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0 UNICATHEDRAL CENTRO UNIVERSITÁRIO CATHEDRAL CURSO DE DIREITO GEOVANE OLIVEIRA DE MORAES RACISMO ESTRUTURAL NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO Barra do Garças - MT Outubro – 2022 1 GEOVANE OLIVEIRA DE MORAES RACISMO ESTRUTURAL NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO Artigo Cientifico elaborado sob a orientação de conteúdo da Profª. Esp. Gricyella Alves Mendes Cogo, para obtenção de título de Bacharel do curso de Direito, do Unicathedral - Centro Universitário Cathedral. Barra do Garças - MT Outubro – 2022 2 UNICATHEDRAL CENTRO UNIVERSITÁRIO CATHEDRAL CURSO DE DIREITO A Banca Avaliadora, abaixo assinada, _______________________, com a nota _____, o Artigo: RACISMO ESTRUTURAL NA JUSTIÇA BRASILEIRA GEOVANE OLIVEIRA DE MORAES como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. BANCA AVALIADORA _______________________________________ Prof. Esp. Gricyella Alves Mendes Cogo _________________________________________ (Assinatura por extenso do Membro Convidado) Barra do Garças - MT Outubro – 2022 3 RACISMO ESTRUTURAL NA JUSTIÇA BRASILEIRA Geovane Oliveira de Moraes1 Gricyella Alves Mendes Cogo 2 RESUMO: Este artigo tem como tema o racismo estrutural na justiça brasileira cuja reflexão inclui no debate da desigualdade racial no Brasil decorrente do racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira. Objetiva- se com este estudo, analisar o racismo estrutural que afeta o acesso à justiça no judiciário brasileiro. Para tanto foi utilizado como metodologia a pesquisa qualitativa de natureza básica para desenvolver conhecimento acerca do objeto estudado. Desta forma, foi utilizado o método exploratório para familiarizar-se com o tema, e assim compreender se há o racismo estrutural dentro do judiciário. Ademais, utilizou-se como procedimento técnico, o bibliográfico para averiguar os resultados obtidos. Para que os resultados da pesquisa fossem fundamentados, utilizou se autores como Crelier (2018), Freitas (2008) e Silva (2019), trazendo - se assim o cunho científico e realista que se espera. E, por fim, utilizou-se o método monográfico que possibilitou desenvolver um estudo mais profundo sobre o tema. O que resultou é que o racismo estrutural é um problema real enfrentado no judiciário brasileiro, por isso busca-se assim inibir o problema por meio de campanhas e conscientizações a fim de que tal realidade mude, o que apresenta ser um significante passo para erradicar toda as formas de preconceito, ainda mais nos lugares onde deveriam garantir que não ocorressem. PALAVRAS – CHAVE: Racismo Estrutural. Acesso à Justiça. Racismo. 1 Acadêmico do curso de Direito, do Centro Universitário Cathedral - UniCathedral. E-mail: logamb13@hotmail.com. 2Especialista em Docência do Ensino Superior para Educação a Distância, Gestão para Instituição do Ensino Superior, Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário. Professora do Centro Universitário Cathedral - UniCathedral. E-mail: gricyella.cogo@unicathedral.edu.br. 5 1 INTRODUÇÃO O racismo é um tema bastante emblemático, uma vez que mesmo após mais de 500 anos da colonização do Brasil, e com tantas mudanças sociais, tecnológicas e legislativas, a cor de pele ainda é um fator determinante para muitos no que tange a formação antecipada de caráter, mérito ou mesmo de capacidade. Não há como negar que a sociedade já sofreu um potencial avanço no combate ao preconceito racial, contudo o racismo ainda precisa ser hostilizado, e não se fala aqui apenas daquele escancarado, mas também do velado, o racismo enraizado na cultura brasileira, contudo pouco é admitido, mas ainda assim é deplorável. Espera-se que um dia o racismo seja apenas uma tragédia histórica e seus reflexos já tenham se extinguido, mas enquanto é uma realidade utópica, debater sobre o preconceito racial é necessário, quiçá quando estes rótulos inibem o exercício dos direitos básicos da pessoa humana como, por exemplo, o acesso à justiça, e é por esse aspecto que esta investigação terá