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Práticas educativas em espaços não
escolares
1
Sumário
1. Unidade 1
- Seção 1 - CONCEITO E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA
EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR - página 3
- Seção 2 - OS ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR -
página 10
- Seção 3 - A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR -
página 16
2. Unidade 2
- Seção 1 - A CIDADE COMO ESPAÇO DE
APRENDIZAGEM - página 20
- Seção 2 - AS POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM
ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA - página 29
- Seção 3 - EDUCAÇÃO, VIOLÊNCIA E ASSISTÊNCIA
SOCIAL - página 36
3. Unidade 3
- Seção 1 - ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL -
página 42
- Seção 2 -AMBIENTES EMPRESARIAIS - página 56
- Seção 3 - AMBIENTES DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA
SOCIAL - página 71
4. Unidade 4
- Seção 1 - COMPETÊNCIAS PARA ATUAR COM A
EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR página 84
- Seção 2 - AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO AMBIENTE
NÃO ESCOLAR - página 89
- Seção 3 -DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR NA
ATUALIDADE - página 95
2
Unidade 1
Seção 1
CONCEITO E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR
Para compreendermos a educação que ocorre em espaços não formais, vejamos o
significado – ou um possível significado – de educação, dado por Libâneo (2010).
Assim, poderemos também compreender a própria Pedagogia acontecendo em
espaços escolares e em espaços não escolares, espaços informais ou
extraescolares:
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola,
de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com
ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber,
para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida
com a educação. Com uma ou com várias: educação? Não há uma
forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em
que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática,
e o professor profissional não é o único praticante.
LIBÂNEO, 2010, p. 26
A partir dessa definição, podemos compreender que educação implica processos
sistematizados e não sistematizados, intencionais e não intencionais, acontecendo
nas mais variadas situações, envolvendo os mais diferentes indivíduos.
Contudo, a concepção ampla de educação não é algo que vem da atualidade, mas é
na atualidade ou na história da educação recente que se discute mais a fundo as
possibilidades de atuação da pedagogia na educação. Trata-se, portanto, de uma
discussão que pode ser situada na modernidade e pós-modernidade. Mas, ao
olharmos para o passado, podemos enxergar a definição dada por Libâneo nos
próprios acontecimentos socioeducacionais ao longo da História, quando
percebemos que a educação não formal tem mais “tempo de vida” do que a
educação formal. O que isso quer dizer?
Quer dizer que a educação formal, em uma escola mantida pelo Estado como um
direito de todos, só se expandiu na modernidade, e suas iniciativas mais
contundentes e significativas ocorreram apenas no século XVIII e se universalizaram
nos séculos XIX e XXI. Antes disso, mesmo que com alguma sistematização e
organização pedagógica, a escola não passava de um lugar mais isolado, para
poucas pessoas. A contar da Antiguidade greco-romana até a modernidade, tivemos
mesmo uma educação muito mais informal do que formal, que acontecia no interior
das famílias, ou nas igrejas, ou em corporações de ofício (quando aprendizes tinham
lições com mestres de um ofício ou de uma profissão). A educação da escola era
algo mais elementar e necessária apenas para parte das populações históricas.
A modernidade, com o desenvolvimento do capitalismo e com a Revolução
Industrial, trouxe a necessidade de uma escola e de uma educação formalizadas,
sistematizadas e universais, ainda que particulares, para classes sociais diferentes.
3
Mas no século XX, especialmente em sua segunda metade, e no século XXI,
passamos cada vez mais a discutir os processos educacionais em ambientes
diferentes dos da escola e dos que chamamos de educação formal,
institucionalizada e obrigatória. Falamos de processos que acontecem em ambientes
sociais diversos, tais como trabalho e política; atualmente até mesmo em redes
sociais virtuais, meios de comunicação, nos grupos e movimentos sociais, nos
serviços públicos e outros.
Se a educação é o grande objeto de interesse da Pedagogia, todos esses espaços,
para além da escola e da educação formal, também devem ser de seu interesse,
conhecimento e apropriação. Esses espaços devem ser analisados com o mesmo
empenho que se analisa a escola e se procura soluções educacionais para seus
problemas. E como fazemos isso? Da mesma maneira que fazemos com a escola,
ou seja, com base nos conhecimentos científicos, através dos processos de
investigação, observação, análise e intervenção, tendo em vista que a Pedagogia é
uma ciência essencialmente da prática, em que seus fundamentos levam a procurar
por respostas do cotidiano e torná-lo cada vez mais eficiente para quem se vale de
seus processos de aprender. Dessa forma, “verifica-se, pois, uma ação pedagógica
múltipla na sociedade. O Pedagógico perpassa toda a sociedade.” (LIBÂNEO, 2010,
p. 29.)
Com base na compreensão de que a educação acontece em espaços distintos e a
Pedagogia, como ciência que estuda os processos educacionais formais e não
formais, ao longo do tempo, a expressão não formal foi se tornando uma categoria
bastante utilizada para explicar atividades e experiências educacionais diversas que
ocorrem fora da escola. Ainda assim, estamos começando nesse território não
formal, buscando compreendê-lo e nele interferir, do ponto de vista científico.
Encontramos algumas formas de definir o não formal, tais como não escolar,
extraescolar ou informal. Todas elas ganharam alguma notoriedade na segunda
metade do século XX, porque houve uma grande demanda escolar após a Segunda
Guerra Mundial, demanda essa que não foi contemplada plenamente pela escola e
teve um excedente que buscou conhecimento de outras maneiras, em outros
espaços, sob o argumento de se ter mais pessoas preparadas ou recursos
humanos, para a transformação industrial que ocorria aceleradamente. A crise
educacional, portanto, marcada pela incapacidade de se oferecer escolas para toda
a população, é o ponto de partida para uma valorização e a ascensão de outros
contextos extraescolares em que ocorriam processos educativos ou formativos.
Nesse período houve:
[…] a publicação de uma série de estudos de programas e propostas
educacionais alternativas, que por sua vez criticavam os modelos e
fazeres tradicionais da escola; a divulgação do conceito de educação
permanente, que passou a legitimar e valorizar outras maneiras de educar
4
e educar-se e, por fim, a compreensão e aceitação de que o meio também educa.
GARCIA, 2008, p. 2
[…] a publicação de uma série de estudos de programas e propostas educacionais
alternativas, que por sua vez criticavam os modelos e fazeres tradicionais da escola;
a divulgação do conceito de educação permanente, que passou a legitimar e
valorizar outras maneiras de educar e educar-se e, por fim, a compreensão e
aceitação de que o meio também educa.
GARCIA, 2008, p. 2
O papel da Unesco nessa consideração acerca de outras possibilidades de
educação não formalizada ou não escolar foi bastante significativo nos anos de 1960
e 1970, pois seus apontamentos mostravam justamente a situação da crise
educacional escolarizada, especialmente nas populações mais pobres, com as quais
outras iniciativas de educar se faziam cada vez mais presentes. Podemos dizer que
se de um lado essa consideração permitiu que iniciativas fossem tomadas para não
mais esperar pela educação formal para retirar aquelas populações da falta de
conhecimento, também foi ela que retardou em parte a expansão escolarizada,
porque ocupou de certa forma esse espaço e eximiu os Estados de fomentarem algo
que era de sua responsabilidade.
Pensando um pouco melhor na diferenciação entre educação formal ou escolar e
educação não formal, podemos chegar a uma definição, que é básica para a
compreensão mais simplificada. Se nos processos de educação escolar temos todo
um arcabouço de sistematização– que vai desde a definição curricular formal e
universal, passando pela definição curricular sistematizada localmente; pelas regras
universais que regem uma escola, desde a concepção de gestão, a legislação de
fundamento, os modelos educativos considerados mais apropriados ou do
paradigma vigente, o conjunto do que é ser professor e do que é ser aluno;
ultrapassando os limites nacionais e considerando as concepções globais –, na
educação informal as regras são bem menos rígidas ou menos universais; em
alguns contextos, até mesmo inexistentes. Nesses espaços, como se diferenciam
bastante, são criadas regras e práticas próprias, que se adequam muito mais ao tipo
de processo educacional em si e em seu contexto, do que a regras que precisam ser
definidas em termos de sistema, como acontece no caso da educação escolarizada
e formal. Além disso, no contexto informal, como aponta Rego (2018), não temos
certificação, ou pelo menos, não uma certificação oficial. O autor continua sua
definição de educação informal:
A educação informal é um processo contínuo, por meio do qual cada
pessoa adquire e acumula naturalmente saberes e habilidades, a partir
das experiências diárias e da sua exposição ao meio envolvente, é
assim “um processo permanente e não organizado”. Constitui uma
modalidade de educação não formalizada nem intencional ou
sistemática, embora em determinados contextos possa ter um certo nível de
intencionalidade e sistematização, como no caso da educação familiar e religiosa.
5
REGO, 2018, p. 8
Por esses motivos, vemos pedagogos atuando em muitos espaços e de maneiras
muito diferentes. Cabe a eles, no entanto, identificar um local em que há um
processo educacional, para saber intervir sobre ele. Mas se a base da Pedagogia
está sobretudo na docência, portanto, na educação escolarizada, como o
profissional consegue identificar esses processos e interferir nos seus cursos, de
forma que a aprendizagem seja mais significativa, acompanhada e avaliada? Ele
procurará nas bases de sua profissão o alicerce para a compreensão. Essas bases
estão especialmente no conhecimento da psicologia da educação e nos
fundamentos da educação, história, filosofia e sociologia. Um pouco do
conhecimento a respeito do financiamento educacional e políticas educacionais
também ajudará nessa compreensão global. Mas é preciso explicar que o pedagogo,
nesses espaços não formais, tenderá a procurar em suas bases os alicerces para a
sua atuação que outros profissionais envolvidos nesses espaços não procurariam,
atuando, portanto, em outras bases ou de forma menos fundamentada, como é
comum em certos espaços que serão explorados mais adiante.
EXEMPLIFICANDO
O pedagogo pode atuar em diferentes espaços nos quais haja processos
educacionais, para além da escola. Conforme LIbâneo (2010), ele pode atuar como
um especialista em atividades pedagógicas paraescolares, em órgãos públicos,
privados ou não estatais. Pode, também, trabalhar em associações populares e
clínicas de orientação pedagógica. Podem ser instrutores, organizadores,
consultores e técnicos, profissionais ligados a atividades de cultura, formadores em
empresas, dentre muitas outras opções de atuação profissional.
Em relação à definição da educação por suas modalidades ou tipos, Libâneo (2010)
faz diferenciações interessantes. Ele aponta que a educação pode ser classificada
em intencional e não intencional. Baseado nesses dois grandes tópicos, para ele, a
educação informal e a educação paralela são aquelas não intencionais, e a
educação não formal e a formal são intencionais. Portanto, para ele, educação
informal não é sinônimo de educação não formal, como vimos ser para Rego (2018),
que fala da educação informal no sentido de que as duas coisas são parte do
mesmo contexto.
O autor, ainda, caracteriza o não formal como aquilo que se faz com
intencionalidade, porém, com baixa sistematização, implicando relações
pedagógicas mesmo que não formalizadas (Libâneo, 2010, p. 89). Ele ainda aponta
que dentro da própria escola a educação não formal acontece por meio de
atividades extracurriculares. Mas vemos, contudo, que o movimento atual da
educação não formal toma exatamente o rumo oposto, ou seja, é cada vez mais
comum compreender a educação não formal como aquela em espaços não
escolares, ainda intencionais como ele coloca, e cada vez mais sistematizadas e
pensadas pedagogicamente. Veremos melhor como isso acontece nas seções
seguintes.
6
ASSIMILE
Libâneo (2010), ao conceituar a educação, traz uma categoria de educação
chamada “educação-processo”, para mostrar um tipo de educação que é intencional.
Ele o conceitua da seguinte maneira:
A educação-processo corresponde à ação educadora, às condições e
modos pelos quais os sujeitos incorporam meios de se educar.
Admitindo-se que toda educação implica uma relação de influências
entre seres humanos, a educação-processo indica a atividade formativa
nas várias instâncias com vistas a alcançar propósitos explícitos,
intencionais, visando promover aprendizagens mediante a atividade própria dos
sujeitos. Implica, portanto, a existência de ambientes organizados, objetivos e
objetivos sociopolíticos, métodos e procedimentos de intervenção educativa para
obter determinados resultados.
(LIBÂNEO, 2010, p. 84)
Já para Gohn (2006), encontramos uma forma de localizar a educação não formal
do exterior da educação escolarizada:
A educação não formal designa um processo com várias dimensões tais
como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto
cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da
aprendizagem de habilidades e/ ou desenvolvimento de
potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os
indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de
problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos
indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que
se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial
a eletrônica etc.
GOHN, 2006. p. 28
Tomando por base esse lugar no qual a autora coloca esse tipo de educação, em
seguida ela diferencia tipos de educação ou campo de desenvolvimento da
educação:
A princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvimento: a
educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos
previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos
aprendem durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube,
amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e
sentimentos herdados: e a educação não formal é aquela que se aprende “no
mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências,
principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas.
GOHN, 2006. p. 28
Entendido que existem definições diferentes para o que estamos chamando de
educação não formal, podemos dizer, que ao mesmo tempo, elas também se
aproximam.
7
Assumimos definições nossas, portanto, com base também nesses autores,
caracterizamos os tipos de educação comentados, conforme o quadro a seguir:
No Brasil, a educação não formal, conforme aponta Garcia (2008), até por volta dos
anos 1980, foi compreendida quase que exclusivamente como a educação de jovens
e adultos, para pessoas que estavam fora da idade adequada e do sistema
educacional convencional. Estudos a respeito dessa modalidade de educação
estavam, sobretudo, baseados em Paulo Freire, buscando analisar as condições do
adulto nos processos de aprendizagem, especialmente na fase de alfabetização.
Era, portanto, uma visão bastante restrita de educação não formal e ainda muito
ligada à educação escolarizada, porque buscava de alguma forma, ainda que com
práticas diferenciadas, levar um conhecimento formal a essa população à margem
da educação institucionalizada.
Essa visão vai sendo modificada por volta da década de 1990, quando se observam
mudanças estruturais, sociais e culturais na sociedade, especialmente mediadas
pelo rápido desenvolvimento tecnológicoe como ele passou a interferir nos modos
de comunicação e socialização da informação, afetando todos os setores da
sociedade e o modo como as pessoas passaram a se relacionar dali em diante.
Na principal legislação da educação brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei nº 9.394, promulgada em 1996 –, há duas menções
vinculadas à educação não formal. A primeira, logo no primeiro artigo:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
BRASIL, 1996
8
Percebemos claramente que os processos organizativos da sociedade civil
incentivam a promoção de possibilidades de adquirir conhecimento em outros
espaços, ou seja, em espaços de educação não formal.
A segunda menção, no vigésimo sexto artigo, está presente especificamente no
quarto item do artigo:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena […] IV – promoção do desporto
educacional e apoio às práticas desportivas não formais.
BRASIL, 1996
Nesse trecho há uma menção mais pontual, relacionada ao estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena em práticas desportivas.
Apesar de a legislação não se aprofundar na educação não formal, o primeiro artigo
é suficiente para o reconhecimento de que há aprendizagem fora dos limites da
educação institucionalizada escolar.
Partindo desse pressuposto, podemos compreender que espaços não formais de
educação apresentam um perfil multidisciplinar que tende a desconstruir modelos
mais convencionais de educação nas suas relações com a sociedade. Esses
espaços, tidos como representantes de novas configurações sócio-históricas, podem
ser considerados locais interessantes para aprendizados que estejam estritamente
relacionados à promoção da cidadania, ao aprendizado por meio da educação de
direitos fundamentais do ser humano, ao aprendizado de culturas e da prática da
democracia.
Retomando o percurso dessa educação não formal no Brasil, se foi comum pensar
que ela era exclusivamente aquela que educava os jovens e adultos fora da idade
escolar, uma segunda consideração importante foi o entendimento de que a
educação não formal acontecia em espaços de assistência social, visão essa que
ganhou bastante notoriedade. Talvez possamos dizer que esses espaços foram
realmente os que passaram a evidenciar as primeiras formas de educação não
formalizada da modernidade nas sociedades universalmente escolarizadas. Daí
passamos a um ramo da pedagogia chamada de pedagogia social, que acontece
nos espaços de assistência. Temos, dessa forma, uma convergência entre
Pedagogia e assistência social ou com a área do Serviço Social.
Nesse sentido, Garcia (2008, p. 7) aponta que “a educação não formal se expande,
como campo teórico, no momento histórico de aumento significativo do número de
ONGs, com delegação de demandas no âmbito das políticas sociais ao chamado
terceiro setor”. Em outras palavras, observa-se, nos anos 1990, cada vez mais o
terceiro setor assumindo situações educativas. As ações educativas foram tomando
9
conta de ONGs, associações públicas e privadas e instituições não escolares que
tinham apelo educacional, dentre outras, como veremos futuramente.
Seção 2 - Os espaços da educação não escolar
Compreendido um pouco da conceituação que define a educação ou a
pedagogia em espaços escolares, não escolares ou informais, vista na seção
anterior, precisamos, neste momento, entender melhor onde a educação não escolar
se constitui e como faz isso na atualidade, buscando saber, também, qual o seu
impacto sobre aspectos sociais, políticos e culturais, além do quanto esses aspectos
também interferem nos próprios modos de organizar esses cenários não formais.
Também é preciso considerar como a sociedade enxerga esse tipo de educação e
seus contextos de aprendizagem e dela se valem para adquirir conhecimentos.
Dessa forma, partimos do princípio de que encontrar um modelo de educação
completamente puro de educação formal e outro, também completamente puro, de
educação não formal é praticamente impossível, já que os processos de
aprendizagens se encontram o tempo todo em todos os contextos sociais que os
homens vivenciam e interagem. Ainda assim, fazemos o esforço de refletir sobre
eles, tentando separar esses momentos para compreender cada um com mais
atenção e propriedade. É um esforço metodológico e teórico importante porque nos
permite atuar de maneira mais assertiva em cada situação que envolve
aprendizagem de indivíduos e coletivos. Então, tentamos visualizar as partes para
compreender o todo educacional.
Embora pensemos separadamente e esses contextos também aconteçam de forma
independente, sabemos que são complementares, ou seja, o ser humano mobiliza
todo o seu conhecimento e as suas aprendizagens acumuladas em todos os seus
processos de aprender, em qualquer situação, seja ela na educação formal, na não
formal ou em sua rotina. Isso, em determinadas situações, acontece de forma mais
intencional e pensada, e em outras, de forma mais livre e informal. Poderíamos dizer
que é quase um processo natural, mas como estamos falando de seres humanos e
suas escolhas, é importante lembrar que os condicionantes sociais, culturais e
individuais a todo momento interferem e definem esses processos, sejam mais livres
ou mais direcionados.
Em nosso contexto atual, cada vez mais buscamos na educação formal desenvolver
o ser humano para que seja capaz de ter boas habilidades e competências para
viver, interagir e modificar as diferentes situações e desafios. Se antigamente o foco
da aprendizagem estava em acumular conhecimento, por meio de conteúdos vastos,
hoje nos preocupamos mais em como mobilizar esses conteúdos para vivenciar as
nossas situações. Não significa que acúmulo de conhecimento se tornou algo
irrelevante atualmente e nem que anteriormente só se aprendia conteúdo sem
aplicação. Significa apenas que, com a rapidez dos acontecimentos sociais, temos
que ser mais ágeis em mobilizar nossos conhecimentos para vivenciar as situações,
10
tomar decisões mais depressa e desenvolver habilidades sociais, emocionais e
profissionais.
E na educação não formal? Nela, o desenvolvimento de habilidades e competências
também se faz presente e necessário. Conforme Bonatto, Costa e Schirmer ([s. d.])
“a [educação] não formal valoriza o ‘aprender a ser’ e ocorre através de uma visão
holística do ser humano, na qual se prioriza a aprendizagem ao longo da vida.” (p. 3
e 4). Além disso,
[…] uma Educação não formal em ambientes diversos, precisa promover
novas formas de aprendizagem, estabelecer uma relação com a
comunidade e a cidade em que está inserida, tornando a aprendizagem
dos sujeitos de fato significativa. Lança se assim o desafio de educar se
na, com e para a cidade.
BONATTO; COSTA; SCHIMER, [s. d.]]
Podemos observar a importância de processos educativos não formais para o
atendimento a algumas questões da sociedade, seja para o bem comum e público,
seja para o bem comum privado.
Exemplificando
A respeito da educação não formal atender a necessidades que se
apresentam na sociedade, podemos exemplificar como aquelas que auxiliam o bem
comum e público:
● Investimentos em projetos sociais de valorização e promoção da cultura e da
cidadania.
● Projetos educativos ambientais.
● Projetos que incentivam a capacitação e a profissionalização de classes
sociais menos favorecidas e com poucas oportunidades.
● Projetos envolvendo planejamento financeiro e de consumo.
● Projetos de conscientização política; dentre tantas outras iniciativas.
Todos esses projetos voltados para a comunidade em geral tendem a melhorar a
qualidade da vida das pessoas e trazer bons retornos sociais
Sobre projetos de bem comum, mas privados, podemos citar:
11
● Projetos de capacitação interna em empresas,que visem melhorias
profissionais em geral
● Projetos de empresas, porém voltados ao atendimento da população.
● Projetos de saúde para funcionários de empresas, dentre outras inciativas.
Embora sejam de caráter privado, os benefícios aos envolvidos também
sendo revertidos para a sociedade pública, tendo em vista que conhecimento
sempre pode melhorar as relações sociais
Nesse sentido, o olhar para a educação não formal e até o investimento nessa área
devem partir do princípio de que as pessoas são providas de muitas capacidades e
possibilidades a serem desenvolvidas, para se humanizarem cada vez mais, com
retorno a elas próprias e à sociedade. Esse tipo de processo vai além do
aprendizado do conteúdo e envolve emoções, vivências, oportunidades e saberes.
Não é incomum acontecer de pessoas em idade escolar se desenvolverem melhor
em projetos de educação não formal do que formal, tendo em vista um perfil que se
adapta melhor com menos burocracia e sequenciamento de tarefas e aprendizados.
Ao se sentirem mais livres, podem desenvolver algumas potencialidades mais
facilmente. Isso não quer dizer que esses locais são melhores do que as escolas,
mas que eles podem ajudar bastante na própria escola, sendo complementares ao
desenvolvimento integral dos alunos. A escola, por sua vez, pode ter um olhar atento
a esses espaços e se beneficiar de algumas de suas práticas para propor situações
mais interessantes, complementando seus currículos e formação. Percebemos
claramente que o lugar da educação é na escola, mas também fora da escola, e que
os espaços podem e devem ser complementares, a depender de seus objetivos
pedagógicos.
