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Certificações e Auditoria Ambiental Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Carlos Eduardo Martins Revisão Textual: Profa. Ms. Rosemary Toffoli O contexto ambiental atual e histórico 5 • O contexto ambiental atual e histórico • A popularização e a institucionalização da questão ambiental • As origens do pensamento e das ações ambientais • O ponto de mutação na relação entre a sociedade e a natureza • O ambientalismo no século XIX • George Marsh: da prática diplomática ao conceito de desenvolvimento sustentável • O Friedrich Engels ambientalista • As primeiras experiências de preservação da natureza • A origem do conceito de conservação da natureza • Origem do conceito de equilíbrio • As críticas ao pensamento malthusiano: os princípios reformistas · Analisar as origens do pensamento ambientalista, bem como observar como se realizaram as primeiras ações ambientais propriamente ditas. Olá, turma! Nesta unidade, em que trataremos o contexto ambiental atual e histórico, você terá acesso a diversos recursos. Não deixe de baixar o arquivo em PDF do material teórico. Assim, você poderá ter acesso às nossas discussões onde quer que esteja. Veja o mapa mental que sintetiza a estrutura do assunto tratado neste módulo. Fique atento aos prazos das atividades que serão colocados no ar. Recorra às videoaulas e ao PowerPoint narrado, para tirar eventuais dúvidas sobre o conteúdo textual. Participe do fórum de discussão proposto para o tema. No seu tempo livre, consulte as fontes do material complementar. Além disso, pesquise o máximo que puder sobre o tema “contexto ambiental atual e histórico”. Há inúmeros conteúdos na internet que são bastante úteis para o seu estudo e para a sua formação profissional. Bom trabalho! O contexto ambiental atual e histórico 6 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico Contextualização A Classe Operária e o Neomalthusianismo (Por V. I. Lênin - 29 de Junho de 19131) No congresso médico, realizado no Instituto Pirogov, despertou grande interesse e suscitou inúmeras discussões a questão do aborto provocado. O relator, Lickus, citou dados referentes à grande difusão dos abortos provocados, nos dias de hoje, nos países que se dizem civilizados. Em New York, verificaram-se, em um ano, 80 mil abortos provocados; na França, 36 mil por mês. Em Petersburgo, a percentagem dos abortos provocados aumentou em mais do dobro no espaço de cinco anos. Segunda o parecer do congresso médico, o aborto não deveria ter, jamais, para a mãe consequências penais, e o médico só deveria ser punido por lei quando agisse “por interesse”. A maior parte dos médicos que negou a punibilidade do aborto, naturalmente, levantou, também, no curso dos debates, a questão do chamado neomalthusianismo2 (isto é, as práticas preventivas) e a esse respeito também tocou-se no lado social da questão. Assim, por exemplo, segundo o noticiário do Russkoie Slovo3, o Sr. Vigdorick declarou que “é necessário saudar os sistemas preventivos”, enquanto o Sr. Astrakhan exclamou entre uma tempestade de aplausos: “Devemos convencer as mães a ter filhos, para que sejam estropiados nas escolas, para que sejam induzidos ao suicídio segundo sorteio!”. Se é verdade, como se disse, que essas declarações da Sr. Astrakhan provocaram uma tempestade de aplausos, não me surpreendo em absoluto. Os presentes eram burgueses, pequenos e médios, com mentalidade pequeno-burguesa. Que se podia esperar deles, se não o mais chão liberalismo? Mas se se examina o problema segundo o ponto de vista da classe operária, é quase impossível encontrar prova mais clamorosa do caráter absolutamente reacionário e da inconsistência do “neomalthusianismo social” do que a frase do Sr. Astrakhan. “Ter filhos para que sejam estropiados”. . . Apenas para isto? E não para que lutem melhor, mais unidos, com mais consciência e energia que nós contra as atuais condições de vida que estropiam a nossa geração? 1 Primeira Edição: Publicado na Pravda (“A Verdade”), nº 137 (341), de 29 (16) de junho de 1913. (Obras Completas, vol. XVI, págs. 497-499.) 2 A expressão deriva do nome do economista inglês Robert Malthus (1766-1834), que, alegando que a população crescia numa medida muito maior que os meios de subsistência, indicava, nos processes preventivos (controle dos nascimentos) e nos repressivos (guerra, epidemias etc.) os fatores destinados a restabelecer o equilíbrio e contestava, ao mesmo tempo, a eficácia de qualquer reforma social, afirmando que elevar o nível de vida das massas populares equivalia a favorecer o crescimento demográfico com a consequência, em breve tempo, de agravar a situação geral. Dessa concepção reacionária, originou-se o neomalthusianismo, que teorizou especificamente sobre a limitação voluntária da prole, como objetivo a atingir por todos os meios. 