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METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA Carla Renata Antunes de Souza Gomes M593 Metodologia do ensino de história / Organizadoras, Carla Renata Antunes de Souza Gomes, Diulli Adriene Trindade, Márcia Cristina Furtado Ecoten. – Porto Alegre : SAGAH, 2016. xii, 110 p. il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-000-9 1. Educação. 2. Método de ensino. 3. História. I. Gomes, Carla Renata Antunes de Souza. II. Trindade, Diulli Adriene. III. Ecoten, Márcia Cristina Furtado. CDU 612.39 Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 O ensino de História em discussão: os parâmetros curriculares nacionais Objetivos de aprendizagem � Identificar a escola como lugar de produção de conhecimento. � Compreender o significado da “transposição didática” como adaptação do conhecimento científico para uso na escola. � Compreender a construção da disciplina de História como campo de conhecimento autônomo na escola. Introdução Neste capítulo, você vai aprender o significado e os limites da “trans- posição didática” como adaptação do conhecimento científico para uso na escola, a importância da valorização da escola e das experi- ências de alunos e professores para a construção do conhecimento histórico e como acontece a produção do “saber histórico escolar” de modo autônomo e coletivo. A escola é lugar de produção da História Pensar sobre o ensino de História é discutir a seleção dos conteúdos que serão ensinados e como isso será realizado. Os materiais didáticos tradicionais, chamados de “manuais”, trazem a di- visão dos conteúdos conforme a concepção (historicista francesa) quadripar- tite da História, isto é, a História humana dividida em Idades e tipos de modo de produção econômica (materialismo histórico), numa sucessão cronológica linear e progressiva que coloca “fora da História” a vida dos primeiros seres humanos por eles não possuírem escrita, ou seja, por serem seres pré-histó- ricos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem outro modo de abor- dagem e de construção do saber histórico na escola que não se atenha somente a reproduzir a narrativa tradicional de vertente europeia, mas que enfatize as vivências e o cotidiano das comunidades locais (BRASIL, 1997). A escolha dos conteúdos não se dá apenas pelo livro didático, mas pode ser construído com base nas experiências coletivas entre alunos, professores e comunidade escolar. Essa intenção de construção autônoma do conhecimento histórico no âm- bito escolar tem a intenção de desenvolver nos alunos de ensino fundamental a capacidade de “[...] questionar a realidade formulando-se problemas e tra- tando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e ve- rificando sua adequação.” (BRASIL, 1997, p. 21). Nesse sentido, a orientação indicada pelos PCN é a da adoção dos eixos temáticos, ou seja, de uma História conceitual, que parte de um exemplo de sociedade, cultura, política ou exercício de poder historicamente situado que será trabalhado em relação à realidade dos alunos ou reproduzido a partir da realidade escolar ou da comunidade. A escolha dos conteúdos relevantes a serem estudados, feita neste documento, parte das problemáticas locais em que estão inseridas as crianças e as escolas, não perdendo de vista que as questões que dimensionam essas realidades estão envolvidas em problemáticas regionais, nacionais e mundiais. As informa- ções históricas locais relevantes a serem selecionadas expressam, assim, a intencionalidade de fornecer aos alunos a formação de um repertório intelectual e cultural, para que possam estabelecer identidades e diferenças com outros indivíduos e com grupos sociais presentes na realidade vivida — no âmbito familiar, no convívio da escola, nas atividades de lazer, nas relações econô- micas, políticas, artísticas, religiosas, sociais e culturais. E, simul- taneamente, permitir a introdução dos alunos na compreensão das diversas formas de relações sociais e a perspectiva de que as Metodologia do ensino de História18 histórias individuais se integram e fazem parte do que se deno- mina História nacional e de outros lugares (BRASIL, 1997, p. 30). Portanto, é uma concepção de História que favorece os acontecimentos do cotidiano como momentos sujeitos à compreensão da historicidade con- tida nas práticas sociais e na vida das pessoas comuns e suas experiências, considerando como protagonistas da história os sujeitos históricos que atuam, constroem e participam dos acontecimentos. Uma história social vista de baixo, pela perspectiva da diversidade cultural dos grupos e suas represen- tações. A produção científica da História e a “transposição didática” A produção do saber histórico está diretamente relacionada às instituições universitárias que autorizam e validam a pesquisa científica. No entanto, as pesquisas produzidas pelos historiadores profissionais serão apropriadas e in- corporadas ao saber histórico escolar pela chamada “transposição didática”, entendida como o método de aplicação do saber produzido na universidade