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A Pedagogia hospitalar, o cenário hospitalar e suas práticas pedagógicas Ludmila Dayana Barreto da Silva Neves OBJETIVOS DA UNIDADE bullet Conceituar os fundamentos da Pedagogia hospitalar a partir das leis que a regem e de dados históricos; bullet Abordar os aspectos e conceitos do atendimento pedagógico domiciliar; bullet Apresentar a ética no âmbito hospitalar e as práticas pedagógicas nesse contexto. Como sabemos, o pedagogo chegou a diferentes espaços. Diante dessa nova realidade, é de extrema importância que exista uma legislação para respaldar suas ações a partir do que precisa ser alcançado. O pedagogo hospitalar é de extrema importância no contexto educacional, pois atua acompanhando crianças e adolescentes no período de ausência escolar, em geral, internados em instituições hospitalares. A Pedagogia hospitalar é regida por leis que visam o seu exercício a partir de uma organização e do cumprimento de regras necessárias. De acordo com a lei que atualmente rege o Brasil, a Constituição de 1988, especificamente no Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, artigo 205: [...] a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Sendo assim, a partir do respaldo que determina a Constituição Federal de 1988, que o direito à educação é de todos e para todos, sob qualquer circunstância em que o indivíduo esteja vivendo ou que necessite. Em outras palavras, nada deve impedir o sujeito de ter acesso à educação. Seja sua condição social, econômica ou, até mesmo, seu estado de saúde. Quando nos remetemos à Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), também encontramos uma legislação que apura que a educação é direito de todos. TÍTULO II Dos Princípios e Fins da Educação Nacional Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; A LDB tem como base a Constituição Federal de 1988, contudo é possível identificarmos que ela informa de modo mais detalhado e específico como a educação deve ser para todos e como deve ser aplicada e desenvolvida a partir de suas respectivas bases. Diagrama 1. Fluxograma sobre as bases da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB). Fonte: LIMA; FIRMINO, 2020, p. 75. (Adaptado). Legalmente, há respaldos que apontam que a educação é para todos. Uma das premissas dessa questão é: como possibilitar uma educação para todos a partir das diferentes realidades existentes? O objeto do nosso estudo é compreender a legislação que rege a Pedagogia hospitalar e a Educação Especial. Nesse contexto, a legislação garante que a educação é um direito de toda e qualquer criança e adolescente, ainda que estejam hospitalizados, assim como as possibilidades adequadas de desfrutá- lo. Algumas leis ainda foram decretadas a respeito desse direito à educação envolvendo questões relacionadas à saúde, como a Lei nº 1.044/69, que aborda o tratamento excepcional para alunos portadores de doenças em suas residências. A Lei nº 6.202/75 também envolve questões relacionadas à saúde da criança e do adolescente e, nesse caso, destaca os exercícios domiciliares para as estudantes gestantes. Ressalta-se que somente na década de 1990 o Brasil promoveu a criação de leis destinadas à classe hospitalar. Antes, essa classe era conduzida pela Constituição Federal e pela LDB, apenas na perspectiva de que a educação é para todos. Retomando as bases legislativas para a educação hospitalar, além das leis já citadas, podemos citar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especificamente o art. 9, que se refere ao direito à educação: “direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programa de educação para a saúde”, e a lei dos Direitos das Crianças e Adolescentes Hospitalizados, por meio da Resolução nº 41, de 13 de outubro de 1995. Essas leis têm o objetivo de proteger a infância e a juventude, visando a uma sociedade mais justa. CURIOSIDADE A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é o conjunto de normas do ordenamento jurídico brasileiro que tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, aplicando medidas e expedindo encaminhamentos para um juiz. É o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes. CLIQUE AQUI A classe hospitalar está contida na Lei nº 9.394/96 como Educação Especial, em uma perspectiva de educação inclusiva. Nesse contexto, são considerados alunos com necessidades educacionais especiais, os deficientes mentais, auditivos, físicos, com deficiências motoras e múltiplas, síndromes no geral e os que apresentam dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, além dos alunos que estão impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar ou atendimento ambulatorial (SANTOS, 2011). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm No Ministério da Educação (MEC), a publicação mais recente em relação à classe hospitalar e ao atendimento pedagógico domiciliar (APD) foi publicada em 2002. Segundo o documento, criado pelo Ministério por meio da Secretaria de Educação Especial, intitulado Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações (BRASIL, 2002), a expressão APD refere-se a: [...] um atendimento educacional que ocorre em ambiente domiciliar, decorrente de problema de saúde que impossibilite o educando de frequentar a escola ou esteja ele em casas de passagem, casa de apoio, casas-lar e/ou outras estruturas de apoio da sociedade (BRASIL, 2002, p. 13). Desse modo, o atendimento pedagógico domiciliar se configura como uma ação pedagógica que transforma um cômodo do lugar onde o sujeito reside em um espaço de ensino-aprendizagem. Em outras palavras, se a situação do aluno o impede de ir até a escola, a escola que vai até ele por meio da figura do professor. Ainda no cenário legislativo, a Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, trata: Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio. § 1º As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular (BRASIL, 2001). A Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a Educação Especial e o atendimento