3 A Palavra Russa. Jornal liberal de Moscou. Cessou a publicação pouco depois da Revolução de Outubro. 7 Nisso reside a diferença entre a mentalidade do camponês, do artesão, do intelectual e a do proletário. O pequeno-burguês vê e sente que está caminhando para a ruína, que a vida se torna mais difícil, que a luta pela existência se torna sempre mais cruel, que sua situação e a de sua família se tornam cada vez mais sem saída. É um fato incontestável, contra o qual o pequeno- burguês protesta. Mas, como protesta? Protesta, humilhado e tímido, como representante de uma classe que se precipita, sem esperança, para sua própria ruína, que não tem nenhuma confiança no próprio futuro. Nada se pode fazer, senão ter menos filhos para sofrer os nossos tormentos, para arrastar os nossos grilhões, para suportar nossa miséria e nossa humilhação: esse é o grito do pequeno-burguês. O operário consciente está a mil milhas de distância desse modo de ver. Não deixa sua consciência embotar-se por tais elementos, por mais sinceros e profundamente sentidos que sejam eles. Sim, também nós, operários e a massa dos pequenos proprietários, estamos curvados sob um jugo insuportável e nossa vida está cheia de sofrimentos. Nessa geração tem uma vida mais dura que a de nossos pais. Mas, sob certo aspecto, somos muito mais felizes do que eles. Aprendemos e estamos aprendendo rapidamente a lutar; e não a lutar sozinhos, como os melhores dentre nossos pais; não em nome das palavras de ordem de charlatães burgueses, que nos são estranhas, que não sentimos, mas em nome de palavras de ordem nossas, de nossa classe. Lutamos melhor que nossos pais. Nossos filhos lutarão ainda melhor e vencerão. A classe operária não se precipita para a ruína, mas cresce, torna-se mais forte e mais viril, torna-se compacta, educa-se e tempera-se no combate. Somos pessimistas quanto à sorte do feudalismo, do capitalismo e da pequena produção, mas otimistas e cheios de entusiasmo no que se refere ao movimento operário e à sua meta. Já lançamos os alicerces do novo edifício e nossos filhos o terminarão. Eis a razão, a única razão, para que sejamos decididamente inimigos do neomalthusianismo, dessa tendência própria dos casais pequeno-burgueses, que, em sua mesquinhez e egoísmo, murmuram assustados: se Deus quiser, viveremos nós dois de qualquer modo; quanto aos filhos, é melhor não os ter. Isso, naturalmente, não os impede de exigir a revogação de todas as leis que proíbem o aborto ou proíbem a difusão dos preceitos médicos referentes aos métodos preventivos etc. Tais leis não passam de uma hipocrisia das classes dominantes. Tais leis não curam a moléstia do capitalismo, mas as tornam particularmente malignas e graves para as massas oprimidas. Uma coisa é a liberdade da propaganda médica e a defesa dos direitos democráticos fundamentais para os cidadãos de ambos os sexos; outra, a doutrina social do neomalthusianismo. Os operários conscientes travarão sempre a luta mais encarniçada contra as tentativas de impor essa doutrina vil e reacionária à classe que é, na sociedade atual, a mais avançada, a mais forte, a mais preparadapara as grandes transformações. Fonte: Livro O Socialismo e a Emancipação da Mulher, Editorial Vitória, 1956. Tradução: Editorial Vitória. 8 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico O contexto ambiental atual e histórico É possível considerar que nas últimas décadas tem-se discutido a questão ambiental como nunca antes havia ocorrido. Não só as preocupações com o bem estar atual, mas com o das gerações futuras têm sido entendidos como responsáveis pelas proposições nas atitudes humanas, a fim de evitar, minimizar ou mesmo eliminar consequências adversas, produzidas pelas atividades humanas no meio ambiente. Assim, embora vejamos diferenças de sociedade para sociedade, a conservação do meio ambiente aparece nas mais diversas ações coletivas e/ou individuais. As mudanças são cada vez mais presentes, especialmente nas gerações mais jovens que não admitem certos atos que seus antepassados conservavam e tinham como “naturais”. A popularização e a institucionalização da questão ambiental Pode-se afirmar que, particularmente a partir do século XX, a questão ambiental saiu da academia e ganhou as ruas. Se até fins do século XIX a oposição existente na cultura ocidental entre a civilização e o ambiente natural sustentou a superioridade, dominação e exploração indiscriminada dos recursos naturais pelo homem, a partir daí, diversas manifestações contrárias a esta contradição começaram a ganhar cada vez mais adeptos até se tornar um discurso oficial. Pode-se dizer que a questão ambiental atual é claramente institucionalizada. Não só ao nível das esferas nacionais de poder e seus níveis inferiores, mas no âmbito internacional, como o da ONU, por exemplo, os problemas ambientais são tratados como políticos e se tornaram políticas nacionais, passando a influenciar a rotina de populações inteiras. Embora muitas vezes nem se perceba, nosso dia a dia tem sido cada vez mais definido, segundo padrões ambientais cada vez mais rígidos nas emissões de resíduos no ar, na água e no solo, na produção de ruído proveniente das atividades produtivas, nos padrões de alimentação e mesmo nas embalagens dos produtos consumidos, entre outros. Vejamos um pequeno resumo histórico da questão ambiental. 