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Práticas educativas em espaços não escolares - Livro

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Práticas educativas em espaços não
escolares
1
Sumário
1. Unidade 1
- Seção 1 - CONCEITO E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA
EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR - página 3
- Seção 2 - OS ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR -
página 10
- Seção 3 - A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR -
página 16
2. Unidade 2
- Seção 1 - A CIDADE COMO ESPAÇO DE
APRENDIZAGEM - página 20
- Seção 2 - AS POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM
ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA - página 29
- Seção 3 - EDUCAÇÃO, VIOLÊNCIA E ASSISTÊNCIA
SOCIAL - página 36
3. Unidade 3
- Seção 1 - ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL -
página 42
- Seção 2 -AMBIENTES EMPRESARIAIS - página 56
- Seção 3 - AMBIENTES DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA
SOCIAL - página 71
4. Unidade 4
- Seção 1 - COMPETÊNCIAS PARA ATUAR COM A
EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR página 84
- Seção 2 - AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO AMBIENTE
NÃO ESCOLAR - página 89
- Seção 3 -DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR NA
ATUALIDADE - página 95
2
Unidade 1
Seção 1
CONCEITO E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR
Para compreendermos a educação que ocorre em espaços não formais, vejamos o
significado – ou um possível significado – de educação, dado por Libâneo (2010).
Assim, poderemos também compreender a própria Pedagogia acontecendo em
espaços escolares e em espaços não escolares, espaços informais ou
extraescolares:
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola,
de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com
ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber,
para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida
com a educação. Com uma ou com várias: educação? Não há uma
forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em
que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática,
e o professor profissional não é o único praticante.
LIBÂNEO, 2010, p. 26
A partir dessa definição, podemos compreender que educação implica processos
sistematizados e não sistematizados, intencionais e não intencionais, acontecendo
nas mais variadas situações, envolvendo os mais diferentes indivíduos.
Contudo, a concepção ampla de educação não é algo que vem da atualidade, mas é
na atualidade ou na história da educação recente que se discute mais a fundo as
possibilidades de atuação da pedagogia na educação. Trata-se, portanto, de uma
discussão que pode ser situada na modernidade e pós-modernidade. Mas, ao
olharmos para o passado, podemos enxergar a definição dada por Libâneo nos
próprios acontecimentos socioeducacionais ao longo da História, quando
percebemos que a educação não formal tem mais “tempo de vida” do que a
educação formal. O que isso quer dizer?
Quer dizer que a educação formal, em uma escola mantida pelo Estado como um
direito de todos, só se expandiu na modernidade, e suas iniciativas mais
contundentes e significativas ocorreram apenas no século XVIII e se universalizaram
nos séculos XIX e XXI. Antes disso, mesmo que com alguma sistematização e
organização pedagógica, a escola não passava de um lugar mais isolado, para
poucas pessoas. A contar da Antiguidade greco-romana até a modernidade, tivemos
mesmo uma educação muito mais informal do que formal, que acontecia no interior
das famílias, ou nas igrejas, ou em corporações de ofício (quando aprendizes tinham
lições com mestres de um ofício ou de uma profissão). A educação da escola era
algo mais elementar e necessária apenas para parte das populações históricas.
A modernidade, com o desenvolvimento do capitalismo e com a Revolução
Industrial, trouxe a necessidade de uma escola e de uma educação formalizadas,
sistematizadas e universais, ainda que particulares, para classes sociais diferentes.
3
Mas no século XX, especialmente em sua segunda metade, e no século XXI,
passamos cada vez mais a discutir os processos educacionais em ambientes
diferentes dos da escola e dos que chamamos de educação formal,
institucionalizada e obrigatória. Falamos de processos que acontecem em ambientes
sociais diversos, tais como trabalho e política; atualmente até mesmo em redes
sociais virtuais, meios de comunicação, nos grupos e movimentos sociais, nos
serviços públicos e outros.
Se a educação é o grande objeto de interesse da Pedagogia, todos esses espaços,
para além da escola e da educação formal, também devem ser de seu interesse,
conhecimento e apropriação. Esses espaços devem ser analisados com o mesmo
empenho que se analisa a escola e se procura soluções educacionais para seus
problemas. E como fazemos isso? Da mesma maneira que fazemos com a escola,
ou seja, com base nos conhecimentos científicos, através dos processos de
investigação, observação, análise e intervenção, tendo em vista que a Pedagogia é
uma ciência essencialmente da prática, em que seus fundamentos levam a procurar
por respostas do cotidiano e torná-lo cada vez mais eficiente para quem se vale de
seus processos de aprender. Dessa forma, “verifica-se, pois, uma ação pedagógica
múltipla na sociedade. O Pedagógico perpassa toda a sociedade.” (LIBÂNEO, 2010,
p. 29.)
Com base na compreensão de que a educação acontece em espaços distintos e a
Pedagogia, como ciência que estuda os processos educacionais formais e não
formais, ao longo do tempo, a expressão não formal foi se tornando uma categoria
bastante utilizada para explicar atividades e experiências educacionais diversas que
ocorrem fora da escola. Ainda assim, estamos começando nesse território não
formal, buscando compreendê-lo e nele interferir, do ponto de vista científico.
Encontramos algumas formas de definir o não formal, tais como não escolar,
extraescolar ou informal. Todas elas ganharam alguma notoriedade na segunda
metade do século XX, porque houve uma grande demanda escolar após a Segunda
Guerra Mundial, demanda essa que não foi contemplada plenamente pela escola e
teve um excedente que buscou conhecimento de outras maneiras, em outros
espaços, sob o argumento de se ter mais pessoas preparadas ou recursos
humanos, para a transformação industrial que ocorria aceleradamente. A crise
educacional, portanto, marcada pela incapacidade de se oferecer escolas para toda
a população, é o ponto de partida para uma valorização e a ascensão de outros
contextos extraescolares em que ocorriam processos educativos ou formativos.
Nesse período houve:
[…] a publicação de uma série de estudos de programas e propostas
educacionais alternativas, que por sua vez criticavam os modelos e
fazeres tradicionais da escola; a divulgação do conceito de educação
permanente, que passou a legitimar e valorizar outras maneiras de educar
4
e educar-se e, por fim, a compreensão e aceitação de que o meio também educa.
GARCIA, 2008, p. 2
[…] a publicação de uma série de estudos de programas e propostas educacionais
alternativas, que por sua vez criticavam os modelos e fazeres tradicionais da escola;
a divulgação do conceito de educação permanente, que passou a legitimar e
valorizar outras maneiras de educar e educar-se e, por fim, a compreensão e
aceitação de que o meio também educa.
GARCIA, 2008, p. 2
O papel da Unesco nessa consideração acerca de outras possibilidades de
educação não formalizada ou não escolar foi bastante significativo nos anos de 1960
e 1970, pois seus apontamentos mostravam justamente a situação da crise
educacional escolarizada, especialmente nas populações mais pobres, com as quais
outras iniciativas de educar se faziam cada vez mais presentes. Podemos dizer que
se de um lado essa consideração permitiu que iniciativas fossem tomadas para não
mais esperar pela educação formal para retirar aquelas populações da falta de
conhecimento, também foi ela que retardou em parte a expansão escolarizada,
porque ocupou de certa forma esse espaço e eximiu os Estados de fomentarem algo
que era de sua responsabilidade.
Pensando um pouco melhor na diferenciação entre educação formal ou escolar e
educação não formal, podemos chegar a uma definição, que é básica para a
compreensão mais simplificada. Se nos processos de educação escolar temos todo
um arcabouço de sistematização– que vai desde a definição curricular formal e
universal, passando pela definição curricular sistematizada localmente; pelas regras
universais que regem uma escola, desde a concepção de gestão, a legislação de
fundamento, os modelos educativos considerados mais apropriados ou do
paradigma vigente, o conjunto do que é ser professor e do que é ser aluno;
ultrapassando os limites nacionais e considerando as concepções globais –, na
educação informal as regras são bem menos rígidas ou menos universais; em
alguns contextos, até mesmo inexistentes. Nesses espaços, como se diferenciam
bastante, são criadas regras e práticas próprias, que se adequam muito mais ao tipo
de processo educacional em si e em seu contexto, do que a regras que precisam ser
definidas em termos de sistema, como acontece no caso da educação escolarizada
e formal. Além disso, no contexto informal, como aponta Rego (2018), não temos
certificação, ou pelo menos, não uma certificação oficial. O autor continua sua
definição de educação informal:
A educação informal é um processo contínuo, por meio do qual cada
pessoa adquire e acumula naturalmente saberes e habilidades, a partir
das experiências diárias e da sua exposição ao meio envolvente, é
assim “um processo permanente e não organizado”. Constitui uma
modalidade de educação não formalizada nem intencional ou
sistemática, embora em determinados contextos possa ter um certo nível de
intencionalidade e sistematização, como no caso da educação familiar e religiosa.
5
REGO, 2018, p. 8
Por esses motivos, vemos pedagogos atuando em muitos espaços e de maneiras
muito diferentes. Cabe a eles, no entanto, identificar um local em que há um
processo educacional, para saber intervir sobre ele. Mas se a base da Pedagogia
está sobretudo na docência, portanto, na educação escolarizada, como o
profissional consegue identificar esses processos e interferir nos seus cursos, de
forma que a aprendizagem seja mais significativa, acompanhada e avaliada? Ele
procurará nas bases de sua profissão o alicerce para a compreensão. Essas bases
estão especialmente no conhecimento da psicologia da educação e nos
fundamentos da educação, história, filosofia e sociologia. Um pouco do
conhecimento a respeito do financiamento educacional e políticas educacionais
também ajudará nessa compreensão global. Mas é preciso explicar que o pedagogo,
nesses espaços não formais, tenderá a procurar em suas bases os alicerces para a
sua atuação que outros profissionais envolvidos nesses espaços não procurariam,
atuando, portanto, em outras bases ou de forma menos fundamentada, como é
comum em certos espaços que serão explorados mais adiante.