educacional especializado,respaldam ainda mais os ideais de acesso e inclusão educacional de crianças e adolescentes, promovendo e defendendo a criação de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em espaços que maximizem o desenvolvimento do educando, bem como suas possibilidades de aprendizagem. Nesse cenário, é importante conhecer as leis que regem e possibilitam a existência da Pedagogia hospitalar e o atendimento pedagógico domiciliar para um exercício correto, que beneficie crianças e adolescentes em condições específicas e necessárias a esse tipo de educação. CONTINUE A pedagogia hospitalar é um modo de ensino da Educação Especial cujo objetivo é a ação do educador no espaço hospitalar, atendendo a crianças ou adolescentes com necessidades educativas especiais transitórias, ou seja, indivíduos que por motivo de doença necessitam de atendimento escolar diferenciado e especializado. É responsabilidade do hospital encontrar alternativas e métodos específicos que permitam aos pacientes desfrutarem de abordagens educativas significativas durante o tempo em que estiverem no hospital. Vale lembrar que a família também tem um papel significativo nesse processo. No atendimento pedagógico domiciliar, também considerado um modo de ensino da Educação Especial, é responsabilidade dos sistemas de ensino buscar diferentes modos para alcançar novas possibilidades e atender às necessidades dos alunos. O público-alvo para o atendimento pedagógico domiciliar são os alunos matriculados acometidos por condições e limitações específicas, decorrentes de comprometimentos de saúde, que impossibilitam a participação nas atividades curriculares na escola (BRASIL, 2002; SILVA, PACHECO, PINHEIRO, 2014). CONTEXTUALIZANDO A Educação Especial pode ser considerada todo modo de educação que ultrapassa espaços e visa atender necessidades específicas relacionadas à saúde dos alunos. Segundo o art. 58 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: “entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de Educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. Considerando que a Pedagogia hospitalar e o atendimento pedagógico domiciliar ultrapassam os espaços escolares e visam atender às necessidades dos alunos, a partir de suas condições físicas, intelectuais ou emocionais, é importante destacar que esses dois modos de ensino fazem parte da Educação Especial. No contexto da Pedagogia hospitalar, podemos considerar que se trata de um processo alternativo de educação, já que ultrapassa os métodos convencionais escola-aluno, visando, por meio de ações e intervenções pedagógicas, modos de apoiar os alunos hospitalizados que necessitam de suporte para permanecer em sua vida acadêmica. Ainda no âmbito da Pedagogia hospitalar, podemos considerar a nomenclatura classe hospitalar como a denominação do atendimento pedagógico-educacional que acontece em espaços de tratamento de saúde em circunstância de internação, ou no atendimento em hospital por dia e hospital por semana, ou ainda em serviços de atenção integral à saúde mental. Como vimos, a classe hospitalar está inserida na modalidade de Educação Especial por atender crianças e adolescentes considerados com necessidades educativas especiais devido às dificuldades no acompanhamento das atividades curriculares por condições de limitações específicas relacionadas à saúde. O objetivo é proporcionar o acompanhamento curricular do educando enquanto ele estiver hospitalizado, garantindo a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo flexibilizado (BRASIL, 2002). CONTINUE ABORDAGEM HISTÓRICA DA PEDAGOGIA HOSPITALAR NO BRASIL Os primeiros registros de intervenção escolar em ambientes hospitalares aconteceram, na França, por volta do ano de 1935, atendendo por volta de 80 crianças e, posteriormente, na Alemanha e nos Estados Unidos. O atendimento à criança e ao adolescente hospitalizado cresceu de modo significativo, após a Segunda Guerra Mundial, quando em alguns países da Europa receberam, como consequência desse cenário, crianças mutiladas e com doenças contagiosas, como a tuberculose, que era muitas vezes fatal na época (VASCONCELOS, 2006). No contexto do pós-guerra, muitas crianças, devido à condição física, foram impedidas de irem à escola, e, com isso, uma ação coletiva foi organizada e conduzida por educadores e médicos que defendiam a classe hospitalar. Nos anos seguintes, aconteceu uma consolidação desse processo de criação da classe hospitalar. E surgiu, assim, o Centro Nacional de Estudos e de Formação para a Infância Inadaptada de Suresnes – CNEFEI, em 1939, em Paris, com a missão de formar professores para o trabalho em institutos especializados e em hospitais. Nesse mesmo ano, devido ao êxito das atuações dos profissionais com crianças em hospitais, criou-se o cargo de professor hospitalar junto ao Ministério da Educação, na França. Segundo Matos (2008), o CNEFEI tinha o objetivo de provar à sociedade que a escola não é um espaço limitado, mas o encontro do sujeito com o novo saber. Desse modo, a escola pode ser conduzida e representada em outros espaços, possibilitando ao educando acesso ao conhecimento e à aprendizagem. Diante desses dados históricos, podemos considerar que a educação nos hospitais em diversos países surgiu por diferentes motivos, seja para a garantia dos meios sociais, ou ainda como auxílio para crianças e adolescentes que estavam impossibilitados de ir à escola devido à sua condição física ou emocional e também como meio de ação e intervenção durante a internação de pacientes em idade escolar. No Brasil, há um percurso para a instauração da Pedagogia hospitalar, começando pela compreensão do que era deficiência e do que era doença. Historicamente, alguns autores consideram o início da Pedagogia hospitalar a partir da criação de hospitais, juntamente com o aumento do número de médicos que investiam em pesquisas e publicavam trabalhos científicos relacionados a pessoas com deficiências no final do século XIX e início do século XX. Esses acontecimentos