como tema o racismo estrutural na justiça brasileira, o que restará questionar: o racismo estrutural está presente no judiciário brasileiro? A hipótese inicial é que sim, uma vez que a sociedade em sua totalidade persiste no racismo, no entanto, a justiça tem o dever de eliminar quaisquer resquícios disto, contudo é fundamental que ela não esteja contaminada para executar com plenitude sua função, a de equilibrar os interesses, e neste caso, é a do respeito e igualdade social. Além do mais, para realização do estudo com o intuito de descrever de maneira clara e sucinta uma meta, tem-se o objetivo geral, analisar se o racismo estrutural afeta o acesso ao direito na justiça brasileira. Para isso, foi utilizada uma pesquisa básica, a fim de explorar sobre o racismo estrutural, um assunto que de fato é um problema social, com enfoque na justiça brasileira e ainda em relação aos objetivos, tem-se a pesquisa exploratória, uma vez que por meio do estudo, procurou familiarizar-se com a cultura racista enraizada. 6 Sendo assim, foi realizada uma abordagem qualitativa, para compreender se o sistema judiciário superou o preconceito racial ou se ainda existem reflexos em sua estrutura de modo a afetar o acesso à justiça, sem qualquer distinção ou diferença, por conta de sua raça. Para isto, foram empregados os procedimentos técnicos advindos das fontes bibliográficas; além de análise do comportamento social, e condutas de diversos órgãos da esfera judicial, o que proporcionou uma apuração mais profunda, ampliando desta forma a visão do problema. Nesse viés, foi abordado o método dedutivo para que se entendesse o contexto histórico do racismo até que se pudesse identificar sua eminência, ou não, na atualidade jurídica. Por fim, foi utilizado como método de procedimento, o Monográfico e assim, foi desenvolvida a pesquisa de forma bem elaborado As fontes bibliográficas que foram indispensáveis para a execução desta pesquisa foi a Constituição Federal do Brasil de 1988, uma vez que é a Carta Magna do País, sendo ela a mantenedora de todas as outras legislações, resoluções e conteúdos jurídicos, além dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE para ser possível provar os resultados que se encontrou durante a investigação. E para fornecer bases para o estudo realizado, são apresentados os seguintes autores: Crelier (2018), Freitas (2008) e Silva (2019), Foi então, por meio dessas indispensáveis fontes que se tornou possível apontar durante o artigo, a origem dos afrodescendentes como nasceu o preconceito racial, o que possibilitou fazer uma breve retrospectiva sobre a história do negro no Brasil, para que pudesse se falar do racismo e demonstrar o que é o racismo estrutural e se ele é refletido no acesso à justiça. Por fim, ressalta-se que este artigo é de intensa relevância social e jurídica, uma vez que o racismo deve ser eliminado da prática social, e a justiça é capaz de proporcionar tamanha evolução, contudo, ela não poderá estar também manchada com os reflexos de tamanha barbaridade, e só poderá ser limpa se houver uma severa análise por parte dos órgãos judiciários. 2 OS AFRODESCENDENTES E O NASCIMENTO DESTE PRECONCEITO RACIAL Quando o mundo ainda era um único continente, a Pangeia, as primeiras raças foram se formando, já que, seguindo a Teoria da Evolução de Darwin, as características físicas foram sendo moldadas no passo em que os organismos foram se adaptando ao ambiente ou as necessidades que surgiram ao longo dos anos. 7 Segundo essa premissa, as raças foram sendo criadas conformea necessidade que o corpo teve para se adaptar, com as dificuldades de sobrevivência que foram surgindo nas diferentes regiões do grande continente, e ainda depois que foi se dividindo em outros cinco identificáveis na atualidade. Nesse sentido, quando antes, as aparências físicas e semelhanças eram associadas aos macacos, caso se considere a Teoria de origem das espécies, hoje se consegue identificar a origem dos antepassados de maneira mais simples, observando apenas seu continente e se atentando