Pensando nos espaços não formais, precisamos considerar os profissionais que
neles atuam e a sua formação ou base de atuação, para nos ajudar a refletir melhor
sobre qual é o cenário desse tipo de educação na sociedade contemporânea.
Silva e Perrude (2013), por exemplo, explicam que esses espaços recebem
profissionais de todas as áreas, além do pedagogo. Alguns não apresentam
formação inicial ou contato com informações da base de sua atuação. Outras vezes
essas pessoas têm uma formação diversificada, como em Artes Visuais, Geografia,
Educação Física, Ciências Sociais, Psicologia ou Artes Cênicas, dentre outras
tantas. Isso significa que esses espaços exigem perfis de profissionais variados,
12
mas também que os cursos de Pedagogia tendem a negligenciar, de certa forma,
essa área não escolar, deixando de oferecer uma fundamentação e formação
mínima de atuação, quando, na verdade, deveriam investir um pouco mais nessa
preparação, oferecendo possibilidades para o pedagogo (ou o licenciado) ser uma
figura importante nesses espaços, inclusive oferecendo apoio aos outros
profissionais. Ainda em relação ao assunto as autoras explicam:
Quando se trata de projetos desenvolvidos pelo poder público,
inicialmente estes contavam também com educadores leigos, mas, na
maioria das vezes, os projetos foram sendo repensados e a contratação
de educadores com uma formação adequada para o tipo de atividade
começou a acontecer. Já no caso das ações desenvolvidas por
organizações não governamentais, há um misto entre educadores leigos e outros
com formação adequada para a atividade, com destaque à atuação de voluntários.
SILVA; PERRUDE, 2013, p. 52
As autoras também tocam em pontos importantes sobre especificidades do
trabalho em espaços não escolares e que essa atuação precisa estar embasada.
Esses profissionais, em outras palavras, precisam ter algumas referências, como:
● Conhecer a realidade da comunidade que atenderão.
● Delimitar e seguir objetivos pedagógicos.
● Verificar as necessidades do público atendido, especificamente voltadas a
processos educativos.
● Explicitar nas suas ações os seus objetivos e princípios, tornando-os claros
nos processos com os participantes.
● Trazer seu público à participação, envolvendo as pessoas nos processos,
visando à cidadania como finalidade maior.
● Conseguir desenvolver o trabalho não apenas com a comunidade, mas
também em parceria com outras iniciativas e instituições, em uma relação de
comunidade maior e de sociedade.
● Eleger uma questão clara a ser trabalhada com a comunidade ou pessoas
atendidas. A formação do pedagogo e de pessoas envolvidas nos processos
educativos precisa considerar esses pontos, oferecendo instrumental apropriado
para as melhores práticas e intervenções.
Vale ressaltar o papel central do pedagogo em todos esses processos porque é ele
uma espécie de “dono” deles, uma vez que o seu interesse maior (e de nenhuma
outra área ou ciência) é a educação e tudo o que a envolve, ou seja, a pedagogia é
a ciência da educação. Assim nos baseamos em Libâneo (2011, p. 140,141):
Pode-se entender, assim, que a ciência pedagógica pode postular a si
ramos de estudo próprios dedicados aos vários âmbitos da prática
educativa […]. O fenômeno educativo requer, efetivamente, uma
abordagem pluridisciplinar. O que se defende aqui é a peculiaridade da
13
Pedagogia de responsabilizar-se pela reflexão problematizadora e unificadora dos
problemas educativos.
Ao considerar que seja necessário manter uma base de fundamentação para
atuação em espaços não formais e não escolares e pensando que esse tipo de
local, situação ou espaço também tenha objetivos que interessam a sociedade, seu
desenvolvimento e sua melhoria, para inclusive, solucionarmos problemas coletivo, é
preciso partir do pressuposto de que
[…] a construção de relações sociais baseadas em princípios de
igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social,
fortalece o exercício da cidadania. A transmissão de informação e
formação política e sociocultural é uma meta na educação não formal.
Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em
oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo etc.
GOHN, 2006, p.30
Os resultados das ações nos espaços não formais poderão ser muitos, como os
postulados por Gohn (2006): conscientização e organização das ações de coletivos;
reconstrução de concepções de mundo; favorecimento do sentimento de identidade
de uma comunidade; formação do indivíduo para a vida e para as adversidades que
ela traz; resgate do sentimento de valorização própria e da autoestima;
reconhecimento de si na sua própria prática cotidiana.
Assimile
Gohn (2013) assinala como algumas das características da educação não formal,
assim como questões que faltam para ela:
● O aprendizado das diferenças. Aprende-se a conviver com demais. Socializa-
se o respeito mútuo;
● Adaptação do grupo a diferentes culturas, reconhecimento dos indivíduos e
do papel do outro, trabalha o “estranhamento”;
● Construção da identidade coletiva de um grupo;
● Balizamento de regras éticas relativas às condutas aceitáveis socialmente.
O que falta na educação não formal:
● Formação específica a educadores a partir da definição de seu papel e as
atividades a realizar;
● Definição mais clara de funções e objetivos da educação não formal;
14
● Sistematização das metodologias utilizadas no trabalho cotidiano;
● Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho
que vem sendo realizado;
● Construção de instrumentos metodológicos de avaliação e análise do trabalho
realizado;
● Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho
de egressos que participaram de programas de educação não formal;
● Criação de metodologias e indicadores para estudo e análise de trabalhos da
Educação não formal em campos não sistematizados. Aprendizado gerado por atos
de vontade do receptor tais como a aprendizagem via Internet, para aprender
música, tocar um instrumento etc.;
● Mapeamento das formas de educação não formal na auto aprendizagem dos
cidadãos (principalmente jovens). (GOHN, 2013, p. 31)
Por fim, podemos dizer, então, que compreender um pouco das bases que
sustentam a pedagogia e as práticas pedagógicas não escolares ou não formais
dará segurança ao pedagogo para conduzir os processos educativos implícitos e
explícitos nesses espaços, mas não só. Eleserá capaz, também, de gerenciar
equipes multidisciplinares no objetivo comum traçado por aquele espaço, projeto ou
iniciativa.
Seção 3 - A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR
Compreendendo que práticas pedagógicas podem ser tomadas como práticas
sociais, ou seja, práticas que só acontecem por meio da interação social em
contextos e comunidades, consideramos que ensinar e aprender são processos
humanos criativos, nos quais as pessoas aprendem e ensinam umas às outras e
que novos conhecimentos surgem dessas interações. Ou seja, ensinar não é
transferir puramente conhecimentos e aprender não é absorver puramente
conhecimentos, mas, enquanto se ensina, também se aprende e, enquanto se
aprende, também se ensina. Nas práticas sociais os indivíduos aprendem e ensinam
e, nas práticas pedagógicas, os ensinamentos e aprendizagem têm objetivos
específicos, sistematizados, orientados, organizados e intencionais, completamente
direcionados a aprendizagens preconcebidas.
No âmbito das práticas pedagógicas, portanto, temos como fundamento as teorias
educacionais, que junto com as práticas orientadas visam aos objetivos específicos,
para que haja resultados de aprendizagem esperados. Ou seja, o conjunto de ideias
sistematizadas, consagradas, confirmadas cientificamente embasam as práticas
pedagógicas intencionais.
15
Como no campo das práticas pedagógicas partimos desse conjunto de
conhecimentos e fundamentos, somos respaldados pela Didática, que nos dá o que
precisamos para encontrarmos os melhores caminhos de se oferecer boas situações
de aprendizagem e ensinamento. Não cabe, neste momento, discorrer sobre a
Didática, mas recorremos a ela para relembrar algumas de suas clássicas
perguntas, que tanto permeiam, acompanham e orientam a Pedagogia: educação
para quê? Para quem? Como? Quais saberes são necessários? Quais caminhos
oferecer para se aprender o que é necessário? Quem são os sujeitos do processo?
Do que precisam? O que queremos desenvolver nas pessoas e o que elas próprias
querem desenvolver em si mesmas? Tantas outras perguntas podem ser feitas para
que as melhores práticas e a melhor Didática sejam encontradas.
As respostas para essas perguntas podem variar de acordo com o contexto em que
as fazemos, se na educação formal ou não formal, sem em determinadas
comunidades ou regiões, se em determinados períodos. Na educação não formal
isso pode variar consideravelmente, pois as possibilidades de aprendizagem não
têm limites ou referências contadas. Mas, conforme Severo (2015), é preciso ter
cuidado para se evitar respostas demasiadamente pragmáticas, apressadas ou
tecnicistas ao se referir à didática e às práticas pedagógicas de ensino quando
estamos lidando com a educação de espaços não escolares, para evitar, também,
preconceitos e rótulos assistencialistas. É preciso cuidado tanto ao escolher as
perguntas quanto a procurar pelas respostas, tendo em vista o contexto de cada
espaço não formal que se tem como referência.
Responder a essas perguntas com cuidado, análise e sistematização ajudará a
definir a qualidade dos processos educativos e dos resultados desses processos,
porque “são essas respostas que explicitam os valores e princípios de uma
concepção de educação” presente em um espaço não escolar. (SEVERO, 2015, p.
566).
Saber que existem possíveis respostas considerando diferentes contextos, contribui
para confirmar que a educação não é neutra. Além de não ser neutra, ela é política,
como já diziam os filósofos da antiguidade. É política e não neutra porque as
pessoas escolhem e elegem quais conhecimentos colocar nos espaços, para que se
aprenda. As escolhas não são aleatórias. Elas servem a algum propósito, a alguma
intenção, o que vale para conhecimentos comumente considerados universais ou
clássicos. Eles só são considerados universais ou clássicos porque assim se
escolheu considerá-los.
Saber disso implica termos em mente que todas as práticas pedagógicas em
espaços escolares e não escolares estão condicionadas aos seus contextos e às
escolhas pedagógicas que se faz. Todas elas, de uma maneira ou de outra, servem
a objetivos específicos, sejam completamente ou parcialmente explícitos.
16
As definições e escolhas mudam ao longo do tempo e assim o é no nosso século
XXI, especialmente no contexto em que vivemos, no qual as formatações
pedagógicas vão se modificando para se adequarem a novas formas de aprender e
de ensinar. Elas são, todo o tempo, reconfiguradas, para permitir novos significados.
Severo (2015), baseado em Beillerot (1985), explica que do século passado para o
atual fomos vivendo em uma espécie de economia de conhecimento, seja em meios
e dispositivos educativos formais, seja em meios não formais. Fala-se, portanto, em
uma sociedade pedagógica, envolta por esses dispositivos educativos que
permeiam todos os contextos formais e não formais, pois o tempo todo envolvem
conhecimentos e informações que formam e informam. Sendo assim:
As economias de conhecimento consistem em uma metáfora relativa à
circunstância de investimento na produção, no acúmulo e no uso de
saberes-fazeres implicada em processos sociais diversificados que não
se limitam às instituições e aos contextos historicamente orientados e
interessados pela socialização e aplicação desses recursos, como a escola, a
família, a religião etc.
SEVERO, 2015, p. 564
Em outras palavras, conhecimentos podem ser adquiridos, também, em contextos
não escolares, e isso acontece cada vez mais, em uma velocidade quase
inalcançável, o que não deve implicar desvalorização da escola, da sua função e de
seus processos. Contextos não escolares estão, nesse sentido, mais relacionados
ao paradigma de aprendizagem ao longo de toda a vida e de necessidades
emergentes para a sociabilidade e para o trabalho, por exemplo. Se a educação
formal pode ter uma data para finalizar, a não formal pode ser para toda a vida. E
assim:
Considerando a noção de educação ao longo de toda a vida, propõe-se a
ideia de que as divisões tradicionais de tempos e espaços para educar e
educar-se devem ser superadas por meio da adoção de um paradigma
dinâmico de educação, tida como um processo que acompanha a vida
das pessoas, preparando-as para o seu exercício social, e como
instrumento de potencialização de qualidades que lhes permitam maior bem-estar
global. Esse paradigma se concretiza por meio de práticas educativas abertas,
plurais e contextualizadas, em que a cultura e a experiência vivida pelo sujeito sejam
a base para a construção de saberes e atitudes críticas e criativas.
SEVERO, 2015, p. 566
A educação não formal está a todo tempo se ajustando aos contextos, sendo flexível
e permeável para que atenda às necessidades imediatas, circunstanciais e que
podem mudar a qualquer momento. Mas ela também complementa os saberes
prolongados, mais enraizados e que perduram, aqueles que comumente estão nos
currículos escolares. É importante ressaltar que não estamos afirmando que
conhecimentos mais dinâmicos estão apenas nos espaços não escolares. A escola
17
também se responsabiliza por esses conhecimentos, só que precisa fazer isso de
forma mais relacionada com os saberes curriculares formais.
Nesse sentido, podemos listar uma série de contextos não formais de práticas
pedagógicas mais flexíveis, mas que são voltadas a aprendizagens diversas, como
educação de adultos, educação para o trabalho e para a formação ocupacional,
educação para o ócio, “animação sociocultural, educação em grupos com
especificidades sociais especiais, educação ambiental, cívica, sanitária, pedagogia
hospitalar, educação sexual, física, artística, para a manutenção do patrimônio
cultural, educação em valores” (SEVERO, 2015, p. 567), brinquedotecas, ONGs,
projetos sociais/práticas socioeducativas, projetos educativos para exilados e
refugiados, educação corporativa, aprendizagem organizacional etc.
Nesses locais, o conhecimento pedagógico pode, deve e é aplicado baseado em
ideias pedagogicamente sistematizadas, por meio da fundamentação e da reflexão
direcionada e organizada emprincípios e leis, para que se intervenha nas realidades
e para que as práticas sociais desses espaços sejam convertidas em práticas
pedagógicas, práticas que são fundamentadas pela ciência, para a educação
humana e para o desenvolvimento social.
Assimile
Esse ponto de vista reforça o sentido orientador das práticas educativas
configurado na pedagogia e valoriza a ação dos profissionais que
aplicam e constroem conhecimentos pedagógicos nos diversos
contextos e cenários da educação escolar e não escolar. Igualmente,
nega a perspectiva que identifica prática educativa sumariamente com
prática pedagógica, ignorando a diferenciação que se estabelece entre elas. Esses
tipos de prática constituem momentos de um mesmo processo, que é o processo
formativo decorrente da necessidade de socialização da cultura e dos fins
socioeducativos. Concebe-se que toda prática pedagógica é, em si mesma, uma
prática educativa, mas a relação de correspondência inversa significaria, de acordo
com o ponto de vista adotado neste trabalho, um erro categorial.
As práticas educativas se tornam pedagógicas quando passam a ser objeto de ação
e reflexão no âmbito da pedagogia. Em termos homônimos, a ação e a reflexão
pedagógica concretizam os objetivos educacionais mediante práticas organizadas
sistematicamente desde sua concepção até seu estágio avaliativo.
(SEVERO, 2015, p. 572)
O que chamamos de pedagógico neste momento tem o sentido de mediador
da prática educativa, ou seja, é ele o conjunto de saberes pedagógicos, ideias
educacionais, ciência da educação que dá a direção e o sentido aos processos que
envolvem práticas educativas e práticas pedagógicas. Isso acontece em espaços
escolares e não escolares, em que há intencionalidade pedagógica, transformada,
por sua vez, em ações pedagógicas. Mas para
18
[…] transpor uma prática educativa não escolar ao terreno das práticas
pedagógicas, torna-se necessário, inicialmente, o reconhecimento crítico
das condições que organizam os contextos nos quais essa prática
emerge, bem como a compreensão das intencionalidades explícitas e
implícitas que dão sustentação aos seus objetivos. Diante disso, os
agentes pedagógicos estabelecem, em sua práxis e em diálogo com as
circunstâncias contextuais, os sentidos que reconfigurarão aquelas intencionalidades
por meio da constituição de objetivos que estruturam a ação formativa.
SEVERO, 2015, p. 573
Exemplificando
Um pedagogo que atuar pela primeira vez em um espaço não escolar, como um
hospital, precisa, antes de planejar quais e como serão suas práticas pedagógicas,
estudar o seu contexto, buscando conhecer com quem vai interagir, quais as
necessidades daquele ambiente, que subsídios precisa procurar para levar
atividades que favoreçam os processos de aprendizagem e que deem bons
resultados.
Mas se estamos partindo do pressuposto de que precisamos tratar os
espaços não escolares de aprendizagem com base nos pressupostos da pedagogia,
das práticas pedagógicas e de seus fundamentos, precisamos também considerar a
necessidade de institucionalizar as práticas em espaços não escolares nos sistemas
educativos, para que haja algum tipo de regulação ou diretrizes mínimas que
garantam qualidade de aprendizados e de resultados. Contudo, fazer isso demanda
cuidado, para que não se perca justamente aquilo que é parte da essência desses
contextos: o aprendizado desburocratizado e focado em necessidades específicas.
Regulação não pode ser sinônimo de burocracia e amarras.
Por último, vale ressaltar que quando falamos em práticas pedagógicas, seja em
espaços escolares ou não escolares, também precisamos considerar uma questão
específica do fazer pedagógico que são as metodologias de ensino para a
aprendizagem. Segundo Gohn (2006), nos espaços de educação não formal:
Há metodologias, em suma, que precisam ser desenvolvidas,
codificadas, ainda que com alto grau de provisoriedade pois o
dinamismo, a mudança, o movimento da realidade segundo o desenrolar
dos acontecimentos, são as marcas que singularizam a educação não
formal.
GOHN, 2006, p. 32
Para qualquer que seja o caminho metodológico que se adota, é preciso,
mais uma vez, considerar os indivíduos do processo, ou seja, os educadores e
educandos, os mediadores, os apoios, dentre outros envolvidos. As suas visões de
mundo, os seus projetos, os seus anseios e os seus conhecimentos acumulados
serão o ponto de partida e o de chagada de qualquer prática pedagógica que vise ao
19
desenvolvimento contextualizado e que ultrapasse as expectativas, indo além do
minimamente projetado.
Unidade 2
Seção 1 - A CIDADE COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM
A ideia de que a cidade pode ser intencionalmente um espaço educador
tomou forma no começo dos anos 1990, com o primeiro Congresso Internacional
das Cidades Educadoras que se realizou em Barcelona, Espanha. Todas as cidades
que participaram do congresso assinaram uma carta inicial que continha os
princípios considerados essenciais para que as cidades se tornassem verdadeiras
cidades educadoras. A carta foi revista em congressos posteriores acontecidos em
1994 e em 2004, visando adaptar o conteúdo aos novos desafios e às necessidades
sociais que emergiram nesses anos.
O ponto de partida dos princípios contidos na carta é que não se pode esperar que o
desenvolvimento dos habitantes das cidades aconteça de maneira espontânea. Pelo
contrário, as cidades pactuaram trabalhar juntas em projetos e atividades para
garantir que a cidades se transformem em um espaço de cultura e de
desenvolvimento da cidadania.
Os princípios da Carta das Cidades Educadoras são 20 e neste momento se
apresentam de maneira resumida:
1. Todos os habitantes da cidade terão o direito de desfrutar, de maneira livre e
igualitária, os meios e oportunidades de formação, entretenimento e
desenvolvimento pessoal que ela lhes oferece.
2. A cidade promoverá a educação na diversidade visando à compreensão, à
cooperação solidária internacional e à paz no mundo.
3. A cidade educadora encorajará o diálogo entre gerações.
4. As políticas de caráter educativo desenvolvidas pelo município devem ser
compreendidas no seu contexto e estar inspiradas na justiça social, no civismo
democrático e na qualidade de vida.
5. Os municípios exercerão de maneira eficaz as competências que lhes cabem
em matéria de educação.
6. Aqueles que sejam responsáveis pela condução das políticas municipais
deverão dispor de informação clara e específica a respeito da situação e das
necessidades de seus habitantes.
7. A cidade encontrará, preservará e apresentará sua própria identidade.
8. O crescimento e transformação de uma cidade buscarão sempre harmonizar
as novas necessidades e a conservação das construções e símbolos que foram
referências no passado.
9. A cidade fomentará a participação cidadã crítica e corresponsável.
20
10. As prefeituras deverão assegurar aos seus cidadãos o acesso a espaços,
equipamentos e serviços públicos adequados para o seu desenvolvimento,
prestando especial atenção à infância e juventude.
11. A cidade garantirá a qualidade de vida de todos seus habitantes.
12. O projeto educador da cidade será objeto de reflexão e de participação de
seus habitantes.
13. O governo municipal avaliará o impacto de todas as ofertas e realidades com
as quais os jovens e crianças têm contato sem qualquer intermediário.
14. A cidade providenciará oportunidades para que as famílias recebam uma
formação que possibilite a seus filhos crescerem e aprenderem a cidade, em um
espírito de respeito mútuo.
15. A cidade possibilitará que seus habitantes ocupem um lugar na sociedade,
providenciando conselhos relativos à sua orientação pessoal e profissional e
estimulará sua participação em atividades sociais.
16. As cidades estarão cientes dos mecanismos de exclusão e marginalização
que as afetam e atuarão visando desenvolver as necessárias políticas de ação
afirmativa.
17. Embora as intervenções orientadas a resolver a desigualdade possam ter
múltiplas formas, elas deverão ter como ponto de partida a visão global da pessoa.
18. A cidadeincentivará o associativismo como modo de participação e
responsabilidade cívica.
19. As prefeituras disponibilizarão informação suficiente e compreensível, além
de encorajar seus habitantes a se manterem informados.
20. A cidade educadora oferecerá a todos os habitantes formação relativa aos
valores e práticas da cidadania democrática (CENPEC, 2006, p. 158-159).
Esses 20 princípios colocam em primeiro plano a defesa do direito, de todos os
habitantes urbanos, a uma cidade educadora. Tal direito é uma extensão do direito
fundamental à educação, ressaltando a importância de fusionar os espaços e
momentos da educação formal com o potencial formativo da cidade (CENPEC,
2006). Podemos ver, assim, que os princípios da cidade educadora assignam novos
papéis e posições para a escola.