contribuíram de modo significativo para a associação da deficiência à doença, o que favoreceu o aumento do número de crianças colocadas em hospitais e hospitais psiquiátricos (SOARES, 2012). As crianças e adolescentes eram inseridos em espaços em condições precárias → precários em diversos aspectos e não havia um pensamento voltado para inclusão por meio de ações ou intervenções pedagógicas. Assim, os sujeitos eram expostos a práticas consideradas equivocadas em relação à perspectiva atual de educação e inclusão. Nesse período, o objetivo não era integrar as pessoas com deficiência à sociedade ou à família, muito menos incluí-las, mas isolá-las dos grupos sociais. É importante considerar que, nesse período, o Brasil vivia a Primeira República (1889-1930) e, no contexto educacional republicano, mesmo sendo considerada o início da escolarização no País, as escolas foram consideradas um símbolo do atraso, da sujeira, da escassez, de castigos físicos, falta de formação especializada, sendo comparadas a pocilgas, estalagens e escolas de improviso (SCHUELER; MAGALDI, 2008). Diante dessas considerações, há diferentes pontos de vista sobre o início da Pedagogia hospitalar no Brasil. EXPLICANDO Ainda que alguns autores afirmem que a Pedagogia hospitalar surgiu, no Brasil, no início do século XX, com a classe hospitalar do Pavilhão-Escola Bourneville, do Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, podemos considerar a perspectiva de autores que discordam dessa ideia, compreendendo que as condições de internação das crianças e adolescentes eram inadequadas e não atendiam às necessidades educacionais da época. É válido compreender que o cenário era voltado para uma identidademanicomial e não permitia a valorização do conceito de cidadania, além da precariedade. Há suposições de que, a partir do contexto de espaços despreparados e sem estrutura, tanto física quanto pedagogicamente, foram geradas as primeiras provocações e atividades que proporcionaram o surgimento das primeiras classes hospitalares. Desse modo, consideraremos a linha histórica que defende que a Pedagogia hospitalar, no Brasil, teve início com as primeiras classes hospitalares nas enfermarias do Hospital Municipal Jesus, no Rio de Janeiro, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e no Hospital Barata Ribeiro, também no Rio de Janeiro. Matos (2008) aponta que, no Brasil, a ação educativa no espaço hospitalar mais antiga está registrada na década de 1950, no Hospital Municipal Jesus, no Rio de Janeiro. O Hospital Municipal Jesus foi inaugurado em 30 de julho de 1935 e promoveu a primeira classe hospitalar em agosto de 1950, sob a liderança da professora Lecy Rittmeyer. Em 1958, o departamento de educação de anos iniciais do Rio de Janeiro enviou a professora Esther Lemos Zaborusky para compor a equipe do Hospital Municipal Jesus, onde veio contribuir com as classes hospitalares pelas análises e propostas de novas ações e intervenções, além do desenvolvimento de melhorias para as atividades realizadas com os alunos (MEIRA, 1971). É possível imaginar como deve ter sido desafiador o papel da professora Lecy Rittmeyer no início de uma classe hospitalar, com todo o cenário que o Brasil se encontrava naquele momento histórico. Nessa época, o Hospital Barata Ribeiro, também no Rio de Janeiro, possuía instalações escolares. Entretanto, o Hospital Barata Ribeiro e o Hospital Municipal Jesus não sabiam da existência um do outro. Em 1960, quando as professoras Lecy Rittmeyer e Marly Fróes Peixoto se conheceram, foi possível unificar o trabalho e, assim, regulamentá-lo (MEIRA, 1971). Com o passar dos anos, a classe hospitalar como modalidade de atendimento educacional cresceu e se estabeleceu com o objetivo de lutar pelo direito à educação para todos. Outro objetivo que contribuiu para a classe hospitalar foi a busca da humanização no atendimento. Em 1961, o Setor de Assistência Educacional Hospitalar foi extinto e criou-se o Setor de Ensino Especial e Supletivo. Nesse momento, foi oficializado definitivamente a Educação dos Excepcionais, pela LDB e pela Constituição do Estado da Guanabara (BRASIL, 1961). Era um momento histórico marcante, que futuramente contribuiria para novas mudanças no cenário da Educação Especial e da classe hospitalar. Diretrizes e Bases da Educação Federal 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Título X. Da Educação do Excepcional: Art. 88. A educação de excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade. Art. 89. Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções (BRASIL, 1961, p. 01). Constituição do Estado da Guanabara 27-03-1961. Capítulo II: Da Educação e Cultura: Artigo 60: A Educação dos Excepcionais será objeto de especial cuidado e amparo do Estado, assegurada ao Deficiente a assistência educacional, domiciliar e hospitalar (BRASIL, 1961, p. 01). A partir da configuração legislativa da classe hospitalar, importantes passos foram alcançados nesse novo processo educacional. De fato, as iniciativas tomadas pelos membros da classe hospitalar do Hospital Municipal Jesus foram de extrema relevância para o surgimento de novas classes hospitalares em todo o Brasil. Vale considerar que, na atualidade, um número expressivo de alunos requer esses direitos e, portanto, essa configuração legislativa da classe hospitalar se faz tão relevante. O Gráfico 1 apresenta o número de matrículas com aulas em hospitais de 2013 a 2017, no Brasil, de acordo com os microdados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), publicados em 2018. Gráfico 1. Matrículas com aulas em hospitais, no Brasil, de 2013 a 2017. Fonte: JULIÃO; FERREIRA, 2018. (Adaptado). CONTINUE No contexto histórico brasileiro, em termos legislativos de direitos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Federal, de 20 de dezembro de 1961, em seu título X, no que se refere à educação de excepcionais, pode ser considerada um ponto de partida para a compreensão dos caminhos que a Pedagogia hospitalar vai tomando. Segundo Araújo e Rodrigues (2020), outras leis também contribuíram para esse processo, tais como: o Decreto-lei nº 1.044/69, acerca do tratamento excepcional para os estudantes que têm afecções, com atendimento domiciliar; e o Decreto nº 72.425, de 03 de julho de 1973, em que foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) com a finalidade de promover a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais. Assim, é possível perceber que a classe hospitalar, no Brasil, foi se consolidando paralelamente ao ensino especial. Um exemplo disso é a criação do CENESP, que foi resultado da política de educação e envolvimento de diferentes entidades, assim como determinações de órgãos internacionais (ARAÚJO; RODRIGUES, 2020). A Política Nacional da Educação Especial (MEC/SEESP, 1994) é considerada um marco específico e histórico na Pedagogia hospitalar, que descreve o atendimento pedagógico-educacional para crianças e adolescentes hospitalizados. Em 2010, obteve-se um reforço, por meio da Secretaria de Educação Especial, através de um documento intitulado Marcos Político- Legais da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2010, p. 25). É notório que, por meio desses documentos legais, o atendimento pedagógico hospitalar e o atendimento pedagógico domiciliar passaram a fazer parte da Educação Especial no Brasil, garantindo o acesso à Educação Básica e à atenção às necessidades educacionais especiais. Compreender o atendimento pedagógico domiciliar (APD) como direito necessário e indispensável é atentar-se para legislações que auxiliam na construção de sua identidade e execução. O Estatuto da Criança e do Adolescente conduz a atenção à criança e ao adolescente, garantindo-lhes desenvolvimento pleno em todos os aspectos que perpassam a sua vida, incluindo situações que afetam seu estado físico e sua saúde. A criança e o adolescente devem desfrutar de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa lei, assegurando-lhes todas as oportunidades e acessibilidades, visando seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. A Lei de Diretrizes e Bases Nacionais nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, traz detalhamento a este respeito, atribuindo “ao poder público a responsabilidade de garantir o direito à educação e criar formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino” (art. 5º, § 5º), e expressa no Art. 23, que deve “organizar-se de diferentes formas para garantir o processo de aprendizagem”. Ainda, a mesma Lei define que para os alunos com necessidades educacionais especiais os sistemas de ensino deverão assegurar currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organizações específicas para atender às suas necessidades (Capítulo V, art. 58) (BARBOSA, 2009, p. 5403). Segundo Brandão (2011, p. 5259), a Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais apresenta os direitos fundamentais à educação do aluno com necessidades educacionais especiais e destaca que a toda criança deve ser dada a oportunidade de atingir e manter seu nível adequado de aprendizagem, que os sistemas de educação devem designare implementar programas levando em conta a vasta diversidade de características e necessidades de seus alunos e aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular que atenda suas necessidades específicas. O Quadro 1 destaca as principais leis que garantem o serviço educacional de atendimento escolar ao aluno com limitações por motivo de doença que o impossibilita frequentar a escola, no Brasil. Quadro 1. Leis que respaldam o atendimento pedagógico domiciliar e a classe hospitalar, no Brasil. Fonte: BRANDÃO, 2011, p. 5259-5260. (Adaptado). O atendimento educacional domiciliar é muito importante, já que proporciona ao aluno a inserção em um sistema de ensino, contribuindo com os processos de desenvolvimento e aprendizagem. O professor se torna o mediador em diferentes aspectos, pois além de contribuir para o desenvolvimento intelectual, auxilia na apropriação dos conteúdos das disciplinas da série a que o aluno pertence, contribuindo também para sua saúde emocional. A realidade, muitas vezes, contribui para que o aluno desenvolva estresse, causado pela situação da doença. As ações do professor podem oferecer oportunidades educacionais para que o aluno, mesmo em situação de doença, ocupe seu tempo com atividades semelhantes às atividades realizadas por seus colegas em sala de aula. Essas intervenções pedagógicas podem favorecer a recuperação da saúde do aluno, devido aos efeitos positivos que geram repercussões emocionais. A partir de um planejamento educacional baseado em uma visão de currículo flexível e adaptado, o professor organiza e realiza ações e intervenções pedagógicas visando promover ao aluno uma aprendizagem significativa dentro de sua realidade. CONTINUE Quando nos remetemos ao conceito de ética, em qualquer ambiente, sempre esperamos que se configure por meio de uma série de regras a serem cumpridas. Todavia, se tratando da Educação, do exercício do educador como aquele que lida com o conhecimento e com as diferentes questões relacionadas à formação de indivíduos, a ética vai além de regras e métodos para uma boa conduta. O Quadro 2 destaca as reflexões sobre Educação dos mais tradicionais teóricos da Pedagogia no mundo. Quadro 2. Reflexões sobre a Educação dos mais renomados teóricos do mundo. Fonte: MELLO; ALMEIDA NETO; PETRILLO, 2020, n.p. (Adaptado). É importante que o pedagogo se atente para que o ato de educar não se limite apenas a transmitir o conhecimento, mas que seja um processo de intervenção e mediação da relação entre o sujeito, o mundo, o conhecimento e o processo de aprendizagem. Formar um indivíduo ultrapassa transmitir conhecimentos. E essa perspectiva também alcança as atribuições do pedagogo no ambiente hospitalar. A intenção é produzir humanização, humanismo ou iniciar um processo de tornar aquele educando “humano”. É um humanismo que, pretendendo verdadeiramente a humanização dos homens, rejeita toda forma de manipulação, na medida em que esta contradiz