9 As origens do pensamento e das ações ambientais Pensar e agir a favor de um ambiente com melhor qualidade não é exclusividade das gerações recentes. O que há de diferença entre o que nós acreditamos ser ambientalmente correto do que um de nossos ancestrais mais primitivos é, na verdade, uma questão de considerar a intensidade das ações produtivas e a acentuação da complexidade de cada contexto. É bastante costumeiro por nossa parte acreditar que as sociedades primitivas “viviam em harmonia com a natureza”, ao contrário das sociedades contemporâneas que, de forma indiscriminada, degradam o ambiente que está ao seu redor. Isso é mais ou menos equivalente a dizer que o progresso traz a reboque a degradação da natureza. Somos bombardeados diariamente pelos meios de comunicação, especificamente, pela TV, sobre desastres ambientais produzidos pela atividade humana, considerados improváveis de ocorrer em outros tempos. Isso não podemos negar, é fato. Mas o que é necessário considerar é que, de fato, não temos a menor ideia do que as nossas ações irão causar ao ambiente nem a médio, muito menos, em longo prazo. Todo e qualquer argumento a respeito das consequências é meramente especulativo. A esta altura você deve estar pensando que este texto vai ao encontro de uma doutrina desenvolvimentista a qualquer custo que não dá o devido valor ao meio ambiente. Desde já adiantamos que este não é o objetivo deste texto, pelo contrário. A intenção é, sim, dar um tratamento adequado das questões ambientais mais importantes, mas desvinculá-lo dos discursos alarmistas e pessimistas a cerca do tema principal. Dadas todas as incertezas que giram em torno do tema, consideraremos que todas as mudanças que visam a um meio ambiente mais saudável já se bastam por si e coincidem com o princípio da precaução. Este é aplicado às situações em que prevalecem as dúvidas quanto às consequências das ações humanas. Por si só uma ação ambiental pautada neste princípio já é um avanço enorme em relação ao que pensávamos até bem pouco tempo atrás. Identificar a história dos pensamentos e ações ambientais não é uma tarefa das mais fáceis. Não há nas origens bibliográficas das diversas ciências nenhum manual de meio ambiente. Embora as visões acerca do meio ambiente estejam presentes, elas estão fragmentadas e distribuídas de forma bastante difusa nos vários textos existentes. A arqueologia do pensamento ambiental é formada por frases soltas, narrativas despretensiosas e conjecturas esparsas temporalmente, como será possível observar nos próximos parágrafos. É possível considerar um ou outro aspecto referente ao meio ambiente nas narrativas da Antiguidade Clássica, especialmente na obra “Geografia” de Estrabão (65 a.C. - 24 d.C.). Esse viajante percorreu boa parte das terras que compreenderam o Império romano, descrevendo as diferenças geográficas que encontrou destacando a forma como cada agrupamento humano havia conduzido o aproveitamento do potencial natural existente; fazendo algumas críticas sobre as formas de exploração de alguns recursos, arriscando, inclusive, previsões sobre a escassez ou a extinção de alguns produtos em função do que identificou como “excessos”. 10 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico O exemplo de Estrabão já indica o que acabou se tornando uma tendência quanto ao pensamento ambiental propriamente dito, que foi o tom de denúncia dos discursos a respeito das formas como a questão ambiental se apresentava, isto é, no geral, as ideias convergiram quanto à identificação das consequências nefastas das ações humanas sobre o ambiente constituído pelo substrato físico e pelos seres vivos existentes, todos, sem exceção, transformados em recursos para fins de exploração pelas atividades produtivas. Após Estrabão, ao longo de toda a Antiguidade e da Idade Média, as questões ambientais foram relegadas ao total esquecimento, não sendo possível identificar um ou outro autor que, de fato, expresse qualquer sinal de atenção voltada para a questão ambiental. Foi somente a partir do Renascimento que a questão ambiental passa a apresentar alguma expressividade literária. O ponto de mutação na relação entre a sociedade e a natureza Keith Thomas, na obra “O Homem e o Mundo Natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800)” de 2010, o