EXEMPLIFICANDO
O pedagogo pode atuar em diferentes espaços nos quais haja processos
educacionais, para além da escola. Conforme LIbâneo (2010), ele pode atuar como
um especialista em atividades pedagógicas paraescolares, em órgãos públicos,
privados ou não estatais. Pode, também, trabalhar em associações populares e
clínicas de orientação pedagógica. Podem ser instrutores, organizadores,
consultores e técnicos, profissionais ligados a atividades de cultura, formadores em
empresas, dentre muitas outras opções de atuação profissional.
Em relação à definição da educação por suas modalidades ou tipos, Libâneo (2010)
faz diferenciações interessantes. Ele aponta que a educação pode ser classificada
em intencional e não intencional. Baseado nesses dois grandes tópicos, para ele, a
educação informal e a educação paralela são aquelas não intencionais, e a
educação não formal e a formal são intencionais. Portanto, para ele, educação
informal não é sinônimo de educação não formal, como vimos ser para Rego (2018),
que fala da educação informal no sentido de que as duas coisas são parte do
mesmo contexto.
O autor, ainda, caracteriza o não formal como aquilo que se faz com
intencionalidade, porém, com baixa sistematização, implicando relações
pedagógicas mesmo que não formalizadas (Libâneo, 2010, p. 89). Ele ainda aponta
que dentro da própria escola a educação não formal acontece por meio de
atividades extracurriculares. Mas vemos, contudo, que o movimento atual da
educação não formal toma exatamente o rumo oposto, ou seja, é cada vez mais
comum compreender a educação não formal como aquela em espaços não
escolares, ainda intencionais como ele coloca, e cada vez mais sistematizadas e
pensadas pedagogicamente. Veremos melhor como isso acontece nas seções
seguintes.
6
ASSIMILE
Libâneo (2010), ao conceituar a educação, traz uma categoria de educação
chamada “educação-processo”, para mostrar um tipo de educação que é intencional.
Ele o conceitua da seguinte maneira:
A educação-processo corresponde à ação educadora, às condições e
modos pelos quais os sujeitos incorporam meios de se educar.
Admitindo-se que toda educação implica uma relação de influências
entre seres humanos, a educação-processo indica a atividade formativa
nas várias instâncias com vistas a alcançar propósitos explícitos,
intencionais, visando promover aprendizagens mediante a atividade própria dos
sujeitos. Implica, portanto, a existência de ambientes organizados, objetivos e
objetivos sociopolíticos, métodos e procedimentos de intervenção educativa para
obter determinados resultados.
(LIBÂNEO, 2010, p. 84)
Já para Gohn (2006), encontramos uma forma de localizar a educação não formal
do exterior da educação escolarizada:
A educação não formal designa um processo com várias dimensões tais
como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto
cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da
aprendizagem de habilidades e/ ou desenvolvimento de
potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os
indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de
problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos
indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que
se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial
a eletrônica etc.
GOHN, 2006. p. 28
Tomando por base esse lugar no qual a autora coloca esse tipo de educação, em
seguida ela diferencia tipos de educação ou campo de desenvolvimento da
educação:
A princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvimento: a
educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos
previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos
aprendem durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube,
amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e
sentimentos herdados: e a educação não formal é aquela que se aprende “no
mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências,
principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas.
GOHN, 2006. p. 28
Entendido que existem definições diferentes para o que estamos chamando de
educação não formal, podemos dizer, que ao mesmo tempo, elas também se
aproximam.
7
Assumimos definições nossas, portanto, com base também nesses autores,
caracterizamos os tipos de educação comentados, conforme o quadro a seguir:
No Brasil, a educação não formal, conforme aponta Garcia (2008), até por volta dos
anos 1980, foi compreendida quase que exclusivamente como a educação de jovens
e adultos, para pessoas que estavam fora da idade adequada e do sistema
educacional convencional. Estudos a respeito dessa modalidade de educação
estavam, sobretudo, baseados em Paulo Freire, buscando analisar as condições do
adulto nos processos de aprendizagem, especialmente na fase de alfabetização.
Era, portanto, uma visão bastante restrita de educação não formal e ainda muito
ligada à educação escolarizada, porque buscava de alguma forma, ainda que com
práticas diferenciadas, levar um conhecimento formal a essa população à margem
da educação institucionalizada.
Essa visão vai sendo modificada por volta da década de 1990, quando se observam
mudanças estruturais, sociais e culturais na sociedade, especialmente mediadas
pelo rápido desenvolvimento tecnológicoe como ele passou a interferir nos modos
de comunicação e socialização da informação, afetando todos os setores da
sociedade e o modo como as pessoas passaram a se relacionar dali em diante.
Na principal legislação da educação brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei nº 9.394, promulgada em 1996 –, há duas menções
vinculadas à educação não formal. A primeira, logo no primeiro artigo:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
BRASIL, 1996
8
Percebemos claramente que os processos organizativos da sociedade civil
incentivam a promoção de possibilidades de adquirir conhecimento em outros
espaços, ou seja, em espaços de educação não formal.
A segunda menção, no vigésimo sexto artigo, está presente especificamente no
quarto item do artigo:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena […] IV – promoção do desporto
educacional e apoio às práticas desportivas não formais.
BRASIL, 1996
Nesse trecho há uma menção mais pontual, relacionada ao estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena em práticas desportivas.
Apesar de a legislação não se aprofundar na educação não formal, o primeiro artigo
é suficiente para o reconhecimento de que há aprendizagem fora dos limites da
educação institucionalizada escolar.
Partindo desse pressuposto, podemos compreender que espaços não formais de
educação apresentam um perfil multidisciplinar que tende a desconstruir modelos
mais convencionais de educação nas suas relações com a sociedade. Esses
espaços, tidos como representantes de novas configurações sócio-históricas, podem
ser considerados locais interessantes para aprendizados que estejam estritamente
relacionados à promoção da cidadania, ao aprendizado por meio da educação de
direitos fundamentais do ser humano, ao aprendizado de culturas e da prática da
democracia.
Retomando o percurso dessa educação não formal no Brasil, se foi comum pensar
que ela era exclusivamente aquela que educava os jovens e adultos fora da idade
escolar, uma segunda consideração importante foi o entendimento de que a
educação não formal acontecia em espaços de assistência social, visão essa que
ganhou bastante notoriedade. Talvez possamos dizer que esses espaços foram
realmente os que passaram a evidenciar as primeiras formas de educação não
formalizada da modernidade nas sociedades universalmente escolarizadas. Daí
passamos a um ramo da pedagogia chamada de pedagogia social, que acontece
nos espaços de assistência. Temos, dessa forma, uma convergência entre
Pedagogia e assistência social ou com a área do Serviço Social.
Nesse sentido, Garcia (2008, p. 7) aponta que “a educação não formal se expande,
como campo teórico, no momento histórico de aumento significativo do número de
ONGs, com delegação de demandas no âmbito das políticas sociais ao chamado
terceiro setor”. Em outras palavras, observa-se, nos anos 1990, cada vez mais o
terceiro setor assumindo situações educativas. As ações educativas foram tomando
9
conta de ONGs, associações públicas e privadas e instituições não escolares que
tinham apelo educacional, dentre outras, como veremos futuramente.
Seção 2 - Os espaços da educação não escolar
Compreendido um pouco da conceituação que define a educação ou a
pedagogia em espaços escolares, não escolares ou informais, vista na seção
anterior, precisamos, neste momento, entender melhor onde a educação não escolar
se constitui e como faz isso na atualidade, buscando saber, também, qual o seu
impacto sobre aspectos sociais, políticos e culturais, além do quanto esses aspectos
também interferem nos próprios modos de organizar esses cenários não formais.
Também é preciso considerar como a sociedade enxerga esse tipo de educação e
seus contextos de aprendizagem e dela se valem para adquirir conhecimentos.
Dessa forma, partimos do princípio de que encontrar um modelo de educação
completamente puro de educação formal e outro, também completamente puro, de
educação não formal é praticamente impossível, já que os processos de
aprendizagens se encontram o tempo todo em todos os contextos sociais que os
homens vivenciam e interagem. Ainda assim, fazemos o esforço de refletir sobre
eles, tentando separar esses momentos para compreender cada um com mais
atenção e propriedade. É um esforço metodológico e teórico importante porque nos
permite atuar de maneira mais assertiva em cada situação que envolve
aprendizagem de indivíduos e coletivos. Então, tentamos visualizar as partes para
compreender o todo educacional.
Embora pensemos separadamente e esses contextos também aconteçam de forma
independente, sabemos que são complementares, ou seja, o ser humano mobiliza
todo o seu conhecimento e as suas aprendizagens acumuladas em todos os seus
processos de aprender, em qualquer situação, seja ela na educação formal, na não
formal ou em sua rotina. Isso, em determinadas situações, acontece de forma mais
intencional e pensada, e em outras, de forma mais livre e informal. Poderíamos dizer
que é quase um processo natural, mas como estamos falando de seres humanos e
suas escolhas, é importante lembrar que os condicionantes sociais, culturais e
individuais a todo momento interferem e definem esses processos, sejam mais livres
ou mais direcionados.