Segundo Gadotti (2005), quando se percebe a cidade como espaço de cultura, é
possível entendê-la como um agente que educa a escola enquanto esta última se
transforma em “palco do espetáculo da vida, educando a cidade em uma troca de
saberes e de competências” (GADOTTI, 2005, p. 5). Quando uma cidade decide se
transformar em cidade educadora toda a comunidade escolar pode começar a
integrar as ruas, as praças, os teatros, as bibliotecas, as árvores e toda a vida da
cidade. Assim, a escola deixa de ser um lugar abstrato e separado da vida urbana
para se transformar em um novo espaço de construção de cidadania (GADOTTI,
2006).
21
Assimile
O direito a uma cidade educadora está estreitamente ligado ao direito à educação
em espaços não formais. Isso é assim porque ele se refere à possibilidade de
humanizar os espaços e os tempos da vida urbana. Por sua vez, os habitantes
poderão exercer seu direito a uma cidade educadora, reapropriando-se dos tempos
e espaços da cidade, dando-lhes características e materialidades que refletem seus
próprios interesses e culturas. Assim, o direito à cidade educadora pode ser
formulado como um direito à vida urbana transformada e renovada (MEDEIROS,
2010, p. 215).
É fácil perceber que os princípios contidos na carta das cidades educadoras estão
orientados a superar a visão da cidade como um lugar inseguro que só representa
perigos para seus habitantes, cuja única alternativa é ficar isolados no âmbito
doméstico (MORAES, 2006). Nessa direção, mais do que ser uma categoria
meramente descritiva, a noção de cidade educadora incorpora muitos conteúdos
desiderativos, projetivos e utópicos. Mais do que servirem para dizer “essa cidade é
educadora” ou “essa cidade não é educadora”, a noção serve para expressar
desejos sobre como pode ser a cidade que sonhamos e como queremos que ela
eduque seus habitantes. Desse modo, a ideia de cidade educadora serve de
“paradigma para ajuizar a capacidade ou potência educativa da cidade, através da
educação formal, da educação informal e da educação não formal (AIETA; ZUIN,
2012, p. 196).
Nessa direção, mais do que ser uma categoria meramente descritiva, a noção de
cidade educadora incorpora muitos conteúdos desiderativos, projetivos e utópicos.
Mais do que servirem para dizer “essa cidade é educadora” ou “essa cidade não é
educadora”, a noção serve para expressar desejos sobre como pode ser a cidade
que sonhamos e como queremos que ela eduque seus habitantes.
Desse modo, a ideia de cidade educadora serve de “paradigma para ajuizar a
capacidade ou potência educativa da cidade, através da educação formal, da
educação informal e da educação não formal (AIETA; ZUIN, 2012, p. 196).
Todas as cidades que assinaram a carta das cidades educadoras constituem, na
atualidade a Associação Internacional de Cidades Educadoras. Várias cidades
brasileiras fazem parte da associação, entre elas Belo Horizonte, Caxias do Sul,
Cuiabá, Pilar, Porto Alegre, Piracicaba, Alvorada, Campo Novo do Parecis, Santos,
São Bernardo do Campo, São Carlos, São Paulo, Sorocaba.
Neste ponto, é claro que a noção de cidade educadora apresenta múltiplas
implicações para pensarmos a cidade como espaço de aprendizagem. Neste texto,
discutiremos três das mais relevantes: a educação integral, a educação para a
cidadania e a educação para a inclusão, a participação e a emancipação.
22
A PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL
Todos nós cotidianamente vivenciamos o fato de que, na atualidade, precisamos ter
uma formação que nos permita nos adaptar, de maneira crítica, para que possamos
participar ativamente dos desafios e das possibilidades que os processos
econômicos e sociais globalizados nos oferecem. Precisamos “intervir, a partir do
mundo local, na complexidade mundial” (CENPEC, 2006, p. 157). Perante esse
cenário, todas nossas cidades dispõem de múltiplas possibilidades educadoras
capazes de fazer importantes aportes à nossa formação integral.
Toda cidade é um sistema complexo e, simultaneamente, é um agente educativo
plural e permanente. Uma verdadeira cidade educadora está permanentemente
comprometida em formar seus habitantes nos mais diversos aspectos ao longo da
vida (CENPEC, 2006).
A contribuição da cidade para a educação integral de todas as pessoas que nela
moram passa, em primeiro lugar, por organizar, sistematizar e aprofundar o
conhecimento informal que adquirimos dela de maneira espontânea na nossa vida
cotidiana. A cidade colabora para nossa formação integral quando nos oferece
oportunidades para aprender a lê-la como um sistema dinâmico em contínua
evolução, oferecendo, por exemplo, espaços para refletir sobre o nosso passado ou
sobre a importância das árvores para nosso conforto e atividades diárias.
Em segundo lugar, a cidade favorece a formação integral de seus habitantes quando
nos ensina a conviver e a interagir com os outros, compartilhando, de maneira
harmoniosa, os espaços públicos da cidade.
Em terceiro lugar, a cidade é um território de aprendizagem no sentido de que nos
fornece as habilidades mínimas para circular pela cidade e ditar os direitos e
deveres enquanto cidadãos usuários da cidade (MEDEIROS, 2010).
A cidade educadora nos proporciona ricas oportunidades de aprendizagem ao
encorajar o diálogo entre gerações, convidando-nos a criar projetos comuns com
pessoas de idades diferentes de maneira a combinar “a experiência dos adultos, a
sabedoria dos velhos, a curiosidade da infância, a força de vida da juventude”
(MORAES, 2006, p. 85). Ademais, ao promover a educação para a saúde e as
práticas de desenvolvimento sustentável, as cidades educadoras também
contribuem para nossa formação integral.
Fica claro, então, o importante papel que cabe ao governo municipal: garantir a
educação integral de todos seus habitantes. Ele deverá oferecer espaços,
equipamentos e serviços públicos adequados para que adultos, jovens, crianças e
idosos possam se desenvolver pessoal, moral e culturalmente. Além disso, as
políticas públicas orientadas a tornar a cidade educadora deverão ser de caráter
transversal, abarcando não somente as modalidades da educação formal, mas
também as oportunidades de educação não formal e informal, aproveitando as
23
diversas manifestações culturais (festas típicas, desfiles), fontes de informação
(revistas e periódicos locais, rádios, páginas web) e meios de descoberta da
realidade (museus, passeios e jardins) que se produzam na cidade (CENPEC,
2006).
Na perspectiva das cidades educadoras, a educação integral transcende os espaços
instituídos formalmente e resgata, para os espaços não formais, a qualificação de
educadores (MORAES, 2006). A cidade se transforma “num espaço de formação
ético-política de pessoas que se querem bem e, por isso, têm legitimidade para
transformar a vida da cidade” (GADOTTI, 2005, p. 8).
A CIDADE EDUCANDO PARA A CIDADANIA
Na atualidade, vamos nos tornando “cidadãos do mundo” sem que muitos dos
nossos países de origem tenham atingido uma democracia eficaz e satisfatória, por
meio da qual nossos direitos e padrões culturais e sociais sejam respeitados. As
cidades educadoras têm um importante papel nesse complexo cenário, permitindo a
exploração e a consolidação da cidadania democrática e promovendo para todos a
convivência de maneirapacífica, com valores éticos e cívicos comuns. As cidades
podem, então, educar para a cidadania. Essa dimensão educadora das cidades é
particularmente importante quando pensamos nas crianças que nelas moram. Elas
se tornam cidadãs exercendo sua cidadania desde a infância. Assim, desde muito
pequenas, elas precisam participar da construção de sua própria vida e fazer parte
das decisões a respeito das temáticas relacionadas com a sua cidade.
ASSIMILE
Para refletir acerca do significado da educação para a cidadania e o papel na cidade
nela, antes é necessário ter clareza sobre o que é cidadania.
Segundo Gadotti (2006), cidadania é ter consciência dos nossos direitos e deveres,
assim como do exercício da democracia. Desse modo, é importante destacar que
cidadania e democracia são dois conceitos interdependentes, ou seja, um não existe
sem o outro.
Diversas dimensões – fortemente interdependentes – constituem a cidadania plena:
● Cidadania política: direito de participação em uma comunidade política.
● Cidadania social: que compreende a justiça como exigência ética da
sociedade de bem viver.
● Cidadania econômica: participação na gestão e nos lucros da empresa,
transformação produtiva com equidade.
● Cidadania civil: afirmação de valores cívicos como liberdade, igualdade,
respeito ativo, solidariedade, diálogo.
24
● Cidadania intercultural: afirmação da interculturalidade como projeto ético e
político frente ao etnocentrismo (GADOTTI, 2006, p. 134).
Essa cidadania plena se manifesta, por exemplo, quando, como cidadãos, podemos
participar diretamente na gestão da vida pública, discutindo o orçamento ou as
políticas habitacionais da cidade.
Com base nessa conceitualização de cidadania, podemos dizer que é tarefa das
cidades educadoras oferecer a seus habitantes formação em relação aos valores e
às práticas da cidadania democrática para que aprendam a conviver no respeito, na
tolerância, na participação, na responsabilidade e no interesse pelos aspectos
públicos do espaço que habitam (CENPEC, 2006).
Todas essas ideias podem parecer grandes noções abstratas, mas o importante é
não esquecer que elas devem se concretizar em situações corriqueiras e
particulares, tais como ter o direito de refletir e participar da criação de programas
educativos e culturais na cidade ou descobrir um projeto educativo nas festas
organizadas por nossas comunidades ou nas campanhas que a cidade prepara.
COMO FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COM PERSPECTIVA
CRÍTICA E CORRESPONSÁVEL?
Para fomentar a participação cidadã com perspectiva crítica e corresponsável, as
prefeituras devem oferecer informações e estimular a discussão do projeto educativo
da cidade, por meio das instituições e organizações sociais e civis públicas e
privadas. Nessa direção, é importante que o governo municipal encoraje a discussão
sobre as manifestações que organiza, sobre as campanhas e os projetos que
desenvolve e sobre os valores que sustentam cada um deles.
Ademais, o associativismo deverá ser fomentado como um modo de analisar as
intervenções na comunidade, assim como para a participação nos processos de
tomada de decisões e gestão. As associações filantrópicas, de pais e mestres, de
consumidores, de classes profissionais, de produtores, culturais, desportivas e
sociais, entre outras, são excelentes espaços para exercer a cidadania influenciando
as decisões governamentais e para obter e difundir materiais e ideias com o
potencial de contribuir com o desenvolvimento social, moral e cultural das pessoas.
EDUCAÇÃO PARA A INCLUSÃO, PARTICIPAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
Nossas cidades estão se tornando cada dia mais diversas. Em um trajeto de ônibus,
um passeio no parque ou em uma ida ao cinema, é cada vez mais comum encontrar
pessoas pertencentes a diversos grupos culturais que passam a conviver na cidade.
Considerando que provavelmente essa diversidade aumentará ainda mais no futuro,
um dos desafios que uma cidade que quer se tornar verdadeiramente educadora
25
deve enfrentar é a promoção de um equilíbrio que respeite a diversidade, que
consiga recuperar as contribuições de cada uma das comunidades que a integram,
que permita que seus membros sintam sua identidade cultural reconhecida e,
finalmente, consiga integrar essa diversidade em uma identidade urbana. É fácil ver
que esse não é um desafio menor, e as cidades devem investir muitos esforços para
conseguir avançar nessa direção.
Podemos dizer, então, que uma cidade que educa destina todas suas energias a
estabelecer canais de participação, por intermédio dos quais os indivíduos e as
comunidades que dela fazem parte possam assumir, nas suas mãos, o controle da
cidade (GADOTTI, 2005).
Por sua vez, o planejamento urbano da cidade precisa considerar cuidadosamente
como uma mudança no ambiente urbano repercute no desenvolvimento dos
indivíduos, da comunidade e na integração de suas aspirações pessoais. Pense, por
exemplo, em um bairro organizado ao redor de uma grande estação de ônibus. Ao
longo do tempo, a vida comercial vem se organizando para atender às demandas do
público que transita pela estação (com lanchonetes, restaurantes e outros
estabelecimentos). O que aconteceria se a prefeitura decidisse desativar a estação
de ônibus e trasladá-la a outro ponto da cidade? Com certeza os vizinhos do bairro
veriam a sua vida mudar, o que traria repercussões tanto negativas como positivas.
Uma cidade educadora estabelece canais para que os interesses de todas as
pessoas possam ser considerados.
Assegurar a participação de todos e todas na vida da cidade supõe, também,
desenvolver políticas de inclusão que eliminem as barreiras culturais e físicas
impeditivas do exercício do direito à igualdade. Toda pessoa que já guiou uma
cadeira de rodas, um carrinho de bebê ou utilizou bengala sabe da enorme diferença
que faz para sua vida poder contar com calçadas cuidadas e rampas de acesso.
A noção de cidade educadora se assenta, ademais, em uma concepção
emancipadora de cidade. Seus cidadãos prestam atenção ao diferente e ao portador
de direitos especiais. A cidade educa para a diversidade, para a compreensão e
para a cooperação, combatendo toda forma de discriminação. Isso significa
implementar mecanismos que garantam a liberdade de expressão e o diálogo
cultural em condições de igualdade. Isso ocorre quando imaginamos como
gostaríamos que nossa cidade acolhesse os recém-chegados, imigrantes ou
refugiados, e como fazemos para que sintam que a cidade também é deles.
A seguinte citação de Gadotti (2005) descreve, de maneira um tanto sombria, um
possível futuro para as grandes cidades:
A cidade, sobretudo a grande metrópole, está chegando ao limite do
suportável (violência, estresse, desemprego, falta de habitação, de
transporte, de saneamento…) e não tem outra alternativa hoje a não ser
se transformar radicalmente em “novas cidades”, em cidades
26
educadoras. Caso contrário, as cidades estarão caminhando rapidamente para se
transformarem em espaços de extermínio, sobretudo dos jovens.
(GADOTTI, 2005, p. 8).
PEDAGOGIA DA CIDADE
Evocando as palavras de Paulo Freire, Gadotti (2005) nos lembra que nosso
primeiro livro de leitura é o mundo. Quando vinculamos essa ideia com a nossa vida
na cidade, percebemos que precisamos de uma pedagogia que nos ajude a “ler” a
nossa cidade. Na vida cotidiana, temos nos acostumado a ignorar certas coisas que
acontecem ao nosso redor para não ter que nos comprometer com elas,
simplesmente porque nos sentimos impotentes perante elas. Muitas vezes, durante
o caminho ao trabalho ou à escola, desviamos nosso olhar do mendigo, da criança
no semáforo, das casas precárias no morro da favela. Desse modo, tornamos
invisíveis muitos habitantes da nossa cidade (GADOTTI, 2005).
A noção de pedagogia da cidade vem justamente tentar quebrar essa invisibilização
e para nos ensinar a olhar e a descobrir a cidade, aprendendo com ela, dela e
aprendendo a conviver com ela.
A pedagogia da cidade revela, então, que a cidade é o espaço das diferenças:
econômicas, culturais, sociais, de orientaçãosexual e religiosas, entre outras. A
pedagogia da cidade nos mostra que muitas dessas diferenças não são deficiências,
mas riquezas e, portanto, podemos aprender muito com elas. Por sua vez, também
nos alerta a respeito da necessidade de imaginar maneiras de superar aquelas
diferenças que trazem exclusão e marginalização de grandes grupos ou
comunidades que habitam na cidade.
Para poder aprender a ler a cidade, observando todos os seus espaços, é
necessário nos locomover por ela, caminhando por suas ruas. Isso nos permitirá
descobrir os espaços onde as pessoas se encontram, os usos que elas fazem dos
espaços públicos e, o mais importante, tecer histórias pessoais em cada um de seus
cantos, de modo que, no futuro, possamos evocar cada vez que passamos por eles:
essa é a praça em que eu brincava com a minha sobrinha, essa é a rua onde ficava
minha escola, essa é a lanchonete onde costumava almoçar antes de ir para o meu
primeiro trabalho.
Ao caminhar pela cidade temos a possibilidade de vivê-la em sua complexidade e
animação e, simultaneamente, nos tornamos cidadãos. Para isso, precisamos de
uma educação cidadã para o trânsito e a mobilidade, assim como de mapas e guias
que nos revelem não só a localização geográfica de certos pontos de interesse, mas
também a localização dos pontos culturais nos quais podemos ver a vida da cidade.
Quando percebemos que a cidade nos pertence, passamos a enxergar que somos
participantes da sua construção e reconstrução permanente. Assim, toda vez que
27
atravessamos a rua pela senda de pedestres, que jogamos o lixo na lixeira, que
ajudamos um idoso a carregar a sacola das compras, estamos cumprindo um
importante papel na reconstrução da nossa cidade como um lugar mais amigável e
prazeroso.
Uma pedagogia da cidade supõe, então, aprender na cidade, da cidade e a cidade.
Vejamos isso com maior detalhe. A expressão “aprender na cidade” considera o
espaço urbano como um contexto de acontecimentos educativos. Assim, ela acolhe,
mistura e aglutina as mais diversas oportunidades educativas: escolas, centros de
educação no tempo livre, educadores da rua, educação familiar e toda uma rede
cívica, cultural e comercial que provê recursos que contribuem com a nossa
formação. Aprendemos na cidade porque ela conta com uma teia educativa que
mistura a educação formal com a não formal, reunindo instituições estritamente
pedagógicas com situações educativas ocasionais (TRILLA, 1999).
A expressão “aprender da cidade” entende que a cidade é um agente e meio
informal de educação. A cidade é o resultado da reunião, em um espaço reduzido,
de muitas pessoas e elementos culturais. Essa proximidade permite a comunicação,
o cruzamento, a criatividade e a aquisição de informações. Portanto, o meio urbano
é “um emissor cambiante e diverso de informações e culturas. É, também, uma
densa rede de relações humanas que podem devir socializadoras e educativas”
(TRILLA, 1999, p. 14)
Por sua vez, a expressão “aprender a cidade” compreende a cidade em si mesma
como um conteúdo educativo. O conhecimento informal que o próprio meio urbano
gera é, por sua vez, conhecimento sobre ele mesmo. Aprendemos a cidade quando
aprendemos a utilizar seus sistemas de transporte, a localizar onde estão os
comércios mais convenientes para cada um de nós e a utilizar os recursos urbanos
que permitem ocupar nossos tempos de ócio, por exemplo.
A pedagogia da cidade também entende a cidade como o espaço da cultura e da
educação. Portanto, ela se esforça por empoderar educacionalmente muitos dos
equipamentos culturais da cidade. Nessa direção, ela reconhece que existem muitas
energias sociais adormecidas que poderiam ser altamente potencializadas se as
dotássemos de um potencial educativo. Pensemos, por exemplo, nos cemitérios.
Esses espaços públicos são geralmente imaginados pelos habitantes como lugares
que é melhor evitar. Mas o que aconteceria se os pensássemos como espaços
educativos? O que os cemitérios poderiam nos ensinar a respeito da nossa própria
história e sobre a história da cidade? A ideia pode parecer estranha, mas muitas
cidades, entre elas Paris e São Paulo, promovem ricos programas educativos que
funcionam em seus cemitérios.
28
Seção 2 - AS POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM ALÉM DOS
MUROS DA ESCOLA
CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO ALÉM DOS MUROS DA
ESCOLA
Para explorar as possibilidades de aprendizagem além dos muros da
escola é necessário começar delineando algumas das características da
educação em espaços não escolares. Já sabemos que a educação não
formal abarca um amplo leque de processos educativos que, apesar de
suas múltiplas diferenças, compartilham algumas características. Dentre
elas podemos mencionar que eles apresentam:
● Programas flexíveis em termos de conteúdo, espaços,
agrupamentos, temporalidade etc.
● Programas que se adaptam ao contexto cultural dos seus
destinatários.
● Conteúdos relevantes para atender os problemas, necessidades,
interesses e aspirações dos seus participantes.
● Situações de aprendizagem conectadas com a vida real dos
participantes, de modo a capacitá-los, ajudá-los a buscar soluções para
seus problemas e melhorar suas condições de vida (GOMEZ, 2004).
EXEMPLO DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: OFICINA DE EDUCAÇÃO
FINANCEIRA
Para compreender o impacto dessas características nas aprendizagens
desenvolvidas nos espaços de educação não formal, pensemos no seguinte
exemplo: uma oficina de educação financeira para donas de casa oferecida em um
centro comunitário de um bairro de periferia.
Essas oficinas podem ter um grau de flexibilidade em relação ao conteúdo a tratar –
se todas as participantes estiverem interessadas em aprender a utilizar o cartão de
crédito de maneira responsável, é possível que essa temática ocupe boa parte das
discussões. Em termos de espaço e temporalidade, as oficinas podem ser
ministradas em diversas salas ou horários para adaptar-se às necessidades das
participantes. Em termos de agrupamentos, é possível que algumas das suas
participantes já tenham feito outras oficinas sobre a temática previamente ou que
algumas participem de poucas reuniões.
Essa flexibilidade reflete a intenção de adaptar-se ao contexto cultural das suas
destinatárias: seria ingênuo – e muito pouco efetivo – planejar uma oficina centrada
29
nas diversas possibilidades de investimento na bolsa de valores, enquanto os
problemas financeiros das participantes são de natureza muito diferente.
Uma oficina com foco na educação para o consumo, na organização do orçamento
familiar e em estratégias de endividamento realistas com certeza proporcionaria
conteúdo muito relevante, que ajudaria as donas de casa com seus problemas reais,
capacitando-as a procurar soluções para organizar sua vida financeira e, assim,
melhorar suas condições de vida.
Esse exemplo nos mostra que a educação além dos muros da escola pode trazer
ricas oportunidades para o desenvolvimento de atitudes críticas, solidárias e que
contribuam para o enfrentamento dos problemas da vida cotidiana – tanto em âmbito
familiar como no social e produtivo – e que ajudem a satisfazer às necessidades
formativas dos coletivos aos quais se dirigem (GOMEZ, 2004).
Segundo Gohn (2006), os processos educativos não formais acontecem em
territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e dos indivíduos, e sua
finalidade é “abrir janelas de conhecimento a respeito do mundo que circunda os
indivíduos e suas relações sociais” (GOHN, 2006, p. 29). A mesma autora destaca
que a educação não formal contribui para o desenvolvimento da autoestima e o
empoderamento do grupo. Voltando para nosso exemplo, pensemos no grande
potencial transformador que pode ter para essas mulheres o conhecimento de
estratégias básicas para lidar com as economias dos seus lares, nas possibilidades
de se projetarem no futuro livres de dívidas e conseguindo atingir seus sonhos com
uma programação financeira realista.
A educação não formal parte da problematização da vida cotidiana e dos temas que
se colocam como necessidades e desafios de determinadogrupo.