para suas características físicas, mesmo com toda miscigenação. Ocorre que essa diferença física, que não deveria significar nada além da história antepassada do indivíduo, foi ao longo da cronologia da humanidade, objeto de grande exclusão, exploração e preconceito, embora em menores proporções, causam sofrimentos até os dias atuais, especialmente contra o afrodescendente. Em sentido amplo, afrodescendentes são aqueles que nasceram no continente africano, ou mesmo os que carregam consigo características físicas herdadas de seus antepassados, e sua origem também se dá naquela região. As principais particularidades físicas da raça que são comumente definidas como negros, pardos, e a alta pigmentação de melanina na pele, os lábios robustos, o porte corporal geralmente forte e de musculatura bastante desenvolvida, e foram considerados por vezes, motivos para que essas pessoas fossem cruelmente exploradas, uma vez que eram usados como ferramenta de trabalho, em atividades que levavam à exaustão e, muitas vezes, à morte. E assim, foram reféns de práticas desumanas e abusivas, de modo a serem escravizados, pela simples razão da raça. A escravidão sempre foi um dos maiores pontos de discussões do mundo. Algumas teorias defendem que boa parte da responsabilidade das práticas escravistas, foram ocasionadas pelos próprios escravizados, como aponta Freitas: As teses sobre uma nova Abolição, em que o branco tem uma dívida material e moral da escravidão, não deve ter sustentação, pois, desde a antiguidade e, principalmente, depois da conquista árabe no norte da África, a partir do século VII, os africanos vendiam escravos em grandes caravanas, que cruzavam o deserto do Saara. Na época em que o colonialismo português trouxe a maioria dos escravos para o Brasil, vindos da região do Congo e de Angola, naquela região havia reis venerados como se fossem divinos. Muitos deles se aliaram aos portugueses e enriqueceram com a venda dos súditos destinados à escravidão. (FREITAS, 2008, p. 2) De modo controverso, outros afirmam que a culpa deve ser atribuída a alguns países do continente europeu, que para expandir suas riquezas, muitas vezes, se valiam da mão de obra 8 escrava. Os europeus não se limitaram a introduzir escravatura nas Américas criando regimes escravistas no Novo Mundo quando aquela instituição era já recusada em solo europeu, ainda que, aí, existissem escravos africanos, mas não sociedades escravistas. Os europeus vão nas Américas dotar a escravatura de uma nova escala derivada da intensidade do tráfico de escravos africanos, que contribuirá para que as estruturas das sociedades escravistas adquiram acentuada vertente racial. (SILVA, 2019, p. 37) Independentemente do motivo, o fato é que os negros, ao longo do tempo, sofreram um prejuízo no mundo e até hoje é pauta de questionamento e discussão, já que as consequências desse período, não findaram, pois ainda existem reflexos dos danos físicos, emocionais, psicológicos, culturais e sociais, causados. O que se sabe é que, boa parte da história do mundo, a mão de obra dos escravos afrodescendentes, foi usada para o serviço pesado em grande parte dos continentes. Tal fator se tornou crucial para a forma como o cidadão negro era tratado, mesmo após a abolição da escravidão, vindo a sofrer com condutas ofensivas e, muitas vezes, agressivas por parte de pessoas de outras raças. Assim, a desumana prática de exploração e o preconceito aos negros, são observados em infinitos lugares do mundo, inclusive no Brasil, mesmo perante o avanço dos reconhecimentos dos direitos humanos debatidos ao redor do globo. Condutas racistas e preconceituosas se fazem presente no dia a dia, seja em ambiente de trabalho ou até mesmo no esporte e demais partes da sociedade, onde pessoas, trabalhadores negros, são diariamente atacados por essas pessoas ofensivas e intolerantes. 