sua libertação. Humanismo, que vendo os homens no mundo, no tempo, “mergulhados” na realidade, só é verdadeiro enquanto se dá a ação transformadora das estruturas em que eles se encontram “coisificados”. Humanismo que, recusando tanto o desespero quanto o otimismo ingênuo, é, por isto, esperançosamente crítico. E sua esperança crítica repousa numa crença também crítica: a crença em que os homens podem fazer e refazer as coisas; podem transformar o mundo. Crença em que, fazendo e refazendo as coisas e transformando o mundo, os homens podem superar a situação em que estão sendo um quase não ser e passar a ser um estar sendo em busca do ser mais (FREIRE, 2002, p. 73-74). Desse modo, a ação do pedagogo enquanto educador nos mais diferentes espaços precisa ressignificar sempre a sua identidade quanto à ética de exercer o seu papel na sociedade e, principalmente, na individualidade dos sujeitos. A atuação do pedagogo no ambiente hospitalar pede, talvez, uma ética mais “humana” do que nos outros espaços. As atribuições do pedagogo se caracterizam diretamente pelo espaço em que atua. Assim como em todas as atribuições e exercício da profissão, a ética é uma característica muito importante para o exercício da função. Espera-se que, além de mediador, condutor ao conhecimento ou ainda tantas outras identidades que um professor possa ter, no contexto hospitalar, ele esteja voltado para ações humanizadas visando a socialização. A classe hospitalar precisa de profissionais que atuem na perspectiva de atender a crianças e adolescentes em diferentes estados, seja física, emocional ou psiquicamente. Além das ações e intervenções pedagógicas, é necessário que o pedagogo compreenda que o espaço hospitalar exige posturas e atitudes específicas em relação aos educandos. Devido à possibilidade de situações que podem ocorrer com o aluno, os profissionais que o acompanham devem estar atentos às necessidades de momentos específicos. Nesse contexto, Fonseca (2008) aponta a importância que se deve atribuir às necessidades educacionais em um contexto hospitalar, considerando a interrupção do processo educativo que ocorre na escola. Destaca ainda que a criança hospitalizada não apresenta um desenvolvimento diferente daquela que está frequentando a escola. Assim, partindo do princípio da realidade de cada educando em sua condição física, emocional ou psíquica, o pedagogo deve se atentar para a capacidade individual, sem negar as limitações de cada um. O pedagogo não deve atuar sozinho no contexto hospitalar, pois, assim como em outros espaços, presume-se que uma equipe esteja dando suporte e contribuindo para as ações necessárias, além da equipe médica que deve atualizar o estado de saúde do educando com frequência. Aliás, é de extrema importância que o pedagogo acompanhe o estado do aluno enquanto paciente, já que o planejamento para as práticas pedagógicas adotadas deve estar adequado à realidade do estado de saúde do educando. Portanto, devem ser apresentadas atividades pedagógicas que se adequem ao contexto escolar de cada educando, além de colaborar para condições de aprendizagem significativas. CONTINUE O PERFIL DO PEDAGOGO HOSPITALAR: ATRIBUIÇÕES E CONCEITOS DA ATUAÇÃO O pedagogo que atua na classe hospitalar ou ainda no atendimento pedagógico domiciliar deve estar atento para lidar com questões específicas de cada criança ou adolescente em diferentes realidades de saúde. Desse modo, é necessário criar as estratégias pedagógicas adequadas às necessidades e possibilidades dos educandos, assim como um modo de proporcionar condições voltadas a um processo de ensino-aprendizagem de qualidade. O professor da escola hospitalar é, antes de tudo, um mediador das interações da criança com o ambiente hospitalar. Por isso, não lhe deve faltar, além de sólido conhecimento das especialidades da área de educação, noções sobre as técnicas e terapêuticas que fazem parte da rotina da enfermaria, e sobre as doenças que acometem seus alunos e os problemas (mesmo os emocionais) delas decorrentes, tanto para as crianças como também para os familiares e para as perspectivas de vida fora do hospital (FONSECA, 2008, p. 29). O pedagogo hospitalar se depara com a realidade de pessoas que tiveram seus sonhos e projetos interrompidos, mesmo que temporariamente, devido ao surgimento de uma doença que impede que a criança ou adolescente frequente a escola, afetando o seu desenvolvimento psicológico, escolar e social. Portanto, é papel do pedagogo, juntamente com a equipe multidisciplinar hospitalar, tentar minimizar o sofrimento do paciente-educando por meio do ensino. Quando a criança hospitalizada puder retornar à sua rotina e vida normais, não estará em desvantagem ou “atrasada” em relação aos demais alunos de sua sala de aula. Sem dúvida, é um trabalho desafiador, masao mesmo tempo satisfatório, pois proporciona à criança e seus familiares a possibilidade de continuar a planejar, idealizar projetos e sonhos interrompidos durante o período de hospitalização. Não são só intervenções pedagógicas ou ações estratégicas no hospital, mas uma nova possibilidade de alcançar sonhos e projetos construídos (FREIRE, 2014, p. 141). A sensibilidade e a humanização no ambiente hospitalar fazem parte das práticas pedagógicas realizadas pelo pedagogo que atua nessa área da Educação. O acompanhamento do educando, além do diálogo com a família do mesmo, são exemplos de ações que exigem do profissional uma postura humanizada e sensível à realidade de cada aluno. Outra responsabilidade do professor da classe hospitalar é manter contato com o professor da escola de origem do aluno, isso se o educando já estiver matriculado em uma instituição educacional. O objetivo é dar continuidade ao cronograma curricular adotado pela sua escola, além de manter o professor do ensino regular informado sobre o trabalho realizado com o aluno na classe hospitalar, inclusive sobre o seu desenvolvimento (FONSECA, 2008). Também é importante ressaltar que o pedagogo que atua nos espaços hospitalares deve buscar