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Érika Cerri dos Santos UFES 2022/2 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O ROMPIMENTO DA ORDEM JURÍDICA ANTERIOR A CONSTITUIÇÃO NOVA E A ORDEM CONST ITUCIONAL ANTERIOR A Constituição escrita ordena sistematicamente os princípios fundamentais da organização política do Estado e das relações entre esse Estado e o povo que o compõe. A partir da perspectiva de Kelsen, trata-se do fundamento de validade de toda a ordem jurídica, de forma que nenhuma norma pode subsistir validamente no âmbito de um Estado se não for compatível com a Constituição. Não se pode cogitar a existência simultânea de duas Constituições. Assim, uma Constituição nova revoga a Constituição anterior, como regra geral. REVOGAÇÃO DE SISTEMA -> Na verdade, o que ocorre é uma ruptura com o sistema jurídico anterior. Assim, precipuamente, não sobra nenhuma norma constitucional precedente. Ou seja, uma vez promulgada uma nova Constituição, fica inteiramente revogada a anterior, sendo indiferente o fato de suas normas guardarem ou não compatibilidade entre si. Sobre o assunto, destaca-se que, entre normas de igual hierarquia, considera-se que a posterior revoga a anterior quando: a) Expressamente o declare; b) Seja com ela incompatível; c) Regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. No caso de ser promulgada uma nova Constituição, ocorre o previsto na alínea c. EXCEÇÃO 1 -> Possibilidade de permanência de algumas partes da antiga Constituição no novo ordenamento A Constituição anterior pode estar presente no novo ordenamento jurídico formado, desde que por meio de normas expressamente transportadas à nova Constituição (recepção material)1, ou por meio da desconstitucionalização de outras normas, o que as tonas normas infraconstitucionais/leis ordinárias. Esta última hipótese, entretanto, apenas se aplica nos casos de previsão expressa da nova Constituição. [...] A tese encontra lastro em Carl Shmitt e foi explorada por Esmein. De fato, constatou o autor francês, na linha teoria do próprio Schmitt, que as Constituições escritas contêm, frequentemente, disposições que não são constitucionais, senão pela forma, tendo conteúdo, todavia, de normas 1 Nesse caso, a nova Constituição expressamente mantém em vigor, e com o mesmo caráter constitucional, preceitos do ordenamento que está sendo substituído. Érika Cerri dos Santos UFES 2022/2 administrativas, penais, etc. Fundado em tal premissa, desenvolveu o raciocínio da sobrevida das normas apenas formalmente constitucionais, quando compatíveis com anova ordem. - Barroso, 2007 Ou seja, salvo nos casos acima, a Constituição anterior é completamente revogada ante a promulgação de uma nova. EXCEÇÃO 2 -> A recepção das normas infraconstitucionais RECEPÇÃO -> Ato jurídico com o qual o ordenamento acolhe e torna suas as normas de outro ordenamento, onde tais normas permanecem materialmente iguais, mas não são mais as mesmas com respeito à forma. A respeito das normas infraconstitucionais, existem outras questões a ser analisadas. Em razão da supremacia da Constituição, entende-se que todas as normas infraconstitucionais devem estar de acordo com a normativa constitucional vigente. Entretanto, ao entrar em vigor, a nova Constituição já se depara com todo um sistema legal preexistente, de forma a ser impossível o rompimento integral e absoluto com o passado. Assim, toda a legislação ordinária, federal, estadual e municipal que não seja incompatível com a nova Constituição conserva sua eficácia. Trata-se do princípio da continuidade da ordem jurídica, o qual ocorre por meio da recepção. Se não fosse assim, haveria um enorme vácuo legal até que o legislador infraconstitucional pudesse recompor inteiramente todo o domínio coberto pelas normas jurídicas anteriores. Uma grande parte das leis promulgadas sob a antiga Constituição permanece, como costuma dizer- se, em vigor. No entanto, esta expressão não é acertada. Se estas leis devem ser consideradas como estando em vigor sob a nova Constituição, expressa ou implicitamente (...). O que existe, não é uma criação de Direito inteiramente nova, mas recepção de normas de uma ordem jurídica por uma outra. - Hans Kelsen Neste caso, o que ocorre é que o conteúdo das normas recepcionadas permanece o mesmo, mas seu fundamento de validade passa a ser a nova Constituição. Assim, as normas recepcionadas pertencem materialmente ao ordenamento jurídico velho e formalmente ao ordenamento jurídico novo. A respeito da recepção material, é importante destacar que, embora o texto da norma recepcionada permaneça o mesmo, poderá ela merecer leitura e interpretação diversas, quando o novo ordenamento esteja pautado por princípios e fins distintos do anterior. Por isso, nem sempre a norma continuará, materialmente, sendo a mesma que era anteriormente. Érika Cerri dos Santos UFES 2022/2 Em razão disso, parte da doutrina aponta que o termo correto a ser utilizado seria novação. Isso porque o processo não se trata de mero recebimento das normas anteriores, mas de verdadeira recriação de seu sentido (BARROSO, 2019). A norma apenas será recepcionada, entretanto, caso seja compatível, com a nova ordem jurídica. A NORMA INCOMPATÍVEL COM A NOVA CONSTITUIÇÃO NÃO É INCONSTITUCIONAL – TEORIA DA NULIDADE Uma dúvida que surge oriunda da recepção das normas diz respeito à constitucionalidade daquelas normas vigentes anteriormente à Constituição, mas que não são por esta recepcionadas. No caso, a lei anterior incompatível com a Constituição é revogada ou é inconstitucional? Sobre o assunto, havia uma divergência doutrinária. De um lado, parte da doutrina entendia se tratar de inconstitucionalidade superveniente; de outro, a outra parte entendia se tratar de revogação tácita. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - Ministro Sepúlveda Pertence - Segundo o Ministro, serviria melhor às inspirações do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade; - O Ministro acreditava que a tese da revogação implicaria na permissão de que dissídios se arrastassem por anos até que o Controle fosse feito de forma difusa, vez que não caberia o controle direto (ADIN). - Uma norma incompatível com a Constituição poderá sempre ensejar um juízo de inconstitucionalidade, o que não sofre condicionamento de natureza temporal, podendo recair sobre lei posterior ou lei anterior. REVOGAÇÃO TÁCITA - Ministro Paulo Bossard - Para o Ministro, o vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. - A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. As repercussões práticas são as seguintes: Érika Cerri dos Santos UFES 2022/2 → Se reconhecida a inconstitucionalidade superveniente: Cabe ADIN → Se reconhecida a revogação tácita: Não cabe ADIN O posicionamento adotado pela jurisprudência brasileira é o de que a norma é revogada e não há que se falar em inconstitucionalidade. Logo, não cabe ADIN contra normas anteriores à atual Constituição que são com estas incompatíveis. A análise deste posicionamento deve ser feita a partir do estudo dos planos normativos. Estes são: a) Plano da Existência – Existência material A existência de um ato jurídico verifica-se quando nele estão presentes os elementos constitutivos definidos pela lei como causa eficiente de sua incidência. São tais elementos o agente, a forma e o objeto. b) Plano da Validade – Validade de acordo com a ordem constitucional Existindo o ato, sujeita-se ele ao plano da validade. Aqui, cuida-se de constatar se os elementos do ato preenchem os atributos, os requisitos que a lei lhes acostou para que sejam recebidos como atos dotados de perfeição. São tais requisitos a competência, a forma adequada e a licitude/possibilidade. Nenhum ato legislativo contrárioà Constituição pode ser válido. c) Plano da Eficácia – Produção de efeitos A eficácia consiste em sua aptidão para a produção de efeitos, para a irradiação de consequências que lhe são próprias. d) Plano da Efetividade – Produção de efeitos sociais A contrariedade aos mandamentos constitucionais deflagra os mecanismos de controle de constitucionalidade. A pergunta que se faz é: um ato inconstitucional é inexistente, inválido ou ineficaz? O sistema brasileiro adota a teoria da nulidade das normas. Assim, ato inconstitucional é ato nulo de pleno direito. A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a Uma lei que contrarie a Constituição é inválida, por desconformidade com o regramento superior. Logo, a declaração de invalidade produz efeitos ex tunc. Norma inconstitucional não deve ser aplicada. Assim, a inconstitucionalidade da norma, no plano da eficácia, terá efeitos ex nunc. Érika Cerri dos Santos UFES 2022/2 inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. - Barroso, 2001 A lei inconstitucional é inválida e, portanto, seus efeitos declaratórios se produzem retroativamente. MAIS SOBRE A TEORIA DA NULIDADE → A decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório. Logo, possui efeitos ex tunc. → Não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante. DA IMPOSSIBILIDADE DE REPRESTINAÇÃO A norma apenas será recepcionada pela nova Constituição se compatível com esta. Entretanto, é demorado o processo de reconhecimento da compatibilidade das normas. Por isso, pode ocorrer de ser identificada uma norma que foi tacitamente revogada pela Constituição de 1964, mas que é compatível com a Constituição de 1988. Esta, entretanto, não será repristinada, mesmo compatível com a Constituição vigente, a não ser que esteja expressamente prevista nesta. EFEITO REPRISTINATÓRIO -> A norma declarada inconstitucional não foi apta para revogar a norma anterior que tratava da mesma matéria, uma vez que nasceu nula, logo, não surte efeitos no mundo jurídico. REPRESTINAÇÃO -> Ressuscitar a norma. Érika Cerri dos Santos UFES 2022/2 EXEMPLO PRÁTICO: OUTORGADA A CONSTITUIÇÃO DE 1937 • A partir dessa outorga, a Constituição anterior, de 1934, foi revogada. Suponhamos que uma norma vigente ante à Constituição de 1934 não fosse recepcionada, mas as pessoas continuassem a utilizar. UtilIziaremos, por exemplo, o art. 4º da Lei X. PROMULGADA A CONSTITUIÇÃO DE 1946 • O art. 4º da Lei X permanece sendo utilizado, mesmo também não recepcionado por esta Constituição. PROMULGADA A CONSTITUIÇÃO DE 1967 • Apesar de não recepcionada anteriormente, o art. 4º da Lei X é compatível com a Constitiuição de 1967. A norma represtina? RESPOSTA - NÃO • No Brasil, a norma constitucional não represtina. Dessa forma, o art. 4º da Lei X não é válido, mesmo que compatível com a Contituição vigente, vez que não foi recepcionado pelas Constituições anteriores e, por isso, fora tacitamente revogado. Por isso, é importante o estudo da norma sob a égide de todas as Cosntituiçoes anteriores, para verificar sua recepção.
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