autor afirma que, entre os séculos XVI e XVIII, houve uma ampla reviravolta na relação entre a sociedade e a natureza, particularmente na Europa. Os princípios que norteavam a cultura até o século XVI comandavam uma relação de dominação da natureza pelo homem. Essa dominação tem origem nos escritos bíblicos nos quais, desde as primeiras linhas do “Genesis”, a criação estabeleceu a hierarquia do mundo, na qual o topo da pirâmide da vida pertence ao homem e sob os seus pés encontram-se plantas e animais, criados para servir às necessidades quaisquer que fossem daquele. Dessa concepção primordial até o tempo das grandes revoluções científicas que tiveram início no século XVI, começa a se tornar cada vez mais explícita a separação entre o trabalho intelectual e braçal, raiz da divisão particular do trabalho, que culminaria no sistema de acumulação de capital. Não demoraria muito para que a divisão do trabalho alcançasse a escala geral entre o campo e a cidade que subordina aquele aos seus interesses. A subordinação não ocorre apenas no plano econômico. A vida no campo ou junto da natureza era considerada inferior frente à vida civilizada que se levava nas cidades. O meio natural se torna oposto ao mundo civilizado, a vida no campo não é digna da existência cristão. Como era possível admitir alguém que não suprimisse a cobertura florestal original por formas de cultivo e criação? Como admitirque alguém não fizesse a terra gerar frutos? Somente um ser desprezível, um mau cristão podia viver da natureza sem convertê-la em área produtiva. Ao contrário, a vida urbana correspondia à plenitude do ser. Afastado da sua condição primitiva antepassada (da sua natureza), agora o homem atingira sua condição de civilidade absoluta. No entanto, conquanto o desenvolvimento do sistema de acumulação capitalista transcorria, o processo de intensificação da urbanização da população necessária para suprir a complexificação dos processos produtivos começou a tornar as grandes cidades insuportáveis à burguesia industrial. A selva de pedra que as cidades haviam se tornado passaram a ser um ambiente hostil, danoso e repugnante. Ao contrário, o campo, os ambientes naturais e mesmo as florestas começaram a exercer uma influência positiva no pensamento burguês. 11 No livro “O Campo e a Cidade na História e na Literatura” (1989), Raymond Williams faz uma longa pesquisa a fim de buscar as diversas imagens que os textos expressam sobre a distinção entre campo e cidade nas várias fases da história. São diversos os testemunhos da época em que a natureza é revalorizada e tanto a vida selvagem quanto o bucolismo do campo passam a ser identificados como verdadeiros “paraísos perdidos” em relação à vida cotidiana nos grandes centros urbano-industriais. Essa transformação, que tem início no século XVI, culminou no século XIX nas primeiras referências textuais com elevado teor de ambientalismo. É importante frisar que no contexto do século XIX não temos nenhuma especialidade científica capaz de abarcar as origens das causas e as proposições de resolução dos problemas ambientais, mas aqui e ali surgem textos com percepções cada vez mais acuradas da questão ambiental. O ambientalismo no século XIX Fonte: Wikimedia Commons Figura 1 – Henry David Thoreau Provavelmente, um dos expoentes mais emblemáticos desta fase do pensamento ambiental tenha sido Henry David Thoreau (1817 – 1862). Thoreau (Figura 1) viveu praticamente a vida toda na zona rural de Concord, Massachusetts (EUA). Acostumado ao trabalho duro no campo, tornou-se grande observador dos processos que se manifestam na natureza. Testemunhou a passagem do naturalista Louis Agassiz ao qual serviu de guia nas longas caminhadas pelo campo, a fim de coletar espécies da vida silvestre. Após formar-se em língua inglesa e literatura, na universidade do seu estado natal, criou uma escola rural na qual desenvolveu um método de ensino que incluía atividades de campo e liberdade de expressão que irritou as autoridades de ensino da época. Exerceu outras profissões que o remunerassem de forma suficiente para seus gastos essenciais. Este comportamento o tornou conhecido como um dos baluartes do pensamento anarquista libertário dos EUA. Seu pensamento foi ficando cada vez mais radical com o tempo. Sua repugnância pela vida urbana o fez decidir a mudar-se para uma pequena cabana (Figura 2) na floresta, em uma propriedade de um amigo de juventude, Ralph Emerson. Emerson tornou-se um importante filósofo da natureza, principalmente com a publicação da sua obra “O Espírito da Natureza”, de linha mais mística, na qual Emerson ressalta os valores, “sagrados” e “misteriosos” a serem descobertos pelos que entram em contato com a natureza selvagem. 