Em nosso contexto atual, cada vez mais buscamos na educação formal desenvolver
o ser humano para que seja capaz de ter boas habilidades e competências para
viver, interagir e modificar as diferentes situações e desafios. Se antigamente o foco
da aprendizagem estava em acumular conhecimento, por meio de conteúdos vastos,
hoje nos preocupamos mais em como mobilizar esses conteúdos para vivenciar as
nossas situações. Não significa que acúmulo de conhecimento se tornou algo
irrelevante atualmente e nem que anteriormente só se aprendia conteúdo sem
aplicação. Significa apenas que, com a rapidez dos acontecimentos sociais, temos
que ser mais ágeis em mobilizar nossos conhecimentos para vivenciar as situações,
10
tomar decisões mais depressa e desenvolver habilidades sociais, emocionais e
profissionais.
E na educação não formal? Nela, o desenvolvimento de habilidades e competências
também se faz presente e necessário. Conforme Bonatto, Costa e Schirmer ([s. d.])
“a [educação] não formal valoriza o ‘aprender a ser’ e ocorre através de uma visão
holística do ser humano, na qual se prioriza a aprendizagem ao longo da vida.” (p. 3
e 4). Além disso,
[…] uma Educação não formal em ambientes diversos, precisa promover
novas formas de aprendizagem, estabelecer uma relação com a
comunidade e a cidade em que está inserida, tornando a aprendizagem
dos sujeitos de fato significativa. Lança se assim o desafio de educar se
na, com e para a cidade.
BONATTO; COSTA; SCHIMER, [s. d.]]
Podemos observar a importância de processos educativos não formais para o
atendimento a algumas questões da sociedade, seja para o bem comum e público,
seja para o bem comum privado.
Exemplificando
A respeito da educação não formal atender a necessidades que se
apresentam na sociedade, podemos exemplificar como aquelas que auxiliam o bem
comum e público:
● Investimentos em projetos sociais de valorização e promoção da cultura e da
cidadania.
● Projetos educativos ambientais.
● Projetos que incentivam a capacitação e a profissionalização de classes
sociais menos favorecidas e com poucas oportunidades.
● Projetos envolvendo planejamento financeiro e de consumo.
● Projetos de conscientização política; dentre tantas outras iniciativas.
Todos esses projetos voltados para a comunidade em geral tendem a melhorar a
qualidade da vida das pessoas e trazer bons retornos sociais
Sobre projetos de bem comum, mas privados, podemos citar:
11
● Projetos de capacitação interna em empresas,que visem melhorias
profissionais em geral
● Projetos de empresas, porém voltados ao atendimento da população.
● Projetos de saúde para funcionários de empresas, dentre outras inciativas.
Embora sejam de caráter privado, os benefícios aos envolvidos também
sendo revertidos para a sociedade pública, tendo em vista que conhecimento
sempre pode melhorar as relações sociais
Nesse sentido, o olhar para a educação não formal e até o investimento nessa área
devem partir do princípio de que as pessoas são providas de muitas capacidades e
possibilidades a serem desenvolvidas, para se humanizarem cada vez mais, com
retorno a elas próprias e à sociedade. Esse tipo de processo vai além do
aprendizado do conteúdo e envolve emoções, vivências, oportunidades e saberes.
Não é incomum acontecer de pessoas em idade escolar se desenvolverem melhor
em projetos de educação não formal do que formal, tendo em vista um perfil que se
adapta melhor com menos burocracia e sequenciamento de tarefas e aprendizados.
Ao se sentirem mais livres, podem desenvolver algumas potencialidades mais
facilmente. Isso não quer dizer que esses locais são melhores do que as escolas,
mas que eles podem ajudar bastante na própria escola, sendo complementares ao
desenvolvimento integral dos alunos. A escola, por sua vez, pode ter um olhar atento
a esses espaços e se beneficiar de algumas de suas práticas para propor situações
mais interessantes, complementando seus currículos e formação. Percebemos
claramente que o lugar da educação é na escola, mas também fora da escola, e que
os espaços podem e devem ser complementares, a depender de seus objetivos
pedagógicos.
Pensando nos espaços não formais, precisamos considerar os profissionais que
neles atuam e a sua formação ou base de atuação, para nos ajudar a refletir melhor
sobre qual é o cenário desse tipo de educação na sociedade contemporânea.
Silva e Perrude (2013), por exemplo, explicam que esses espaços recebem
profissionais de todas as áreas, além do pedagogo. Alguns não apresentam
formação inicial ou contato com informações da base de sua atuação. Outras vezes
essas pessoas têm uma formação diversificada, como em Artes Visuais, Geografia,
Educação Física, Ciências Sociais, Psicologia ou Artes Cênicas, dentre outras
tantas. Isso significa que esses espaços exigem perfis de profissionais variados,
12
mas também que os cursos de Pedagogia tendem a negligenciar, de certa forma,
essa área não escolar, deixando de oferecer uma fundamentação e formação
mínima de atuação, quando, na verdade, deveriam investir um pouco mais nessa
preparação, oferecendo possibilidades para o pedagogo (ou o licenciado) ser uma
figura importante nesses espaços, inclusive oferecendo apoio aos outros
profissionais. Ainda em relação ao assunto as autoras explicam:
Quando se trata de projetos desenvolvidos pelo poder público,
inicialmente estes contavam também com educadores leigos, mas, na
maioria das vezes, os projetos foram sendo repensados e a contratação
de educadores com uma formação adequada para o tipo de atividade
começou a acontecer. Já no caso das ações desenvolvidas por
organizações não governamentais, há um misto entre educadores leigos e outros
com formação adequada para a atividade, com destaque à atuação de voluntários.
SILVA; PERRUDE, 2013, p. 52
As autoras também tocam em pontos importantes sobre especificidades do
trabalho em espaços não escolares e que essa atuação precisa estar embasada.
Esses profissionais, em outras palavras, precisam ter algumas referências, como:
● Conhecer a realidade da comunidade que atenderão.
● Delimitar e seguir objetivos pedagógicos.
● Verificar as necessidades do público atendido, especificamente voltadas a
processos educativos.
● Explicitar nas suas ações os seus objetivos e princípios, tornando-os claros
nos processos com os participantes.
● Trazer seu público à participação, envolvendo as pessoas nos processos,
visando à cidadania como finalidade maior.
● Conseguir desenvolver o trabalho não apenas com a comunidade, mas
também em parceria com outras iniciativas e instituições, em uma relação de
comunidade maior e de sociedade.
● Eleger uma questão clara a ser trabalhada com a comunidade ou pessoas
atendidas. A formação do pedagogo e de pessoas envolvidas nos processos
educativos precisa considerar esses pontos, oferecendo instrumental apropriado
para as melhores práticas e intervenções.
Vale ressaltar o papel central do pedagogo em todos esses processos porque é ele
uma espécie de “dono” deles, uma vez que o seu interesse maior (e de nenhuma
outra área ou ciência) é a educação e tudo o que a envolve, ou seja, a pedagogia é
a ciência da educação. Assim nos baseamos em Libâneo (2011, p. 140,141):
Pode-se entender, assim, que a ciência pedagógica pode postular a si
ramos de estudo próprios dedicados aos vários âmbitos da prática
educativa […]. O fenômeno educativo requer, efetivamente, uma
abordagem pluridisciplinar. O que se defende aqui é a peculiaridade da
13
Pedagogia de responsabilizar-se pela reflexão problematizadora e unificadora dos
problemas educativos.
Ao considerar que seja necessário manter uma base de fundamentação para
atuação em espaços não formais e não escolares e pensando que esse tipo de
local, situação ou espaço também tenha objetivos que interessam a sociedade, seu
desenvolvimento e sua melhoria, para inclusive, solucionarmos problemas coletivo, é
preciso partir do pressuposto de que
[…] a construção de relações sociais baseadas em princípios de
igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social,
fortalece o exercício da cidadania. A transmissão de informação e
formação política e sociocultural é uma meta na educação não formal.
Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em
oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo etc.
GOHN, 2006, p.30
Os resultados das ações nos espaços não formais poderão ser muitos, como os
postulados por Gohn (2006): conscientização e organização das ações de coletivos;
reconstrução de concepções de mundo; favorecimento do sentimento de identidade
de uma comunidade; formação do indivíduo para a vida e para as adversidades que
ela traz; resgate do sentimento de valorização própria e da autoestima;
reconhecimento de si na sua própria prática cotidiana.
Assimile
Gohn (2013) assinala como algumas das características da educação não formal,
assim como questões que faltam para ela:
● O aprendizado das diferenças. Aprende-se a conviver com demais. Socializa-
se o respeito mútuo;
● Adaptação do grupo a diferentes culturas, reconhecimento dos indivíduos e
do papel do outro, trabalha o “estranhamento”;
● Construção da identidade coletiva de um grupo;
● Balizamento de regras éticas relativas às condutas aceitáveis socialmente.