3 HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL A escravidão surgiu no Brasil com a chegada dos portugueses no ano de 1.530, quando iniciaram as primeiras medidas efetivas de colonização. Inicialmente tentaram escravizar os índios nativos da terra, porém sem sucesso, uma vez que tinham amplo conhecimento territorial, o qual possibilitava suas escapadas, mas muitos acabaram sendo massacrados em confrontos. Essa resistência fez com que os portugueses buscassem mão de obra escrava em outro continente, o africano. Os africanos eram transportados em navios e essa prática ficou conhecida como tráfico negreiro. As condições precárias de viagem vivida pelos escravizados acarretavam doenças como infecções gastrointestinais, depressão, que na época se dava o nome de banzo, que, muitas 9 vezes, levavam ao suicídio, além de serem mortos em rebeliões, na tentativa de fugir dos navios, que eram comparados e equipados como verdadeiras fortalezas aquáticas. Essa atividade tirou cerca de doze milhões e meio de pessoas negras, escravizadas de seu continente ao longo de trezentos e cinquenta anos, com destino à América do Sul, destes cinco milhões chegaram ao Brasil e cerca de um milhão e oitocentas mil pessoas não resistiram a viagem de travessia do oceano Atlântico e jamais chegaram à América. Com a descoberta de riquezas como: ouro, diamante e madeira como o pau-brasil e com o cultivo do café e açúcar, a presença escrava passou a ser cada vez mais frequente no Brasil e perdurou por quase 5 (cinco) séculos. O senador Rodrigo Augusto da Silva apresentou ao Senado Imperial brasileiro, um projeto de Lei com a proposta de extinção da escravidão. A votação entre os senadores foi rápida e no dia 13 de maio de 1888 a Lei 3.353 foi sancionada pela princesa Isabel, na ocasião, princesa regente, uma vez que, Dom Pedro II não se encontrava no país. Esta norma ficou conhecida como Lei Áurea até hoje, considerada por muitos brasileiros uma das mais importantes do ordenamento jurídico que fora criada. Este foi o primeiro passo para a tentativa de reparar um dano causado a uma grande parcela da sociedade brasileira. Mesmo com a abolição da escravidão e os negros “livres”, o sofrimento não parou por aí. Completamente esquecidos pelo Estado e pela outra parcela do povo, os afrodescendentes foram abandonados à própria sorte, viviam de maneiras improvisadas e desumanas. Fadados à mendicância, explorações ilegais e miséria, muitos viram a criminalidade como opção de sobrevivência, e aqueles que de algum modo diverso, conseguiram sobreviver geralmente com as sobras dos burgueses que eram majoritariamente brancos. E é diante desta lúgubre história que o racismo no Brasil ainda toma espaço, onde os afrodescendentes são, muitas vezes, marginalizados, discriminados e apedrejados. Comparando o Brasil anos atrás sobre a questão do racismo, observa-se um avanço significativo no que tange ao combate ao racismo, já que foi o último país da América do Sul e Norte a pôr fim a escravidão, e somente após 70 anos foi feita a primeira legislação no combate contra o racismo e os efeitos da escravidão, a Lei 1.390 de julho de 1951, mas que não teve eficácia, posteriormente outras mais foram constituídas as quais resultaram nas melhorias atuais, tais como: A Lei Afonso Arinos, em 1951, proibiu qualquer tipo de discriminação racial no País, mas não era aplicada nem mesmo em casos claros de discriminação. A Constituição de 1988 considerou a prática de racismo como crimeinafiançável e imprescritível. A Lei Caó, de 1989 tipificou o crime de racismo 10 no Brasil, estabelecendo penas que vão até cinco anos de reclusão. Em 2003, uma lei incluiu no Código Penal o crime de injúria racial, com pena de reclusão de um a três anos e multa. Em 2010, foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial. Em 2012, foi aprovada a Lei de Cotas de Ingresso nas Universidades. Em 2014, foi aprovada a Lei de Cotas Raciais no Serviço Público. (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2018. p.1) Tais legislações são consideradas progresso do Estado no combate ao preconceito e o distanciamento social que sofrem os negros e pardos, já que o Estado possui a obrigação de zelar pela população menos favorecida, no intuito de