12 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico Figura 2. Réplica da Cabana nos arredores do Lago Walden e a escultura de Thoreau Fonte: RhythmicQuietude/Wikimedia Commons Em sua sede de campo, Thoreau passou a viver do que produzia. Isso também o tornou conhecido como um dos pioneiros da prática da vida simples e autossuficiente, o que ele próprio traduziu como liberdade. Tendo se ocupado da escrita, produziu a sua principal obra intitulada “Walden” (1854). Nessa publicação, Thoreau descreve sua experiência de vida na natureza, buscando tanto uma autoafirmação intelectual, como naturalista empírico; quanto um crítico do modo de vida baseado na acumulação no qual os EUA estavam francamente mergulhados já àquela altura. Em sua trajetória intelectual, travou contatos frutíferos com inúmeros pensadores anticapitalistas, anti-escravagistas, lideranças indígenas e outros críticos do governo dos EUA. Esta multiplicidade de influências fez de Thoreau um praticante da desobediência civil. Adotou uma postura de não pagar taxa alguma, tendo em vista que sua vida de autossuficiência lhe provia de tudo o que necessitava, além do fato de que o dinheiro arrecadado pelo estado tinha por fim tudo aquilo que ele criticava. Thoreau não chegou a pregar contra o estado, mas dava indicativas de que seu pensamento havia evoluído para o anarquismo, quando declarara que, a certa altura de consciência, a sociedade perceberia que não mais necessitaria de eleger governantes. A concepção ambientalista de Thoreau fica bastante evidente em diversas passagens dos seus textos, atualmente disponíveis em formato digital em: dominiopublico.gov.br. 13 George Marsh: da prática diplomática ao conceito de desenvolvimento sustentável Fonte: Wikimedia Commons George Perkins Marsh George Perkins Marsh (1801 - 1882) formou-se linguista, era poliglota e foi um dos maiores diplomatas dos EUA recém-formado. Seu trabalho mais conhecido “O Homem e a Natureza: ou, a Geografia Física modificada pela ação humana” é considerado um dos pioneiros do conceito de desenvolvimento sustentável. Neste livro, March faz uma análise bastante aprofundada sobre diversos exemplos de ações degradantes que presenciou em suas andanças por diversos países do mundo como representante do governo dos EUA. Chegou a predizer situações catastróficas sobre determinados fenômenos e que a acumulação de casos poderia colocar em risco a existência de diversos recursos naturais. Provavelmente, vem daí a repetida tese da extinção, tão repetidas vezes apregoada pelos ecologistas contemporâneos. Ao contrário de Thoureau, March não acredita em uma vida simples e desapegada de progressos. Ao contrário, trabalha com a inevitabilidade do desenvolvimento. Mas acredita que o aproveitamento dos recursos naturais pode ocorrer de forma distinta do que aquele que se apresentava em sua época. Para ele, a tecnologia deveria ser empregada para a melhoria das formas de exploração dos recursos naturais otimizando os processos produtivos e minimizando os efeitos nefastos sobre a natureza. 14 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico O Friedrich Engels ambientalista Fonte: iStock/Getty Images Friedrich Engels Conhecido como o parceiro de Karl Marx na elaboração da construção do materialismo histórico e dialético como base para a ciência e da crítica ao sistema capitalista, Friedrich Engels (1820 – 1895) dedicou boa parte da sua vida à pesquisa sobre o conceito de natureza em meio a muitos outros temas. Engels é autor de importantes livros como “Anti-Dühring” (1979) e “Dialética da Natureza” (1977), nos quais desenvolve uma fascinante abordagem sobre a questão da abordagem sobre a natureza na filosofia e na ciência, sendo ele próprio autor de uma forma de abordar o tema que considera a mais concreta e a mais adequada possível para uma ciência verdadeiramente dialética. Mas é em uma obra totalmente distinta que se pode considerar um dos seus melhores escritos sobre a questão ambiental. Em “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra” (2008), Engels elabora uma análise bastante completa da condição do modelo de acumulação de capital na Inglaterra. O capítulo 2, denominado “As Grandes Cidades” é dedicado à análise das condições de vida dos trabalhadores nos guetos próximos às fábricas inglesas. Engels viaja a diversas cidades da Inglaterra, a Escócia, Irlanda, na tentativa de demonstrar sua tese de que o modelo de exploração excessivo da força de trabalho eliminava de maneira sistemática toda e qualquer condição de humanidade dos trabalhadores, expondo-os às piores condições de abrigo alimentação e esforço físico.Engels descreve com todos os detalhes as características degradantes das construções pequenas e escuras que serviam de abrigo As inúmeras pessoas de diferentes famílias, a ausência total de saneamento e exposição absoluta das pessoas a toda sorte de risco de contaminação pelo ar e pela água, além do risco à saúde promovido pela fumaça do aquecimento precário a lenha. Estes e outros aspectos que são elencados por Engels evidenciam, obviamente, a sua preocupação em demonstrar as bases da sua crítica ao sistema capitalista. Por outro lado, a opção pela denúncia das precárias condições ambientais dos guetos ocupados pelos trabalhadores ingleses pode ser considerado um dos primeiros manifestos ambientalistas conhecido. 