno mental tornou-se factível. Com o projeto de mapeamento do genoma humano, o que se propunha analisar era a arquitetura genética do corpo humano de modo a identificar os nexos causais entre a herança genética e o surgimento de doenças, propiciando a construção de intervenções terapêuticas e preventivas mais eficazes. Nesse sentido, diversas pesquisas dedicaram-se a buscar o gene responsável pelo surgimento da esquizofrenia, do transtorno bipolar, do autismo etc. No entanto, tal resultado, que equivaleria a finalmente revelar a fundamentação biológica dos transtornos mentais, não foi alcançado. Os resultados apresentados 10 com base nas primeiras pesquisas genéticas dos transtornos mentais não revelaram relações significativas entre os genes e as doenças investigadas. Essas pesquisas analisavam o material genético de famílias de portadores de transtorno mental em busca do gene determinante da doença. Sem resultados conclusivos, as amostras foram continuamente expandidas para reunir centenas de famílias, adotando a mesma estratégia de buscar um determinado gene que pudesse ser identificado como causa da doença (MESSAS & VALLADA FILHO 2004). 3.4.3 Cérebro em desenvolvimento Os cientistas Messas & Vallada Filho (2004) discorrem sobre o cérebro em desenvolvimento, adentrando o campo neurocientífico,entendendo como a noção de epigenética está atrelada às noções de neurodesenvolvimento e plasticidade cerebral. Diferentemente da caracterização do cérebro como um processador de informações isolado, oriunda das ciências cognitivas, o modelo atual aponta para a multiplicidade de conexões e a indeterminação subjacente aos processos de desenvolvimento e funcionamento cerebral. Nesse contexto, os transtornos mentais são entendidos como o estado final de uma série de processos anormais de desenvolvimento do cérebro, que tem início anos antes do estabelecimento da patologia propriamente dita. Tais processos, presentes em momentos cruciais do desenvolvimento do indivíduo, conduziriam a modificações funcionais, como déficits cognitivos, alterações comportamentais, dificuldades de aprendizagem, entre outros, que contribuem para o aumento da vulnerabilidade à doença e indicam a possibilidade de seu aparecimento futuro. Então o que se depreende desse contexto é que: O entendimento dos transtornos mentais como transtornos do neurodesenvolvimento vem sendo valorizado como forma de explicar o cará- ter crônico e progressivo das patologias mentais. Uma vez que os transtornos psiquiátricos, em sua maioria, se desenvolvem lentamente e, uma vez instalados, frequentemente têm um curso duradouro e incapacitante, caracterizando-se como doenças crônicas, o conceito de desenvolvimento seria especialmente útil para compreendê-los 26. A perspectiva do neurodesenvolvimento parece ser fértil por considerar a continuidade dos fenômenos patológicos mentais, buscando os meios de conexão entre os acontecimentos experimentados na infância e adolescência e a patologia adulta, em consonância com os resultados de estudos epidemiológicos e 11 muitas das intuições de clínicos e pesquisadores da área 23,28,29,35. A tese geral no campo considera que a vulnerabilidade aos transtornos psiquiátricos surge a partir da exposição a fatores ambientais durante períodos críticos de desenvolvimento do cérebro. Os desafios seriam compreender os efeitos biológicos que as experiências adversas mais precoces causam no organismo, e explicar de que forma tais efeitos acabam por conduzir às diferenças de vulnerabilidade à doença em períodos posteriores da vida. Desse modo, na perspectiva do neurodesenvolvimento, interessa compreender o papel do ambiente nos processos cerebrais que se desenvolvem lentamente e causam modificações duradouras nos circuitos cerebrais, culminando na formação de transtornos (MESSAS & VALLADA FILHO 2004, p.5). 3.4.4 Determinismo biológico Por fim os pesquisadores tecem considerações sobre o determinismo biológico e seu impacto no campo da saúde mental. Afirmam que a produção contemporânea do conhecimento biomédico vem promovendo o redirecionamento das principais hipóteses investigadas e a alteração dos modelos etiológicos adotados na explicação das doenças. As primeiras hipóteses investigadas, baseadas no determinismo biológico direto passam, gradativamente, a ser substituídas por hipóteses mais complexas sobre a formação das doenças. Essas pesquisas baseadas no modelo científico do mecanicismo biológico não trouxeram os resultados empíricos esperados. Consequentemente, a esperança de encontrar exclusivamente no código genético humano o fundamento etiológico das principais doenças que nos acometem vem se dissipando. De modo semelhante, no escopo de investigações neurocientíficas recentes, o objetivo de encontrar marcadores biológicos diretos, que pudessem ser identificados como causa dos transtornos mentais, não vem sendo alcançado com a esperada facilidade. É nesse contexto de decepção, reformulação e novos investimentos que a noção de vulnerabilidade começa a aparecer e se destacar nas pesquisas em neurociências e psiquiatria. Uma vez que as evidências científicas encontradas nas pesquisas do campo não têm sustentado a ambição reducionista, mas apontam para uma grande variabilidade de fatores de risco e para diferentes graus de vulnerabilidade possíveis, as interpretações encontradas nos artigos descrevem uma etiologia complexa, que resiste a tentativas de simplificação e previsibilidade. Assim, as noções de epigenética e neurodesenvolvimento são 12 combinadas em uma descrição dos transtornos mentais que, ainda que localize o cerne da experiência patológica no funcionamento biológico, é menos determinista e mais probabilística do que esperavam seus idealizadores (MESSAS & VALLADA FILHO 2004). 