Assim como na escola, a educação formal também produz saberes, mas
estes são criados com o compartilhamento de experiências, da reflexão e do
cruzamento entre os saberes herdados e os saberes novos adquiridos (GOHN,
2014). A educação além dos muros da escola é mais do que uma estrutura
simbólica edificada ou corporificada em uma instituição, é um processo de
aprendizagem que ocorre via diálogo tematizado (GOHN, 2014). Dessa concepção
se segue que o que se vai aprender dependerá da qualidade das relações e
interações ali desenvolvidas.
Para continuar avançando é necessário retomar um conceito fundamental em
nossas discussões. Se queremos delimitar quais são as oportunidades de
aprendizagem oferecidas pela educação não escolar, precisamos refletir sobre o que
é aprendizagem. Essa noção é complexa e tem sido conceitualizada de maneiras
diversas por muitos educadores. Sem a pretensão de cobrir esse extenso debate, as
palavras de Gohn (2014, p. 39) nos trazem uma perspectiva da aprendizagem
particularmente fértil quando queremos estudar a educação não formal:
30
[…] aprendizagem como sendo um processo de formação humana,
criativo e de aquisição de saberes e certas habilidades que não se limitam
ao adestramento de procedimentos contidos em normas instrucionais […]
Certamente que em alguns casos há a incorporação ou a necessidade de
desenvolver alguma habilidade ou grau de "instrumentalidade técnica",
não como principal objetivo e nem o fim último do processo. E mais do que isso: o
conteúdo apreendido nunca é exatamente o mesmo do transmitido por algum ser ou
meio/instrumento tecnológico porque os indivíduos reelaboram o que recebem
segundo sua cultura.
Podemos concluir que os processos educativos não formais têm
potencialidade para desenvolver aprendizagens orientados:
● À participação política dos indivíduos enquanto cidadãos.
● Ao desenvolvimento de habilidades que capacite os indivíduos para o mundo
do trabalho.
● À organização na perseguição de objetivos comunitários procurando
solucionar problemas cotidianos.
● À leitura do mundo e do que acontece ao seu redor.
● Ao desenvolvimento de perspectivas críticas sobre a educação desenvolvida
na mídia e pela mídia (GOHN, 2014, p. 40-41).
O exemplo da oficina de educação financeira traz todas essas aprendizagens para o
primeiro plano. Contar com um conhecimento básico do nosso sistema financeiro é,
sem dúvida, uma aprendizagem que permitirá a essas donas de casa ler o mundo e
ter uma visão crítica das inúmeras publicidades de instituições bancárias que
oferecem créditos que parecem ser muito vantajosos, mas que escondem taxas de
juros impossíveis de serem pagas. Por sua vez, a participação na oficina pode
encorajar as participantes a se organizarem de maneira comunitária, tanto para
solicitar empréstimos como para realizar compras, o que, ademais, reflete na sua
participação política enquanto cidadãs. Por fim, esses conhecimentos podem
ajudá-las a negociar melhores condições de trabalho, assim como a estar mais bem
preparadas para se inserir profissionalmente.
REDES DE APRENDIZAGEM COLABORATIVA
Os processos de aprendizagem não escolar oferecem ricas oportunidades para
gerar aprendizagens significativas para os seus participantes, além de fortemente
vinculadas à vida pessoal e aos interesses de cada um. Desse modo, descobrimos
que além dos muros da escola existem espaços com um alto potencial educativo. A
seguir, vamos refletir sobre como tais espaços podem articular-se entre si e com os
processos escolares, de maneira a contribuir com a formação integral dos
indivíduos.
31
Podemos começar dizendo que o reconhecimento de que existem processos
educativos que ultrapassam os espaços formais escolares não leva à desvalorização
da escola nem à sua desqualificação. Pelo contrário, esse reconhecimento nos
permite relocalizar a escola como um dos múltiplos agentes educativos que
influenciam a formação dos indivíduos. Isso significa não esquecer que a escola é a
instituição educativa mais importante que temos conseguido desenvolver até o
momento, portanto para qualquer projeto educativo de relevância teremos que
contar com a escola. Por outro lado, essa relocalização exige que a escola se abra a
seu contexto, visto que é lá onde ela encontrará referentes reais dos conteúdos que
deve transmitir, entornos de experiência direta e oportunidades para se envolver em
processos sociais reais (TRILLA, 2005).
Dada essa perspectiva, é possível pensar em diversas maneiras em que a educação
escolar e a não escolar podem interagir. Gomez (2004) propõe as seguintes
possibilidades de interação:
● Relações de suplência. Neste caso, uma das modalidades assume tarefas
que são, ou deveriam ser assumidas pela outra modalidade. Por exemplo, as aulas
de reforço ministradas no centro comunitário são espaços de educação não formal
que tentam suprir parte das obrigações que a escola não conseguiu garantir. Isso
também ocorre no sentido contrário, ou seja, às vezes as famílias esperam que
sejam as escolas as encarregadas por desenvolver conteúdos que ultrapassam suas
funções, tais como a educação para a tolerância ou a educação sexual.
● Relações de substituição. Existem casos nos quais a educação não formal
substitui a escola, por exemplo, com adultos que não tiveram acesso à escola na
infância, populações geograficamente dispersas e população carcerária.
● Relações de interferência. Nesses casos, as modalidades formais e não
formais oferecem mensagens educativamente contrárias.
● Relações de complementariedade de funções, objetivos e conteúdo. Nesses
casos, a escola pode utilizar recursos não formais e integrá-los ao seu trabalho
curricular ou disponibilizar à comunidade seus equipamentos para a realização de
atividades não formais.
É justamente esta última possibilidade de interação entre os processos educativos
formais e não formais – a de complementariedade – que permite o estabelecimento
de verdadeiras redes de aprendizagem colaborativa. Tais redes cobram maior
relevância quando recordamos que a escola, por si só, não pode atender a todas as
necessidades educativas do mundo contemporâneo.
As redes de aprendizagem colaborativa são criadas quando as aprendizagens
formais desenvolvidas dentro da escola são complementadas com aquelas
desenvolvidas com base na participação em práticas educativas não escolares,
potencializando o desenvolvimento pessoal em todas as faixas etárias e garantindo
uma educação permanente que permita ir adaptando os conteúdos às mudanças e
demandas dos próprios indivíduos e dos entornos sociais (GOMEZ, 2005). São
32
essas oportunidades que permitem concretizar uma rede de aprendizagem durante
toda a vida, possibilitando às pessoas se desenvolverem integralmente e
participarem ativamente do mundo laboral, comunitário, cultural e social,
adaptando-se a contínuas mudanças do nosso tempo.
Assim, defendemos que as práticas educativas em espaços não escolares
não devem ser compreendidas simplesmente como ferramentas complementárias,
acessórias ou supletivas, que têm como principal objetivo solucionar os problemas
que a escola não consegue resolver. Favorecer o estabelecimento de redes de
aprendizagem colaborativa envolve assumir que os processos educativos não
formais geram aprendizagem valiosa para a vida social e para o desenvolvimento
dos indivíduos e, portanto, podem contribuir reconectando ou apoiando a passagem
pela educação formal (MORALES, 2009).
Nas redes de aprendizagem colaborativa convergem, de maneira coordenada, os
processos de formação desenvolvidos pelas práticas educativas formais e não
formais, “sendo eles flexíveis o suficiente como para poder dar resposta às
mudanças contínuas que se produzem nas nossas vidas” (GOMEZ, 2004, p. 571).
Conseguir criar essas articulações é, portanto, “um sonho, uma utopia, mas também
uma urgência e uma demanda da sociedade atual” (GOHN, 2006, p. 36).
EXEMPLO DE INTEGRAÇÃO ENTRE PRÁTICAS EDUCATIVAS
FORMAIS E INFORMAIS
Vejamos alguns exemplos de como tais redes de aprendizagem colaborativapodem
concretizar-se, permitindo integrar a comunidade escolar, os alunos, as famílias e os
espaços públicos.
Os alunos de uma escola municipal localizada na zona leste de São Paulo
conseguiram mobilizar a escola e a comunidade do bairro em ações que permitiram
transformar espaços públicos de encontro. Concretamente, eles organizaram a
revitalização de uma escadaria pública e o Clube da Comunidade que se encontrava
abandonado. Para isso, contataram muitos vizinhos até conseguirem os materiais e
a ajuda necessários. Se o projeto tivesse parado por aqui, poderíamos dizer que ele
mostrou como é possível que a escola transforme a comunidade. Mas não foi só
isso. O projeto também envolveu transformações nas práticas escolares, que
permitiram que os alunos aprendessem não só dos professores, mas também de
todos os habitantes do bairro, criando uma verdadeira rede de aprendizagem
colaborativo. Isso foi possível porque a escola decidiu reorganizar a distribuição dos
tempos e a estrutura das suas atividades. Assim, para o desenvolvimento do projeto,
os alunos tiveram que escolher participar de uma de seis oficinas: mosaico do
escadão, pintura do muro do escadão, histórico do bairro, comunicação e
divulgação, lazer e eventos no clube da comunidade e arquitetura e urbanismo.
Cada uma delas permitiu integrar o trabalho disciplinar com as ações na
33
comunidade. Os depoimentos dos alunos participantes do projeto colocam isso de
maneira muito clara: “com as entrevistas com a comunidade aprendemos língua
portuguesa, com o trabalho de arquitetura, trabalhamos com matemática”, “a gente
não está indo ali somente para revitalizar o bairro, mas como uma parceria para o
nosso currículo e para o nosso aprendizado”.
Os espaços escolares também passaram a se articular com os espaços
comunitários, visto que o Clube da Comunidade agora é o cenário das festas típicas
da escola e dispõe de uma sala que é utilizada de maneira contínua pelos alunos da
escola.
APRENDER NOS CENTROS DE CULTURA, NOS CENTROS
CIENTÍFICOS E NOS ESPAÇOS DE CONVIVÊNCIA
Vamos nos dedicar, agora, à reflexão sobre as oportunidades de aprendizagem
fomentadas dentro de espaços particulares presentes em toda cidade: os centros de
cultura, os centros científicos e os centros de convivência. Com isso nos referimos a
museus, observatórios astronômicos, planetários, feiras de ciência, parques,
reservas naturais e outros.
Na atualidade, conseguir que os indivíduos dominem conhecimentos científicos para
poder fazer exercício da sua cidadania é um objetivo central da educação, tanto em
espaços formais como não formais (ELÍAS; AMARAL; ARAÚJO, 2007). Torna-se
cada vez mais importante, então, criar espaços alternativos onde as pessoas de
todas as idades possam compartilhar parte dos avanços científicos e o acervo
histórico e artístico da comunidade, complementando as aprendizagens
desenvolvidas na escola. Os centros científicos e de cultura são espaços
privilegiados para atingir esses objetivos. Dentro deles, é possível divulgar
conhecimentos científicos e artísticos por meio de metodologias, tais como as
exposições e as atividades grupais, que possibilitam o acesso e a troca de
informações relacionadas à ciência, história e arte. As pessoas que visitam esses
espaços de educação não formal podem interagir com monitores e são incentivadas
a questionar, solucionar dúvidas e aprimorar seus conhecimentos. Silva (2007, p. 57)
descreve a visita ao museu como uma experiência global:
A presença de objetos autênticos, a experiência multissensorial (visual,
táctil, auditiva) e vivencial proporcionada por estes e pelo próprio
ambiente em que se inserem, a possibilidade de estabelecer uma
relação material com a sua tridimensionalidade, a possibilidade de
trabalhar, a partir destes mesmos objetos as experiências e motivações
que os visitantes trazem consigo, a ausência de um sistema de aprendizagem e
avaliação formal são fatores que fazem da aprendizagem ocorrida neste espaço
uma realidade única, complexa e enriquecedora.
34
Esses espaços proporcionam, então, oportunidades para que o visitante articule o
patrimônio cultural, científico e/ou social com a vida emocional e a biografia dos
indivíduos.
É fácil notar que as práticas educativas desenvolvidas em cada museu, planetário ou
parque podem fazer parte de redes de aprendizagem colaborativa, complementando
e enriquecendo as práticas escolares. Às vezes, uma exposição é capaz de explicar
mais facilmente como os modelos científicos se aplicam a situações do dia a dia;
uma visita a um parque ecológico é o marco para ressignificar e vivenciar a noção
de ecossistema; a experiência de observar quadros e esculturas permite
compreender a necessidade de distinguir técnicas artísticas.
Seção 3 - EDUCAÇÃO, VIOLÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL
EDUCAÇÃO EM ESPAÇOS DE VULNERABILIDADE SOCIAL
Considerar as práticas educativas e refletir sobre elas em espaços de
vulnerabilidade social requerem, em primeiro lugar, uma análise da noção de
vulnerabilidade social e os seus diversos significados e dimensões. Esse conceito
aborda múltiplas modalidades de desvantagem social, entre as quais podemos
mencionar a violência doméstica, a negligência de cuidados, a evasão escolar, a
falta de afetividade, o uso abusivo de substâncias psicoativas e a pobreza extrema.
Todos esses fatores complexos estão presentes na sociedade contemporânea, e as
crianças, os jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social são aqueles que
vivem negativamente as consequências das desigualdades sociais e dos fatores
macroeconômicos (LOPES; MALFITANO, 2006).
Crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social sofrem de baixa autoestima
e insegurança e vivem em comunidades que oferecem escassas oportunidades para
usufruírem de bens culturais e do patrimônio artístico produzido pela humanidade.
Eles são particularmente vulneráveis à violência, já que muitos deles nasceram e
vivem em contextos nos quais a violência “se naturalizou, banalizou-se, passando a
ser um elemento comum no cotidiano das populações de baixa renda” (CASTRO;
ABRAMOVAY, 2002, p. 157). Um fator que caracteriza as pessoas que vivem nessa
situação é a impossibilidade de modificar a condição precária na qual se
encontram, assim como a dificuldade de escolher ou negar aquilo que lhes é
oferecido (CARRARA, 2016).
Quando assumimos uma perspectiva que conecta a vulnerabilidade social com
processos sociais e culturais mais amplos, tais como a desigualdade e a exclusão
que caracterizam nossas sociedades, é possível compreender que os sujeitos não
são vulneráveis em si, ou seja, a vulnerabilidade não é uma característica que
serve para descrever a essência de uma pessoa ou uma etiqueta que a
35
acompanhará ao longo de toda sua vida. Pelo contrário, as pessoas “podem estar
vulneráveis a alguns agravos e não a outros, sob determinadas condições, em
diferentes momentos das suas vidas” (MEYER et al., 2006, p. 1340, grifo nosso). É
com base nessa perspectiva que dizemos que as pessoas estão em situação de
vulnerabilidade.
Tendo conceitualizado a noção, é fácil perceber que o trabalho educativo com
pessoas em situação de vulnerabilidade apresenta as suas especificidades e coloca
desafios próprios ao pedagogo. Ribeiro (2006, p. 168), de maneira muito acertada,
descreve tais desafios ao afirmar que “o trabalho com essas populações exige uma
nova pedagogia, um novo currículo, conteúdos e métodos adequados às
necessidades dos educandos”. Segundo a autora, o trabalho pedagógico deve
priorizar a integralidade da educação, envolvendo não só os aspectos cognitivos,
mas também os corporais e a sensibilidade, e ter como finalidade principal o resgate
da cidadania dessas pessoas.
Vejamos, com um pouco mais de detalhe, alguns princípios que podem
embasar as práticas educativas orientadas a pessoas em situação de
vulnerabilidade. Nessa direção, vamos considerar os aportes de diversos autores
que contrastam as práticas habituais com aquelas que seriam desejáveis. Segundo
Meyer et al. (2006), muitos projetos educativosorientados a essas populações se
inscrevem em uma lógica que privilegia a transmissão de conhecimento científico
especializado, desvalorizando ou ignorando os saberes e as visões de mundo
produzidas e mantidas pelas crianças e jovens em situação de vulnerabilidade.
Diante disso, para poderem aprender aquilo que o educador quer transmitir, eles
terão de “desaprender” grande parte do aprendido no cotidiano das suas vidas. A
postura que defendemos neste momento e que consideramos mais desejável é
diferente. Ela parte de assumir que as práticas educativas em espaços de
vulnerabilidade social se enquadram em processos educativos mais amplos:
[…] processos pelos quais indivíduos se transformam em sujeitos de
uma cultura, reconhecendo que existem muitas e diferentes instâncias e
instituições sociais envolvidas com esses processos de educar, algumas
delas explicitamente direcionadas para isso, enquanto que em outras
esses processos educativos não são tão explícitos e nem mesmo
intencionais.
(MEYER et al., 2006, p. 1337)
Com base nessa visão mais ampla, os processos educativos orientados a
pessoas em situação de vulnerabilidade social devem estabelecer uma relação
horizontal e dialógica entre o saber técnico-científico e a cultura popular. Isso
supõe que, do diálogo entre os saberes científicos e populares, é possível produzir
um conhecimento ampliado voltado para a transformação da realidade de vida da
população. Educador e educando são considerados, ambos, sujeitos de
conhecimento. Juntos, desvelarão o mundo que os rodeia, comprometendo-se com
a sua transformação. Essa perspectiva valoriza os conhecimentos construídos nas
36
vivências cotidianas e nas diversidades culturais e relativiza a importância – tantas
vezes hegemônica – do saber formal e acadêmico. Assume-se, assim, que “os
saberes empíricos da população são construídos e elaborados a partir de suas
experiências concretas da vida e são diversos das vivências do educador”
(BORGES; BARBOSA, 2013, p. 604).
Será com base no estabelecimento de relações de confiança, de integração e
cooperação, que pessoas ou grupos com experiências, interesses, desejos e
motivações diversas poderão desenvolver ações educativas dialógicas baseadas em
metodologias participativas e no reconhecimento e acolhimento das dimensões
sociais, econômicas, culturais e subjetivas que compõem suas vidas.
Para imaginar estratégias educativas que contribuam para a transformação
das condições de vida das pessoas em situação de vulnerabilidade, é necessário
que nós, educadores, aprendamos a dialogar com os múltiplos aspectos que dão
forma às crenças, aos hábitos e aos comportamentos dessas pessoas (BORGES;
BARBOSA, 2013). A intervenção no próprio território em que habitam as pessoas
em situação de vulnerabilidade – as ruas, as favelas, as praças, etc. – possibilita o
acolhimento, a escuta e o encaminhamento das suas demandas, e emerge como
uma estratégia pedagógica que permite ir tecendo redes pessoais e sociais de
proteção e suporte (LOPES; MALFITANO, 2006).
EXEMPLO DE EDUCAÇÃO EM ESPAÇOS DE VULNERABILIDADE
SOCIAL
O projeto Rotas Recriadas, implementado de maneira conjunta entre diversas ONGs
e o Conselho Municipal de Direito da Criança e do Adolescente – Campinas-SP,
permite exemplificar muitas das ideias apresentadas até este momento. O projeto
desenvolveu ações para combater a problemática da violência sexual infanto-juvenil
em bairros onde existem indícios de exploração sexual. Desse modo, ele se orientou
a crianças e jovens que estavam em extrema situação de vulnerabilidade social,
sendo, muitas delas, captadas pelas redes de prostituição estabelecidas na cidade.
O projeto foi de natureza intersetorial e interdisciplinar, contando com vários eixos
que procuravam constituir uma rede integral de proteção e cuidado dessa
população.
O eixo “Cuidar” visava oferecer cuidados em saúde, principalmente saúde mental
das crianças e jovens participantes. O seu objetivo era, assim, criar vínculos que
auxiliassem na produção conjunta e participativa de novos projetos individuais que
pudessem ser traduzidos em novas rotas ou percursos de vida.
O eixo “Prevenir” tinha como meta a implantação de centros de convivência
localizados nas rotas em que existem indícios de exploração sexual. Esses centros
ofereceram atividades culturais e esportivas para crianças e adolescentes. Uma das
oficinas desenvolvidas pelo projeto foi a de fotografia que, em um primeiro momento,
possibilitou que os participantes tirassem fotos livres, de maneira a aproximar-se e
familiarizar-se com o equipamento. Em uma segunda instância, foi proposta a
37
realização de fotografias temáticas que compuseram uma exposição final do
trabalho na Secretaria de Cultura do Município. Ademais, cada participante teve a
oportunidade de escolher fotos para si, levando-as para sua casa como um dos seus
produtos.
O TRABALHO COM ADOLESCENTES E JOVENS INFRATORES
No Brasil, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade são, na atualidade,
uma parcela significativa da população juvenil envolvida no cometimento de atos
infracionais. Esses jovens estão expostos a múltiplas vulnerabilidades, tais como
problemas familiares – manifestados em situações de violência doméstica ou
abandono familiar –, problemas de saúde física e mental – vinculados ao uso
abusivo de drogas ou déficit de aprendizagem e evasão escolar –, conflitos
comunitários, problemas econômicos e envolvimento com grupos criminosos.
Cada uma dessas experiências contribui para o processo de socialização dos
adolescentes em situação de vulnerabilidade e são fatores atrelados ao
cometimento de atos infracionais. (CARNEIRO, 2012). Por sua vez, muitos dos
jovens em conflito com a lei desenvolveram relações tensas e ambíguas com a
escola. Muitos deles enxergam a escola em perspectiva unicamente utilitarista – “ir à
escola é necessário para conseguir um emprego” –, mas não conseguem
compreendê-la como um espaço relevante para sua formação pessoal, cultural,
política ou social. Isso estaria associado, principalmente, à falta de sentido daquilo
que se aprende na escola – “aquilo que aprendo na escola não me serve na minha
vida cotidiana” – e a dificuldade da escola para lidar e acolher esses jovens. Para
muitos deles, a escola não garante a mobilidade social que tanto almejam (AGUIAR,
2018).
Essa breve descrição dos problemas que enfrentam os jovens e adolescentes
infratores já coloca em destaque a importância e os desafios que se colocam no
desenvolvimento de práticas educativas orientadas para essa população.
Em termos legais e institucionais, as medidas educativas desenvolvidas com jovens
em conflito com a lei estão pautadas no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), aprovado em 1990, e organizam-se pelo Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE).
Tal como o seu nome indica, as práticas educativas nesses contextos adquirem a
denominação “socioeducativas”, o que destaca seu caráter integral, intersetorial e o
compromisso das famílias, da sociedade e do Estado para assegurar os direitos das
crianças e dos adolescentes (AGUIAR, 2018), objetivando o rompimento da relação
daqueles com o ato infracional.