O que falta na educação não formal:
● Formação específica a educadores a partir da definição de seu papel e as
atividades a realizar;
● Definição mais clara de funções e objetivos da educação não formal;
14
● Sistematização das metodologias utilizadas no trabalho cotidiano;
● Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho
que vem sendo realizado;
● Construção de instrumentos metodológicos de avaliação e análise do trabalho
realizado;
● Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho
de egressos que participaram de programas de educação não formal;
● Criação de metodologias e indicadores para estudo e análise de trabalhos da
Educação não formal em campos não sistematizados. Aprendizado gerado por atos
de vontade do receptor tais como a aprendizagem via Internet, para aprender
música, tocar um instrumento etc.;
● Mapeamento das formas de educação não formal na auto aprendizagem dos
cidadãos (principalmente jovens). (GOHN, 2013, p. 31)
Por fim, podemos dizer, então, que compreender um pouco das bases que
sustentam a pedagogia e as práticas pedagógicas não escolares ou não formais
dará segurança ao pedagogo para conduzir os processos educativos implícitos e
explícitos nesses espaços, mas não só. Eleserá capaz, também, de gerenciar
equipes multidisciplinares no objetivo comum traçado por aquele espaço, projeto ou
iniciativa.
Seção 3 - A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR
Compreendendo que práticas pedagógicas podem ser tomadas como práticas
sociais, ou seja, práticas que só acontecem por meio da interação social em
contextos e comunidades, consideramos que ensinar e aprender são processos
humanos criativos, nos quais as pessoas aprendem e ensinam umas às outras e
que novos conhecimentos surgem dessas interações. Ou seja, ensinar não é
transferir puramente conhecimentos e aprender não é absorver puramente
conhecimentos, mas, enquanto se ensina, também se aprende e, enquanto se
aprende, também se ensina. Nas práticas sociais os indivíduos aprendem e ensinam
e, nas práticas pedagógicas, os ensinamentos e aprendizagem têm objetivos
específicos, sistematizados, orientados, organizados e intencionais, completamente
direcionados a aprendizagens preconcebidas.
No âmbito das práticas pedagógicas, portanto, temos como fundamento as teorias
educacionais, que junto com as práticas orientadas visam aos objetivos específicos,
para que haja resultados de aprendizagem esperados. Ou seja, o conjunto de ideias
sistematizadas, consagradas, confirmadas cientificamente embasam as práticas
pedagógicas intencionais.
15
Como no campo das práticas pedagógicas partimos desse conjunto de
conhecimentos e fundamentos, somos respaldados pela Didática, que nos dá o que
precisamos para encontrarmos os melhores caminhos de se oferecer boas situações
de aprendizagem e ensinamento. Não cabe, neste momento, discorrer sobre a
Didática, mas recorremos a ela para relembrar algumas de suas clássicas
perguntas, que tanto permeiam, acompanham e orientam a Pedagogia: educação
para quê? Para quem? Como? Quais saberes são necessários? Quais caminhos
oferecer para se aprender o que é necessário? Quem são os sujeitos do processo?
Do que precisam? O que queremos desenvolver nas pessoas e o que elas próprias
querem desenvolver em si mesmas? Tantas outras perguntas podem ser feitas para
que as melhores práticas e a melhor Didática sejam encontradas.
As respostas para essas perguntas podem variar de acordo com o contexto em que
as fazemos, se na educação formal ou não formal, sem em determinadas
comunidades ou regiões, se em determinados períodos. Na educação não formal
isso pode variar consideravelmente, pois as possibilidades de aprendizagem não
têm limites ou referências contadas. Mas, conforme Severo (2015), é preciso ter
cuidado para se evitar respostas demasiadamente pragmáticas, apressadas ou
tecnicistas ao se referir à didática e às práticas pedagógicas de ensino quando
estamos lidando com a educação de espaços não escolares, para evitar, também,
preconceitos e rótulos assistencialistas. É preciso cuidado tanto ao escolher as
perguntas quanto a procurar pelas respostas, tendo em vista o contexto de cada
espaço não formal que se tem como referência.
Responder a essas perguntas com cuidado, análise e sistematização ajudará a
definir a qualidade dos processos educativos e dos resultados desses processos,
porque “são essas respostas que explicitam os valores e princípios de uma
concepção de educação” presente em um espaço não escolar. (SEVERO, 2015, p.
566).
Saber que existem possíveis respostas considerando diferentes contextos, contribui
para confirmar que a educação não é neutra. Além de não ser neutra, ela é política,
como já diziam os filósofos da antiguidade. É política e não neutra porque as
pessoas escolhem e elegem quais conhecimentos colocar nos espaços, para que se
aprenda. As escolhas não são aleatórias. Elas servem a algum propósito, a alguma
intenção, o que vale para conhecimentos comumente considerados universais ou
clássicos. Eles só são considerados universais ou clássicos porque assim se
escolheu considerá-los.
Saber disso implica termos em mente que todas as práticas pedagógicas em
espaços escolares e não escolares estão condicionadas aos seus contextos e às
escolhas pedagógicas que se faz. Todas elas, de uma maneira ou de outra, servem
a objetivos específicos, sejam completamente ou parcialmente explícitos.
16
As definições e escolhas mudam ao longo do tempo e assim o é no nosso século
XXI, especialmente no contexto em que vivemos, no qual as formatações
pedagógicas vão se modificando para se adequarem a novas formas de aprender e
de ensinar. Elas são, todo o tempo, reconfiguradas, para permitir novos significados.
Severo (2015), baseado em Beillerot (1985), explica que do século passado para o
atual fomos vivendo em uma espécie de economia de conhecimento, seja em meios
e dispositivos educativos formais, seja em meios não formais. Fala-se, portanto, em
uma sociedade pedagógica, envolta por esses dispositivos educativos que
permeiam todos os contextos formais e não formais, pois o tempo todo envolvem
conhecimentos e informações que formam e informam. Sendo assim:
As economias de conhecimento consistem em uma metáfora relativa à
circunstância de investimento na produção, no acúmulo e no uso de
saberes-fazeres implicada em processos sociais diversificados que não
se limitam às instituições e aos contextos historicamente orientados e
interessados pela socialização e aplicação desses recursos, como a escola, a
família, a religião etc.
SEVERO, 2015, p. 564
Em outras palavras, conhecimentos podem ser adquiridos, também, em contextos
não escolares, e isso acontece cada vez mais, em uma velocidade quase
inalcançável, o que não deve implicar desvalorização da escola, da sua função e de
seus processos. Contextos não escolares estão, nesse sentido, mais relacionados
ao paradigma de aprendizagem ao longo de toda a vida e de necessidades
emergentes para a sociabilidade e para o trabalho, por exemplo. Se a educação
formal pode ter uma data para finalizar, a não formal pode ser para toda a vida. E
assim:
Considerando a noção de educação ao longo de toda a vida, propõe-se a
ideia de que as divisões tradicionais de tempos e espaços para educar e
educar-se devem ser superadas por meio da adoção de um paradigma
dinâmico de educação, tida como um processo que acompanha a vida
das pessoas, preparando-as para o seu exercício social, e como
instrumento de potencialização de qualidades que lhes permitam maior bem-estar
global. Esse paradigma se concretiza por meio de práticas educativas abertas,
plurais e contextualizadas, em que a cultura e a experiência vivida pelo sujeito sejam
a base para a construção de saberes e atitudes críticas e criativas.
SEVERO, 2015, p. 566
A educação não formal está a todo tempo se ajustando aos contextos, sendo flexível
e permeável para que atenda às necessidades imediatas, circunstanciais e que
podem mudar a qualquer momento. Mas ela também complementa os saberes
prolongados, mais enraizados e que perduram, aqueles que comumente estão nos
currículos escolares. É importante ressaltar que não estamos afirmando que
conhecimentos mais dinâmicos estão apenas nos espaços não escolares. A escola
17
também se responsabiliza por esses conhecimentos, só que precisa fazer isso de
forma mais relacionada com os saberes curriculares formais.
Nesse sentido, podemos listar uma série de contextos não formais de práticas
pedagógicas mais flexíveis, mas que são voltadas a aprendizagens diversas, como
educação de adultos, educação para o trabalho e para a formação ocupacional,
educação para o ócio, “animação sociocultural, educação em grupos com
especificidades sociais especiais, educação ambiental, cívica, sanitária, pedagogia
hospitalar, educação sexual, física, artística, para a manutenção do patrimônio
cultural, educação em valores” (SEVERO, 2015, p. 567), brinquedotecas, ONGs,
projetos sociais/práticas socioeducativas, projetos educativos para exilados e
refugiados, educação corporativa, aprendizagem organizacional etc.
Nesses locais, o conhecimento pedagógico pode, deve e é aplicado baseado em
ideias pedagogicamente sistematizadas, por meio da fundamentação e da reflexão
direcionada e organizada emprincípios e leis, para que se intervenha nas realidades
e para que as práticas sociais desses espaços sejam convertidas em práticas
pedagógicas, práticas que são fundamentadas pela ciência, para a educação
humana e para o desenvolvimento social.
Assimile
Esse ponto de vista reforça o sentido orientador das práticas educativas
configurado na pedagogia e valoriza a ação dos profissionais que
aplicam e constroem conhecimentos pedagógicos nos diversos
contextos e cenários da educação escolar e não escolar. Igualmente,
nega a perspectiva que identifica prática educativa sumariamente com
prática pedagógica, ignorando a diferenciação que se estabelece entre elas. Esses
tipos de prática constituem momentos de um mesmo processo, que é o processo
formativo decorrente da necessidade de socialização da cultura e dos fins
socioeducativos. Concebe-se que toda prática pedagógica é, em si mesma, uma
prática educativa, mas a relação de correspondência inversa significaria, de acordo
com o ponto de vista adotado neste trabalho, um erro categorial.
As práticas educativas se tornam pedagógicas quando passam a ser objeto de ação
e reflexão no âmbito da pedagogia. Em termos homônimos, a ação e a reflexão
pedagógica concretizam os objetivos educacionais mediante práticas organizadas
sistematicamente desde sua concepção até seu estágio avaliativo.