3.5 Ética e Direito na manipulação do genoma humano Na sequência da discussão sobre a influência da herança genética ou dos fatores ambientais no comportamento humano, uma outra vertente se impõe na discussão que é a questão ética na manipulação do genoma humano e as implicações para os indivíduos e para a sociedade em geral. O genoma é o conjunto de toda informação de um determinado organismo, contido em seu material genético, DNA, ou mesmo RNA no caso de alguns vírus. O DNA é uma macromolécula orgânica que possui a informação contida na sequência de suas bases (adenina, timina, guanina e citosina); quando necessário, essa informação é disponibilizada para a célula na forma de uma molécula de RNA mensageiro. Essa molécula de RNA mensageiro será posteriormente lida e traduzida na forma de uma proteína, no citoplasma da célula. A biologia molecular tem fornecido as ferramentas básicas para os geneticistas se aprofundarem nos mecanismos moleculares e principalmente nos que influem na variação das doenças e, com isso, a divulgação da sequência do genoma humano abriu uma nova era para a medicina, A nova genética está penetrando de forma avassaladora nos mais diversos domínios do mundo contemporâneo, gerando uma revolução tecnocultural associada aos genes que tem transformado tecnologias, instituições, práticas e ideologias (GOULART et al, 2010) A Constituição de 1988 assegura os direitos fundamentais do cidadão e Dispõe, ainda, no § 1º que, para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: a) inciso II – “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”; b) inciso V – “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”. Ademais, convém lembrar que a Carta Magna estabelece uma gama de direitos individuais e coletivos que resguardam, dentre eles, o direito à vida (artigo 5º, caput), o direito à integridade física e moral, a dignidade humana (art. 1º, inciso III) , bem como a saúde como direito de todos e dever do Estado (artigo 196)6. O genoma humano é propriedade inalienável de toda a pessoa e, por sua vez, um componente fundamental de toda a humanidade. Dessa maneira, ele 13 deve ser respeitado e protegido como característica individual e específica, pois todas as pessoas são iguais no que se refere aos seus genes, afinal unicidade e diversidade são propriedades de grande valor da natureza humana. O Projeto Genoma Humano (PGH) iniciou-se em 1990 para decifrar o código genético humano e suas alterações e em 2003 concluiu-se o sequenciamento dos três bilhões de bases do DNA da espécie humana. Os objetivos do PGH em saúde envolvem a melhoria e simplificação dos métodos de diagnóstico de doenças genéticas, otimização das terapêuticas e prevenção de doenças multifatoriais (GOULART et al, 2010, p.1710). Ainda outro aspecto se faz relevante: Para Pena, a problemática vai convergir na interação de três elementos: os pesquisadores que geram o novo conhecimento, a comunidade empresarial que transforma este conhecimento em produtos e a população que vai absorver e incorporar os novos conhecimentos em sua visão de mundo e suas práticas sociais, além de consumir os novos produtos. Nesse sentido,Clotet alerta para a responsabilidade científica, uma vez que os cientistas devem imaginar as consequências morais da aplicação comercial de testes genéticos. No ser humano, será possível analisar milhares de genes ao mesmo tempo e as informações e as tecnologias disponibilizadas têm o potencial de modificar a compreensão e os conceitos atuais sobre o mecanismo de prevenção. As pessoas poderão saber se tem predisposição a determinadas doenças crônicas, como câncer, hipertensão, diabetes ou doença de Alzheimer e, desta forma, tratá-las antes do aparecimento dos sintomas. Na área da farmacologia, os medicamentos poderão ser administrados de acordo com o perfil genético do paciente (GOULART et al, 2010, p.1711). 14 4. CONCLUSÃO Portanto, é de conhecimento que a predisposição genética tem papel importante, mas hábitos e ambiente são também influências significativas nos seres humanos, o que molda/ determina o comportamento humano é um conjunto de complexas interações entre aspectos sociais e biológicos. Não há uma predominância do ambiente ou da genética, vai depender das interações dos diversos fatores que fazem parte da vida do indivíduo. Os comportamentalistas entendem que os seres humanos são muito maleáveis ao ambiente, diferentemente dos nativistas que demonstram evidências para afirmar a importância dos fatores genéticos na transmissão da vulnerabilidade a uma dependência, no caso, a do álcool. Enfim, os fatores genéticos, sociais e ambientais contribuem numa interação complexa para moldar nosso comportamento, sem ser ainda possível determinar o que é predominante na adoção desse ou daquele comportamento. 15 REFERÊNCIAS GOULART, Maria Carolina Vaz. IANO, Flávia Godoy. SILVA, Paulo Maurício. SALES- PERES, Silvia Helena de Carvalho. SALES-PERES, Arsênio. Manipulação do genoma humano: ética e direito in Ciênc. saúde coletiva 15 (suppl 1), Jun 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/Cx48fS9WCxjr7yjCPKynMQC/ Acesso em:17/04/2022 MESSAS, Guilherme Peres. VALLADA FILHO, Homero Pinto. O papel da genética na dependência do álcool in Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):54-58. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbp/a/N8jBjjsPG9nR4Z3hNdxX6bQ/?lang=pt. Acesso em: 20/03/2022 PINHEIRO, Marta. Comportamento humano - interação entre genes e ambiente in Educar em Revista, nº10, p.3-57, 1995. Disponível em: https://www.scielo.br/j/er/a/NpLFhtgnLmYR6RH9Hd5F74y/?format=html. Acesso em: 26/02/2022 https://www.scielo.br/j/csc/a/Cx48fS9WCxjr7yjCPKynMQC/ https://www.scielo.br/j/rbp/a/N8jBjjsPG9nR4Z3hNdxX6bQ/?lang=pt https://www.scielo.br/j/er/a/NpLFhtgnLmYR6RH9Hd5F74y/?format=html