Quando um jovem se envolve em um ato infracional, o ECA estabelece diversas
medidas socioeducativas que serão aplicadas segundo a gravidade do ato e as
possíveis reincidências. Dentre elas estão:
38
● advertência;
● obrigação de reparar o dano;
● prestação de serviços à comunidade;
● liberdade assistida;
● semiliberdade;
● internação
Perante essas medidas surgem vários pontos importantes a considerar. Em primeiro
lugar, cada uma delas está subordinada aos princípios de brevidade e
excepcionalidade, ou seja, o objetivo não é que o jovem permaneça longos
períodos sujeito a essas medidas nem que elas se transformem em uma
caraterística corriqueira da sua vida. Em segundo lugar, a ação socioeducativa
deve prevalecer sobre os aspectos meramente sancionatórios. Isso significa
que, embora as medidas estabeleçam a desaprovação da conduta infracional e
procuremresponsabilizar o adolescente em relação às consequências dos seus
atos, a medida imposta a ele não procura somente punir ou sancionar o jovem. Pelo
contrário,
O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas
que contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão
autônomo e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo,
com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir
na prática de atos infracionais. Ele deve desenvolver a capacidade de
tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações relacionadas ao
interesse próprio e ao bem-comum, aprendendo com a experiência acumulada
individual e social, potencializando sua competência pessoal, relacional, cognitiva e
produtiva
(BRASIL, 2006, p. 46)
Desse modo, as práticas socioeducativas orientadas ao trabalho com jovens e
adolescentes infratores devem desenvolver a promoção pessoal e social de maneira
integrada, oferecendo atividades pedagógicas, de lazer, esportivas e
profissionalizantes, de maneira a formar sujeitos que possam enfrentar os desafios
da vida em liberdade.
Desse modo, a socioeducação visa ao desenvolvimento de um padrão de
sociabilidade ético e saudável que permita aos jovens romperem com os ciclos de
violência que têm vivenciado historicamente (CARNEIRO, 2012).
Assim, os processos socioeducativos devem atender a três grandes eixos
inter-relacionados:
1. Escolarização dos jovens.
2. Profissionalização dos jovens.
3. Estímulo à convivência familiar e comunitária.
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Fica evidente, então, que tais práticas deverão ser de natureza interdisciplinar,
transversal e intersetorial.
EXEMPLO DE AÇÃO SOCIOEDUCATIVA
O projeto TV Degase é desenvolvido em parceria entre a Secretaria Estadual de
Educação do Rio de Janeiro e o Departamento Geral de Ações Socioeducativas
(Degase). Ele oferece capacitação na área audiovisual (filmagem, edição de
vídeos, roteirização, reportagens e entrevistas) a adolescentes que cumprem
medida socioeducativa de internação no Degase. A criação da TV Degase
possibilitou que jovens em situação de privação de liberdade pudessem expressar
como eles próprios se veem diante de suas habilidades, gostos e sonhos, como a
sociedade olha para eles, quais são as suas preocupações e interesses.
Por meio das oficinas, esses jovens criam material audiovisual que é disponibilizado
nas redes sociais com o objetivo de ampliar a voz tanto daqueles que estão reclusos
quanto daqueles que são egressos da instituição. Para elaborar a programação, os
jovens participam de dois encontros semanais presenciais. Além de ganhar
visibilidade e voz nas redes sociais, o projeto contribui para aumentar a interação
dos jovens com as suas famílias e a ampliar suas perspectivas.
Uma integrante do projeto descreve sua experiência com as seguintes palavras:
“Quando eu ainda não conhecia o projeto eu só pensava em um jeito de fugir
daquele lugar. Após conhecer e começar a participar, minha única vontade era
continuar. Encontrei uma forma de me sentir útil pra sociedade, mostrando que eu
posso, sim, ser melhor do que o erro que cometi”.
O TRABALHO COM CRIANÇAS E JOVENS DE RUA
As crianças e os jovens em situação de rua estão expostos a múltiplos riscos e
situações geradoras de estresse. Eles devem testar constantemente suas
habilidades emocionais, sociais e cognitivas, pois as adversidades da rua lhes
exigem que desenvolvam estratégias de adaptação e de resistência ao risco à
segurança e à sobrevivência. Apesar de passar grande parte do seu dia nas ruas,
muitos deles mantêm algum tipo de vínculo com as suas famílias e, em alguns
períodos da vida, participaram da rede escolar. Em seu momento, a escola foi
trocada pelos aliciantes da rua ou abandonada pela expulsão (SCHIRÓ; KOLLER;
SANTOS PALUDO, 2009). Apesar de ser um contexto adverso e hostil, nas ruas as
crianças aprendem habilidades de autonomia e responsabilidade. Por exemplo, a
venda de pequenos objetos e outras negociações exigem o desenvolvimento da
habilidade de lidar com o dinheiro, o que se vincula a competências matemáticas
básicas. Com isso, não estamos querendo apontar que a rua é capaz de substituir a
aprendizagem escolar. O que se quer destacar é que a criança e o jovem em
situação de rua são, também, capazes de aprender, são resilientes e estão em
40
desenvolvimento. As práticas educativas orientadas a crianças e jovens de rua
precisam oferecer momentos nos quais eles possam brincar, estudar e,
principalmente, produzir sentidos em relação às suas vivências, procurando o
desenvolvimento de um projeto de vida.
Nas práticas educativas orientadas a essas populações no Brasil, a figura do
educador social de rua ganhou destaque. É um profissional cujo objetivo é construir
vínculos afetivos com as crianças e adolescentes em situação de rua “através de
práticas educativas comprometidas com a transformação da realidade social
excludente” (SCHIRÓ; KOLLER; SANTOS PALUDO, 2009, p. 74). A prática do
educador social de rua tem recebido uma forte influência do pensamento de Paulo
Freire; destaca a construção de diálogos, a reciprocidade e a sensibilidade como
estratégias fecundas a serem empregadas por esse profissional, que desenvolve
sua ação pedagógica na rua, procurando compreender o cotidiano das crianças e
pensando em estratégias de transformação.
Desse modo, o educador social de rua precisa ter competências para trabalhar em
um espaço e tempo que não correspondem aos da educação formal, para propiciar
o “resgate da cidadania dos sujeitos sociais com os quais desenvolve seu trabalho”
(RIBEIRO, 2006, p. 168).
É importante ressaltar que, embora o campo de atuação do educador social de rua
seja a própria rua, ela é o ponto de partida, e não de chegada. Nessa direção, as
práticas do educador social de rua devem estar articuladas com uma rede de apoio
da qual podem participar os sistemas educacionais, as políticas públicas municipais
e as ONGs.
Em lugar de atuar em solidão, o educador social de rua deve estar inserido em um
conjunto de ações e de práticas educativas planejadas para favorecer a passagem
da rua para o sistema escolar formal, assim como para sustentar a permanência da
criança ou jovem nesse sistema.
Nesta seção, temos explorado as características que assumem as práticas
educativas não escolares quando estas se orientam às populações em situação de
vulnerabilidade social. Esse percorrido revela, por um lado, a complexidade do
trabalho do pedagogo nesses ambientes que requer, entre outras coisas, o trabalho
conjunto com outros profissionais para a constituição de redes de proteção que
garantam a educação integral dos sujeitos envolvidos. Por outro lado, as reflexões
colocadas nesta seção sublinham a relevância e a urgência de contar com
pedagogos formados para enfrentar tais desafios.
41
Unidade 3
Seção 1 - ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL
ONGS, CENSE, CREAS, CRAS E BRINQUEDOTECA
Nesta disciplina estamos estudando as muitas possibilidades de atuação do
pedagogo. Esse outro campo de atuação também pode proporcionar experiências
enriquecedoras e ser responsável por grandes transformações na vida das pessoas.
A fim de iniciar esse estudo, vamos ter contato com espaços como ONGs, CRAS e
brinquedotecas, com o intuito de entender, primeiramente, que espaços são esses e,
em seguida, qual a função do pedagogo nesses locais.
Primeiramente é preciso entender que esses espaços que serão vistos a seguir
envolvem a atuação no terceiro setor da sociedade civil, composto por instituições
variadas, como entidades beneficentes, mas que têm como característica comum o
fato de não terem fins lucrativos. Essas entidades geralmente prestam algum serviço
à sociedade e podem receber verbas públicas ou privadas, mas não podem ter lucro
com suas atividades. Seu surgimento está vinculado a uma deficiência do Estado
em prover algum serviço para uma determinada comunidade. Conforme veremos a
seguir, a atuação de entidades como ONGs pode ser muito benéfica, porém pode
carregar também alguns contratempos no que tange à responsabilidadedo Estado
no cumprimento de suas obrigações.
As ONGs são organizações não governamentais que prestam algum serviço para
uma determinada comunidade e podem ter abrangência municipal, estadual ou
federal. Como dito anteriormente, essas associações – conforme indicado no Novo
Código Civil Brasileiro de 2002 – atuam sem fins econômicos e prestam serviços em
áreas diversas como a educação, cultura e assistência social. O que nos interessa
aqui em especial – mas não somente – é verificar a atuação das ONGs que prestam
algum serviço no âmbito educacional.
Como e por que as ONGs surgiram? Ainda que a sigla seja relativamente recente, a
pesquisa nos mostra que a história das ONGs é mais antiga do que se pensa.
42
Machado (2012, p. 3) nos indica que a sigla foi criada na década de 1940, “para
designar entidades não oficiais que recebiam ajuda financeira de órgãos públicos
para executar projetos de interesse social”. No Brasil, a história dessas entidades
começa nos anos 1960 – não necessariamente com esse nome –, durante a
ditadura militar. Nessa época, essas associações, ou centros populares, não tinham
necessariamente a função que têm hoje, até porque a necessidade do momento era
outra. Durante essas décadas, o objetivo principal dessas entidades era o combate à
ditadura e a luta pela redemocratização do país. Machado ainda nos lembra que:
[…] várias das ONGs que emergem após os anos de 1970 possuíam
não só financiamentos internacionais, mas também, “o apoio de alas
progressistas da Igreja Católica, que reviu suas posições quanto à
organização da população para participar de movimentos e mobilizações
conscientizadoras” (GOHN, 2000, p. 12). Esse apoio ocorre, sobretudo,
a partir do movimento inspirado pela Teologia da Libertação e da criação das
Comunidades Eclesiais de Base – CEBs.
(MACHADO, 2012, p. 6)
Como podemos ver, até o final da ditadura militar a luta das ONGs era pela
democracia e pela conscientização da população a respeito da situação política
vigente. O foco de atuação dessas entidades muda após 1985, quando o país entra
em um período democrático e adota como política o neoliberalismo, que prega, de
forma muito resumida, a autorregulação do mercado, o que tem como consequência
a pouca influência do Estado em questões sociais. Essa abordagem capitalista
causa algumas falhas na assistência do Estado às necessidades da população. Vale
lembrar também que o país atravessou um momento de crise econômica gravíssima
após o fim da ditadura, fato que empurrou grande parte da população para a linha da
miséria. Diante desse contexto ocorre um aumento da quantidade de ONGs no país,
que buscavam suprir essas lacunas na assistência à população que sofria com a
pobreza, a fome e o analfabetismo. Uma das ações mais conhecidas nos anos 1990,
mais precisamente a partir do ano de 1993, foi a Ação da Cidadania contra a fome, a
miséria e pela vida, campanha criada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. A
campanha, que teve uma grande repercussão, visava tratar a fome como um
problema social e, nesse sentido, responsabilizava toda a sociedade pela sua
resolução. Podemos entender que a Ação
[…] pode ser considerada um marco na atuação das organizações não
governamentais no Brasil. Seu sucesso impulsionou a criação de
inúmeras ONGs, que passaram cada vez mais a fazer parte do cotidiano
político e social do país. A ideia de cidadania como um processo,
construído a partir da cooperação de cada um para a melhoria da
sociedade se impôs sobre a noção formal de cidadania, restrita à relação entre o
indivíduo e o Estado. A Ação da Cidadania contribuiu para o fortalecimento de uma
sociedade civil que, ainda combalida, se estruturava depois de vinte anos de
autoritarismo militar. Desenvolvendo parcerias entre Estado e sociedade, e
apontando, por meio de práticas sociais criativas, caminhos para o combate à
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miséria e à fome, a “Campanha do Betinho” constituiu-se em exemplo histórico de
conscientização e participação cidadãs.
(PANDOLFI; HEYMANN, 2005, p. 186-187)
Algumas perguntas ainda precisam ser respondidas. Depois de estudar o histórico
das ONGs, cabe analisar a atuação dessas entidades nos últimos anos e verificar o
papel do pedagogo nesse espaço. Atualmente o papel social das ONGs já está
consolidado e boa parte delas atende a muitas pessoas no âmbito nacional.
Podemos citar algumas iniciativas de grande porte como “Amigos do bem”, o
“Instituto Ayrton Senna”, Abrinq e “Todos pela Educação”. Para se ter uma ideia,
segundo dados do IPEA de 2017 (MELO, PEREIRA, ANDRADE, 2019), o Brasil
contava 820 mil organizações da sociedade civil (OSCs). Diante da quantidade de
ONGs existentes e que oferecem um apoio educacional, cabe ressaltar a
necessidade da presença de um pedagogo nesse espaço. Sabemos que o foco da
pedagogia foi, durante muito tempo, a formação de profissionais para atuação nas
escolas, mas esse espaço foi ampliado nos últimos anos para todo aquele em que
haja algum processo educativo.
Dentre as áreas de atuação do pedagogo, podemos apontar, além da docência, a
gestão educacional, o trabalho em empresas e o atendimento em projetos
educacionais, dentre outros. Verificamos, com isso, que as ONGs são um terreno
fértil para o trabalho do pedagogo que garantirá uma articulação entre os saberes e
a preparação desse cidadão para o pleno exercício da cidadania, por meio do
desenvolvimento de projetos educacionais, bem como com a prestação de suporte
pedagógico.
É importante ressaltar que, sendo esse um espaço não escolar, a flexibilidade que
acompanha esse processo pode ser um facilitador do trabalho do pedagogo, que
articula esses saberes tendo em vista a comunidade onde essa ONG está inserida e
o público a que ela atende. Essa ideia reforça as propostas de Paulo Freire em toda
sua obra, que vê o educador como aquele que, em uma relação dialógica, educa e
ao mesmo tempo aprende, sempre com respeito aos saberes do educando.
Você já deve ter notado o quanto o trabalho do pedagogo está associado a questões
sociais, de cidadania e as que envolvem pessoas em situação de vulnerabilidade,
certo? O espaço não escolar que vamos ver é um pouco diferente dos que já foram
vistos até este momento e lidam com um público que apresenta outras
características e necessidades.
Primeiramente, vamos falar dos espaços conhecidos como CRAS. Os CRAS, de
acordo com a página oficial do Governo Federal, são Centros de Referência da
Assistência Social e oferecem serviços variados aos cidadãos, como a realização do
Cadastro Único, orientação a respeito dos benefícios sociais, fortalecimento da
convivência entre família e comunidade, orientação sobre serviços públicos ou
situações que envolvam violência doméstica. O CRAS ainda é responsável por
auxiliar pessoas em situação de vulnerabilidade social, pessoas com deficiência e
44
crianças retiradas do trabalho infantil, entre outras situações. O pedagogo é peça
fundamental nesse processo, uma vez que contribuirá com seu conhecimento na
integração desse público com a comunidade, fortalecendo, como dito anteriormente,
esse vínculo entre a família e a comunidade. É fascinante perceber o quanto o
trabalho do pedagogo pode contribuir para uma sociedade mais harmônica e justa.
Veremos, então, a atuação do pedagogo em locais onde são atendidos jovens em
conflito com a lei. Esses locais podem receber denominações diferentes,
dependendo do estado onde estão inseridos, mas, de forma geral, podemos dizer
que são Centros de Referência Especializado em Assistência Social. De início,
precisamos entender o que são esses centros e porque eles existem, e sua origem
remonta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela Lei
8.069, de 13 de julho de 1990. Esse estatuto determina regulamentações que
garantem os direitos das crianças e dos adolescentes, tratando de temas que vão
desde os direitos desse grupo etário, passando por questões familiares, como tutela
e adoção, e tratando até de situações em que as crianças e adolescentes comentem
atos infracionais e entram, por isso,em conflito com a lei. Nesse sentido, o ECA vem
para coibir situações extremas que aconteciam no país antes da década de 1990,
quando esse grupo não tinha seus direitos garantidos pela lei. Como desdobramento
do que foi proposto pelo ECA, é criado em 2006 o SINASE – Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo. Esse sistema é fruto
[…] de uma construção coletiva que envolveu nos últimos anos diversas
áreas de governo, representantes de entidades e especialistas na área,
além de uma série de debates protagonizados por operadores do Sistema
de Garantia de Direitos em encontros regionais que cobriram todo o País.
(BRASIL, 2006, p. 13)
Segundo o documento que instituiu o SINASE, sua criação surgiu em função do
debate da sociedade a respeito das atitudes a serem tomadas “no enfrentamento de
situações de violência que envolvem adolescentes enquanto autores de ato
infracional ou vítimas de violação de direitos no cumprimento de medidas
socioeducativas” (BRASIL, 2006, p. 13). Por esse documento, indica-se, por
exemplo, que ao adolescente que cometa um ato infracional sejam aplicadas
medidas preferencialmente em meio aberto, como a prestação de serviço à
comunidade e a liberdade assistida (BRASIL, 2006, p. 14). A lei que institui o
SINASE e regulamenta a execução de medidas socioeducativas foi promulgada em
18 de janeiro de 2012 e, dentre suas determinações, indica que ações a serem
tomadas nesse sentido devem articular áreas como a educação, a saúde e a
preparação para o trabalho. Podemos concluir, então, que mesmo que o
adolescente cometa um ato infracional, a ele é dado o direito à ressocialização,
especialmente por meio da educação. Não nos cabe agora adentrar as
especificidades do Direito, mas sim conhecer esses centros de apoio socioeducativo
e, conforme já mencionado, tratar da função do pedagogo nesse espaço.
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De forma resumida, entende-se que os CREAS são os centros de apoio a indivíduos
e famílias de áreas vulneráveis, geralmente expostos a algum tipo de violência.
Segundo a página oficial do Ministério da Cidadania, é função dos CREAS oferecer
[…] o serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de
Serviços à Comunidade (PSC). A finalidade é prover atenção
socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens
encaminhados pela Vara de Infância e Juventude ou, na ausência desta, pela Vara
Civil correspondente ou Juiz Singular. Também cabe ao CREAS fazer o
acompanhamento do adolescente, contribuindo no trabalho de responsabilização do
ato infracional praticado.
(BRASIL, 2021, [s. p.])
A página oficial do Ministério da Cidadania ainda nos informa que o Serviço de
Medidas Socioeducativas tem uma ligação direta com o SINASE, que vimos
anteriormente, e que por esse motivo deve compor o Plano Municipal de
Atendimento Socioeducativo, cujo objetivo é organizar a rede de atendimento
socioeducativo, aprimorar e monitorar a atuação dos responsáveis pelo atendimento
a adolescentes em conflito com a lei (BRASIL, 2020). Podemos verificar que essas
iniciativas do Governo, em conjunto com estados e municípios, têm como objetivo
garantir os direitos dos cidadãos, conforme explicitado na Constituição Federal de
1988.
Veja como o papel da educação e do pedagogo para a reinserção desse jovem na
sociedade é extremamente relevante. A atuação do pedagogo nos CREAS se
justifica porque esses espaços visam ressocializar os jovens, por meio do
desenvolvimento de atividades educacionais e profissionais que irão ajudá-los nesse
processo.
Já as brinquedotecas são espaço muito lúdicos que podem estar presentes em
diversos lugares. Você conhece a curiosa origem das brinquedotecas? De acordo
com Porto (1998, apud AMARAL et al., 2020), a primeira brinquedoteca surgiu em
1934, em Los Angeles, nos Estados Unidos, em função de roubos que estavam
acontecendo em uma loja de brinquedos. O dono dessa loja queixou-se com o
diretor de uma escola, alegando que as crianças estavam roubando seus produtos.
Esse fato evidenciou a necessidade das crianças por brinquedos e foi criado, então,
um serviço de empréstimos de brinquedos. Essa iniciativa logo se espalhou para
outras partes do mundo e teve sua abrangência ampliada, deixando de ter como
foco apenas o empréstimo de brinquedo, mas tornando-se um espaço terapêutico
para crianças com deficiência. No Brasil, a primeira brinquedoteca foi idealizada pela
educadora Nylse Helena Silva Cunha que, em 1973, implantou o Sistema de Rodízio
de Brinquedos e Materiais Pedagógicos – a Ludoteca, atendendo a uma
necessidade de ajudar crianças com deficiência. Nylse Helena também foi
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responsável pela fundação da Associação Brasileira de Brinquedotecas – A ABBri –
em 1984. A partir daí, as brinquedotecas começaram a se espalhar pelo país,
atendendo aos mais diferentes propósitos, conforme veremos a seguir.
Como futuro pedagogo, você já deve conhecer a importância da ludicidade para o
desenvolvimento das crianças, certo? O brincar se apresenta não só como um
direito, mas é importante para o processo de formação, aprendizagem e
desenvolvimento das crianças (BELTRAME et al., 2013).
É partindo desse pressuposto que vamos verificar o quanto as brinquedotecas
podem ser espaços que proporcionam uma aprendizagem riquíssima para essas
crianças. As brinquedotecas não se restringem aos espaços escolares; sua
presença pode ser notada em lugares tão distintos como centros culturais,
supermercados, shopping centers, hospitais, clínicas hospitalares, odontológicas e,
claro, em escolas. Podemos esquematizar, de forma bem simplificada, os tipos de
brinquedoteca e suas funções conforme quadro a seguir.
Brinquedoteca
comunitária
Comunidades onde não há espaço para o lazer. É
organizada por ONGs ou pela própria comunidade.
Pode, além de emprestar os brinquedos, realizar
atividades lúdicas, oficinas e outras.
Brinquedoteca
hospitalar
Presente em hospitais que atendem a crianças e
adolescentes. Ajuda a amenizar os traumas do processo
de internação.
Brinquedoteca em
shopping centers,
supermercados e lojas
Espaço com atividades de recreação enquanto os pais
fazem compras.
Brinquedoteca em
centros culturais
Promove um intercâmbio cultural entre as crianças e
pode também promover concursos e outros eventos
culturais.
Brinquedoteca para
crianças com
deficiência
Especializada em brinquedos adaptados a algum tipo de
deficiência visual, motora, auditiva ou intelectual.