(SEVERO, 2015, p. 572)
O que chamamos de pedagógico neste momento tem o sentido de mediador
da prática educativa, ou seja, é ele o conjunto de saberes pedagógicos, ideias
educacionais, ciência da educação que dá a direção e o sentido aos processos que
envolvem práticas educativas e práticas pedagógicas. Isso acontece em espaços
escolares e não escolares, em que há intencionalidade pedagógica, transformada,
por sua vez, em ações pedagógicas. Mas para
18
[…] transpor uma prática educativa não escolar ao terreno das práticas
pedagógicas, torna-se necessário, inicialmente, o reconhecimento crítico
das condições que organizam os contextos nos quais essa prática
emerge, bem como a compreensão das intencionalidades explícitas e
implícitas que dão sustentação aos seus objetivos. Diante disso, os
agentes pedagógicos estabelecem, em sua práxis e em diálogo com as
circunstâncias contextuais, os sentidos que reconfigurarão aquelas intencionalidades
por meio da constituição de objetivos que estruturam a ação formativa.
SEVERO, 2015, p. 573
Exemplificando
Um pedagogo que atuar pela primeira vez em um espaço não escolar, como um
hospital, precisa, antes de planejar quais e como serão suas práticas pedagógicas,
estudar o seu contexto, buscando conhecer com quem vai interagir, quais as
necessidades daquele ambiente, que subsídios precisa procurar para levar
atividades que favoreçam os processos de aprendizagem e que deem bons
resultados.
Mas se estamos partindo do pressuposto de que precisamos tratar os
espaços não escolares de aprendizagem com base nos pressupostos da pedagogia,
das práticas pedagógicas e de seus fundamentos, precisamos também considerar a
necessidade de institucionalizar as práticas em espaços não escolares nos sistemas
educativos, para que haja algum tipo de regulação ou diretrizes mínimas que
garantam qualidade de aprendizados e de resultados. Contudo, fazer isso demanda
cuidado, para que não se perca justamente aquilo que é parte da essência desses
contextos: o aprendizado desburocratizado e focado em necessidades específicas.
Regulação não pode ser sinônimo de burocracia e amarras.
Por último, vale ressaltar que quando falamos em práticas pedagógicas, seja em
espaços escolares ou não escolares, também precisamos considerar uma questão
específica do fazer pedagógico que são as metodologias de ensino para a
aprendizagem. Segundo Gohn (2006), nos espaços de educação não formal:
Há metodologias, em suma, que precisam ser desenvolvidas,
codificadas, ainda que com alto grau de provisoriedade pois o
dinamismo, a mudança, o movimento da realidade segundo o desenrolar
dos acontecimentos, são as marcas que singularizam a educação não
formal.
GOHN, 2006, p. 32
Para qualquer que seja o caminho metodológico que se adota, é preciso,
mais uma vez, considerar os indivíduos do processo, ou seja, os educadores e
educandos, os mediadores, os apoios, dentre outros envolvidos. As suas visões de
mundo, os seus projetos, os seus anseios e os seus conhecimentos acumulados
serão o ponto de partida e o de chagada de qualquer prática pedagógica que vise ao
19
desenvolvimento contextualizado e que ultrapasse as expectativas, indo além do
minimamente projetado.
Unidade 2
Seção 1 - A CIDADE COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM
A ideia de que a cidade pode ser intencionalmente um espaço educador
tomou forma no começo dos anos 1990, com o primeiro Congresso Internacional
das Cidades Educadoras que se realizou em Barcelona, Espanha. Todas as cidades
que participaram do congresso assinaram uma carta inicial que continha os
princípios considerados essenciais para que as cidades se tornassem verdadeiras
cidades educadoras. A carta foi revista em congressos posteriores acontecidos em
1994 e em 2004, visando adaptar o conteúdo aos novos desafios e às necessidades
sociais que emergiram nesses anos.
O ponto de partida dos princípios contidos na carta é que não se pode esperar que o
desenvolvimento dos habitantes das cidades aconteça de maneira espontânea. Pelo
contrário, as cidades pactuaram trabalhar juntas em projetos e atividades para
garantir que a cidades se transformem em um espaço de cultura e de
desenvolvimento da cidadania.
Os princípios da Carta das Cidades Educadoras são 20 e neste momento se
apresentam de maneira resumida:
1. Todos os habitantes da cidade terão o direito de desfrutar, de maneira livre e
igualitária, os meios e oportunidades de formação, entretenimento e
desenvolvimento pessoal que ela lhes oferece.
2. A cidade promoverá a educação na diversidade visando à compreensão, à
cooperação solidária internacional e à paz no mundo.
3. A cidade educadora encorajará o diálogo entre gerações.
4. As políticas de caráter educativo desenvolvidas pelo município devem ser
compreendidas no seu contexto e estar inspiradas na justiça social, no civismo
democrático e na qualidade de vida.
5. Os municípios exercerão de maneira eficaz as competências que lhes cabem
em matéria de educação.
6. Aqueles que sejam responsáveis pela condução das políticas municipais
deverão dispor de informação clara e específica a respeito da situação e das
necessidades de seus habitantes.
7. A cidade encontrará, preservará e apresentará sua própria identidade.
8. O crescimento e transformação de uma cidade buscarão sempre harmonizar
as novas necessidades e a conservação das construções e símbolos que foram
referências no passado.
9. A cidade fomentará a participação cidadã crítica e corresponsável.
20
10. As prefeituras deverão assegurar aos seus cidadãos o acesso a espaços,
equipamentos e serviços públicos adequados para o seu desenvolvimento,
prestando especial atenção à infância e juventude.
11. A cidade garantirá a qualidade de vida de todos seus habitantes.
12. O projeto educador da cidade será objeto de reflexão e de participação de
seus habitantes.
13. O governo municipal avaliará o impacto de todas as ofertas e realidades com
as quais os jovens e crianças têm contato sem qualquer intermediário.
14. A cidade providenciará oportunidades para que as famílias recebam uma
formação que possibilite a seus filhos crescerem e aprenderem a cidade, em um
espírito de respeito mútuo.
15. A cidade possibilitará que seus habitantes ocupem um lugar na sociedade,
providenciando conselhos relativos à sua orientação pessoal e profissional e
estimulará sua participação em atividades sociais.
16. As cidades estarão cientes dos mecanismos de exclusão e marginalização
que as afetam e atuarão visando desenvolver as necessárias políticas de ação
afirmativa.
17. Embora as intervenções orientadas a resolver a desigualdade possam ter
múltiplas formas, elas deverão ter como ponto de partida a visão global da pessoa.
18. A cidadeincentivará o associativismo como modo de participação e
responsabilidade cívica.
19. As prefeituras disponibilizarão informação suficiente e compreensível, além
de encorajar seus habitantes a se manterem informados.
20. A cidade educadora oferecerá a todos os habitantes formação relativa aos
valores e práticas da cidadania democrática (CENPEC, 2006, p. 158-159).
Esses 20 princípios colocam em primeiro plano a defesa do direito, de todos os
habitantes urbanos, a uma cidade educadora. Tal direito é uma extensão do direito
fundamental à educação, ressaltando a importância de fusionar os espaços e
momentos da educação formal com o potencial formativo da cidade (CENPEC,
2006). Podemos ver, assim, que os princípios da cidade educadora assignam novos
papéis e posições para a escola.
Segundo Gadotti (2005), quando se percebe a cidade como espaço de cultura, é
possível entendê-la como um agente que educa a escola enquanto esta última se
transforma em “palco do espetáculo da vida, educando a cidade em uma troca de
saberes e de competências” (GADOTTI, 2005, p. 5). Quando uma cidade decide se
transformar em cidade educadora toda a comunidade escolar pode começar a
integrar as ruas, as praças, os teatros, as bibliotecas, as árvores e toda a vida da
cidade. Assim, a escola deixa de ser um lugar abstrato e separado da vida urbana
para se transformar em um novo espaço de construção de cidadania (GADOTTI,
2006).
21
Assimile
O direito a uma cidade educadora está estreitamente ligado ao direito à educação
em espaços não formais. Isso é assim porque ele se refere à possibilidade de
humanizar os espaços e os tempos da vida urbana. Por sua vez, os habitantes
poderão exercer seu direito a uma cidade educadora, reapropriando-se dos tempos
e espaços da cidade, dando-lhes características e materialidades que refletem seus
próprios interesses e culturas. Assim, o direito à cidade educadora pode ser
formulado como um direito à vida urbana transformada e renovada (MEDEIROS,
2010, p. 215).
É fácil perceber que os princípios contidos na carta das cidades educadoras estão
orientados a superar a visão da cidade como um lugar inseguro que só representa
perigos para seus habitantes, cuja única alternativa é ficar isolados no âmbito
doméstico (MORAES, 2006). Nessa direção, mais do que ser uma categoria
meramente descritiva, a noção de cidade educadora incorpora muitos conteúdos
desiderativos, projetivos e utópicos. Mais do que servirem para dizer “essa cidade é
educadora” ou “essa cidade não é educadora”, a noção serve para expressar
desejos sobre como pode ser a cidade que sonhamos e como queremos que ela
eduque seus habitantes. Desse modo, a ideia de cidade educadora serve de
“paradigma para ajuizar a capacidade ou potência educativa da cidade, através da
educação formal, da educação informal e da educação não formal (AIETA; ZUIN,
2012, p. 196).
Nessa direção, mais do que ser uma categoria meramente descritiva, a noção de
cidade educadora incorpora muitos conteúdos desiderativos, projetivos e utópicos.