amenizar um dano que se arrasta ao longo dos séculos, causado pela escravidão, não com o intuito de saldar uma dívida, até porque não há essa possibilidade, pois não se pode dar valor ao sangue derramado pelos escravizados. Porém, algumas políticas públicas para acesso à educação e profissionalização se fazem essenciais, uma vez que seus antecedentes ainda sofrem reflexos dessa monstruosa realidade da história, não só ao que tange ao preconceito, mas também a pobreza, tanto é que, ainda recentemente, em “2018, os brancos ganhavam em média 73,9% mais do que pretos ou pardos. E a desigualdade se mantém mesmo quando verificada a remuneração por horas trabalhadas.” (CRELIER, 2018. p. 1) Com um país cuja maior parte da população é descendente de quarta, terceira ou mesmo de segunda geração dos escravos, oriunda de uma vida de miséria, sofrimento e disparidade, é necessário que haja instrumentos que possam minimizar o distanciamento social, até que possa ser extinto, para ser possível equiparar as chances entre a população branca e o povo negro. Para que haja uma real mudança, muitas condutas e comportamentos devem ser diferentes. Debates pontuais e discursos prontos sobre toda uma luta contra o racismo, não são suficientes para que aconteça algo verdadeiramente relevante. O projeto para tais melhorias devem sair do papel para serem aplicados na prática. 4 RACISMO Etimologicamente racismo é o “preconceito e discriminação direcionada a alguém tendo em conta sua origem étnico-racial, geralmente se refere à ideologia de que existe uma raça melhor que outra” (RACISMO, 2022. p.1). Deste modo, o racismo genericamente é a ofensa sofrida por conta de uma característica visual, podendo ser essa agressão física ou até mesmo psicológica. O Brasil, apesar de ser composto por uma grande variação étnica, é comum presenciar em noticiários e até mesmo no dia a dia, ofensas racistas. Essa conduta é alarmante, por se tratar 11 de um pensamento retrógrado, que vai na contramão, nos tempos de modernização e a conscientização de Direitos Humanos e individuais. O racismo sofrido pelo negro e pelo pardo no país é incoerente, uma vez que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística confirma: Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019, 42,7% dos brasileiros se declaram como brancos, 46,8% como pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou indígenas”. (IBGE, 2019. p. 1) Desse modo, um país com tamanha miscigenação, não poderia ter uma prática corriqueira de discriminação, teoricamente falando, uma vez que, a soma dos pretos e pardos configuram 56,2% da população brasileira, ou seja, o Brasil é constituído por uma maioria de afrodescendentes. Com isso, o que teoricamente por conta das características físicas que compõe a maioria da população brasileira, o racismo e demais preconceitos em questão, deveriam ser casos isolados e com pena bastante dura, para aqueles que insistissem em cometer esses crimes, mas não é o que acontece. Na prática, pessoas diariamente sofrem preconceitos raciais no Brasil e no mundo todo. A mídia em diversas oportunidades se manifesta sobre acontecimentos racistas onde existe repercussão ou comoção social. Porém, muitas vezes, esses acontecimentos não resultam em condenação ou a penalização é branda. A República Federativa do Brasil é mundialmente conhecida como o país do futebol. Os jogadores da seleção sempre estão nos melhores clubes, melhores equipes, geralmente pertencem ao velho continente. Mesmo com todos esses prestígios, volta e meia sofrem com condutas racistas, seja por parte dos colegas de profissão, torcedores ou até mesmo por comentaristas. A modo de exemplificar, pode se analisar o fato ocorrido com o lateral direito da seleção canarinho, Daniel Alves, quando atuou pelo Barcelona da Espanha, time que defendeu por mais de oito anos. Em uma partida pelo campeonato espanhol da temporada de 2014 contra o Villarreal, quando se preparava para a cobrança de um escanteio., arremessaram uma banana em sua direção. Em protesto, o atleta na ocasião, comeu