Brinquedoteca em
clínicas
Tem caráter terapêutico, podendo ter brinquedos e jogos
relacionados ou não com a área de atendimento.
Brinquedoteca escolar Inserida em instituições escolares, com materiais
necessários às atividades pedagógicas e de lazer.
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Brinquedoteca
universitária
Localizada em instituições de ensino superior, favorece
a formação de profissionais que sejam capazes de atuar
em instituições educativas. Envolve o desenvolvimento
de pesquisa a respeito do lúdico no desenvolvimento da
criança.
Além de criar esse espaço, é interessante montar “cantinhos” diversificados dentro
da brinquedoteca. Esses “cantinhos” podem incluir, por exemplo, o canto do faz de
conta, o da leitura, o das invenções ou “sucatoteca”, o canto do teatro ou fantoche, o
canto da oficina, o do playground e o da pintura e desenho.
O pedagogo tem, nesse espaço, uma função primordial. Caberá a ele, entre outras
atividades, contribuir na seleção dos brinquedos que farão parte da brinquedoteca,
considerando o espaço e público-alvo, e ajudar também na elaboração de atividades
lúdicas que contribuam para o desenvolvimento dessas crianças, levando em conta
as diferentes linguagens da infância
PROJETOS SOCIAIS E PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS
Diante de tantas possibilidades de trabalho, você pode ter dúvida em relação a qual
metodologia deve ser adotada pelo pedagogo em espaços não escolares. É bem
verdade que o trabalho em um espaço escolar, feito com base em uma
sistematização dos conteúdos, acaba por ser mais fácil de conduzir, ainda que
saibamos que o trabalho de um professornunca deixa de ser, de certa forma,
artesanal. É preciso que o professor/pedagogo tenha a sensibilidade de trabalhar os
conteúdos com seus alunos a partir de uma perspectiva integradora e isso só é
possível quando consideramos e adaptamos o que tem que ser ensinado à realidade
que temos em sala de aula. O trabalho, por mais que seja planejado passo a passo,
deverá atentar-se ao público-alvo, ao contexto de aprendizagem e à multiplicidade
de características que nossos alunos apresentam. Pensando nisso, o
questionamento que surge é: como trabalhar em um espaço não escolar, no qual a
diversidade de pessoas é muito maior e não há a necessidade de seguir um
currículo predeterminado por instâncias superiores? E mais: como atingir os
objetivos propostos de forma eficiente, para transformar a relação dessas pessoas
com a sociedade por meio da educação?
Em virtude dos desafios complexos desse campo de atuação, podemos recorrer a
uma forma de trabalho que procura orientar as ações a serem tomadas a fim de se
atingir os objetivos desejado. Estamos falando do trabalho por meio de projetos,
proposta que você já deve ter visto em outras disciplinas. Ao longo do curso de
Pedagogia, somos apresentados a várias modalidades organizativas para o trabalho
com determinados conteúdos, e o projeto é um deles. O trabalho com projetos é
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bastante válido porque permite que o professor deixe de ser o centro do ensino e
coloque o aluno como protagonista do seu desenvolvimento. Os projetos funcionam
com todas as disciplinas do currículo e são de grande valia também em espaços não
escolares. Vamos conhecê-los.
Primeiramente, precisamos compreender a definição de projetos, de forma mais
geral para, em seguida, entendermos o que são os projetos sociais e como eles
podem ser conduzidos nos mais diferentes espaços. A palavra projeto vem do latim
projectum, que significa “lançar à frente”, ou seja, ao projetar algo, você tem como
propósito atingir um objetivo no futuro. Uma das características do projeto, que o
diferencia de outras formas de trabalho, é que ele pressupõe um produto. Esse
produto vai variar em função do tipo de projeto que está sendo realizado ou do
objetivo que se tem. Por exemplo, na escola, nas aulas de Português, podemos
elaborar um projeto de estudo do gênero literário poema e, ao final, termos como
resultado um livro de poesias produzido pela turma. Vamos nos concentrar neste
momento em falar dos projetos sociais que podem ser desenvolvidos nos espaços
não escolares os quais estamos estudando nesta seção.
Qual seria, então, a finalidade de um projeto social? Um projeto social ou
socioeducativo é aquele realizado em um grupo diversificado, tanto em relação à
faixa etária quanto em relação aos contextos, e que tem como foco promover, além
da aprendizagem, a melhoria da qualidade de vida daquele grupo. Para alcançar
essa melhoria de vida, o projeto precisa ter suas ações bem definidas e seus
objetivos bem claros. Ele começa com a observação de um problema, para o qual é
preciso encontrar uma solução. A observação, que inclui a “leitura de mundo”,
retomando Freire, é um ponto fundamental do projeto, porque é com base nela que
serão desenvolvidas as outras etapas do projeto.
Os projetos sociais, portanto, conectam a educação e a proteção social ao
oferecerem atividades lúdicas, esportivas e artísticas, podendo – e devendo –
contemplar um público que esteja em uma situação de vulnerabilidade social.
Armani (2004 apud Castaman; Machado, 2020, p. 126) comenta que o projeto social
[…] nasce de uma ideia de um desejo ou interesse de realizar algo,
ideia que toma forma, se estrutura e se expressa através de um esquema
(lógico), o qual, no entanto, é apenas esboço (sempre) provisório, já que
sua implementação exige constante aprendizado e reformulação.
(ARMANI, 2004 apud CASTAMAN; MACHADO, 2020, p. 126)
Ainda de acordo de Castaman e Machado (2020), citando Stephanou (2013), os
projetos sociais têm como objetivo mudar uma realidade e se configuram como
ações estruturadas que tomam como ponto de partida a reflexão o diagnóstico de
um problema, buscando contribuir para a melhoria dessa situação.
O projeto pode ser bastante flexível com relação ao seu tamanho e duração, o que
vai depender da necessidade observada. Há projetos de curta duração e que custam
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pouco para serem executados, da mesma forma que há projetos de longa duração e
que demandam mais recursos para sua execução. Com relação às suas etapas,
podemos ver que o projeto – seja ele social ou de outra natureza – contempla uma
sugestão de ordenação, de acordo com o quadro a seguir.
Elaboração Identificação do problema, definição dos objetivos, programação
das atividades e elaboração da proposta do projeto.
Estruturação Organização da equipe que executará o projeto.
Realização Período em que as atividades propostas serão realizadas e
acompanhadas. Pode ser necessário alterar a programação por
algum imprevisto.
Encerramento Análise de resultados e impactos (ou seu produto), comparando
com o que se pretendia alcançar.
Os projetos sociais buscam, então, aplicar práticas educativas, que visam
favorecer o desenvolvimento da autonomia, fortalecer vínculos sociais e familiares e
prevenir situações de vulnerabilidade e risco social (CASTAMAN; MACHADO, 2020).
A execução dos projetos que têm um impacto social fica a cargo de uma equipe
geralmente diversificada, uma vez que, para seu sucesso, é preciso mobilizar
conhecimentos múltiplos, já que estes quase sempre envolvem situações mais
complexas do que as encontradas em uma sala de aula regular.
Ainda na perspectiva de uma pedagogia bastante voltada para o social, cabe
analisar nesse momento as práticas socioeducativas. O que seriam essas práticas
socioeducativas? De forma geral, elas são ações realizadas pelo terceiro setor, que
conjugam educação e proteção social, sendo ofertadas às crianças e jovens para
que ocupem seu tempo livre e aprendam algo. As práticas que partem dessa
premissa ensejam minimizar os riscos sociais a que esses jovens estão submetidos
e podem atuar como coadjuvantes da educação escolar, tratando de assuntos que
caminham em paralelo às questões escolares, como a alimentação, a higiene, a
recreação e o apoio familiar (ZUCCHETI; MOURA, 2010). As práticas
socioeducativas se configuram como práticas
[…] bastante heterogêneas […] realizadas no interior das organizações
governamentais e não governamentais, que acolhem crianças, jovens,
mulheres, moradores dos bairros de periferias das grandes cidades,
entre outros, e que desenvolvem desde assistência de alívio à pobreza
até práticas de militância, sociabilidade, formação para o trabalho etc.
(ZUCCHETI; MOURA, 2010, p. 11)
Os projetos – ou práticas – socioeducativos são realizados no país desde
meados da década de 1970 e sua história acompanha, de certa forma, a história
assistencialista das ONGs, uma vez que essas práticas podem estar – e geralmente
estão – ligadas ao terceiro setor, conforme mencionado anteriormente. Zucchetti e
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Moura (2010) comentam que naquela época a ênfase do atendimento recaía sobre
as necessidades básicas e na prevenção à marginalização. Hoje, a abrangência
dessas práticas e projetos já se ampliou bastante, estendendo-se, por exemplo, à
formação para o mercado de trabalho.
Para que essas práticas sejam eficazes, é preciso considerar algumas questões. O
sucesso da prática ou do projeto socioeducativo vai depender da observação da
comunidade como um todo, bem como do público-alvo e suas especificidades. A
inobservância desses itens pode afetar a adesão dos grupos ao projeto e impedir
que o objetivo seja alcançado. Dessa forma, é preciso que a motivação para o
projeto não venha apenas de agentes ou fatores externos, mas seja oriunda da
observação dos problemas para os quais se deseja encontrar soluções. Além disso,
é preciso pensar que esses projetos apresentam um viés mais cooperativo, em que
há uma relação mais horizontal entre os participantes, conforme pregava Paulo
Freire, e a troca de conhecimentosé a base de todo o processo. Falamos da forma
como os processos deveriam ser a fim de que o objetivo seja alcançado, mas
sabemos que muitas vezes o projeto que já está em andamento pode se apresentar
de maneira diferente, até mesmo porque ao longo de seu desenvolvimento outras
variáveis não previstas no início podem surgir. É preciso, portanto, exercitar a
habilidade de observar o desenrolar do processo e ser capaz de corrigir as possíveis
falhas que o projeto ou a prática apresente. Isso nos remete ao trecho em que Freire
fala a respeito da formação do educador ser pautada na ação-reflexão-ação:
Mas, se os homens são seres do que fazer é exatamente porque seu
fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na
razão mesma em que o que fazer é práxis, todo fazer do que fazer tem
de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O que fazer é teoria e
prática. É reflexão e ação.
(FREIRE, 1987, p. 77)
A noção de um saber que se constrói e reconstrói precisa acompanhar a
prática de pedagogos em espaços não escolares, não só na elaboração de práticas,
mas também na sua execução, e é necessário um olhar sempre atento àqueles que
se deseja ajudar. Tomemos como exemplo os Parâmetros das Ações
Socioeducativas elaborados pela prefeitura de São Paulo (2007). Nesse documento,
podemos encontrar várias atividades que buscam desenvolver conceitos variados
com o público-alvo, que abrange crianças e adolescentes dos 6 aos 18 anos.
Transcrevemos a seguir um exemplo de prática realizada com adolescentes de 15 a
18 anos. A prática se chama “Cartografia dos territórios da comunidade e da cidade”
e tem como objetivo levar o jovem a refletir a respeito de seu espaço, sua
comunidade, desenvolver competências e oferecer oportunidades de
experimentação.
51
PROJETO EDUCATIVOS PARA EXILADOS E REFUGIADOS
Ao falarmos em ajuda, precisamos estudar um grupo que vem crescendo bastante
ultimamente no país: os refugiados. Ao contrário do que se pensa, os séculos XX e
XXI não se caracterizam pela paz entre as nações, como pode parecer. É verdade
que a forma como se faz guerra atualmente é diferente de outros momentos
históricos, mas é evidente que isso ainda acontece e afeta a muitas pessoas.
Somente no século XX, duas guerras mundiais e vários outros conflitos locais
tiveram impactos imensuráveis na vida das pessoas. De alguns anos para cá,
podemos perceber que os conflitos têm assumido outras configurações – não mais
do clássico embate entre A ou B, mas caracterizados por outros tipos de ameaças.
Essas ameaças podem estar relacionadas a questões religiosas, culturais,
ideológicas, econômicas, dentre várias outras. A maneira como cada nação lida com
seus problemas pode fazer com que as pessoas se sintam ameaçadas de alguma
forma, o que faz com que elas recorram a opções que incluem, por exemplo, a
mudança para outro país em busca de melhores condições de vida. Essas pessoas
que buscam refúgio e auxílio em outros países são chamadas de refugiados. Você
sabe quais direitos esses refugiados têm uma vez que entram no nosso país?
De início é preciso conceituar o termo “refugiado”, para só depois entender quais
são as políticas públicas para esse grupo específico de pessoas e quais projetos
têm sido elaborados e desenvolvidos a fim de ajudar os que aqui chegam em
buscam de socorro. Podemos dizer que refugiados são todos aqueles que foram
Forçados a fugir de seus países de origem em decorrência de conflitos
intra ou interestatais, por motivos étnicos, religiosos, políticos, regimes
repressivos e outras situações de violência e violações de direitos
humanos, essas pessoas cruzam as fronteiras em busca da proteção de
outro Estado, com o objetivo primordial de resguardar suas vidas, liberdades e
seguranças.
(MOREIRA, 2010, p. 111)
Com base nessa perspectiva, podemos perceber o quanto a definição do
termo é abrangente e envolve questões humanitárias de apoio a pessoas em algum
tipo de situação de risco. Essas questões humanitárias impactam diretamente as
relações internacionais, uma vez que envolvem os estrangeiros e seus países de
origem e o país que acolherá essas pessoas. É preciso comentar também o impacto
econômico que é gerado em função da migração dessas pessoas, em especial para
o país que as acolhe. Moreira (2010, p. 112) comenta que a decisão de receber
refugiados considera questões “de segurança, capacidade socioeconômica de
absorção, tradição humanitária e respeito a regimes internacionais”. Nesse
momento, é possível que você esteja com várias questões a respeito do assunto.
Como o Brasil recebe esses refugiados? Quais direitos eles têm ao adentrarem o
solo brasileiro? De que forma o pedagogo posso ajudar essas pessoas?
A princípio, precisamos entender um pouco a respeito do histórico do Brasil com
relação à recepção e ao envio de refugiados para outros países. Sim, o Brasil
52
também já foi um lugar onde os direitos humanos foram desrespeitados, a ponto de
muitas pessoas buscarem exílio em outros países. No âmbito mundial, o tema passa
a ganhar maior destaque após a Segunda Guerra Mundial, quando houve uma
movimentação muito grande de pessoas buscando refúgio em outros países,
principalmente em função dos horrores praticados pelos nazistas contra os judeus.
Ainda durante a Segunda Guerra, em 1 de janeiro de 1942, 26 nações assinaram
uma declaração em que pediam aos governos que continuassem lutando contra os
países que compunham o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). O nome “Nações Unidas”
foi criado nesse época pelo presidente americano Franklin D. Roosevelt, mas a ONU
como conhecemos hoje só foi criada de fato em 24 de outubro de 1945, quando 50
países se reuniram na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, e assinaram o
documento que oficializou a organização. Após a criação da ONU e já findada a
Segunda Guerra, os países integrantes da entidade elaboraram outro documento
que teria como objetivo evitar que as atrocidades da Segunda Guerra fossem
cometidas novamente. Assim, surge em 10 de dezembro de 1948 a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Essa declaração estabelece em seu artigo 3º que
“todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Já o artigo 4º
define que “ninguém será mantido em escravatura ou em servidão”. O artigo 5º
determina que “ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes”. Por fim, em seu artigo 14º afirma que “toda
pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar asilo em
outros países”. Podemos ver, então, que ainda que não seja um lei, o fato de os
países serem signatários dessa declaração os compromete com o cumprimento das
suas orientações. O grande problema é que nem todos os países do mundo são
signatários e, outros, ainda que sejam, não seguem essa cartilha rigorosamente. O
Brasil teve uma participação relevante na elaboração de documentos da ONU no
pós-guerra e se destacou no cenário internacional. Entretanto, a situação se
modificou a partir do final da década de 1960 e início da década de 1970, quando o
país sofreu um golpe militar que ficou marcado por horrores cometidos em nome do
regime. Durante esse período muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas,
sem qualquer tipo de direito a julgamento. O auge do momento de terror e da ruptura
com a democracia aconteceu após a publicação do mais rigoroso dos Atos
Institucionais, o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, que autorizava o presidente, sem
qualquer necessidade de justificativa, a decretar a cassação de mandatos
parlamentares, suspender os direitos políticos dos cidadãos e suspender a garantia
de habeas corpus, entre outras determinações. O AI-5 legalizou abusos cometidos
pelo governo militar a civis sem qualquer intervenção da justiça. Como consequência
dessa situação, uma grande quantidade de pessoas deixou o país por medo de
serem presas, torturadas ou mortas; além disso, houve enorme retrocesso do país
no cenário internacional, especialmente em decorrência de várias denúncias de
violação dos direitos humanos que foramfeitas contra o governo brasileiro.
A situação do país no cenário internacional só mudou após o fim da ditadura militar,
em governos posteriores que deram mais atenção à questão dos refugiados.
53
Estamos tratando, neste momento, especialmente da situação dos refugiados,
porque partimos da premissa de que eles são o objeto de trabalho de várias
organizações sociais e de que há uma legislação internacional que resguarda seus
direitos. De acordo com Moreira (2010, p. 115), o período de redemocratização
“marcou uma nova fase na política brasileira para refugiados, recuperando o
engajamento com o tema, assim como sua tradição humanitária, que havia se
iniciado no pós-guerra, mas havia recuado durante a ditadura militar”. O ponto alto
do trabalho com e para os refugiados aconteceu principalmente a partir do governo
de Fernando Henrique Cardoso, ele próprio um exilado político durante os anos da
ditadura e que trouxe um novo olhar para a problemática. Foi durante o governo de
FHC que a Secretaria de Direitos Humanos foi criada, vinculada ao Ministério da
Justiça, responsável por executar o plano de auxílio aos refugiados. Além da criação
da secretaria, promulgou-se em 1997 a Lei 9.474/1997 que definiu a implementação
do Estatuto dos Refugiados de 1951. Dentre as medidas efetivadas em prol dos
refugiados estão as soluções duráveis, que visam à integração desse grupo na
comunidade local, por meio de ações sociais realizadas por várias entidades
diferenciadas. Esse trabalho com os refugiados, segundo Danilo Miranda, em
editorial de abertura dos Cadernos Sesc de Cidadania,
[…] implica, antes de mais nada, conceber esse processo em chave
recíproca. Isso quer dizer que a busca por incluir o outro, além de tornar
favorável o seu ingresso e adaptação na sociedade que o acolhe, deve
fomentar a permeabilidade e a capacidade de transformação dessa
mesma sociedade. Ao receber novos grupos estrangeiros, com as
respectivas práticas culturais e valores que seus membros trazem consigo, um país
e as comunidades que o constituem têm a oportunidade de se reinventar,
complexificando-se na medida em que ampliam seus vínculos sociais e afetivos.
(SESC, 2018, p. 3)
Partindo desse pressuposto, podemos apontar várias instituições que
oferecem algum tipo de projeto educativo com foco nos refugiados. Essas
instituições, que podem ser ONGs, universidades particulares ou federais, entre
outras, apoiam os refugiados, oferecendo serviços como cursos de Língua
Portuguesa, cursos profissionalizantes, serviços relacionados à saúde mental, apoio
psicossocial, integração laboral e vários outros. Veja se na sua cidade existe alguma
ONG ou instituição de ensino que ofereça serviços ou cursos para os refugiados.
Uma das práticas educativas que podemos citar é o Ensino de Língua Portuguesa
ofertado por universidades como a UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
e a UFRR (Universidade Federal de Roraima), onde são ofertados cursos de
português na modalidade de conversação para adultos e cursos voltados para o
ensino da língua para crianças. Além disso, ainda há, por parte das universidades
particulares, a oferta de bolsas de estudos para permanência desses refugiados.
Há ainda outras instituições que se dedicam ao trabalho com refugiados, dentre
elas, está a Caritas Brasil que tem projetos de capacitação para esse público, com
54
cursos de Língua Portuguesa e cultura brasileira, além de outros cursos a respeito
de leis trabalhistas, economia solidária, empreendedorismo e economia solidária.
Independentemente da ação que será realizada, é importante que tenhamos, tanto
como cidadãos quanto como educadores, um espírito acolhedor com essas pessoas
que buscam no nosso país um abrigo, fugindo dos horrores vividos em seu local de
origem.
EDUCAÇÃO QUE CONSIDERA AS ESPECIFICIDADES CULTURAIS,
SOCIAIS E EMOCIONAIS
Estamos chegando ao final da seção, mas cabe ainda um comentário em relação a
uma educação integradora. Uma educação que, como o subtítulo indica, considere
as especificidades culturais, sociais e emocionais. Algumas perguntas podem surgir
neste momento. Uma educação ampla e irrestrita seria da competência de quais
órgãos? Isso pode ser efetivado também em espaços não escolares? E, nesse caso,
estaria a cargo de quais instituições? Além disso, cabe pensar também no que seria
essa especificidade cultural, social e emocional. Vamos tentar responder algumas
dessas perguntas.
De início, é importante retomar a lei maior que rege essa área no país, a
Constituição Federal de 1988. Ela determina, no art. 205, que a
[…] educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(BRASIL, 1988, [s. p.])
No artigo seguinte, determina-se que o ensino seja ministrado com base na
igualdade de condições de acesso e permanência, na liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e no pluralismo de
ideias e de concepções pedagógicas.
Nesse sentido, podemos ver que os direitos a uma educação plural, que respeite as
diferenças, sejam elas quais forem, é direito garantido pela constituição. Cabe,
então, trabalhar para que isso aconteça. Outro ponto que nos chama a atenção é o
fato de que a Constituição estabelece que a educação é responsabilidade do Estado
e da família e efetivada com a colaboração da sociedade, o que nos leva a crer que
a tarefa é compartilhada por todos.
Além do que determina a Constituição Federal, é preciso dar uma olhada também no
que a LDB 9.394/96 nos orienta em relação ao tema. Segundo seu art. 1º,
[…] a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
55
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
(BRASIL, 1996, [s. p.])
Em seu art. 2º, a LDB estabelece que
[…] a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(BRASIL, 1996, [s. p.])
E, por fim, o art. 3º indica que:
O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos
sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extraescolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial.
XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.
(BRASIL, 1996, [s. p.])
Podemos perceber que a legislação brasileira busca inserir uma educação que
preze pelo respeito ao próximo e pela diversidade, em um trabalho conjunto entre
governo e sociedade. É nesse sentido que precisamos falar de uma educação que
esteja voltada para incluir todos, sem distinção. Dessa forma, o educador precisa ter
em mente que seu trabalho não se restringe à transmissão de conteúdo, mas
também à integração de pessoas das mais diversas origens.