Mais do que servirem para dizer “essa cidade é educadora” ou “essa cidade não é
educadora”, a noção serve para expressar desejos sobre como pode ser a cidade
que sonhamos e como queremos que ela eduque seus habitantes.
Desse modo, a ideia de cidade educadora serve de “paradigma para ajuizar a
capacidade ou potência educativa da cidade, através da educação formal, da
educação informal e da educação não formal (AIETA; ZUIN, 2012, p. 196).
Todas as cidades que assinaram a carta das cidades educadoras constituem, na
atualidade a Associação Internacional de Cidades Educadoras. Várias cidades
brasileiras fazem parte da associação, entre elas Belo Horizonte, Caxias do Sul,
Cuiabá, Pilar, Porto Alegre, Piracicaba, Alvorada, Campo Novo do Parecis, Santos,
São Bernardo do Campo, São Carlos, São Paulo, Sorocaba.
Neste ponto, é claro que a noção de cidade educadora apresenta múltiplas
implicações para pensarmos a cidade como espaço de aprendizagem. Neste texto,
discutiremos três das mais relevantes: a educação integral, a educação para a
cidadania e a educação para a inclusão, a participação e a emancipação.
22
A PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL
Todos nós cotidianamente vivenciamos o fato de que, na atualidade, precisamos ter
uma formação que nos permita nos adaptar, de maneira crítica, para que possamos
participar ativamente dos desafios e das possibilidades que os processos
econômicos e sociais globalizados nos oferecem. Precisamos “intervir, a partir do
mundo local, na complexidade mundial” (CENPEC, 2006, p. 157). Perante esse
cenário, todas nossas cidades dispõem de múltiplas possibilidades educadoras
capazes de fazer importantes aportes à nossa formação integral.
Toda cidade é um sistema complexo e, simultaneamente, é um agente educativo
plural e permanente. Uma verdadeira cidade educadora está permanentemente
comprometida em formar seus habitantes nos mais diversos aspectos ao longo da
vida (CENPEC, 2006).
A contribuição da cidade para a educação integral de todas as pessoas que nela
moram passa, em primeiro lugar, por organizar, sistematizar e aprofundar o
conhecimento informal que adquirimos dela de maneira espontânea na nossa vida
cotidiana. A cidade colabora para nossa formação integral quando nos oferece
oportunidades para aprender a lê-la como um sistema dinâmico em contínua
evolução, oferecendo, por exemplo, espaços para refletir sobre o nosso passado ou
sobre a importância das árvores para nosso conforto e atividades diárias.
Em segundo lugar, a cidade favorece a formação integral de seus habitantes quando
nos ensina a conviver e a interagir com os outros, compartilhando, de maneira
harmoniosa, os espaços públicos da cidade.
Em terceiro lugar, a cidade é um território de aprendizagem no sentido de que nos
fornece as habilidades mínimas para circular pela cidade e ditar os direitos e
deveres enquanto cidadãos usuários da cidade (MEDEIROS, 2010).
A cidade educadora nos proporciona ricas oportunidades de aprendizagem ao
encorajar o diálogo entre gerações, convidando-nos a criar projetos comuns com
pessoas de idades diferentes de maneira a combinar “a experiência dos adultos, a
sabedoria dos velhos, a curiosidade da infância, a força de vida da juventude”
(MORAES, 2006, p. 85). Ademais, ao promover a educação para a saúde e as
práticas de desenvolvimento sustentável, as cidades educadoras também
contribuem para nossa formação integral.
Fica claro, então, o importante papel que cabe ao governo municipal: garantir a
educação integral de todos seus habitantes. Ele deverá oferecer espaços,
equipamentos e serviços públicos adequados para que adultos, jovens, crianças e
idosos possam se desenvolver pessoal, moral e culturalmente. Além disso, as
políticas públicas orientadas a tornar a cidade educadora deverão ser de caráter
transversal, abarcando não somente as modalidades da educação formal, mas
também as oportunidades de educação não formal e informal, aproveitando as
23
diversas manifestações culturais (festas típicas, desfiles), fontes de informação
(revistas e periódicos locais, rádios, páginas web) e meios de descoberta da
realidade (museus, passeios e jardins) que se produzam na cidade (CENPEC,
2006).
Na perspectiva das cidades educadoras, a educação integral transcende os espaços
instituídos formalmente e resgata, para os espaços não formais, a qualificação de
educadores (MORAES, 2006). A cidade se transforma “num espaço de formação
ético-política de pessoas que se querem bem e, por isso, têm legitimidade para
transformar a vida da cidade” (GADOTTI, 2005, p. 8).
A CIDADE EDUCANDO PARA A CIDADANIA
Na atualidade, vamos nos tornando “cidadãos do mundo” sem que muitos dos
nossos países de origem tenham atingido uma democracia eficaz e satisfatória, por
meio da qual nossos direitos e padrões culturais e sociais sejam respeitados. As
cidades educadoras têm um importante papel nesse complexo cenário, permitindo a
exploração e a consolidação da cidadania democrática e promovendo para todos a
convivência de maneirapacífica, com valores éticos e cívicos comuns. As cidades
podem, então, educar para a cidadania. Essa dimensão educadora das cidades é
particularmente importante quando pensamos nas crianças que nelas moram. Elas
se tornam cidadãs exercendo sua cidadania desde a infância. Assim, desde muito
pequenas, elas precisam participar da construção de sua própria vida e fazer parte
das decisões a respeito das temáticas relacionadas com a sua cidade.
ASSIMILE
Para refletir acerca do significado da educação para a cidadania e o papel na cidade
nela, antes é necessário ter clareza sobre o que é cidadania.
Segundo Gadotti (2006), cidadania é ter consciência dos nossos direitos e deveres,
assim como do exercício da democracia. Desse modo, é importante destacar que
cidadania e democracia são dois conceitos interdependentes, ou seja, um não existe
sem o outro.
Diversas dimensões – fortemente interdependentes – constituem a cidadania plena:
● Cidadania política: direito de participação em uma comunidade política.
● Cidadania social: que compreende a justiça como exigência ética da
sociedade de bem viver.
● Cidadania econômica: participação na gestão e nos lucros da empresa,
transformação produtiva com equidade.
● Cidadania civil: afirmação de valores cívicos como liberdade, igualdade,
respeito ativo, solidariedade, diálogo.
24
● Cidadania intercultural: afirmação da interculturalidade como projeto ético e
político frente ao etnocentrismo (GADOTTI, 2006, p. 134).
Essa cidadania plena se manifesta, por exemplo, quando, como cidadãos, podemos
participar diretamente na gestão da vida pública, discutindo o orçamento ou as
políticas habitacionais da cidade.
Com base nessa conceitualização de cidadania, podemos dizer que é tarefa das
cidades educadoras oferecer a seus habitantes formação em relação aos valores e
às práticas da cidadania democrática para que aprendam a conviver no respeito, na
tolerância, na participação, na responsabilidade e no interesse pelos aspectos
públicos do espaço que habitam (CENPEC, 2006).
Todas essas ideias podem parecer grandes noções abstratas, mas o importante é
não esquecer que elas devem se concretizar em situações corriqueiras e
particulares, tais como ter o direito de refletir e participar da criação de programas
educativos e culturais na cidade ou descobrir um projeto educativo nas festas
organizadas por nossas comunidades ou nas campanhas que a cidade prepara.
COMO FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COM PERSPECTIVA
CRÍTICA E CORRESPONSÁVEL?
Para fomentar a participação cidadã com perspectiva crítica e corresponsável, as
prefeituras devem oferecer informações e estimular a discussão do projeto educativo
da cidade, por meio das instituições e organizações sociais e civis públicas e
privadas. Nessa direção, é importante que o governo municipal encoraje a discussão
sobre as manifestações que organiza, sobre as campanhas e os projetos que
desenvolve e sobre os valores que sustentam cada um deles.
Ademais, o associativismo deverá ser fomentado como um modo de analisar as
intervenções na comunidade, assim como para a participação nos processos de
tomada de decisões e gestão. As associações filantrópicas, de pais e mestres, de
consumidores, de classes profissionais, de produtores, culturais, desportivas e
sociais, entre outras, são excelentes espaços para exercer a cidadania influenciando
as decisões governamentais e para obter e difundir materiais e ideias com o
potencial de contribuir com o desenvolvimento social, moral e cultural das pessoas.
EDUCAÇÃO PARA A INCLUSÃO, PARTICIPAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
Nossas cidades estão se tornando cada dia mais diversas. Em um trajeto de ônibus,
um passeio no parque ou em uma ida ao cinema, é cada vez mais comum encontrar
pessoas pertencentes a diversos grupos culturais que passam a conviver na cidade.
Considerando que provavelmente essa diversidade aumentará ainda mais no futuro,
um dos desafios que uma cidade que quer se tornar verdadeiramente educadora
25
deve enfrentar é a promoção de um equilíbrio que respeite a diversidade, que
consiga recuperar as contribuições de cada uma das comunidades que a integram,
que permita que seus membros sintam sua identidade cultural reconhecida e,
finalmente, consiga integrar essa diversidade em uma identidade urbana. É fácil ver
que esse não é um desafio menor, e as cidades devem investir muitos esforços para
conseguir avançar nessa direção.
Podemos dizer, então, que uma cidade que educa destina todas suas energias a
estabelecer canais de participação, por intermédio dos quais os indivíduos e as
comunidades que dela fazem parte possam assumir, nas suas mãos, o controle da
cidade (GADOTTI, 2005).