a banana. Em outra ocasião na temporada em andamento do campeonato espanhol, dias antes de ir a campo, o atacante Vinicius Junior do Real Madrid da Espanha, teve sua forma de comemorar gols (dançando), chamadas de “macaquices” por um empresário espanhol em entrevista na Tv. 12 Ambas as situações, apesar da grande repercussão, não acarretaram em pesadas punições para aqueles que usaram da cor da pele, para ofender outro ser humano. Isso prova que, muitas vezes, o agressor sai impune, se tornando desta forma, uma certa motivação, para que os incidentes racistas continuem. A falta de punição ou aplicação de pequenas penas, acabam por servir, como incentivo para a continuidade desses comportamentos, quando na verdade, deveriam barrar ações desse gênero, para em tese, tornar a sociedade mais tolerante, objetivando proporcionar igualdades para todos. A certa normalização com que parte da sociedade enxerga essas atitudes, acaba por dificultar a penalização por esses delitos. Termos como racismo inverso, por exemplo, são usados como escudos por alguns preconceituosos, que, muitas vezes, cometem ações racistas e se camuflam em conceitos como este. Isso porque o racismo não é somente aquela ofensa ou diferenciação explícita, há também o racismo velado, aquele que está enraizado na sociedade, mas que pouco se percebe, como por exemplo, homens negros serem mais vítimas de abordagens agressivas por parte de policiais, pois já os consideraram suspeitos. Está presente também o preconceito racial na forma de escrever ou até mesmo de falar usada no Brasil, termos como “lista negra”, “ovelha negra”, entre outros bordões sociais, que relacionam a cor negra a algo ruim, ainda são constantemente utilizados nos dias de hoje, seja em escola ou até mesmo em sentenças judiciais. Para mais, a palavra denegrir, que vem do latim, e significa tornar negro, ou escuro, é um dos maiores exemplos, de que termos preconceituosos fazem parte da rotina brasileira, seja por um real preconceito ou mesmo por falta de conhecimento ou até mesmo de informação sobre o assunto. O fato é que se trata de algo real que deve ser dada toda atenção devida, com seriedade e respeito, com intuito de conscientizar o máximo possível as pessoas, com a intenção de mudar essa concepção, podendo desta forma, amenizar o problema em pauta e diminuir o preconceito e os que cometem por questões culturais ou de maneira inconsciente possam estar atentos a questão evitando que o preconceito continue existindo no país. 13 Outro ponto a ser observado, por exemplo, é a quantidade de negros e pardos atuantes no judiciário brasileiro, conforme o Censo do Poder Judiciário de 2013 aponta “que 15,6% dos magistrados brasileiros eram negros, onde deste conjunto 14,2% se declaram pardos e 1,4% preto” (CNJ, 2018. p.1). Nesse sentido, resta entender que há resquícios de preconceito no sistema judicial que afetam negros e pardos em função da cor da pele ao longo da história da humanidade, até os dias atuais. Existe o preconceito em váriosramos da sociedade, inclusive no sistema judicial. Assim, até mesmo em oportunidade de escolha, seja no sentido criminoso, como população carcerária ou até mesmo na presença em órgãos judiciais, como serventuários da justiça demonstra desta forma que, o negro em se tratando de isonomia social, no que diz respeito ao poder judiciário, já se encontra em desvantagem social. 5 RACISMO NA ESTRUTURA JUDICIAL BRASILEIRA Como observado ao longo do artigo, o racismo, seja ele velado ou explícito está presente em toda e qualquer parte da sociedade, isto é, tanto no passado quanto no presente, deixando evidente a dimensão do problema social. No poder judiciário não seria diferente, uma vez que é constituído por cidadãos comuns, passíveis a erros e acertos. Com intenção de exemplificar sobre o assunto, se pode observar a composição da suprema corte de justiça do Brasil. O supremo tribunal federal é composto por onze ministros. Destes, apenas três são pardos em relação as suas características físicas. Todos os demais são brancos. São