Dessa maneira, a educação vai tratar de temas como a diversidade cultural, a
inclusão de pessoas com deficiências – físicas, cognitivas –, além de pessoas com
questões emocionais ou sociais. Ou seja, estamos falando de um trabalho bastante
amplo, que envolve públicos diversos, com questões diversas. O assunto é bastante
extenso,mas vamos embasar nosso estudo no documento oficial que direciona as
práticas educacionais nesse sentido. Estamos falando das Diretrizes Curriculares
56
Nacionais (2010), em que são estabelecidas orientações educacionais a fim de que
crianças, adolescentes, jovens e adultos possam se desenvolver plenamente,
“recebendo uma formação de qualidade correspondente à sua idade e nível de
aprendizagem, respeitando suas diferentes condições sociais, culturais, emocionais,
físicas e étnicas” (BRASIL, 2010, p. 4). As DCN indicam, além disso, que a
educação escolar deve estar fundamentada em ética, liberdade, justiça social,
pluralidade, solidariedade e sustentabilidade e deixa claro que sua finalidade é o
desenvolvimento dos sujeitos em suas dimensões individual e social, visando ao
exercício da cidadania e a transformação social (BRASIL, 2010, p. 16).
Ao longo de todo o documento é reiterada a noção da educação com base em sua
função social, reforçando a todo momento seu compromisso com a formação
integral do indivíduo, tendo como focos a
[…] centralidade do diálogo, a colaboração, os sujeitos e as
aprendizagens […] atendendo a requisitos como […] consideração sobre
inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à
diversidade cultural, resgatando e respeitando os direitos humanos,
individuais e coletivos e as várias manifestações de cada comunidade.
(BRASIL, 2010, p. 22)
E de que forma isso se aplica aos espaços não escolares, uma vez que as DCNs se
propõem a sistematizar os conteúdos da escola regular? Ainda que as DCNs
utilizem o termo “escola” ao definir seus propósitos, podemos estender essa noção
ao conceito de educação, mesmo que ela ocorra nos espaços não escolares. É
importante considerar que estamos lidando com pessoas, e os princípios de
respeito, acolhimento, diálogo e consideração pelo outro estão acima de instituições
ou nomenclaturas.
Seção 2 -AMBIENTES EMPRESARIAIS
EDUCAÇÃO CORPORATIVA
O estudo desta seção começa com o conceito de educação corporativa. A educação
corporativa, como o nome indica, é aquela que vai ocorrer dentro das
corporações/empresas. É preciso ter em mente, contudo, que a educação de que
falamos tem características e objetivos diferentes da educação escolar. Certamente
tanto uma quanto a outra apresentam pontos de contato, mas é preciso lembrar que
o pedagogo que escolher trabalhar em empresas vai lidar com outro público e
desenvolver outras ações e habilidades.
Vamos entender, inicialmente, como essa proposta de qualificação do trabalhador
surge. O início do processo de industrialização do século XX foi marcado por duas
teorias a respeito dos processos de produção. A primeira delas foi criada pelo
americano Frederick Taylor e ficou conhecida como taylorismo. De acordo Taylor,
57
para que a produção fosse mais eficiente, os funcionários da fábrica deveriam ser
organizados de forma sistemática e hierarquizada e seriam os responsáveis por
desenvolver uma função específica dentro do menor tempo possível. Esse sistema
parecia interessante, mas reforçou a exploração do trabalhador, que precisava se
desdobrar para cumprir sua tarefa. Outro sistema de produção que surgiu logo em
seguida foi o fordismo, criado por Henry Ford, que estabelecia um dia de trabalho de
oito horas e uma linha de montagem, a fim de gerar uma grande produção. O
sistema fordista também era baseado na cronometragem do tempo e deu muito
certo no início. O taylorismo e o fordismo procuravam capacitar seus funcionários
para executar as tarefas para as quais eram designados, de forma eficiente e ágil.
Como veremos em breve, esses sistemas foram os embriões do que hoje
conhecemos como educação corporativa.
Na década de 1950, nos Estados Unidos, a General Electrics criou a “Crotonville”,
um espaço de treinamento de seus funcionários. Surge então a ideia que dará
origem à educação corporativa. A princípio, o que se desenvolvia era um modelo
que ficou conhecido como “treinamento e desenvolvimento”, apresentando algumas
diferenças em relação à educação corporativa. Enquanto o treinamento e
desenvolvimento é descentralizado e tem o foco em como saber fazer, a educação
corporativa tem como foco o saber ser. O treinamento e desenvolvimento busca
capacitar e aperfeiçoar, já a educação corporativa tem como alvo a formação
continuada. Por fim, podemos apontar como diferença significativa o fato de que o
treinamento e desenvolvimento apenas reproduz o conhecimento, a educação
corporativa tem como meta elaborar e democratizar o conhecimento.
Com o passar do tempo e com o desenvolvimento da economia, as empresas
começaram a perceber que seu sucesso dependia de outros fatores além da
qualidade do produto. Dentre esses fatores podemos destacar o capital humano, por
ser o responsável por implementar e cumprir estratégias dentro da corporação.
Chegamos então ao ponto em que as empresas, com isso em mente, começaram a
elaborar modelos de educação voltados para o desenvolvimento de seus
funcionários (FRANCELINO et al., 2016). Podemos afirmar que a educação
corporativa vai além de um treinamento para uma função específica – como eram os
modelos tayloristas e fordistas – em busca da inovação das empresas,
proporcionando um aumento da competitividade de seus produtos no mercado e
uma melhor capacitação de seus colaboradores.
O momento de mudança de paradigma aconteceu na década de 1980, quando as
empresas começaram a pensar em preparar seus funcionários para mudanças
técnicas, gerenciais e organizacionais. Nessa década, a proposta dos treinamentos
era trabalhar com questões pontuais a partir das necessidades observadas. Já na
década de 1990 o foco se voltou para criação de escolas dentro das próprias
empresas, com parcerias com estados e municípios e com professores da rede
pública para formação de seus funcionários. As mudanças continuaram a ocorrer,
58
cada vez mais rápido, até chegarmos ao que hoje conhecemos como universidade
ou educação corporativa. Com essas universidades, as empresas buscam oferecer
uma educação voltada para suas necessidades, não sendo preciso contar com a
ajuda de um estado financiador, por exemplo. É importante ressaltar que o termo
universidade, nesse caso, não se relaciona necessariamente a um curso superior,
mas sim à educação como um todo, assim como aos cursos de formação oferecidos
pelas empresas.
Meister (apud CRUZ, 2010, p. 344) aponta que o modelo de educação corporativa é
[…] sustentado por cinco grandes forças do cenário global: o surgimento
da educação por processos, horizontalizada e flexível; a emergência da
gestão do conhecimento; a volatilidade da informação e a obsolescência
do conhecimento; o foco na empregabilidade: educar para o trabalho,
não para o emprego; e a mudança no foco da educação geral.
Logo as empresas deixaram de esperar que o currículo educacional se
adequasse às demandas do mercado e partiram para o caminho inverso, o de levar
a escola para dentro das empresas, com base na compreensão de que o diferencial
de competitividade está na capacitação de seus funcionários e até da comunidade
onde essa empresa atua. Dessa forma, a educação corporativa teria, então, o foco
na capacidade do indivíduo de aprender e se caracterizaria por práticas
educacionais contínuas.
As universidade corporativas seriam
[…] a consolidação de práticas de Educação Corporativa através de
estruturas de ensino, físicas ou virtuais, criadas pelas organizações, que
se utilizam de metodologia acadêmica com o intuito de suprir as falhas
do ensino oferecido pelo Governo ou por entidades de ensino
particulares, que muitas vezes não acompanham as mudanças do
mercado ou as inovações tecnológicas.
(FRANCELINO et al., 2016, p. 6)
No Brasil, a educação corporativa surge a partir da junção da gestão de
pessoas e da gestão de conhecimento das empresas, a fim de otimizar estratégias
para o desenvolvimento de seus colaboradores, fornecedores e clientes, por meio de
uma visão mais ampla de todo o processo de trabalho. As empresas que
implementam a educação corporativa entendemque, ao capacitar seu
funcionário/colaborador, todo o processo se desenvolve de forma mais prática,
rápida e eficiente. É importante lembrar que não se trata somente de uma
qualificação de mão de obra, mas sim de "uma nova maneira de pensar e trabalhar,
moldando a visão da aprendizagem contínua, fixando metas para a organização,
agregando valor ao negócio" (ESTEVES; MEIRIÑO, 2015, p. 4). A criadora da
expressão “educação corporativa”, Jeanne Meister (1999), afirmava que esse
modelo seria sustentado por cinco forças no cenário global:
● o surgimento da educação por processos, flexível e horizontalizada;
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● a emergência da gestão do conhecimento;
● a volatilidade da informação e a obsolescência do conhecimento;
● o foco na empregabilidade, a fim de educar para o trabalho e não para o
emprego;
● a mudança no foco da educação no geral.
Quais seria as características da educação corporativa? E o pedagogo, como pode
trabalhar nesse espaço? Quais seriam suas funções? Primeiramente, vejamos
algumas características da educação corporativa. Partindo do princípio de que esse
é um trabalho mais amplo do que meramente a formação para uma função
específica, entende-se que ele não deve se limitar ao treino de uma habilidade
somente, mas no desenvolvimento de diferentes competências. Algumas dessas
competências são, de acordo com Esteves e Meiriño (2015):
● aprender a aprender;
● capacidade de comunicação e colaboração;
● raciocínio criativo e resolução de problemas;
● conhecimento tecnológico;
● conhecimento de negócios globais;
● liderança;
● autogerenciamento de carreira.
Podemos perceber, dessa forma, que as competências elencadas reforçam a ideia
de uma formação continuada para esse novo profissional que o mercado demanda,
uma vez que o conhecimento se renova constantemente. A fim de fazer com que a
proposta de educação corporativa funcione de fato, a empresa precisa considerar
alguns aspectos, dentre os quais podemos citar a definição clara de seus objetivos
quanto ao que ela deseja alcançar, concentração na aprendizagem organizacional –
tópico que veremos mais adiante –, estabelecendo uma cultura voltada à
aprendizagem, inovação e mudança, foco em seu público, incluindo clientes,
fornecedores, distribuidores, parceiros e comunidades e, por fim, ênfase em
programas dirigidos para necessidades estratégicas (CARVALHO, 2015).
E como o pedagogo pode atuar nessas organizações? Primeiramente, é importante
lembrar que, dentre as atribuições do pedagogo, está o planejamento, execução,
coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas
não escolares (BRASIL, 2005, p. 7, 8). A atuação do pedagogo empresarial se
justifica porque pode haver, nesses espaços, atividades pedagógicas voltadas para
a formação continuada de pessoas. A pedagogia empresarial volta-se, dessa forma,
para atividades que visem ao progresso profissional que tenham como foco
treinamento e desenvolvimento dos funcionários. Algumas possibilidades de atuação
do pedagogo incluem coordenar equipes multidisciplinares no desenvolvimento de
projetos, implantar mudanças culturais no ambiente de trabalho, definir políticas
voltadas para a formação continuada, prestar consultoria nas atividades de
treinamento e desenvolvimento de pessoas. Além disso, o pedagogo empresarial
60
pode contribuir para o geração e crescimento de competências, formação e
qualificação profissional, especialização de mão de obra, organização de cursos in
company e alfabetização de adultos. Dessa forma, corrobora-se o que afirmava
Libâneo sobre a pedagogia ocupar-se
[…] dos processos educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas
antes disso ela tem um significado bem mais amplo, bem mais
globalizante. Ela é um campo de conhecimentos sobre a problemática
educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma
diretriz orientadora da ação educativa.
(2000, p. 22)
Podemos ver que há inúmeras possibilidades de trabalho do pedagogo dentro
das empresas. Infelizmente, ainda existe muita desinformação a esse respeito, mas
é preciso que haja um esforço para mostrar que a educação pode acontecer em
todos os lugares e tempos e, onde ela acontecer, lá estará o educador/pedagogo
contribuindo para que o processo seja cada vez melhor.
APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL
Você sabe o que é aprendizagem organizacional? Muitos termos que usaremos
nesta seção não se relacionam diretamente com o que se espera da Pedagogia,
mas podem aparecer quando o foco do seu estudo é a atuação dos pedagogos nas
empresas, uma vez que a Pedagogia se misturará e trabalhará em conjunto com o
setor de recursos humanos dessas companhias. De início, vamos tentar entender o
que seria a aprendizagem organizacional e de que maneira ela se relaciona com a
educação, e a função do pedagogo nesses espaços.
Você provavelmente já estudou, em algum outro momento do seu curso, o conceito
de aprendizagem, com base em várias teorias que pesquisam a cognição e como
ela ocorre. Podemos citar, por exemplo, que a Psicologia estudou três correntes
principais de teoria da aprendizagem, a abordagem comportamental, a cognitiva e a
humanista. Independentemente da abordagem, é preciso pensar que a
aprendizagem é um processo constante e inerente ao ser humano, ainda que ocorra
de forma inconsciente. O conceito de aprendizagem organizacional pode variar de
acordo com o autor que a estudou, mas de forma geral, podemos entender esse
processo como estando relacionado com o que se aprende para o desenvolvimento
profissional, de forma direta ou indireta. Essa aprendizagem pode acontecer dentro
das empresas e surgir com base nas demandas desse espaço. Essa aprendizagem,
como mencionado, pode acontecer de forma direta ou indireta, o que significa dizer
que ela pode acontecer a partir do compartilhamento de experiências com os pares,
com os líderes, em cursos sistematizados e com a observação dos processos dentro
da empresa, o que confirma sua característica de ser processo coletivo.
O interesse pela aprendizagem organizacional é relativamente recente. Conforme
vimos, o interesse das empresas por mudanças acompanha o desenvolvimento
61
tecnológico e da sociedade, o que tem acontecido de forma mais veloz nos últimos
anos em função da globalização e da necessidade de as empresas se manterem
sempre competitivas. Ao falarmos da aprendizagem organizacional, estamos nos
referindo ao modo como as pessoas aprendem, adaptam e utilizam esse novo
conhecimento. O conceito também está ligado à forma como as empresas buscam
melhorar seus processos, conhecimentos e rotinas, podendo ocorrer em todos os
níveis e atividades dentro dessa corporação. Nesse sentido, entende-se que a
aprendizagem organizacional será efetiva quando tanto o indivíduo quanto a
empresa aprenderem com as inovações.
Vamos relembrar, então, de algumas características do processo de aprendizagem?
Quando falamos em aprendizagem, estamos nos referindo a um processo individual
que proporciona alguma mudança, tanto na atitude quanto no comportamento e que
se liga à experiência, envolvendo os planos afetivo, cognitivo e motor e que capacita
a pessoa para algo. A aprendizagem pode ter muitos significados e conceitos. Há
muitas teorias que tentam explicar como as pessoas aprendem. Esse processo pode
ser visto como condicionamento, aquisição de informações, mudança
comportamental, capacidade de identificação e resolução de problemas e,
finalmente, a ressignificação do conhecimento prévio. Dentre as teorias que estudam
como uma pessoa aprende, uma que se destaca nos estudos que estamos
realizando sobre aprendizagem organizacional é a teoria cognitiva da aprendizagem.
Essa teoria entende a aprendizagem como o processo segundo o qual uma pessoa
processa, compreende e ressignifica uma informação, construindo, dessa forma,
estruturas cognitivas. A palavra cognição tem a ver com um conjunto de habilidades
necessárias para a aquisição de conhecimentos e podem envolver pensamento,
raciocínio, linguagem, criatividade, entre outras funções. Ainda que seja uma área
deestudo primordialmente da Psicologia, ao longo do curso de Pedagogia nós
estudamos essas teorias por meio dos escritos de autores como Piaget e Vygostsky.
A aprendizagem ocorre com base nas interações com o meio e pela mediação de
processos cognitivos internos (LOIOLA; PORTO, 2008, p. 33). Por ser um processo
individual, a aprendizagem vai envolver variáveis como a idade, a capacidade
cognitiva, os conhecimentos prévios e a motivação para aprendizagem, entre outros.
Além disso, envolve fatores externos ao indivíduo como o conteúdo, a metodologia
utilizada, o suporte dos pares, a gestão do conhecimento e da aprendizagem. A
proposta da aprendizagem organizacional seria transformar esse conhecimento
adquirido em práticas de trabalho, o que vai depender da atuação dos dois lados
envolvidos, ou seja, tanto da empresa quanto do funcionário.
Você deve ter percebido, pelo que vimos até agora, que as empresas estão
mudando seu olhar em relação aos seus funcionários e a sua posição no mercado.
É preciso que essas organizações estejam em constante mudança e aprendizado
caso queiram se manter em um mercado extremamente competitivo como é o atual.
Isso vai exigir também uma mudança de pensamento por parte do funcionário e de
você, futuro pedagogo, caso queira ingressar nessa área. Vivemos um momento que
62
exige uma constante transformação e renovação do conhecimento e, para nos
adequarmos, precisamos ter em mente que nossa formação – e aprendizado – é um
processo contínuo. Essa mudança de paradigma que atinge todas as áreas da
sociedade exige que exercitemos outras competências, que estejamos abertos a
mudanças e que sejamos flexíveis, uma vez que as novas relações de trabalho
exigem isso de nós.
A fim de que a aprendizagem organizacional seja efetiva, é preciso que seus
objetivos estejam claramente definidos e afinados com os objetivos da organização,
ou seja, é preciso que haja um alinhamento entre cultura, estratégia e criação de
conhecimento e aprendizagem. A aprendizagem organizacional molda a estratégia
que será utilizada, após a observação dos problemas, baseada no que deverá ser
modificado.
Froes Burnham et al. (2005) lembram que o conhecimento não pode ser visto como
uma construção padronizada, uma vez que vai depender de fatores extremamente
subjetivos e por esse motivo não é possível falar em transferência de conhecimento,
porque isso desconsideraria todo o processo que acontece na troca de experiências
das pessoas com o meio. Isso anularia, de certa forma, o princípio de Piaget de que
todo conhecimento provém de trocas dialéticas entre o ser e o meio (FROES
BURNHAM et al. 2005, p. 4).
A aprendizagem organizacional apresenta possibilidades de mudanças e enfatiza a
aprendizagem em rede e como um processo contínuo de construção de identidade e
interação com o meio (FROES BURNHAM et al., 2005). Dessa forma, não é possível
pensar na aprendizagem organizacional como algo estruturado, sistematizado e
engessado uma vez que cada organização tem sua estrutura, dinâmica, valores,
missões e cultura organizacional diferentes. Ou seja, para que esse processo
funcione, há de se considerar as características de cada empresa, bem como seus
objetivos na mudança e para o mercado.
Qual seria então a motivação para a efetivação desse processo de aprendizagem
organizacional? Garvin (apud FROES BURNHAM et al., 2005) aponta que o
aprendizado pode ser motivado pela curiosidade, circunstância ou pela experiência
diária. Outra motivação seria a percepção de que a empresa está deixando de ser
competitiva e, por esse motivo, está perdendo espaço no mercado.
Você questionar qual o papel do pedagogo nesse ambiente, uma vez que estamos
falando a respeito de questões muito ligadas à área administrativa de uma empresa.
Ainda que a percepção dos problemas e a análise da necessidade de mudança seja
feita pelos administradores ou pelo pessoal de recursos humanos, ao pedagogo
caberia a proposta de trabalho a ser efetivada. Para que o processo funcione é
necessário alguém que entenda como a aprendizagem ocorre e quais caminhos
percorrer para que o objetivo se efetive. O pedagogo teria a função de auxiliar na
criação de estratégias e planejamento de ações que visem à aprendizagem efetiva e
63
consequente transformação. O pedagogo será aquele que contribuirá na aquisição
de novos conhecimentos, facilitando o processo de mediação entre o que já se sabe
e o que se deseja saber, uma vez que entende não só como a aprendizagem ocorre,
mas quais caminhos tomar para que ela se efetive de fato.
A EMPRESA E OS PROJETOS EDUCATIVOS
Falando a respeito de espaços empresariais, tivemos uma noção do que é a
educação corporativa e a aprendizagem organizacional e as contribuições do
pedagogo nesses espaços nos quais a educação também pode ocorrer. Vimos que,
para que as iniciativas das empresas tenham sucesso, é preciso planejamento e
ações adequados às necessidades da companhia e do mercado e, para isso, o
pedagogo é figura imprescindível. Cabe agora estudarmos os projetos educativos
que empresas têm desenvolvido. Vamos ver algumas empresas que aliam a
educação a sua função social e exemplos de universidades corporativas que
extrapolam os espaços dessas instituições.
Quando falamos em educação corporativa ou pedagogia empresarial,
automaticamente nos remetemos à ideia de empresa/fábrica, mas essa é uma visão
que não abrange todas as possibilidades da pedagogia empresarial. Algumas
instituições públicas também precisam de pedagogos empresariais porque
desenvolvem trabalhos educativos não só com seus funcionários, mas que se
estendem a toda comunidade, como é o caso, por exemplo, do Banco do Brasil, cuja
educação corporativa existe desde 1965. A Universidade Banco do Brasil (PORTAL
UNIBB, [s. d.]), de acordo com sua página oficial, se propõe a capacitar seus
funcionários para ascensão profissional, aperfeiçoar a performance organizacional,
tornando a empresa competitiva e formar pessoal de quadro técnico e gerencial do
Banco do Brasil. Isso é efetivado por meio de treinamentos presenciais, utilização de
tecnologias educacionais a distância e parcerias com instituições de ensino no país.
Além disso, a Universidade do Banco do Brasil também oferece cursos livres para a
comunidade em geral, dentre os quais podemos destacar a prevenção e combate à
corrupção, a gestão empreendedora e inovação, a psicologia da meta, a educação
corporativa e a ação voluntária.