Por sua vez, o planejamento urbano da cidade precisa considerar cuidadosamente
como uma mudança no ambiente urbano repercute no desenvolvimento dos
indivíduos, da comunidade e na integração de suas aspirações pessoais. Pense, por
exemplo, em um bairro organizado ao redor de uma grande estação de ônibus. Ao
longo do tempo, a vida comercial vem se organizando para atender às demandas do
público que transita pela estação (com lanchonetes, restaurantes e outros
estabelecimentos). O que aconteceria se a prefeitura decidisse desativar a estação
de ônibus e trasladá-la a outro ponto da cidade? Com certeza os vizinhos do bairro
veriam a sua vida mudar, o que traria repercussões tanto negativas como positivas.
Uma cidade educadora estabelece canais para que os interesses de todas as
pessoas possam ser considerados.
Assegurar a participação de todos e todas na vida da cidade supõe, também,
desenvolver políticas de inclusão que eliminem as barreiras culturais e físicas
impeditivas do exercício do direito à igualdade. Toda pessoa que já guiou uma
cadeira de rodas, um carrinho de bebê ou utilizou bengala sabe da enorme diferença
que faz para sua vida poder contar com calçadas cuidadas e rampas de acesso.
A noção de cidade educadora se assenta, ademais, em uma concepção
emancipadora de cidade. Seus cidadãos prestam atenção ao diferente e ao portador
de direitos especiais. A cidade educa para a diversidade, para a compreensão e
para a cooperação, combatendo toda forma de discriminação. Isso significa
implementar mecanismos que garantam a liberdade de expressão e o diálogo
cultural em condições de igualdade. Isso ocorre quando imaginamos como
gostaríamos que nossa cidade acolhesse os recém-chegados, imigrantes ou
refugiados, e como fazemos para que sintam que a cidade também é deles.
A seguinte citação de Gadotti (2005) descreve, de maneira um tanto sombria, um
possível futuro para as grandes cidades:
A cidade, sobretudo a grande metrópole, está chegando ao limite do
suportável (violência, estresse, desemprego, falta de habitação, de
transporte, de saneamento…) e não tem outra alternativa hoje a não ser
se transformar radicalmente em “novas cidades”, em cidades
26
educadoras. Caso contrário, as cidades estarão caminhando rapidamente para se
transformarem em espaços de extermínio, sobretudo dos jovens.
(GADOTTI, 2005, p. 8).
PEDAGOGIA DA CIDADE
Evocando as palavras de Paulo Freire, Gadotti (2005) nos lembra que nosso
primeiro livro de leitura é o mundo. Quando vinculamos essa ideia com a nossa vida
na cidade, percebemos que precisamos de uma pedagogia que nos ajude a “ler” a
nossa cidade. Na vida cotidiana, temos nos acostumado a ignorar certas coisas que
acontecem ao nosso redor para não ter que nos comprometer com elas,
simplesmente porque nos sentimos impotentes perante elas. Muitas vezes, durante
o caminho ao trabalho ou à escola, desviamos nosso olhar do mendigo, da criança
no semáforo, das casas precárias no morro da favela. Desse modo, tornamos
invisíveis muitos habitantes da nossa cidade (GADOTTI, 2005).
A noção de pedagogia da cidade vem justamente tentar quebrar essa invisibilização
e para nos ensinar a olhar e a descobrir a cidade, aprendendo com ela, dela e
aprendendo a conviver com ela.
A pedagogia da cidade revela, então, que a cidade é o espaço das diferenças:
econômicas, culturais, sociais, de orientaçãosexual e religiosas, entre outras. A
pedagogia da cidade nos mostra que muitas dessas diferenças não são deficiências,
mas riquezas e, portanto, podemos aprender muito com elas. Por sua vez, também
nos alerta a respeito da necessidade de imaginar maneiras de superar aquelas
diferenças que trazem exclusão e marginalização de grandes grupos ou
comunidades que habitam na cidade.
Para poder aprender a ler a cidade, observando todos os seus espaços, é
necessário nos locomover por ela, caminhando por suas ruas. Isso nos permitirá
descobrir os espaços onde as pessoas se encontram, os usos que elas fazem dos
espaços públicos e, o mais importante, tecer histórias pessoais em cada um de seus
cantos, de modo que, no futuro, possamos evocar cada vez que passamos por eles:
essa é a praça em que eu brincava com a minha sobrinha, essa é a rua onde ficava
minha escola, essa é a lanchonete onde costumava almoçar antes de ir para o meu
primeiro trabalho.
Ao caminhar pela cidade temos a possibilidade de vivê-la em sua complexidade e
animação e, simultaneamente, nos tornamos cidadãos. Para isso, precisamos de
uma educação cidadã para o trânsito e a mobilidade, assim como de mapas e guias
que nos revelem não só a localização geográfica de certos pontos de interesse, mas
também a localização dos pontos culturais nos quais podemos ver a vida da cidade.
Quando percebemos que a cidade nos pertence, passamos a enxergar que somos
participantes da sua construção e reconstrução permanente. Assim, toda vez que
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atravessamos a rua pela senda de pedestres, que jogamos o lixo na lixeira, que
ajudamos um idoso a carregar a sacola das compras, estamos cumprindo um
importante papel na reconstrução da nossa cidade como um lugar mais amigável e
prazeroso.
Uma pedagogia da cidade supõe, então, aprender na cidade, da cidade e a cidade.
Vejamos isso com maior detalhe. A expressão “aprender na cidade” considera o
espaço urbano como um contexto de acontecimentos educativos. Assim, ela acolhe,
mistura e aglutina as mais diversas oportunidades educativas: escolas, centros de
educação no tempo livre, educadores da rua, educação familiar e toda uma rede
cívica, cultural e comercial que provê recursos que contribuem com a nossa
formação. Aprendemos na cidade porque ela conta com uma teia educativa que
mistura a educação formal com a não formal, reunindo instituições estritamente
pedagógicas com situações educativas ocasionais (TRILLA, 1999).
A expressão “aprender da cidade” entende que a cidade é um agente e meio
informal de educação. A cidade é o resultado da reunião, em um espaço reduzido,
de muitas pessoas e elementos culturais. Essa proximidade permite a comunicação,
o cruzamento, a criatividade e a aquisição de informações. Portanto, o meio urbano
é “um emissor cambiante e diverso de informações e culturas. É, também, uma
densa rede de relações humanas que podem devir socializadoras e educativas”
(TRILLA, 1999, p. 14)
Por sua vez, a expressão “aprender a cidade” compreende a cidade em si mesma
como um conteúdo educativo. O conhecimento informal que o próprio meio urbano
gera é, por sua vez, conhecimento sobre ele mesmo. Aprendemos a cidade quando
aprendemos a utilizar seus sistemas de transporte, a localizar onde estão os
comércios mais convenientes para cada um de nós e a utilizar os recursos urbanos
que permitem ocupar nossos tempos de ócio, por exemplo.
A pedagogia da cidade também entende a cidade como o espaço da cultura e da
educação. Portanto, ela se esforça por empoderar educacionalmente muitos dos
equipamentos culturais da cidade. Nessa direção, ela reconhece que existem muitas
energias sociais adormecidas que poderiam ser altamente potencializadas se as
dotássemos de um potencial educativo. Pensemos, por exemplo, nos cemitérios.
Esses espaços públicos são geralmente imaginados pelos habitantes como lugares
que é melhor evitar. Mas o que aconteceria se os pensássemos como espaços
educativos? O que os cemitérios poderiam nos ensinar a respeito da nossa própria
história e sobre a história da cidade? A ideia pode parecer estranha, mas muitas
cidades, entre elas Paris e São Paulo, promovem ricos programas educativos que
funcionam em seus cemitérios.
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Seção 2 - AS POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM ALÉM DOS
MUROS DA ESCOLA
CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO ALÉM DOS MUROS DA
ESCOLA
Para explorar as possibilidades de aprendizagem além dos muros da
escola é necessário começar delineando algumas das características da
educação em espaços não escolares. Já sabemos que a educação não
formal abarca um amplo leque de processos educativos que, apesar de
suas múltiplas diferenças, compartilham algumas características. Dentre
elas podemos mencionar que eles apresentam:
● Programas flexíveis em termos de conteúdo, espaços,
agrupamentos, temporalidade etc.
● Programas que se adaptam ao contexto cultural dos seus
destinatários.
● Conteúdos relevantes para atender os problemas, necessidades,
interesses e aspirações dos seus participantes.
● Situações de aprendizagem conectadas com a vida real dos
participantes, de modo a capacitá-los, ajudá-los a buscar soluções para
seus problemas e melhorar suas condições de vida (GOMEZ, 2004).
EXEMPLO DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: OFICINA DE EDUCAÇÃO
FINANCEIRA
Para compreender o impacto dessas características nas aprendizagens
desenvolvidas nos espaços de educação não formal, pensemos no seguinte
exemplo: uma oficina de educação financeira para donas de casa oferecida em um
centro comunitário de um bairro de periferia.
Essas oficinas podem ter um grau de flexibilidade em relação ao conteúdo a tratar –
se todas as participantes estiverem interessadas em aprender a utilizar o cartão de
crédito de maneira responsável, é possível que essa temática ocupe boa parte das
discussões. Em termos de espaço e temporalidade, as oficinas podem ser
ministradas em diversas salas ou horários para adaptar-se às necessidades das
participantes. Em termos de agrupamentos, é possível que algumas das suas
participantes já tenham feito outras oficinas sobre a temática previamente ou que
algumas participem de poucas reuniões.