ter uma boa comunicação com os profissionais de saúde, principalmente com aqueles que atuam diretamente com os seus alunos. Ainda sobre o perfil do pedagogo hospitalar, Fonseca (2008) aponta algumas características importantes sobre sua atuação: O perfil pedagógico-educacional do professor deve adequar-se à realidade hospitalar na qual transita, ressaltando as potencialidades do aluno e auxiliando-o no encontro com a vida que, apesar da doença, ainda pulsa dentro da criança com força suficiente para ser percebida. Em outras palavras, o professor contribui para o aperfeiçoamento da assistência de saúde, de maneira a tornar a experiência da hospitalização, ainda que sempre indesejável, um acontecimento com significado para as crianças que dela necessitam (FONSECA, 2008, p. 37). Os desafios do dia a dia no hospital são diversos. Além das questões relacionadas à saúde do educando, o pedagogo hospitalar também precisa estar atento à dinâmica dos dias, porque em um dia, muita coisa pode mudar. Diagnósticos, acompanhamento e rotina. Além da família do educando, que também possui extrema importância nesse processo. Diante de tantas características em uma rotina hospitalar, o pedagogo deve sempre se lembrar do seu papel ali: ele não é médico, mas precisa, sim, saber e acompanhar o estado de saúde dos alunos enquanto pacientes e a partir dessa realidade, desenvolver suas ações e práticas pedagógicas. Ainda precisamos nos lembrar dos fatores que podem ocorrer com os alunos pacientes: abatimento, depressão, síndromes diversas, devido à situação de saúde. Nesse momento, o acompanhamento de profissionais que atuam na área pedagógica também é muito importante. Entretanto, deve-se estar sempre atento, pois o pedagogo hospitalar não deve atuar sozinho em suas práticas. CONTINUE A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM AMBIENTES HOSPITALARES A prática pedagógica no ambiente hospitalar é caracterizada por Souza (2009, p. 69) como uma “prática educativa analisada reflexivamente, teorizada e realizada pelo coletivo institucional”, denominada por ele de práxis pedagógica. Nessa perspectiva, no âmbito hospitalar, a prática pedagógica sugere uma análise baseada nas condições psicológicas e emocionais que o educando está. Essas condições não devem ser trabalhadas de modo isolado, mas em conjunto com profissionais da equipe multidisciplinar do hospital que podem contribuir apresentando informações importantes sobre o estado de saúde do paciente. Tais informações contribuem de modo significativo para que o pedagogo chegue a conclusões sobre as práticas que podem ser aplicadas para estimular e desenvolver a aprendizagem e a interação social, de modo individualizado para cada aluno. Assim, é responsabilidade do pedagogo atender às necessidades educacionais dos alunos no ambiente hospitalar, estabelecendo uma relação contínua ao aprendizado e ao ensino obtidos na unidade de ensino em que está matriculado, mas sem padronizações ou demarcações acerca dos objetivos que devem ser alcançados, mas com o planejamento adequado para suprir as especificidades de cada aluno a partir de sua realidade. A inserção do pedagogo nos ambientes hospitalares, no quadro de funcionários do hospital, não beneficia somente a criança e o adolescente hospitalizado ou as famílias, mas também o ambiente hospitalar como um todo, para o processo de humanização desses espaços (Figura 1). Figura 1. Professora e paciente nos corredores do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, nas comemorações de Páscoa. Fonte: JULIÃO; FERREIRA, 2018. As práticas pedagógicas devem buscar uma execução flexível para suprir as situações cognitivas nos alunos no ambiente hospitalar, levando em consideração questões psicológicas, físicas e emocionais que a criança ou adolescente apresente. O pedagogo hospitalar deve buscar conhecimentos sobre como a educação pode estar inserida nos hospitais e como as práticas pedagógicas são específicas nos espaços hospitalares, já que procura evitar uma atuação educacional padronizada que se limita a aplicação de práticas e métodos escolarizados e passa a considerar as especificidades presentes em seus alunos e o ambiente em que se encontram. Essas questões são fatores fundamentais pela busca da inovação e constante qualificação pedagógica, um empenho que vai além da formação acadêmica, o que permite desenvolver uma identidade da prática profissional humanizada. Uma prática pedagógica humanizada depende de diferentes fatores para se consolidar. Não diz respeito somente a acompanhar o aluno de perto e considerar as falas familiares, mas vai além dessas questões. Sabemos que não há um modelo pronto de atuação, com ações e intervenções perfeitas. Contudo, é possível alcançar esse objetivo por meio da sensibilidade de percepção em reconhecer e valorizar os diferentes aspectos, nas esferas social, psicológica, cultural e cognitiva que fazem parte do indivíduo como um todo. O pedagogo em sua prática pedagógica hospitalar, além de planejar suas ações e intervenções de modo diferenciado ao que é desenvolvido nas escolas, tem a necessidade de compreender sua atuação por meio da reflexão e da criticidade sobre a sua identidade profissional, o que sugere que ele está em constante formação ainda que atue na formação de indivíduos. O olhar crítico diante das práticas realizadas faz toda a diferença. Uma prática significativa envolve reflexão e processos. O diálogo também contribui para a construção de uma prática pedagógica significativa, em que diferentes pontos de vista são considerados e contribuem para melhorias e aperfeiçoamento das práticas. A realidade hospitalar é bem diferente dos demais espaços, uma vez que diferentes fatores interferem no processo ensino-aprendizagem, e o pedagogo hospitalar precisa compreender que esses fatores podem alterar o planejamento, as ações e intervenções com os educandos. Com isso, é necessário que cada ação e intervenção pedagógica possua flexibilidade e compreenda o estado do educando naquele momento. Ainda