15 As primeiras experiências de preservação da natureza Fonte: Wikimedia Commons John Muir John Muir (1838 - 1914), um imigrante escocês radicado em Los Angeles, EUA, foi o pioneiro de uma concepção de meio ambiente, atualmente, chamada de ecocentrismo. Para Muir (Figura 5), o homem, um ser vivo como qualquer outro, não deve nem ser submetido a condições de sofrimento e miséria e nem ter direitos superiores aos das outras espécies vivas. Assim como Thoreau, Muir também foi criado no campo, no Estado de Wisconsin. Entre um trabalho e o outro na fazenda onde seus pais trabalhavam, Muir teve contato muito próximo com a natureza. Aos 22 anos, saiu em viagem ao estilo conhecido hoje como “mochilão”. Embarcava em trens e navios e pagava as passagens com pequenos serviços técnicos já que, apesar de não ter concluído o ensino superior, suas habilidades com a construção e a engenharia mecânica eram notáveis. Muir não permaneceu viajando pelos EUA, mas visitou todos os continentes exceto a Antártica. Em cada parada, buscava entender as relações entre as sociedades locais e o meio natural empreendendo palestras nas quais ele sugeria ações conservacionistas. Entre uma viagem e outra, Muir conheceu a área que corresponde atualmente ao Parque Nacional Yosemite, na Califórnia (Figura 6). Nesse ambiente geologicamente fascinante, propôs a teoria das glaciações, tendo por base o formato dos relevos graníticos do vale do Rio Yosemite em forma de “U”. Suas inúmeras publicações, voltadas quase que invariavelmente para as ideias preservacionistas, influenciaram não só a criação das primeiras áreas protegidas nos EUA, mas também no mundo. Mais à frente, trataremos desta influência que Muir produziu em diversos países. Figura 6. Parque Nacional Yosemite, Califórnia-EUA Fonte: Wikimedia Commons 16 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico A origem do conceito de conservação da natureza Fonte: Wikimedia Commons Gifford Pinchot Diferentemente do que seu colega Muir acreditava, Gifford Pinchot (1865 - 1946), via na gestão racional das florestas uma forma de, ao mesmo tempo, garantir a sua manutenção e permitir o seu uso. Pode-se dizer que Pinchot seja o pioneiro da ideia de conservação ambiental mais moderna. A vida de Pinchot não foi nem de perto a daquele naturalista que vimos relacionando nas linhas anteriores, pelo contrário, filho de um casal de posses de Connecticut, ele foi criado e manteve-se na cidade, embora tenha sido empossado como diretor do Serviço Florestal dos EUA por quatro anos. Após esse período em que adquiriu experiência para fixar suas ideias, ele foi eleito por dois mandatos governador do Estado da Pensilvânia, pelo Partido Republicano, quando deu grande ênfase à gestão racional das florestas do seu estado. Sua visão conservacionista veio de berço. Sua família era proprietária de grandes fazendas e, como forma de especular a terra, promoveu grande degradação das florestas naturais que cobriam o solo. Esse ato é plenamente compreensível, pois até meados do século XX vigorava nos EUA o Homestead Act., princípio pelo qual o governo americano distribuía as terras devolutas aos que quisessem nelas produzir (DIEGUES, 2001). No entanto, isso somente poderia ocorrer mediante a comprovação do beneficiamento do solo. Assim, houve uma verdadeira corrida às terras públicas e incentivo à prática da queimada e corte de vegetação nativa em larguíssima escala, num movimento de devastação nunca antes visto. Seu pai se revoltara tanto com isso, que chegou ao ponto de incentivar Guifford a fazer engenharia florestal na universidade e deu todas as condições para que tivesse uma carreira invejável no planejamento e gestão de florestas; em um primeiro momento, nas próprias terras da família e, ao longo da vida, no plano nacional, como chefe do Serviço Florestal dos EUA. Além dos cargos políticos que ocupou, Guifford fundou e participou dos primeiros grupos conservacionistas dos EUA tendo atuado na capacitação de engenheiros florestais e influenciado as elites americanas para uma visão conservacionista, o que mudou significativamente a cultura anterior de desenvolvimentismo a qualquer custo. Ao lado de G. March, Guifford Pinchot é considerado pioneiro a respeito da visão de ambiente que chamamos atualmente de desenvolvimento sustentável. Segundo Diegues (2001, p. 29) “(...) Pinchot agia dentro de um contexto de transformação da natureza em mercadoria. Na sua concepção, a natureza é frequentemente lenta e os processos de manejo podem torná-la eficiente; acreditava que a conservação deveria basear-se em três princípios: o uso dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção de desperdício; e o uso dos recursos naturais para benefício da maioria dos cidadãos.” 