para sua aplicação adequada na escola pela disciplina de História. Segundo este ponto de vista, a escola é o lugar de recepção e de reprodução do conhecimento externo, variando sua eficiên- cia pela maior ou menor capacidade de “transpô-lo” e reproduzi- -lo adequadamente. A figura do professor aparece então como um intermediário desse processo de reprodução, cujo grau de eficiência é medido pela capacidade de gerenciamento das con- dições de adaptação do conhecimento científico ao meio escolar (GUIMARÃES, 2012, p. 37). Entretanto, repassar de forma adequada o saber histórico acadêmico para a sala de aula não precisa ser apenas reprodutivo ou de mera transposição, conforme Guimarães explica. Nesse sentido, o papel do professor é extrema- mente importante para a reelaboração desse conhecimento, já que atua como o mediador privilegiado no meio acadêmico e no meio escolar. O professor é quem transforma o saber ensinado em saber aprendido, ação fundamental no processo de produção do co- 19O ensino de História em discussão nhecimento. Conteúdos, métodos e avaliação constroem-se nes- se cotidiano e nas relações entre professores e alunos. Efetiva- mente, no ofício do professor um saber específico é constituído, e a ação docente não se identifica apenas com a de um técnico ou de um “reprodutor” de um saber produzido externamente (GUIMARÃES, 2012, p. 50-51). O mais importante nesse processo de “transposição didática” é a criatividade do pro- fessor aliada à sua perspectiva crítica, considerando que a decisão sobre a estruturação de um currículo de História supõe o mesmo processo de construção e de afirmação de práticas sociais e suas lutas políticas e culturais. Guimarães (2012, p. 37) explica: Um currículo de História é sempre processo e produto de con- cepções, visões, interpretações, escolhas, de alguém ou de algum grupo em determinados lugares, tempos, circunstâncias. Assim, os conteúdos, os temas e os problemas de ensino de História — sejam aqueles selecionados por formuladores das políticas pú- blicas, pesquisadores, autores de livros e materiais da indústria editorial, sejam os construídos pelos professores na experiência cotidiana da sala de aula — expressam opções, revelam tensões, conflitos, acordos, consensos, aproximações e distanciamentos, enfim relações de poder. É nesse processo que o “[...] saber docente [...]” (GUIMARÃES, 2013, p. 51) é construído em relação ao ambiente escolar e à comunidade ao redor e em articulação com outros campos do saber. É, portanto, um tipo de saber específico e que, no caso da disciplina de História, pode se constituir em saber autônomo em relação ao saber produzido na universidade, criando o saber histórico escolar. Metodologia do ensino de História20 O saber histórico escolar como disciplina autônoma A construção do saber histórico escolar como disciplinaautônoma e não apenas reprodutivista das leituras tradicionalmente estabelecidas tem o ob- jetivo de colocar a perspectiva da ação histórica no ambiente dos alunos para demonstrar de forma precisa que os sujeitos da história não são seres dotados de capacidades excepcionais. São, na verdade, as ações do cotidiano que cons- troem e estruturam as narrativas históricas. A vida comum não é desprezível do ponto de vista histórico. Pelo contrário, ela fornece o material mais rico das ações humanas individuais e suas repercussões no ambiente social coletivo. Esta proposta baseia-se na ideia de que os conhecimentos histó- ricos tornam-se significativos para os alunos, como saber escolar e social, quando contribuem para que eles reflitam sobre as vi- vências e as produções humanas, materializadas no seu espaço de convívio direto e nas organizações das sociedades de tempos e espaços diferentes, reconhecendo-as como decorrentes de contradições e de regularidades históricas (BRASIL, 1997, p. 48). Nesse sentido, o propósito dos PCN é muito claro e específico quanto à importância da relação das vivências de alunos, professores e comunidades escolares na construção do saber histórico de maneira autônoma. Como no primeiro ciclo, a proposta é a de que os estudos históri- cos não retrocedam às origens dos eventos e não tracem trajetó- rias homogêneas do passado em direção ao presente. Também não valorizem a organização dos acontecimentos no tempo a partir de uma perspectiva de evolução. Ao contrário, a proposta é de que os estudos históricos possibilitem estudos críticos e re- flexivos, expondo as permanências, as mudanças, as diferenças e as semelhanças das vivências coletivas (BRASIL, 1997, p. 42). 21O ensino de História em discussão O papel e a atuação do professor como mediador desta construção é fun- damental, pois: Cabe ao professor, ao longo de seu trabalho pedagógico, inte- grar os diversos estudos sobre as relações estabelecidas entre o presente e o passado, entre o local, o regional, o nacional e o mundial. As vivências contemporâneas concretizam-se a partir destas múltiplas relações temporais e espaciais, tanto no dia-a- -dia individual, familiar, como no coletivo. Assim, a proposta é de que os estudos sejam disparados a partir de realidades locais, ganhem dimensões históricas e espaciais múltiplas e retornem ao local, na perspectiva de desvendá-lo, de desconstruí-lo e de reconstruí-lo em dimensões mais complexas (BRASIL, 1997, p. 42). 