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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A anemia hemolítica se caracteriza por: ❖ Destruição prematura das hemácias (hemólise). ❖ Retenção orgânica de ferro e outros produtos da degradação da hemoglobina. ❖ Aumento na eritropoese. Quase todos os tipos de anemia hemolítica se distinguem pela existência de hemácias normocíticas (tamanho normal) e normocrômicas (cor normal). Pela redução da vida útil da hemácia (menos de 120 dias), a medula óssea geralmente se torna hiperativa, resultando no aumento de reticulócitos (hemácias imaturas) na circulação sanguínea. Na anemia hemolítica, a degradação das hemácias pode ocorrer dentro ou fora do compartimento vascular: Hemólise intravascular -> é menos comum e ocorre como resultado da fixação do complemento em reações transfusionais, dano mecânico ou fatores tóxicos. ❖ Caracterizada por hemoglobinemia, hemoglobinúria, icterícia e hemossiderinúria. Hemólise extravascular -> quando as hemácias perdem parte da capacidade de deformação, o que dificulta sua passagem através dos sinusoides do baço. As hemácias anormais são sequestradas e fagocitadas por macrófagos. ❖ Caracterizada por anemia e icterícia. Outra classificação de anemia hemolítica se baseia na causa: Causas intrínsecas -> incluem defeitos da membrana das hemácias, diversas hemoglobinopatias podem causar a lise das hemácias: substituição anormal de um aminoácido na molécula de Hb, como nos casos de anemia falciforme, e falhas na síntese de uma das cadeias polipeptídicas que formam a porção globina da molécula de Hb, como na talassemia. Causas extrínsecas/adquiridas -> causadas por agentes externos às hemácias, como medicamentos, toxinas bacterianas e outras, anticorpos e traumatismo físico. ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA Distúrbio caracterizado por defeitos hereditários (intrínsecos) da membrana eritrocitária, formando esferócitos, que são células não deformáveis altamente vulneráveis ao sequestro e destruição no baço. Geralmente é transmitida de forma autossômica dominante. FISIOPATOLOGIA É causada por defeitos no citoesqueleto da membrana, uma rede de proteínas que estabiliza a bicamada lipídica do eritrócito. A espectrina é a principal proteína do citoesqueleto da membrana, consiste em um heterodímero longo e flexível que se entrelaça em uma extremidade e se liga a filamentos curtos de actina na outra extremidade. Esses contatos criam uma malha bidimensional conectada às proteínas transmembranares banda 3 e glicoforina pelas proteínas de ligação anquirina, banda 4.2 e 4.1. As mutações que causam a esferocitose hereditária envolvem frequentemente a anquirina, a banda 3 ou a espectrina. Uma característica comum entre as mutações patogênicas consiste no enfraquecimento das interações “verticais” entre o citoesqueleto da membrana e as proteínas membranares intrínsecas do eritrócitos. ❖ Esse defeito de algum modo desestabiliza a bicamada lipídica dos eritrócitos, que secretam vesículas membranares na circulação à medida que envelhecem. Pequena parte do citoplasma é perda nesse processo, e como resultado, a relação área superficial/volume é reduzida progressivamente ao longo do tempo, até que as células se tornam esféricas. O papel crítico do baço na esferocitose hereditária é ilustrado pelo efeito benéfico da esplenectomia; embora os defeitos dos eritrócitos e os esferócitos persistam, a anemia é corrigida. Em contrapartida, os esferócitos apresentam deformabilidade limitada e são sequestrados nos cordões esplênicos, onde são destruídos pelos macrófagos residentes. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Anemia de gravidade variável, esplenomegalia e icterícia. A evolução clínica do paciente geralmente é estável e pode ser pontuada por crises aplásicas. A falta da produção de eritrócitos resulta na piora da anemia. A icterícia pode ser pronunciada nos RN, com necessidade de exsanguinotransfusão. Após o período neonatal, a icterícia costuma tornar-se leve a moderada, podendo ser intermitente, piorando com esforços físicos, infecções, estresses ou gravidez. Cálculos biliares aparecem frequentemente. APG 24 - Anemias Hemolíticas Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Podem surgir úlceras na perna e pode haver crise megaloblástica, que é decorrente de deficiência de folatos, cujas necessidades estão aumentadas nas anemias hemolíticas crônicas. Aparecimento de massas decorrentes de hematopoese extramedular, simulando tumores, principalmente paravertebrais e mediastinais é outra complicação da doença. DIAGNÓSTICO Anemia pode estar presente ou não, mas reticulose (aumento da taxa de reticulócitos no sangue) ocorre sempre, refletindo hemólise e tentativa de compensação medular. Hiperbilirrubinemia indireta e aumento de DHL também ocorrem. Presença de esferócitos é característica da doença, embora possa ocorrer também nas anemias hemolíticas autoimunes por anticorpos quentes, que deve ser excluída pelo teste de Coombs direto. Existe aumento da concentração de Hb corpuscular média (CHCM), reflexo de células desidratadas e que perderam a membrana sem perder conteúdo de hemoglobina. TRATAMENTO No período neonatal, casos com hemólise grave e hiperbilirrubinemia acentuada podem necessitar de exsanguinotransfusão. É indicada a suplementação com ácido fólico também. Transfusões de sangue podem ser necessárias durante exacerbação de hemólise e nos episódios de crises aplásticas e megaloblásticas. Esplenectomia é considerada curativa e está indicada nos casos mais graves (Hb < 8g/dL e reticulócitos > 10%), na presença de comprometimento físico e intelectual devido à anemia, de eritropoese extramedular e de cálculos biliares, que sugerem grande atividade hemolítica. ❖ Geralmente é realizada a partir dos 6 anos de idade. Em idades muito precoces, indica-se a esplenectomia parcial. ANEMIA FALCIFORME É uma doença hereditária em que ocorre a produção de uma Hb anormal (HbS), que conduz a um estado crônico de anemia hemolítica, dor e falência de órgãos. O gene HbS é transmitido por herança recessiva e pode se manifestar como traço de células falciformes ou anemia falciforme. É a anemia hemolítica familiar mais comum. FISIOPATOLOGIA Anemia falciforme é causada por uma única substituição de aminoácido na β-globina que resulta na tendência de HbS desoxigenada se autoassociar em polímeros. As Hb normais são tetrâmeros compostos por 2 pares de cadeias semelhantes. Em média, o eritrócito adulto normal contém 96% de HbA, 3% de HbA2 e 1% de Hb fetal. Em pacientes com anemia falciforme, a HbA é completamente substituída pela HbS, enquanto nos portadores heterozigotos, apenas cerca de metade é substituída. HbS difere da HbA por apresentar um resíduo de valina em vez de um resíduo de glutamato na 6ª posição da cadeia de aminoácidos da β-globina. Na desoxigenação, moléculas de HbS sofrem uma alteração conformacional que permite que os polímeros se formem através de contatos intermoleculares envolvendo o resíduo anormal de valina. Esses polímeros distorcem o eritrócito, que assumem uma forma alongada crescêntica, ou em foice. O afoiçamento dos eritrócitos inicialmente é reversível. Entretanto, a distorção da membrama produzida a cada episódio falciforme leva a um influxo de cálcio, que provoca a perda de potássio e água, e danifica o esqueleto da membrana. Esse dano cumulativo cria células irreversivelmente falciformes que rapidamente sofrem hemólise. Fatores para identificar se a polimerização clinicamente significativa de HbS ocorre nos pacientes: Níveis intracelulares de Hb além da HbS -> em heterozigotos, 40% da Hb é de HbS e o resto de HbA, que interage fracamente com a HbS desoxigenada. A presença de HbA retarda a polimerização da