pequenas analogias, sim, mas se observadas em grandes proporções, representam um número expressivo e significativo. Isso não quer dizer que o poder judiciário de maneira geral, não tenha conhecimento de tal causa, muito pelo contrário, o mesmo adota diversos procedimentos, com a intenção de impedir esse comportamento. De fato, essa convergência não é suficiente para ser usada como um parâmetro basilar, para condenar uma instituição de tamanha magnitude e relevância social, mas por outro lado serve como alerta sobre as barreiras e oportunidades profissionais que o jurista negro encontra no âmbito profissional. As dificuldades encontradas por pessoas negras, ao longo do caminho, independente da área ou ramo de trabalho, são enormes. Porém, em relação à justiça e suas instituições, essas distinções são duramente combatidas, para de fato proporcionar simetria, entre aquilo que se 14 defende que é a igualdade e justiça para todos, e aquilo que se pratica. É interessante ressaltar a conduta adotada pelo poder judiciário para conduzir tais situações racistas ou discriminatórias, não só na área externa, mas também no que tange a estrutura e comportamento interno do órgão diante do assunto. As instituições judiciárias reconhecem tal deficiência e, muitas delas, adotam medidas, a fim de corrigir e inibir tais atitudes, com a intenção de vetar um comportamento interno equivocado, para que desta forma, possa corrigir uma conduta social de dentro para fora, para então aplicar na esfera externa. A Justiça Eleitoral, por exemplo, na figura do Tribunal Superior Eleitoral e Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, promoveram em conjunto com outras instituições judiciárias, no dia 8 de junho de 2022, o curso de Comunicação Institucional Inclusiva no Processo Eleitoral, que teve como propósito, combater o uso de linguagens discriminatórias. A oficina foi coordenada pela servidora Sabrina Braga, mestra em Direito Político, juntamente com Kelsen de França Magalhães e Elder Goltzman, que abordaram iniciativas ligadas a participação de grupos menorizados no processo eleitoral e contou com a presença de juízes, promotores e servidores, não só do estado de Matogrosso, mas também de diversos estados do país. Iniciativas de instituições e servidores, como o exemplo mencionado da Justiça Eleitoral, são passos gigantescos para o judiciário. Essas ações mostram que o poder público tem consciência dessas condutas racistas ou preconceituosas, e que se tornam empecilhos e por isso, precisam ser combatidas, retiradas, não só no serviço público judicial, mas sim, de toda a sociedade. No entanto, a legislação evoluiu para se tornar mais humana, inclusiva e adequada ao seu tempo, a comunicação precisa passar pelo mesmo processo de adequação, inclusão e humanização, o que certamente proporcionará novos avanços, é o que defende o servidor da Justiça Eleitoral Kelsen Magalhães. Assim, o comentário deixa claro que as mudanças devem acontecer não só nas leis, mas também nas coisas simples, na linguagem, como o falar do dia a dia, o escrever, para que de forma gradativa, as condutas preconceituosas praticadas constantemente pela população, sejam completamente extintas. Mostra também que os passos para o fim do racismo estão sendo dados, que muitas pessoas trabalham diariamente com a justiça tomam diversas atitudes, para acabar com esses comportamentos racistas e preconceituosos, com a intenção de tornar a sociedade um lugar melhor para todos, independentemente de suas características físicas. 15 Portanto, trata -se de uma jornada lenta e onerosa, e que depende da atitude de toda e qualquer camada social. Seja por parte do cidadão que denuncia, do promotor que acusa ou até mesmo do magistrado que julga, com intenção de dar uma resposta a sociedade sedenta de justiça. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O racismo estrutural é aquele que, veladamente, acaba por abominar, excluir ou prejudicar pessoas devido a sua raça, e embora pareça absurdo existir essa prática em pleno século XXI, na verdade, é bem latente. Ocorre que, embora não devesse existir em nenhum lugar, em alguns lugares são inadmissíveis que tenham, como por exemplo, no judiciário. Isto pelo fato de que o judiciário deve justamente resguardar-se para que essas discriminações deixem de existir, então como poderia admitir que sua estrutura possa estar contaminada com essa bárbara discriminação? Nesse sentido, buscou – se compreender se a justiça brasileira está contaminada com o racismo estrutural. Diante de todo estudo realizado, a fim de chegar à resposta de tal questionamento, pode- se dizer que não é possível afirmar que todo Poder Judiciário brasileiro é de fato complacente com racismo estrutural. Até porque, a conduta de muitos órgãos forense, é justamente contrária. Por outro lado, verifica-se que diversos elementos do judiciário brasileiro, reconhecem o problema e tratam-no como prioridade, seja por meio de campanhas internas no próprio órgão ou promovendo encontros e cursos que proporcionem a integração e conscientização do poder forense. Diversas entidades públicas de justiça possuem ou elaboram mecanismos, com intuito de combater o preconceito. Isso demonstra o quanto necessita de atenção e de medidas, que realmente funcione e alcance o objetivo que é tratar todos de forma igualitária, independentemente da cor que carrega em sua pele. É inegável que existe um enorme preconceito racial na sociedade, e que a justiça tenta de todas as formas, inibir e coagir, seja por meio de normas que penalizam com veemência aqueles que praticam e apoiam tais comportamentos, ou na tentativa de conscientizar os operadores da justiça. Não se trata de uma tarefa simples, com soluções fáceis, mas sim, de uma jornada árdua e extensa, repleta de estudos e debates, sempre voltados a proporcionar conhecimento e pensamento crítico sobre o assunto, não tratando como se faz no senso comum ou como um 16 questionamento qualquer a ser discutido em um momento futuro. Por fim, o racismo é um problema estrutural na sociedade brasileira e a solução está nas mãos de cada cidadãos, à medida que se tornam os olhos da justiça.com o intuito de proteger aqueles que sofrem com o racismo e punir aqueles que o praticam, propiciando dessa forma meios para uma sociedade unida, sem qualquer separação por raça ou cor. 7 REFERÊNCIAS AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. A representação dos negros e a luta contra o racismo. Câmara dos Deputados, 2018. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/546214-a- representacao-dos-negros-e-a-luta-contra-o-racismo/ . Acesso em 26 abr. 2022. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 mai..2022. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Pesquisa do CNJ: Quantos juízes negros? Quantas mulheres?. CNJ, 2018. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisa-do-cnj-quantos-juizes- negros-quantas-mulheres/. Acesso em: 19 nov.2021. CRELIER. Cristiane. Agência IBGE Notícias. Pretos ou pardos representam dois terços dos subocupados em 2018. Estatísticas Sociais, 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/25879-pretos-ou-pardos-representam-dois-tercos-dos-subocupados-em-2018. Acesso em 23 mar. 2022 FREITAS, Carlos Alberto de Miranda. Nação Miscigenada ou nação multiétnica: qual você quer para o Brasil? 2008. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2256-8.pdf. Acesso em 14 mai. 2022. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Conheço o Brasil – População: cor ou raça. 2019. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o- brasil/populacao/18319-cor-ou- raca.html#:~:text=De%20acordo%20com%20dados%20da,1%25%20como%20amarelos%20 ou%20ind%C3%ADgenas. Acesso em 16 mai. 2022 RACISMO. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2022. Disponível em: https://www.dicio.com.br/racismo/. Acesso em: 25 jun. 2022. SILVA, Marta Alexandra Fernandes da. Da escravidão no espaço atlântico às reparações suscitadas por afrodescendentes. Porto: FLUP, 2019. Disponível em: file:///C:/Users/Administrador/Downloads/363828.pdf. Acesso em: 23 jun. 2022.