1. Marque a alternativa que se refere ao tipo de produção de saber histó- rico que é proposta pelos PCN a partir do trabalho com eixos temá- ticos: a) O trabalho por meio de eixos temáticos permite a construção de um saber histórico escolar para compreender os diferentes modos de viver das comunidades como graus de civilização. b) O trabalho por meio de eixos te- máticos permite a construção de um saber histórico que apresenta a verdade sobre as diferentes sociedades ao longo da história. c) O trabalho por eixos temáticos permite a construção de um saber histórico produzido em torno das grandes personalidades e suas realizações extraordinárias. d) O trabalho por eixos temáticos permite a construção de um saber histórico escolar mais autônomo e não restrito apenas à adaptação do conhecimento científico por meio da transpo- sição didática. e) O trabalho por meio de eixos temáticos permite a construção do saber histórico escolar que é encontrado nos textos do livro didático. 2. Assinale a alternativa que explica o significado de “transposição didá- tica”: a) A “transposição didática” é o en- sino do saber histórico escolar. Metodologia do ensino de História22 b) A “transposição didática” é a construção do saber histórico científico na escola. c) A “transposição didática” é a transmissão adequada do saber histórico científico construído na universidade para a linguagem disciplinar da escola. d) A “transposição didática” é a apli- cação na universidade do saber histórico escolar. e) A “transposição didática” é o ensino do saber histórico. 3. O ensino de História está relacionado com a escolha do que deve ser ensinado e como deve ser ensinado. Nesse sentido, assinale a alternativa que indica como os PCN contribuem para a prática docente: a) Os PCN recomendam que o pro- fessor use os materiais didáticos tradicionais que estruturam a História pela divisão quadripartite e pelos modos de produção e realize a transmissão mais ade- quada do conteúdo para cada idade escolar. b) Os PCN orientam que o ensino de História deve ser construído por eixos temáticos que priorizam o cotidiano das pessoas comuns e uma concepção mais cultural da história. Assim, os professores são incentivados a exercerem com mais liberdade e criatividade a produção dos conteúdos com ên- fase numa atitude interdisciplinar. c) Os PCN incentivam o professor a trabalhar os conteúdos de História de maneira diferenciada, adotando novos suportes de informação em sala de aula para construírem um saber histórico que priorize os principais fatos, heróis e datas de suas realizações. d) Os PCN orientam que o ensino de História deve ser construído por eixos temáticos que priorizam o cotidiano das pessoas para demonstrar que a história é linear e progressiva, portanto as socie- dades se desenvolvem em níveis de civilização variados. e) Os PCN incentivam o professor a trabalhar os conteúdos de História de maneira adequada a partir dos livros didáticos, tomando o cuidado para se manter distante das questões relativas à realidade dos alunos e da escola. 4. Assinale a alternativa que explica a especificidade do “saber do- cente”: a) O saber docente se constitui na relação com múltiplas realidades que interagem no ambiente es- colar a partir das quais o professor agirá como mediador produzindo um novo conhecimento. b) O saber docente é produzido a partir da leitura atenta dos livros didáticos e de sua reprodução adequada em sala de aula. c) O saber docente é produzido na universidade a partir da pesquisa científica, que é construída com as fontes históricas adequadas e que procura a verdade dos acontecimentos. d) O saber docente é aquele encon- trado nos textos do livro didático usado pelo professor e a partir dos quais serão produzidos os eixos temáticos. e) O saber docente é aquele que sabe todas as datas dos principais 23O ensino de História em discussão BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Cur- riculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997. GUIMARÃES, S. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e apren- dizados. 13. ed. rev. e ampl. Campinas: Papirus, 2012. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). Leitura recomendada CARRETERO, M.; ROSA, A.; GONZÁLES, M. F. (Org.). Ensino de história e memória coletiva. Porto Alegre: Artmed, 2007. fatos históricos e os nomes dos heróis nacionais. 5. Assinale a alternativa que define o que significa a construção autônoma do conhecimento histórico: a) É o conhecimento produzido nas universidades. b) É o conhecimento produzido pelos livros didáticos. c) É o conhecimento produzido pelos professores. d) É o conhecimento produzido pelas fontes históricas. e) É o conhecimento produzido a partir da realidade e das experiên- cias dos alunos, dos professores e da comunidade escolar. Metodologia do ensino de História24