HbS, então eritrócitos HbS heterozigotos apresentam pequena tendência ao afoiçamento in vivo. Essesindivíduos são considerados portadores do traço falciforme. Da mesma fora, HbF interage fracamente com HbS, os RN com anemia falciforme não manifestam a doença até que os níveis de HbF diminua e atinja níveis de adultos. HbC é uma β-globina mutante e aproximadamente 2,3% dos afro-americanos são portadores heterozigotos dela, então, por probabilidade, 1 em 1.250 RN será duplo heterozigoto para HbC e HbS. ❖ Indivíduos duplos heterozigotos HbS/HbC apresentam um distúrbio sintomático falciforme -> doença HbSC. Concentração intracelular de HbS -> polimerização da HbS desoxigenada é significativamente dependente da concentração. A desidratação dos eritrócitos, a qual aumenta a concentração de Hb, facilita o afoiçamento. Por outro lado, a coexistência da α- talassemia, que reduz a concentração de Hb, reduz o afoiçamento. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Tempo requerido pelos eritrócitos para passar através da microvasculatura -> tempo normal necessário para o trânsito dos eritrócitos através dos leitos capilares é muito pequeno para que ocorra uma polimerização significativa da HbS desoxigenada. Logo, os tecidos que são mais suscetíveis à obstrução pelo afoiçamento são aqueles que o fluxo sanguíneo é mais lento (baço e medula óssea). O afoiçamento também pode ocorrer em outros leitos microvasculares em razão de fatores adquiridos que retardam a passagem dos eritrócitos, particularmente a inflamação. A inflamação diminui o fluxo sanguíneo pelo aumento da adesão de leucócitos e eritrócitos ao endotélio e pela indução de exsudação de fluido através de vasos. Além disso, eritrócitos falciformes apresentam maior tendência à adesão às células endoteliais do que os eritrócitos normais, aparentemente devido aos episódios de afoiçamento. ! Esses fatores favorecem o prolongamento do tempo de trânsito dos eritrócitos falciformes, aumentando a probabilidade da doença clinicamente significante. 2 consequências patológicas principais surgem a partir dos eritrócitos falciformes: anemia hemolítica moderadamente grave (dano à membrana celular dos eritrócitos) e obstruções vasculares (lesão tecidual isquêmica e crise de dor). O tempo de vida médio dos eritrócitos na anemia falciforme é de apenas 20 dias, e a gravidade da hemólise correlaciona-se com a fração de células irreversivelmente falciformes que estão presentes no sangue. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A doença progride de forma incessante e pontuada por crises. A anemia falciforme homozigota geralmente é assintomática até os 6 meses. A maioria das crises graves é do tipo vaso-oclusivas que são caracteristicamente associadas à dor e muitas vezes causam lesões teciduais. Entre as crises vaso-oclusivas mais comuns e graves estão: Síndrome mão-pé -> resulta do infarto dos ossos das mãos e dos pés, é o sintoma de apresentação mais comum em crianças pequenas. Síndrome torácica aguda -> o fluxo sanguíneo lento no pulmão inflado leva ao afoiçamento dentro do leito pulmonar hipoxêmico. Isso exacerba a disfunção pulmonar, resultando em piora da hipoxemia pulmonar e sistêmica. ❖ Caracterizada por dor torácica súbita. A tosse desenvolve por causa de infiltrados pulmonares. Insuficiência respiratória resulta em dispneia. AVE -> ocorre no quadro da síndrome torácica aguda, os quais juntos são as principais causas de morte relacionada com a isquemia. Retinopatia proliferativa -> consequência da vaso-oclusão ocular que pode levar à perda de acuidade visual e cegueira. Devido à lentidão do fluxo sanguíneo e à baixa tensão de oxigênio no baço, a hemoglobina nas hemácias que atravessam o baço sofre desoxigenação, que provoca isquemia. A lesão esplênica se inicia na infância, caracterizada por congestão intensa, e geralmente é assintomática. A congestão causa asplenia funcional e predispõe ao desenvolvimento de infecções potencialmente fatais por microrganismos encapsulados, incluindo S. pneumoniae, Haemophilus influenzae tipo B e Klebsiella. DIAGNÓSTICO O diagnóstico neonatal da anemia falciforme é feito com base nos achados clínicos e nos resultados de solubilidade da Hb, que são confirmados por eletroforese. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Teste do Pezinho -> realizado gratuitamente antes do bebê receber alta da maternidade, proporciona a detecção precoce das hemoglobinopatias, como a anemia falciforme. ❖ São coletadas amostras de sangue do calcanhar que são submetidas à eletroforese para separar a HbF da HbA e HbS. TRATAMENTO Não existe cura conhecida para a anemia falciforme. As estratégias de tratamento se concentram na prevenção de episódios de afoiçamento, manejo dos sintomas e tratamento das complicações. A pessoa é aconselhada a evitar situações que precipitam episódio de afoiçamento das hemácias, como infecções, exposição ao frio, esforço físico intenso, acidose e desidratação -> as infecções devem ser tratadas de maneira agressiva e pode ser necessário transfusão de sangue em um episódio de crise. Para as crianças, recomenda-se manter o calendário de vacinação em dia, incluindo vacina contra H. influenzae e contra Hepatite B. Hidroxiureia -> fármaco citotóxico utilizado para evitar complicações da anemia falciforme, e é recomendado como tratamento padrão para todos os portadores dessa condição. ❖ Viabiliza a síntese de uma quantidade maior de HbF e menor de HbS, reduzindo o processo de afoiçamento. ❖ São desconhecidos o efeito do uso a longo prazo. Transplante de medula óssea ou de células-tronco tem o potencial de cura em crianças sintomáticas, mas traz vários riscos de complicações. TALASSEMIAS São distúrbios hereditários causados por mutações que reduzem a síntese das cadeias α ou β-globina. A diminuição da síntese de uma globina, além de resultar na deficiência de Hb, resulta também em danos aos eritrócitos causados pela formação de precipitados, devido ao excesso de cadeias globinas “normais” não pareadas. FISIOPATOLOGIA Várias mutações de α ou β-globina são condições autossômicas codominantes. HbA consiste em um tetrâmero composto por 2 cadeias α e 2 cadeias β -> as cadeias α são codificadas por 2 genes de α-globina apresentados em tandem no cromossomo 16, enquanto as cadeias β são codificadas por um único gene da β- globina localizado no cromossomo 11. β -TALASSEMIA Mutações relacionadas à essa talassemia podem ser classificadas em 2 categorias: ❖ β0, associada à ausência total de produção de cadeias de β- globina. ❖ β+, caracterizada pela redução na síntese (em níveis detectáveis) de β-globina. O sequenciamento dos genes da β-talassemia revelou mais de 100 mutações diferentes responsáveis, a maioria resultando de mutações de uma única base. Indivíduos que herdam 1 alelo anormal apresentam β-talassemia menor, que é assintomática ou levemente sintomática. A maioria das pessoas que herdam 2 alelos β0 e β+ apresenta β- talassemia maior. Indivíduos que herdam 2 alelos β+ apresentam uma forma mais branda da doença -> β-talassemia intermediária. Ao contrario da α-talassemia, as deleções de genes são incomuns na β-talassemia. As mutações responsáveis pela β-talassemia são diversas e interferem na síntese da β-globina de vários modos diferentes. As mutações mais comuns levam a um splicing anormal do RNA, enquanto outras levam a falta no promotor do gene da β-globina ou regiões de codificação. A síntese defeituosa da β-globina na β-talassemia contribui para a anemia por meio de 2 mecanismos: ❖ Formação inadequada de HbA, resultando em pequenos eritrócitos com pouca Hb. ❖ Permitindo o acúmulo de cadeias de α-globina não pareadas, que formam precipitados tóxicos que lesam gravemente as membranas dos eritrócitos e dos percursores esteroides. Uma fração alta de percursores eritroides é tão gravemente danificada que morre por apoptose (eritropoese ineficaz),e as poucas hemácias produzidas apresentam uma vida útil reduzida. A hematopoese ineficaz também está relacionada ao aumento inadequado da absorção de ferro da alimentação, que, sem intervenção médica, causa sobrecarga de ferro -> o aumento na absorção de ferro é causado pela hepcidina inadequadamente baixa, que é um regulador negativo da absorção de ferro. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA α -TALASSEMIA É causada principalmente por deleções envolvendo um ou mais genes de α-globina. Gravidade da doença é proporcional ao número de genes deletados de α-globina. O excesso de cadeias de β-globina e γ-globina forma tetrâmeros relativamente estáveis β4 e γ4 conhecidos como HbH e Hb Bart, respectivamente, que causa menos danos à membrana do que as cadeias livres de α-globina encontradas na β-talassemia; como resultado, a eritropoese ineficiente é menos pronunciada na α- talassemia. Infelizmente, tanto a HbH quanto a Hb Bart apresentam alta afinidade anormal pelo oxigênio, o que as torna ineficazes na liberação de oxigênio para os tecidos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas surgem 3-6 meses após o nascimento: ❖ Palidez, inapetência, fadiga, dispneia, icterícia. ❖ Esplenomegalia. ❖ Crescimento deficiente -> atraso ou ausência da puberdade. DIAGNÓSTICO O diagnóstico laboratorial das talassemias é feito por hemograma e eletroforese de hemoglobina. Também é possível estudar a mutação genética específica. O diagnóstico de talassemia beta menor não é possível de ser feito pela triagem neonatal “exame do pezinho”, enquanto na talassemia alfa encontra-se a hemoglobina Bart’s (só é detectada no recém-nascido) na triagem neonatal. Apesar de não ser doente, a pessoa com talassemia menor ou traço alfa-talassemia deve ser identificada, para fins de orientação familiar e para estabelecer o diagnóstico diferencial entre anemia ferropriva. TRATAMENTO ❖ Às vezes, transfusões de sangue, remoção do baço ou terapia de quelação de ferro. ❖ Transplante de células tronco. A maioria das pessoas com uma talassemia leve não precisa de tratamento. As pessoas com talassemia mais grave podem precisar de cirurgia para remover o baço (esplenectomia), transfusões de sangue ou terapia de quelação de ferro -> excesso de ferro é retirado do sangue. ❖ Os quelantes de ferro podem ser administrados por via oral usando-se deferasirox ou deferiprona ou por uma infusão de deferoxamina, a qual pode ser administrada por via cutânea ou intravenosa. DEFICIÊNCIA DE GLICOSE-6-FOSFATO-DESIDROGENASE Os eritrócitos são constantemente expostos a oxidantes endógenos e exógenos, que são inativados pela glutationa reduzida (GSH), anormalidades nas enzimas que fazem a síntese do GSH tornam os eritrócitos vulneráveis a lesão oxidativa e a hemólise. E a mais comum é a deficiência da glicose-6-fosfato-desidrogenose (G6PD), que se localiza no cromossomo X. FISIOPATOLOGIA A deficiência de G6PD está associada a episódios transitórios de hemólise intravascular causada pela exposição a um fator ambiental (geralmente agentes infecciosos ou fármacos) que causa estresse oxidativo. Os episódios de hemólise são desencadeados por infecções, que induzem os fagócitos a gerar oxidantes como parte da resposta normal do hospedeiro. Esses oxidantes, como o peróxido de hidrogênio, normalmente são inativados pela GSH, que é convertida a GSH oxidada no processo. Como a regeneração da GSH está prejudicada nas células deficientes em G6PD, substâncias oxidantes encontram-se livres para “atacar” outros componentes dos eritrócitos incluindo as cadeias de globina. A hemoglobina oxidada desnatura e forma precipitados, caracterizados como inclusões intracelulares denominadas corpúsculos de Heinz, que podem lesar a membrana eritrocitária o suficiente para causar hemólise intravascular. Outros eritrócitos menos lesados perdem sua capacidade de deformação e sofrem mais danos quando os macrófagos esplênicos tentam remover os corpúsculos de Heinz, originando as chamadas “células mordidas”. Tais células ficam aprisionadas até a recirculação para o baço e são destruídas por fagócitos (hemólise extravascular). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Como ela é ligada ao cromossomo X, os eritrócitos de homens afetados encontram-se uniformemente deficientes e vulneráveis à lesão oxidativa. Nas mulheres há eritrócitos normais e deficientes, desse modo muitas não são afetadas, exceto em casos de muitos deficientes (situação conhecida como lionização desfavorável). Maria Luiza Sena – Med XIV FASA HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA (HPN) FISIOPATOLOGIA É uma anemia hemolítica causada por mutações adquiridas em PIGA, um gene necessário para a síntese de fosfatidilinositol glicano (PIG), que serve como uma âncora de membrana para muitas proteínas. Como o PIGA é ligado ao X, as células normais possuem apenas um gene PIGA ativo, cuja mutação é suficiente para causar a deficiência de PIGA. As mutações ocorrem em um progenitor hematopoiético inicial que é capaz de originar eritrócitos, leucócitos e plaquetas. A progênie do clone PIGA mutado não possui a capacidade de produzir proteínas com “cauda PIG”, incluindo várias que limitam a atividade do complemento; como resultado, os eritrócitos derivados de precursores deficientes de PIGA são extremamente sensíveis à lise pelo complexo de ataque à membrana C5b-C9 do sistema complemento. A hemólise noturna que dá o nome de HPN ocorre porque a fixação do complemento é reforçada pela diminuição do pH sanguíneo que acompanha o sono (devido à retenção de CO2). No entanto, a maioria dos pacientes apresenta anemia e deficiência de ferro, resultante da hemólise intravascular crônica, de forma menos intensa. A complicação mais temida da HPN é a trombose, que geralmente ocorre nos vasos abdominais, como a veia porta e a veia hepática. O estado protrombótico também está, de alguma forma, relacionado com a atividade excessiva do complemento, pois o Eculizimab, um anticorpo que se liga ao C5 e inibe a montagem do complexo de ataque de membrana C5b-C9, diminui consideravelmente a incidência de trombose, bem como o grau de hemólise intravascular. Eculizimab não apresenta efeito nos estágios iniciais da fixação do complemento, e os pacientes tratados continuam a desenvolver diferentes graus de hemólise extravascular por causa da deposição de C3b nas superfícies dos eritrócitos. A perda da atividade de C5b-C9 em pacientes que recebem Eculizimab representa um risco para infecções por Neisseria, particularmente sepse meningocócica; assim, todos os pacientes tratados devem ser vacinados contra N. meningococcus. ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE Causada por anticorpos que se ligam a determinantes nas membranas dos eritrócitos. Estes anticorpos podem surgir espontaneamente ou ser induzidos por agentes exógenos, como fármacos ou produtos químicos. A anemia imuno-hemolítica é incomum e é classificada com base na: ❖ Natureza do anticorpo. ❖ Presença de condições predisponentes O diagnóstico depende da detecção de anticorpos e/ou complemento nos eritrócitos. Pode ser realizado através do teste direto de Coombs, no qual os eritrócitos do paciente são incubados com anticorpos contra imunoglobulina humana ou complemento. Em casos de resultado positivo, esses anticorpos causam o aglomeramento dos eritrócitos (aglutinação). ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE POR ANTICORPOS A QUENTE Resulta da ligação de autoanticorpos de alta afinidade aos eritrócitos, que então são removidos da circulação por fagócitos no baço e em outros sítios. Além da eritrofagocitose direta, o consumo incompleto, por macrófagos, dos eritrócitos (“células mordidas”) revestidos pelo anticorpo, remove a membrana e transforma os eritrócitos em esferócitos, que são rapidamente destruídos no baço, assim como na esferocitosehereditária. É causada por anticorpos de imunoglobulina G (IgG) ou (raramente) IgA que são ativos a 37°C. ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE POR ANTICORPOS A FRIO São causadas por anticorpos IgM de baixa afinidade que se ligam às membranas dos eritrócitos somente a temperaturas abaixo de 30°C, como se observa nas regiões distais do corpo (p. ex., orelhas, mãos e pés) em climas frios. Apesar de as IgM ligadas fixarem bem o complemento, as últimas etapas da cascata do complemento ocorrem de modo ineficiente em temperaturas inferiores a 37°C. Como resultado, a maioria das células com IgM ligada recruta algumas moléculas C3b, porém não são lisadas no ambiente intravascular. Quando essas células circulam em direção a áreas mais quentes, a fraca ligação do anticorpo IgM à membrana é rompida, mas o revestimento de C3b permanece. Como a C3b é uma opsonina, as células são fagocitadas por macrófagos, principalmente no baço e no fígado; por isso, a hemólise é principalmente extravascular. A ligação da IgM pentavalente também resulta na ligação cruzada de eritrócitos e causa aglomeramento dos mesmos (aglutinação). A estase do sangue nos capilares, por causa da aglutinação, geralmente resulta no surgimento do fenômeno de Raynaud nas extremidades de indivíduos afetados. Em alguns casos, as aglutininas ao frio também são detectadas de modo transitório durante a recuperação de pneumonias causadas por Mycoplasma spp. e mononucleose infecciosa, desencadeando anemia leve de pouca importância clínica. Formas crônicas mais importantes de anemia hemolítica por aglutinina ao frio ocorrem em associação a certas neoplasias de células B ou como condição idiopática. Causas: ❖ Desconhecida em 50 a 60% dos casos. ❖ Doenças linfoproliferativas (leucemia linfoide crônica, doença de Hodgkin, linfoma). ❖ Colagenoses. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Infecções (Mycoplasma, mononucleose infecciosa, anti-HIV, hepatites B e C, citomegalovírus). ❖ Síndrome mielodisplásica. ❖ Neoplasias malignas. ❖ Medicamentos: metildopa, quinidina, penicilina, cefalosporinas, procainamida. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Icterícia, palidez cutânea, mucosas descoradas, fraqueza, febre, taquicardia, esplenomegalia leve, hepatomegalia (rara), acrocianose (anticorpos a frio) e levedo reticular (autoanticorpos a frio). DIAGNÓSTICO Hemograma -> anemia macrocítica (VCM maior que 96 fℓ), policromasia, poiquilocitose à custa de esferócitos e hemácias fragmentadas, eritoblastos circulantes, plaquetopenia eventualmente (síndrome de Evans) Teste de Coombs direto -> adiciona-se um preparado de imunoglobulinas anti-imunoglobulina humana em uma suspensão de hemácias do paciente, observando-se a presença de aglutinação – reação positiva em 90% dos casos. ❖ Reticulocitose: > 2,0%. ❖ Hiperbilirrubinemia à custa de bilirrubina indireta (> 0,6 mg/dℓ). ❖ Desidrogenase láctica (DHL) elevada (> 480 U/ℓ). ❖ Haptoglobulina reduzida (< 26,0 mg/dℓ). ANEMIA HEMOLÍTICA DECORRENTE DE TRAUMATISMOS Ocorre de duas formas -> hemólise traumática produzida por próteses valvares cardíacas defeituosas que podem criar fluxo sanguíneo suficientemente turbulento para cortar os eritrócitos e durante golpes físicos repetidos de uma ou mais partes do corpo. E a segunda forma é a anemia hemolítica microangiopática, em que pequenos vasos ficam obstruídos ou estreitados por lesões que predispõem a passagem de eritrócitos a lesões mecânicas, que pode ser causada por coagulação intravascular disseminada (CID), lúpus, câncer disseminado, hipertensão maligna, e púrpura trombocitopênica trombótica.
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