17 Origem do conceito de equilíbrio Boa parte do pensamento ambiental atual apresenta suas bases teóricas assentadas em princípios das Ciências humanas, físicas e da vida do século XVI ao XIX. Entre os aspectos que caracterizam os conceitos de meio ambiente, podemos considerar o de equilíbrio como um dos seus principais pilares. O conceito de equilíbrio aparece como racionalidade nas Ciências modernas a partir da observação das relações entre a sociedade e a natureza, sob os mais diversos pontos de vistas, incluindo o da Economia. Fonte: iStock/Getty Images Thomas Robert Malthus Thomas Robert Malthus (1766 - 1834) é considerado, entre outros rótulos, como o fundador da Economia e da Demografia. Suas teses sobre a relação entre a sociedade e a natureza estão reunidas na obra “An Essay On the Principle of Population” (Um Ensaio Sobre o Princípio de População), de 1798. O texto compreende as críticas de Malthus (Figura 8) das obras de dois dos seus contemporâneos: Jean Marie Antoine Nicolas de Caritat ou Marquês de Condorcet (1743 - 1794) e William Godwin (1756 - 1836) que, de forma muito particular, questionavam as bases da acumulação capitalista do século XVIII. Malthus pode ser considerado o mais renomado racionalista econômico da história tendo em vista que seu método levava em conta apenas os aspectos matemáticos, desprezando completamente qualquer contradição existente no sistema capitalista. Malthus acredita que naturalmente as relações entre a oferta de recursos e as demandas da sociedade devem estar em equilíbrio sob pena de todas as bases de sustentação do mundo entrar em colapso. A grande polêmica que difere a abordagem de Malthus da de seus contemporâneos é o fato de que ele crê que as leis naturais que regulam o crescimento da humanidade estão escritas em regras da progressão geométricas (PG). Já as leis que regem o desenvolvimento dos outros seres vivos progridem em ritmo aritmético (PA). Assim, se permitimos que as leis naturais exerçam influência total na sociedade e esta, por si, crescer em ritmo geométrico, o descompasso, necessariamente, entre a demanda e a oferta de alimentos penderia inevitavelmente para a primeira, implicando em crise ou colapso econômico e até guerras por alimentos o que, para Malthus, levaria a humanidade de volta à barbárie. Entre as críticas que ele lança contra seus contemporâneos supracitados, está aquilo que para ele explica a permanência da crise e do desequilíbrio existente naeconomia: o fato de que as populações mais pobres, sendo responsáveis, na visão dele, pelas maiores taxas de fertilidade feminina, consequentemente, pelos maiores valores de natalidade, sobrecarregam a economia de demandas que esta, tendo em vista as limitações que ele atribui ao crescimento mais lento dos cultivos, não pode suportar. 18 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico Para Malthus, os diversos mecanismos utilizados pelos estados, pelas instituições religiosas e civis de alívio da pobreza extrema das populações são os maiores responsáveis pela manutenção do desequilíbrio econômico e, portanto, um erro. Malthus acredita que o alívio do sofrimento dos mais pobres causa males à sociedade como um todo, já que, naturalmente, os pobres, além dos “vícios da natalidade excessiva”, não têm uma cultura ou uma capacidade intelectual para superarem suas limitações econômicas e, por esse motivo, dependem permanentemente da assistência por parte do estado e das outras instituições assistenciais. Para Malthus, nenhum mecanismo proposto por seus contemporâneos, como aumento dos salários mínimos, para fazer girar a engrenagem da economia; estender a educação aos mais pobres, para que estes se qualifiquem para melhores salários, entre outros, são aceitáveis sob o seu ponto de vista. A proposição de Malthus para “solucionar” o problema que ele próprio criara era eliminar os mecanismos de assistência, deixando os mais pobres à mercê da sorte. Assim, a sociedade poderia autoregular-se frente às limitações da oferta de alimentos, isto é, o controle do crescimento da população recairia sobre os mais pobres, para ele, causa da crise econômica. Os argumentos de Malthus têm justificado muitas das teses modernas de que o “problema ambiental” que vemos atualmente decorre do excesso de contingente populacional sobre a superfície da Terra que implica necessariamente em pressão sobre o meio ambiente. Estas visões, chamadas de malthusianas ou neomalthusianas, dependendo do contexto, são severamente criticadas pelas mais diversas linhas do pensamento humano. Para estes críticos, Malthus fez uma análise abstrata ignorando uma série de aspectos até mesmo inerentes ao capitalismo, vejamos algumas destas críticas mais contundentes. 