Essa flexibilidade reflete a intenção de adaptar-se ao contexto cultural das suas
destinatárias: seria ingênuo – e muito pouco efetivo – planejar uma oficina centrada
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nas diversas possibilidades de investimento na bolsa de valores, enquanto os
problemas financeiros das participantes são de natureza muito diferente.
Uma oficina com foco na educação para o consumo, na organização do orçamento
familiar e em estratégias de endividamento realistas com certeza proporcionaria
conteúdo muito relevante, que ajudaria as donas de casa com seus problemas reais,
capacitando-as a procurar soluções para organizar sua vida financeira e, assim,
melhorar suas condições de vida.
Esse exemplo nos mostra que a educação além dos muros da escola pode trazer
ricas oportunidades para o desenvolvimento de atitudes críticas, solidárias e que
contribuam para o enfrentamento dos problemas da vida cotidiana – tanto em âmbito
familiar como no social e produtivo – e que ajudem a satisfazer às necessidades
formativas dos coletivos aos quais se dirigem (GOMEZ, 2004).
Segundo Gohn (2006), os processos educativos não formais acontecem em
territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e dos indivíduos, e sua
finalidade é “abrir janelas de conhecimento a respeito do mundo que circunda os
indivíduos e suas relações sociais” (GOHN, 2006, p. 29). A mesma autora destaca
que a educação não formal contribui para o desenvolvimento da autoestima e o
empoderamento do grupo. Voltando para nosso exemplo, pensemos no grande
potencial transformador que pode ter para essas mulheres o conhecimento de
estratégias básicas para lidar com as economias dos seus lares, nas possibilidades
de se projetarem no futuro livres de dívidas e conseguindo atingir seus sonhos com
uma programação financeira realista.
A educação não formal parte da problematização da vida cotidiana e dos temas que
se colocam como necessidades e desafios de determinadogrupo.
Assim como na escola, a educação formal também produz saberes, mas
estes são criados com o compartilhamento de experiências, da reflexão e do
cruzamento entre os saberes herdados e os saberes novos adquiridos (GOHN,
2014). A educação além dos muros da escola é mais do que uma estrutura
simbólica edificada ou corporificada em uma instituição, é um processo de
aprendizagem que ocorre via diálogo tematizado (GOHN, 2014). Dessa concepção
se segue que o que se vai aprender dependerá da qualidade das relações e
interações ali desenvolvidas.
Para continuar avançando é necessário retomar um conceito fundamental em
nossas discussões. Se queremos delimitar quais são as oportunidades de
aprendizagem oferecidas pela educação não escolar, precisamos refletir sobre o que
é aprendizagem. Essa noção é complexa e tem sido conceitualizada de maneiras
diversas por muitos educadores. Sem a pretensão de cobrir esse extenso debate, as
palavras de Gohn (2014, p. 39) nos trazem uma perspectiva da aprendizagem
particularmente fértil quando queremos estudar a educação não formal:
30
[…] aprendizagem como sendo um processo de formação humana,
criativo e de aquisição de saberes e certas habilidades que não se limitam
ao adestramento de procedimentos contidos em normas instrucionais […]
Certamente que em alguns casos há a incorporação ou a necessidade de
desenvolver alguma habilidade ou grau de "instrumentalidade técnica",
não como principal objetivo e nem o fim último do processo. E mais do que isso: o
conteúdo apreendido nunca é exatamente o mesmo do transmitido por algum ser ou
meio/instrumento tecnológico porque os indivíduos reelaboram o que recebem
segundo sua cultura.
Podemos concluir que os processos educativos não formais têm
potencialidade para desenvolver aprendizagens orientados:
● À participação política dos indivíduos enquanto cidadãos.
● Ao desenvolvimento de habilidades que capacite os indivíduos para o mundo
do trabalho.
● À organização na perseguição de objetivos comunitários procurando
solucionar problemas cotidianos.
● À leitura do mundo e do que acontece ao seu redor.
● Ao desenvolvimento de perspectivas críticas sobre a educação desenvolvida
na mídia e pela mídia (GOHN, 2014, p. 40-41).
O exemplo da oficina de educação financeira traz todas essas aprendizagens para o
primeiro plano. Contar com um conhecimento básico do nosso sistema financeiro é,
sem dúvida, uma aprendizagem que permitirá a essas donas de casa ler o mundo e
ter uma visão crítica das inúmeras publicidades de instituições bancárias que
oferecem créditos que parecem ser muito vantajosos, mas que escondem taxas de
juros impossíveis de serem pagas. Por sua vez, a participação na oficina pode
encorajar as participantes a se organizarem de maneira comunitária, tanto para
solicitar empréstimos como para realizar compras, o que, ademais, reflete na sua
participação política enquanto cidadãs. Por fim, esses conhecimentos podem
ajudá-las a negociar melhores condições de trabalho, assim como a estar mais bem
preparadas para se inserir profissionalmente.
REDES DE APRENDIZAGEM COLABORATIVA
Os processos de aprendizagem não escolar oferecem ricas oportunidades para
gerar aprendizagens significativas para os seus participantes, além de fortemente
vinculadas à vida pessoal e aos interesses de cada um. Desse modo, descobrimos
que além dos muros da escola existem espaços com um alto potencial educativo. A
seguir, vamos refletir sobre como tais espaços podem articular-se entre si e com os
processos escolares, de maneira a contribuir com a formação integral dos
indivíduos.
31
Podemos começar dizendo que o reconhecimento de que existem processos
educativos que ultrapassam os espaços formais escolares não leva à desvalorização
da escola nem à sua desqualificação. Pelo contrário, esse reconhecimento nos
permite relocalizar a escola como um dos múltiplos agentes educativos que
influenciam a formação dos indivíduos. Isso significa não esquecer que a escola é a
instituição educativa mais importante que temos conseguido desenvolver até o
momento, portanto para qualquer projeto educativo de relevância teremos que
contar com a escola. Por outro lado, essa relocalização exige que a escola se abra a
seu contexto, visto que é lá onde ela encontrará referentes reais dos conteúdos que
deve transmitir, entornos de experiência direta e oportunidades para se envolver em
processos sociais reais (TRILLA, 2005).
Dada essa perspectiva, é possível pensar em diversas maneiras em que a educação
escolar e a não escolar podem interagir. Gomez (2004) propõe as seguintes
possibilidades de interação:
● Relações de suplência. Neste caso, uma das modalidades assume tarefas
que são, ou deveriam ser assumidas pela outra modalidade. Por exemplo, as aulas
de reforço ministradas no centro comunitário são espaços de educação não formal
que tentam suprir parte das obrigações que a escola não conseguiu garantir. Isso
também ocorre no sentido contrário, ou seja, às vezes as famílias esperam que
sejam as escolas as encarregadas por desenvolver conteúdos que ultrapassam suas
funções, tais como a educação para a tolerância ou a educação sexual.
● Relações de substituição. Existem casos nos quais a educação não formal
substitui a escola, por exemplo, com adultos que não tiveram acesso à escola na
infância, populações geograficamente dispersas e população carcerária.
● Relações de interferência. Nesses casos, as modalidades formais e não
formais oferecem mensagens educativamente contrárias.
● Relações de complementariedade de funções, objetivos e conteúdo. Nesses
casos, a escola pode utilizar recursos não formais e integrá-los ao seu trabalho
curricular ou disponibilizar à comunidade seus equipamentos para a realização de
atividades não formais.
É justamente esta última possibilidade de interação entre os processos educativos
formais e não formais – a de complementariedade – que permite o estabelecimento
de verdadeiras redes de aprendizagem colaborativa. Tais redes cobram maior
relevância quando recordamos que a escola, por si só, não pode atender a todas as
necessidades educativas do mundo contemporâneo.
As redes de aprendizagem colaborativa são criadas quando as aprendizagens
formais desenvolvidas dentro da escola são complementadas com aquelas
desenvolvidas com base na participação em práticas educativas não escolares,
potencializando o desenvolvimento pessoal em todas as faixas etárias e garantindo
uma educação permanente que permita ir adaptando os conteúdos às mudanças e
demandas dos próprios indivíduos e dos entornos sociais (GOMEZ, 2005). São
32
essas oportunidades que permitem concretizar uma rede de aprendizagem durante
toda a vida, possibilitando às pessoas se desenvolverem integralmente e
participarem ativamente do mundo laboral, comunitário, cultural e social,
adaptando-se a contínuas mudanças do nosso tempo.
Assim, defendemos que as práticas educativas em espaços não escolares
não devem ser compreendidas simplesmente como ferramentas complementárias,
acessórias ou supletivas, que têm como principal objetivo solucionar os problemas
que a escola não consegue resolver. Favorecer o estabelecimento de redes de
aprendizagem colaborativa envolve assumir que os processos educativos não
formais geram aprendizagem valiosa para a vida social e para o desenvolvimento
dos indivíduos e, portanto, podem contribuir reconectando ou apoiando a passagem
pela educação formal (MORALES, 2009).
Nas redes de aprendizagem colaborativa convergem, de maneira coordenada, os
processos de formação desenvolvidos pelas práticas educativas formais e não
formais, “sendo eles flexíveis o suficiente como para poder dar resposta às
mudanças contínuas que se produzem nas nossas vidas” (GOMEZ, 2004, p. 571).
Conseguir criar essas articulações é, portanto, “um sonho, uma utopia, mas também
uma urgência e uma demanda da sociedade atual” (GOHN, 2006, p. 36).
EXEMPLO DE INTEGRAÇÃO ENTRE PRÁTICAS EDUCATIVAS
FORMAIS E INFORMAIS
Vejamos alguns exemplos de como tais redes de aprendizagem colaborativa

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