que o aluno tenha alguma melhora em seu estado de saúde, imprevistos aconteçam ou por algum motivo retroceda em sua recuperação, é necessário que o pedagogo hospitalar tenha na manga intervenções pedagógicas adequadas. CONTINUE Aspectos e características no espaço hospitalar e na orientação à família Seção 4 de 4 Como vimos, a realidade de um ambiente hospitalar traz características que influenciam diretamente nas atribuições do pedagogo que atua nesse espaço. As especificidades do espaço hospitalar interferem, principalmente, na prática pedagógica que deveser desenvolvida. Quando pensamos em um espaço escolar, o que normalmente vem à nossa mente? Crianças correndo, ambiente com barulhos diversos, movimento, cores. Mas e em um espaço hospitalar? Quais memórias você tem de um espaço hospitalar? Geralmente, um ambiente silencioso, com pessoas falando baixo e cores claras. A grande questão é: como fazer de um espaço hospitalar, um espaço para aprendizagem, recreação, ações e intervenções pedagógicas? Como proporcionar às crianças e adolescentes experiências de aprendizagem em um ambiente tão característico, como um hospital? A resposta está exatamente na prática pedagógica adotada e na forma que o educador conduzirá os processos educacionais. De modo geral, as pessoas não possuem boas lembranças de um hospital, seja pela situação própria ou pela realidade de um familiar ou amigo. Quando pensamos na aprendizagem, geralmente, temos boas memórias de práticas pedagógicas vividas na infância. Como fazer do ambiente hospitalar um ambiente propício para práticas pedagógicas que contribuam para o processo de ensino-aprendizagem e ainda consolidem boas memórias aos educandos? Há exemplos práticos que podem ser adotados pelo pedagogo no ambiente hospitalar e contribuir para uma rotina com resultados positivos para o educando e sua família. Lembrando que não há padronização para educandos que estão vivendo em uma realidade específica. Cada indivíduo possui a sua situação, o seu diagnóstico e cada prática pedagógica deve ser adequada para tal (Figura 2). Figura 2. Professora e aluno/paciente em classe hospitalar. Fonte: MANCINI, 2019. Um exemplo de um trabalho de relevância para a rotina escolar e atendimento pedagógico em um ambiente hospitalar ou domiciliar é o registro diário das impressões e observações do desempenho dos educandos. Registrar atitudes, receptividade e interesse durante as atividades propostas é um modo que contribui para se pensar, repensar e ressignificar a prática docente, buscando melhorar, adequar, dar continuidade ou excluir estratégias de ensino- aprendizagem utilizadas (FONSECA, 2008). Sobre avaliação na realidade hospitalar ou domiciliar, é importante destacar que deve acontecer gradativamente. Por meio das observações do dia a dia, diante das práticas pedagógicas adotadas e a partir das atividades realizadas e como foram realizadas, é possível perceber como o educando está lidando com as intervenções feitas. Desse modo, pode-se identificar as dificuldades, os alcances e as práticas mais adequadas à realidade de cada aluno. Ainda que os educandos, sejam eles crianças ou adolescentes, estejam inseridos em ambiente hospitalar ou carentes de atendimento domiciliar, é válido lembrar que as características da aprendizagem dessas faixas etárias ainda devem ser consideradas. Considera-se ainda que o meio social em que estão inseridos influenciam diretamente em como aprendem. CONTINUE O PEDAGOGO HOSPITALAR E A FAMÍLIA DO EDUCANDO Um dos aspectos no trabalho do pedagogo hospitalar que merece destaque diz respeito ao trabalho social junto aos familiares da criança ou adolescente hospitalizado ou sob atendimento domiciliar. Diante da fragilidade dos familiares dos educandos pela realidade do estado de saúde dos mesmos, é importante que a prática pedagógica também os envolva, para que, de algum modo, acompanhem o desenvolvimento do aluno e façam parte desse processo educacional. A família tem um papel fundamental na formação do sujeito socialmente; na realidade dos educandos em espaço hospitalar, também não é diferente. Uma família presente faz toda diferença nesse processo e a proximidade com o educador é de extrema importância. O trabalho social com os familiares consiste em prestar conforto, auxiliando os mesmos de modo ético, a compreender o estado de saúde da criança, estreitando a relação dos familiares com os profissionais de saúde. É importante orientar os familiares a não terem receio de procurar esses profissionais quando houver dúvidas ou para obter informações sobre o estado de saúde da criança ou adolescente. O pedagogo como agente social também tem o papel de orientar os familiares do educando hospitalizado a buscar assistência junto ao departamento de serviço social do hospital, caso haja alguma dificuldade, por estar afastado de suas atividades profissionais, considerando que pode ser o acompanhante do menor hospitalizado, ou por ainda não ter feito o registro de nascimento, por exemplo, no caso de recém-nascidos hospitalizados. Mais um exemplo de atribuição do pedagogo hospitalar é nortear os familiares a procurar pelo serviço de saúde mental do hospital com o objetivo de expor seus sentimentos ou questionamentos acerca do educando hospitalizado. É importante que os familiares expressem suas aflições ou dificuldades e saibam lidar com a situação vivida pelo estado de saúde do educando, ou com o conhecimento de que a doença pode deixar sequelas ou limitações na vida da criança ou adolescente. Sem dúvidas, essas notícias no ambiente hospitalar podem causar abalos emocionais nas famílias diante de uma nova realidade (FONSECA, 2008). Existem ações e intervenções pedagógicas que a família pode compartilhar e, de fato, muitas vezes é necessário que a família saiba como participar. Para isso, é importante que sejam aproximados e reconhecidos no contexto do processo educacional do educando. Em geral, a família não se reconhece como participante no processo ensino-aprendizagem e precisa ser conduzida a uma nova