19 As críticas ao pensamento malthusiano: os princípios reformistas Marx e Engels estão entre os maiores críticos de Malthus. Segundo eles, o economista teria negligenciado os próprios fundamentos da Economia, segundo os quais, o objetivo é sempre o crescimento da mais-valia, o que ocorre a partir da formação do exército de reserva da mão-de-obra, isto é, é em um ambiente de concentração de capital, a concentração de trabalhadores excedentes ou desempregados, é necessária para que os salários sejam mantidos baixos, conservando a pressão sobre os trabalhadores empregados. Segundo os autores supracitados, Malthus ignorou que o progresso técnico não só permite o aumento da produtividade industrial, mas também permite o maior rendimento de produtos por área plantada no campo. Os próprios Marx e Engels expuseram a negligência da análise de Malthus, já que, na época, deste já havia inúmeras formas de aumento da produtividade na agricultura o que colocaria por terra a sua visão determinista dos limites de progressão aritmética do crescimento da produção alimentar. O que coloca em dúvida a legitimidade do argumento de Malthus praticamente desde a sua origem, sua manutenção nos dias de hoje é uma escolha meramente ideológica. Tanto Marx, quanto Engels defendem as ideias de Condorcet e Godwin, para os quais são as condições de miséria, que assolam as populações, as verdadeiras responsáveis pelas tensões sociais. A superação deste problema estaria na elevação das condições de vida dos mais pobres, isto é, a causa estaria na pobreza, e não na natalidade. Para se ter uma ideia da atualidade deste princípio que revela a falta de alternativas exequíveis e a persistência dos princípios malthusianos, foi o fato das proposições malthusianas terem sido amplamente debatidas na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento – CIPD, realizada na Cidade do Cairo, Egito, em 1994; da qual saíram diversas recomendações para serem adotadas pelos países pobres cujas taxas de crescimento populacional foram identificadas como elevadas. Por outro lado, foram ignorados aqueles casos de países que, mesmo tendo populações numerosas, como os EUA (318,9 milhões de habitantes – 2014) e Japão (127,3 milhões de habitantes – 2014), que revelam que a análise apresenta, ao menos, um aspectos controverso, o tamanho da população não é o único problema que leva os países à situação de crise. A partir de meados do século XX, o discurso ambiental estendeu-se e diversificou-se. Embebido dos aspectos ideológicos de todos os autores que acabamos de analisar e sob o contexto da Guerra Fria e de todo o progresso material construído a partir do complexificação dos processos produtivos e espalhamento do sistema capitalista. O novo ecologismo (DIEGUES, 2001) surgia a cada nova contradição percebida de dentro do modelo industrial. Os ativismos dos mais variados temas tornou-se a principal forma de “luta” a favor do meio ambiente, como, por exemplo, o pacifismo/antimilitarismo, consumismo, direitos das minorias e outras formas de críticas à vida cotidiana, para além da defesa da proteção da natureza pura e simples. 20 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico Material Complementar Leituras: Para estudos complementares, sugiro links sobre os pensadores trabalhados no material didático: A ideologia do desenvolvimento sustentável: notas para reflexão http://www.unicamp.br/cemarx/ANAIS%20IV%20COLOQUIO/comunica%E7%F5es/GT3/gt3m1c3.pdf Qualidade Ambiental Urbana: em busca de uma nova ética http://www.usp.br/fau/depprojeto/labcom/produtos/1999_vargas_qualidadeambientaletica.pdf A desobediência civil http://www.ufrgs.br/cdrom/thoreau/thoreau.pdf Henry David http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/85057.pdf Ambiente e Sustentabilidade http://engenho.info/revista/ed04/edartigos/artigo_02.pdf A geografia histórico-cultural da Escola de Berkeley http://www.scielo.br/pdf/vh/v24n39/a04v24n39.pdf 21 Referências WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade na história e na literatura. São Paulo; Cia das Letras, 1989, 439p. THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais. (1500-1800). São Paulo; Cia das Letras, 2010, 537p. ENGELS, Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra: segundo as observações do autor e fontes autênticas. São Paulo; Ed. Boitempo, 2008, 388p. DIEGUES, Antônio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 2000. 169p. MALTHUS, T. R. Ensaio Sobre População. SP: Coleção “Os Economistas” Nova Cultural, 1996. 243p. 22 Unidade: O contexto ambiental atual e histórico Anotações
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