ótica acerca de sua própria identidade na vida do educando. O pedagogo pode contribuir nesse processo por meio de conversas intencionais e levantamento de informações sobre o perfil familiar, em que por meio das informações levantadas, ações estratégicas podem ser tomadas e, assim, possam contribuir para que a família se perceba no processo educacional. CONTINUE AÇÕES E INTERVENÇÕES DO PEDAGOGO NO ESPAÇO HOSPITALAR De acordo com inúmeros estudos de natureza científica, o brincar é extremamente importante para o desenvolvimento da criança. Os aspectos motor, emocional, social, psicológico e cognitivo são influenciados diretamente pelo que é lúdico. O desafio contido nas situações de brincadeira desenvolve o funcionamento do pensamento e leva a criança a alcançar etapas de desempenho que só essas ações conseguem. O Quadro 3 resume a relevância do brincar. Quadro 3. Porque brincar é importante. Fonte: CUNHA, 1994, p. 11 apud SILVA; FARAGO, 2014, p.177-178. (Adaptado). Diante desse valor das brincadeiras, sejam elas nos mais diferentes espaços, como condição agregadora para o conhecimento, espaços específicos foram designados para o exercício das brincadeiras nos espaços hospitalares: as brinquedotecas. A definição de brinquedoteca se dá, segundo Cunha (1994, p. 13 apud SILVA; FARAGO, 2014, p. 178), como “um espaço onde as crianças (e os adultos) vão para brincar livremente, com todo o estímulo à manifestação de suas potencialidades e necessidades lúdicas”. Assim, a brinquedoteca (Figura 3) pode ser considerada um ambiente que visa a diversão, e onde se brinca mesmo sem brinquedos, desde que o objetivo seja o estímulo de brincadeiras com o foco no desenvolvimento da criança em seus diferentes âmbitos. Figura 3. Brinquedoteca do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Fonte: Hospital Israelita Albert Einstein. Acesso em: 01/04/2021. Nessa perspectiva, o pedagogo hospitalar também é responsável por desenvolver atividades lúdicas com os educandos. Tais ações e intervenções pedagógicas de perfil lúdico visam minimizar ou controlar a ansiedade, a angústia e o temor, sentimentos que surgem nas crianças e adolescentes nos leitos dos hospitais, principalmente em crianças menores, diante da nova situação imposta pela doença. Muitas vezes, a realidade hospitalar assusta as criançase adolescentes devido à alteração de sua rotina, privando-os do convívio familiar, social e escolar. As ações lúdico-pedagógicas, de acordo com alguns estudos, refletem até na recuperação clínica do educando em internação. Em geral, a equipe pedagógica que atua no contexto hospitalar conta com a colaboração de um coordenador que organiza as propostas das práticas pedagógicas a serem desenvolvidas na classe hospitalar e no atendimento pedagógico domiciliar, além de orientar e dar assistência aos professores que atuam nesses espaços (BRASIL, 2002). Sobre as ações e práticas realizadas junto aos educandos, podemos citar além do espaço da brinquedoteca, a contação de histórias, as atividades adaptadas à realidade do aluno, entre outras. Vale lembrar que um dos grandes desafios do pedagogo hospitalar é transformar o espaço hospitalar em um ambiente agradável para a aprendizagem. DICA Você já parou para pensar no valor das práticas pedagógicas no espaço hospitalar? Sobre a contação de histórias, há ações e intervenções a partir de histórias, que podem contribuir significativamente para a escolarização nesses espaços. Considere a leitura do artigo Pedagogia hospitalar: intervenções na unidade pediátrica a partir da contação de histórias, que traz uma abordagem sobre essa prática. CLIQUE AQUI Precisamos lembrar que crianças e adolescentes que estão em um leito de hospital ou necessitam de atendimento pedagógico domiciliar possuem características similares aos demais sujeitos da faixa etária. As crianças precisam brincar e, considerando o ambiente hospitalar, entende-se que por estarem em uma rotina diferente da comum, precisam mais do que nunca do lúdico. Sobre isso, Fontes (2005, p. 17) afirma que a criança hospitalizada continua sendo criança e precisa ser tratada como tal, em sua rotina, com ações e intervenções destinadas a ela. O pedagogo hospitalar possui grandes desafios em sua rotina, seja em um ambiente hospitalar ou em um atendimento pedagógico domiciliar, destacando que as etapas de recuperação podem ser acompanhadas de práticas http://pepsic.bvsalud.org/pdf/sem/v39n1/a05.pdf pedagógicas que contribuam positivamente para o bem-estar e melhora desses educandos. CONTINUE SINTETIZANDO Nesta unidade, vimos que a pedagogia hospitalar possui um histórico que nos mostra o quanto o seu início contribui para a vida de muitas crianças e adolescentes. Ao longo dos anos, em meio a condições muitas vezes não adequadas, a pedagogia hospitalar se estabeleceu e, atualmente, alcança milhares de educandos nos mais diferentes espaços hospitalares e também por meio do atendimento pedagógico hospitalar. Além disso, vimos que pedagogo hospitalar, como profissional que atua em ambientes hospitalares, deve estar atento à equipe que acompanha o educando para obter informações sobre o estado de saúde do mesmo. As ações e intervenções do pedagogo devem se adequar à realidade do aluno e possibilitar ao mesmo uma participação efetiva, respeitando suas limitações. Abordamos ainda que família do educando internado em um ambiente hospitalar ou carente de atendimento pedagógico domiciliar tem papel fundamental em sua recuperação. O pedagogo hospitalar tem o objetivo de aproximar a família da equipe médica que acompanha o educando, além de promover a participação dessa família no processo educacional da criança ou adolescente. Por fim, destacamos que as práticas pedagógicas na Pedagogia hospitalar possuem características próprias que devem atender à realidade do educando, além de promover contribuições para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. O bem-estar em meio a uma realidade adversa também faz parte dos objetivos da prática pedagógica hospitalar. CONTINUE