Diante de tantas possibilidades de trabalho, você pode ter dúvida em relação a qual
metodologia deve ser adotada pelo pedagogo em espaços não escolares. É bem
verdade que o trabalho em um espaço escolar, feito com base em uma
sistematização dos conteúdos, acaba por ser mais fácil de conduzir, ainda que
saibamos que o trabalho de um professor nunca deixa de ser, de certa forma,
artesanal. É preciso que o professor/pedagogo tenha a sensibilidade de trabalhar os
conteúdos com seus alunos a partir de uma perspectiva integradora e isso só é
possível quando consideramos e adaptamos o que tem que ser ensinado à realidade
que temos em sala de aula. O trabalho, por mais que seja planejado passo a passo,
deverá atentar-se ao público-alvo, ao contexto de aprendizagem e à multiplicidade
64
de características que nossos alunos apresentam. Pensando nisso, o
questionamento que surge é: como trabalhar em um espaço não escolar, no qual a
diversidade de pessoas é muito maior e não há a necessidade de seguir um
currículo predeterminado por instâncias superiores? E mais: como atingir os
objetivos propostos de forma eficiente, para transformar a relação dessas pessoas
com a sociedade por meio da educação?
Outra instituição que também pratica a educação corporativa é a Caixa Econômica
Federal, com sua Universidade da Caixa, criada nos anos 1990 em função da
inserção da internet no país, com o intuito de treinar seus funcionários para o uso da
tecnologia. A educação corporativa implementada pela Caixa teve como base três
dimensões: a atuação dos gestores como líderes educacionais, a
corresponsabilidadedo empregado por seu desenvolvimento e a busca por
resultados sustentáveis. As ações realizadas pela Caixa dentro de sua universidade
corporativa – assim como em várias outras universidades – são efetivadas tanto por
meio de cursos presenciais quanto pelo ensino a distância. A Universidade da Caixa
tem hoje uma organização bem estruturada no que se refere à parte pedagógica e já
conta com dois campi, um em São Paulo e outro em Brasília. Ela oferece cursos em
áreas como desenvolvimento pessoal, desenvolvimento sustentável, gestão de
convênios e contratos, gestão pública e inovação e melhoria de processos.
A Kroton é outra empresa que investe bastante na formação continuada de seus
colaboradores, por meio da Universidade Kroton (UK). A UK surgiu em 2014 após a
definição dos pilares de cultura da Kroton. Segundo sua página, a UK foi criada para
“para capacitar, desenvolver e avaliar as competências dos colaboradores,
direcionando-os para alcançar os principais objetivos da organização”
(UNIVERSIDADE CORPORATIVA KROTON, 2017). A UK oferece em seu portal
trilhas de conhecimento que incluem cursos do programa de integração de novos
colaboradores, além de treinamentos e certificações comportamentais e técnicas e
formação de líderes que busquem ascensão na carreira. Assim como as outras
universidades que vimos, a UK também oferece cursos presenciais e no modelo
ensino a distância (EaD) ou os chamados blended, que mesclam o modelo
presencial e o EaD. Na UK os cursos ofertados estão inseridos em cinco escolas,
criadas para atender aos objetivos do planejamento estratégico da empresa. A
escola de cultura tem como objetivo fortalecer a cultura e valores da empresa entre
os colaboradores. A escola acadêmica busca garantir a evolução do modelo
pedagógico da companhia e tem como foco temas que visam à experiência,
qualidade acadêmica e empregabilidade dos alunos. Já a escola digital objetiva
promover a transformação digital da organização, a fim de facilitar o dia a dia do
cliente interno e dos alunos da instituição. A escola de liderança busca transformar
gestores em líderes, de forma a atingir resultados em suas respectivas áreas. Por
fim, a escola de eficiência tem como foco melhorar os resultados financeiros e
operacionais e fazer com que a companhia cresça.
65
Há ainda várias outras empresas que desenvolveram suas universidades
corporativas, como a Natura, a Ambev, o Santander, a Petrobras e as Lojas Renner.
O que essas universidades têm em comum é o fato de que, em sua maioria,
oferecem cursos voltados para manter as equipes de trabalho bem treinadas,
reforçar os valores e a cultura organizacional da empresa, fortalecer a marca no
mercado e responder rapidamente às mudanças no mercado. Investir em educação
corporativa é vantajoso para ambos os lados: a empresa se beneficia ao melhorar
sua competitividade no mercado e, consequentemente, obter mais lucro e
rentabilidade, e o colaborador, por outro lado, está em constante aprendizagem, o
que permite que ele também esteja sempre atualizado e pronto para as mudanças
do mercado.
GESTÃO DE PROJETOS
Você tem algum projeto para os próximos seis meses? E para o próximo ano? Se
sim, o que o fez pensar nesse projeto? Quais etapas você pensou? Como realizará
as ações para chegar ao objetivo final? O tempo todo estamos nos planejando para
fazer alguma coisa e esse planejamento, mesmo que diário, envolve várias etapas,
desde a observação da necessidade de mudança de algo até quais recursos serão
necessários para efetivar esse projeto. Considere, por exemplo, que você deseja
trocar seu carro ao final do ano. Para isso, você precisa avaliar qual carro deseja,
quanto precisará gastar para adquirir esse carro e em quanto tempo você
conseguirá finalizar seu projeto. Agora, considere que você ainda não tem um
salário que permita comprar esse carro imediatamente. Como você poderá juntar
dinheiro para isso? Terá que conseguir outro emprego? Será necessário diminuir os
gastos? Todas essas perguntas fazem parte das etapas de um projeto. Veremos, a
seguir, o conceito de projetos, gestão de projetos e de que maneira isso pode
impactar o trabalho em um espaço não escolar no qual você, futuro pedagogo,
poderá atuar.
De início, vamos relembrar da definição de projeto. Sempre que falamos a respeito
de projetos estamos nos referindo, de forma geral, a uma ação que tem prazos e
objetivos bem definidos. Os projetos fazem parte da nossa vida. Você certamente
tem vários projetos pensados ou colocados em prática. Podemos pensar, por
exemplo, no projeto de vida saudável, projeto para o ingressar em um mestrado,
projeto de compra da casa própria. Todos esses exemplos apresentam objetivos
definidos e exigem que se estabeleça – mesmo que inconscientemente – um prazo,
recursos e etapas para sua realização. Os projetos, quando aplicados por empresas,
também apresentam as mesmas características, mas sua execução pode variar um
pouco dos projetos que fazemos para nossa vida. Nesse caso, estamos nos
referindo a uma situação mais específica e, de certa forma, mais individualizada,
uma vez que as empresas, além de elaborarem um projeto para atender a uma
necessidade, precisam também inovar sempre, uma vez que o mercado está cada
vez mais competitivo.
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Na pedagogia, ao longo do curso, somos apresentados às modalidades
organizativas, dentre elas, os projetos. Nesse sentido, os projetos são situações
didáticas que permitem que o conteúdo seja trabalhado de forma dinâmica,
contextualizada e flexível, para atingir um propósito claro. É possível elaborar
projetos de longa, curta ou média duração, a depender do objetivo que se deseja
atingir. Outra característica dos projetos é que eles vão ter um produto, que pode
ser, por exemplo, a confecção de um livro, um recital de poemas, confecção de um
mapa, uma peça de teatro, ou um jornal ou revista da escola.
A própria noção de projetos mudou ao longo dos anos. No início da década de 1980,
os projetos eram vistos como a organização de pessoas para atingir um objetivo
específico. Já nos anos 1990, os projetos eram considerados um processo único,
com atividades coordenadas e controladas com data de início e fim, também em
função de um objetivo. Hoje entende-se que projetos são empreendimentos
temporários, com a finalidade de criar um produto, serviço ou um resultado único.
Por essa razão, os projetos em empresas são multidisciplinares e podem envolver
áreas como a logística, produção, a tecnologia da informação, a área de vendas e
de recursos humanos. O projeto precisa, de acordo com a definição mais atual, ter
uma duração fixa, objetivos precisos, resultados de planejamento previsíveis, um
controle dominante e recursos próprios (VILGA; PAES, 2020, p. 10).
O que é a gestão de projetos? Quem é o gestor de projetos? Qual a importância
dessa pessoa e dessa ação para a empresa? E qual é o papel do pedagogo nesse
caso? A noção de gestão de projetos, ainda que seja recente, existe há muito
tempo. Para se ter uma ideia do quanto isso é antigo, basta tomarmos como
exemplo a construção das pirâmides do Egito. Para que um empreendimento
daquele porte fosse construído foi preciso ter um responsável por acompanhar todas
as etapas do projeto (VILGA; PAES, 2020). Podemos perceber, dessa forma, a
importância do gestor de projetos para atuar como um agente integrador, capaz de
unir a equipe em função de um bem comum.
O conceito de gestão de projetos tem sido muito comentado nos últimos anos, em
especial na área da Administração, por permitir um trabalho mais flexível e
individualizado das demandas de uma empresa. O foco da gestão de projetos é
aplicar os conhecimentos e ferramentas para planejar atividades ou atingir os
objetivos definidos em um projeto. Isso permite que a empresa funcione de forma
mais eficaz, uma vez que é possível transformar o planejamento em resultados
concretos.
A gestão de projetos coloca em prática o planejamento, a organização, a motivação
e o controle. Para isso, o profissional que vai trabalhar nessa área precisa entender
um pouco decada assunto. Nesse sentido, é necessário que ele se atente para as
metas, tanto de tempo quanto de custo, e qualidade do projeto. Além disso, esse
profissional precisa reconhecer as diversas habilidades envolvidas na realização de
um projeto e deve participar tanto do planejamento quanto do progresso do projeto.
67
Dessa forma, sempre que falamos de gestão de projetos, precisamos pensar que ela
servirá para organizar um projeto que deve atingir um resultado único e que precisa
contemplar algumas áreas de conhecimento. Veja um resumo dessas áreas no
quadro a seguir.
Escopo Escopo do projeto: soma dos esforços para entregar o
produto ou serviço.
Escopo do produto: características e funções do produto
a ser entregue.
Tempo Está ligado ao cronograma.
Riscos Eventos positivos e negativos que podem ocorrer ao
longo do projeto e que influenciam seu objetivo.
Comunicação Ligação entre ideias, pessoas e informações.
Qualidade Aquilo que se espera que o produto tenha.
Custo Estimado por meio do orçamento.
Aquisições Compras de produtos e serviços necessários ao projeto.
Recursos humanos Recursos humanos necessários à realização do projeto.
Integração Garante que todas as outras áreas do projeto funcionem
juntas.
Stakeholders São as partes interessadas.
É possível verificar, com base no quadro apresentado, que as áreas
envolvidas na gestão de projetos integram competências e habilidade variadas e que
demandam um conhecimento diversificado do gestor em prol do objetivo a ser
alcançado. A área ainda está em franco desenvolvimento no Brasil porque há
poucas empresas que investem nesse segmento, o que acaba por tornar tudo mais
interessante.
Se você se interessou pela gestão de projetos, é preciso saber que essa é uma área
que exige soluções rápidas, na qual não há tempo hábil para treinamento de
competências específicas. Assim, o gestor de projetos deve agir como regulador do
processo, mas também mediador entre as partes interessadas. Além disso, deve ter
a habilidade de liderar e motivar, comunicar e negociar, ter uma personalidade forte
e enérgica, mas tolerante ao mesmo tempo e, por fim, conhecer as áreas envolvidas
no projeto (VILGA; PAES, 2020). Como você pode perceber, é um trabalho
desafiador, uma vez que demanda várias competências, mas, em paralelo, o
trabalho com gestão de projetos pode ser muito recompensador, especialmente se
você tem um perfil como o descrito.
68
Nas empresas, o pedagogo vai atuar em conjunto com a cultura da empresa, em
busca de mudança no comportamento das pessoas por meio do processo de
aprendizagem, a fim de atingir uma finalidade em comum. Nesse sentido, cabe ao
pedagogo buscar atender aos objetivos da companhia, sem esquecer que sua
atuação vai além do que se espera de um ambiente corporativo. É preciso lembrar
que a prática do pedagogo deve ser transformadora mesmo em espaços
competitivos como as empresas (BATISTA; ESTACHESCKI, 2019).
Vimos nesta seção outros espaços nos quais o pedagogo pode atuar. A
renovação das relações de trabalho e a revolução tecnológica têm feito com que as
empresas ampliem sua visão acerca de como lidar não só com seu produto e com o
mercado, mas especialmente com aqueles que colaboram para que todo o processo
funcione de forma cada vez mais eficiente e ágil. Como vimos, o mercado hoje
precisa de pessoas que estejam dispostas a trabalhar e que sejam capazes de se
transformar constantemente. Para isso, as companhias estão investindo em ações
que coloquem em prática essas novas ideias. O pedagogo nesses espaços, além de
atender às demandas da empresa, vai ser o responsável por humanizar os
processos, motivar, promover a formação continuada e permanente e melhorar as
relações intra e interpessoais, entre outras funções. Essas práticas são benéficas
para os dois lados. Se, por um lado, a empresa melhora sua imagem no mercado e,
consequentemente, amplia seus lucros, por outro, o funcionário se sente valorizado
e motivado.
Conceito O que é
Taylorismo Sistema de trabalho criado pelo americano Frederick
Taylor. Para que a produção fosse mais eficiente, os
funcionários da fábrica deveriam ser organizados de
forma sistemática e hierarquizada, sendo responsáveis
por desenvolver uma função específica dentro do menor
tempo possível.
Fordismo Sistema de trabalho criado por Henry Ford. Estabelecia
um dia de trabalho de oito horas e uma linha de
montagem a fim de gerar uma grande produção.
O sistema fordista também era baseado na
cronometragem do tempo e no início obteve sucesso.
Treinamento e
desenvolvimento
Tipo de treinamento que surge na década de 1950 e que
tem como características ser descentralizado e ter o foco
em como saber fazer.
O treinamento e desenvolvimento busca capacitar e
aperfeiçoar.
Educação corporativa Educação que ocorre dentro de empresas e que tem
como focos o saber ser e a formação continuada.
69
Aprendizagem
organizacional
O conceito de aprendizagem organizacional pode variar
de acordo com o autor que a estudou, mas de forma
geral, podemos entender esse processo como estando
relacionado com o que se aprende para o
desenvolvimento profissional, de forma direta ou indireta.
Pode ser realizada dentro das empresas e surgir com
base nas demandas desse espaço.
Acontece de forma direta ou indireta, a partir do
compartilhamento de experiências com os pares, com os
líderes, em cursos sistematizados e com a observação
dos processos dentro da empresa.
Fordismo Sistema de trabalho criado por Henry Ford. Estabelecia
um dia de trabalho de oito horas e uma linha de
montagem a fim de gerar uma grande produção.
O sistema fordista também era baseado na
cronometragem do tempo e no início obteve sucesso.
Seção 3 - AMBIENTES DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL
EDUCAÇÃO NOS AMBIENTES HOSPITALARES
Você sabia que existe educação em ambientes hospitalares? Já esteve em algum
hospital que tivesse um ambiente escolar? Você já se perguntou o que um pedagogo
pode fazer nesses espaços e qual a importância de sua atuação? A fim de ajudar
nossa colega Gleice, vamos tentar entender o que é a Pedagogia Hospitalar, como e
por que ela surge e qual a sua importância para aqueles que são atendidos por ela.
EDUCAÇÃO HOSPITALAR
Ao falarmos de educação hospitalar, tratamos de uma área que vem ganhando
espaço nos estudos da Pedagogia. Para início de conversa, precisamos conhecer a
definição de pedagogia hospitalar. Sempre que falamos em pedagogia hospitalar,
nos referimos a ações que ocorrem no ambiente hospitalar como forma de garantir
que crianças e adolescentes enfermos tenham acesso à continuação de seus
estudos, o que é garantido por lei.
Como já comentado, esse campo de estudos e de atuação é relativamente novo e
as pesquisas em torno do tema ainda estão em andamento. Para entendermos
como a educação hospitalar se desenvolveu e quais motivos levaram à sua
idealização, precisamos estudar a evolução do conceito de hospital. O hospital,
como conhecemos hoje, nem sempre foi assim. Durante muito tempo, o
estabelecimento funcionou como um depósito de pessoas – no geral, pessoas de
baixa renda. Andrade e Silva (2013) apontam a origem dos hospitais por volta do
século XVIII, quando funcionavam com o objetivo de curar as pessoas. A proposta
70
de trabalho dos hospitais foi se modificando e se ampliando ao longo dos anos até
chegar ao modelo que temos hoje.
O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) se dedicou a estudar, entre outros
assuntos, a história dos hospitais. Em sua obra Microfísica do poder (1979),
Foucault comenta que a medicina esteve por muito tempo voltada para o individual e
que os hospitais não eram locais onde os médicos exerciam sua prática. Essa
concepção mudou com o desenvolvimento do capitalismo, no final do século XVIII e
início do século XIX, quando a medicina passou do individual para o coletivo. A
história dos hospitais nos mostra que esse ambiente hoje é mais acolhedor do que
era há algum tempo, mas ainda é possível perceber que há um longo caminho a ser
percorrido até que o ambiente seja de fato mais humanizado. Nogeral, o que ainda
se vê nos hospitais é uma prática distanciada do ideal humanizado. Existe um
distanciamento e certa frieza por parte da equipe, que não considera o paciente
como um ser completo, alguém que tem angústia, medos, tristezas, sentimentos
ampliados quando ocorre uma internação, momento em que a pessoa está
altamente fragilizada.
Andrade e Silva (2013) apontam que essa frieza se mantém em função também da
formação dos médicos, que segue um modelo cartesiano que ensina a separar
corpo e mente. Certamente não podemos generalizar. Há sim, muito médicos e
hospitais que praticam a medicina humanizada, mas nos referimos a uma realidade
que ainda acontece na grande maioria desses estabelecimentos.
Pense que se você, adulto, tem todas essas angústias quando pensa em uma
internação, o que percebe uma criança quando se vê nessa situação? Como será
que ela se sente quando precisa, por algum motivo, passar um longo tempo
internada em um hospital, afastada do convívio de sua família, colegas da escola,
com a rotina modificada e transportada para um espaço frio e desolador. Deve ser
horrível mesmo, não é?
Foi pensando nessa realidade que, ao longo dos anos, leis foram sendo criadas a
fim de minimizar os traumas oriundos da internação. Vamos verificar as leis que
embasam o trabalho pedagógico nos hospitais.
HISTÓRICO DAS LEIS QUE REGULAMENTAM A CLASSE
HOSPITALAR
Vamos partir da Constituição de 1988, que determina, em seu artigo 205, que a “a
educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa […]” (BRASIL, 1988). Com base nesse artigo, entende-se que a educação
deve ser ofertada a todos, mesmo em espaços não escolares. Depois da
Constituição de 1988, temos a promulgação do Estatuto da Criança e do
71
Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990, que dispõe sobre a proteção integral à
criança e ao adolescente e que assegura seu direito à educação. Ainda assim, a
legislação até então não definia especificamente a educação em ambientes
hospitalares, o que vem a acontecer apenas na década de 1990, quando o Conselho
Nacional de Direitos das Crianças e Adolescentes aprova a Resolução nº 41, de 13
de outubro de 1995, que estabelecia os direitos das crianças hospitalizadas. Dentre
suas determinações, a Resolução garante o direito “a desfrutar de alguma forma de
recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo
escolar, durante sua permanência hospitalar” (BRASIL, 1995).
Um ano após essa resolução, o governo promulga a Lei de Diretrizes e Bases, a
LDB 9394/96, que reforça o que está na Constituição a respeito da educação ser um
direito de todos, conforme expresso em seu artigo 2º, “a educação é direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996). A LDB
9394/96 também garante o direito à educação hospitalar dentro do escopo da
educação especial, sob o viés da educação inclusiva. É só a partir desse momento
que temos uma orientação mais específica em relação ao atendimento a crianças e
adolescentes em situação de internação hospitalar. De acordo com a LDB, em seu
capítulo que trata da educação especial, no artigo 58, “o atendimento educacional
será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função
das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes
comuns de ensino regular”. Mais recentemente, em 2018, tivemos a sanção da Lei
13.716, de 24 de setembro de 2018, cujo texto acrescenta um dispositivo na LDB
que assegura “o atendimento educacional, durante o período de internação, ao
aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar
ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em
regulamento, na esfera de sua competência federativa.” (BRASIL, 2018). Pensando
nisso, as leis que comentamos surgem a fim de minimizar o trauma de uma
internação, especialmente durante essa fase de formação e desenvolvimento do ser
humano. Assim, é preciso entender
[…] que a criança hospitalizada, mais que o adulto, necessita de
atividades que se aproximem de seu cotidiano, e que ela possa ser vista
pela equipe médica como um ser humano que carrega uma trajetória de
vida com saberes fundamentais e estruturantes enquanto pessoa e
cidadão.
(ANDRADE; SILVA, 2013, p. 62)
As leis surgem, então, com o propósito de fazer com que as crianças tenham
um atendimento mais humanizado dentro dos hospitais e sintam um impacto menor
com a internação. A educação no espaço hospitalar traz inúmeros benefícios aos
atendidos por ela. Além de garantir o que a lei determina, a pedagogia hospitalar
transforma um espaço triste em local de aprendizagem e reabilitação. Isso ratifica a
72
concepção de que a educação acontece em todos os espaços e acompanha todos
nós desde sempre.
E como se efetiva a educação hospitalar de fato?
Precisamos ter em mente que, nesse momento, a criança (ou adolescente) está
fragilizada em função da internação e não seria possível, portanto, exigir dela a
mesma dedicação que se exige na escola. Nesse sentido, o trabalho do pedagogo
com esse público tão diferenciado precisa acompanhar as necessidades e
peculiaridades do momento. Uma das possibilidades de trabalho com crianças e
adolescentes internados tem como base o uso da ludicidade, que apresenta uma
dimensão terapêutica e que favorece "o desenvolvimento biológico, físico e
emocional e as relações sociais que se estabelecem em meio ao jogo, ao brinquedo
e às brincadeiras" (ANDRADE; SILVA, 2013, p. 65). Essas práticas educativas que
têm como base o lúdico podem ajudar as crianças e adolescentes a recuperar sua
saúde, a ocupar seu tempo e aprender com as brincadeiras. Outro ponto digno de
nota é a capacidade de humanização que o lúdico traz tanto para o ambiente quanto
para os profissionais que atuam nesse espaço, uma vez que a ação pedagógica é
capaz de “sensibilizar os agentes da educação, da saúde e áreas afins a esta [...]”
(ANDRADE; SILVA, 2013, p. 65).
No Brasil, a pedagogia hospitalar é uma ação relativamente nova, que tem sua
origem nos anos 1950, no Rio de Janeiro, mas já é possível perceber que ela vem
sendo ampliada e ainda que sua predominância esteja na rede hospitalar privada,
muitos estados têm implementado essa iniciativa em hospitais públicos. No estado
de São Paulo, por exemplo, o governo implantou e ampliou a quantidade de classes
hospitalares, chegando a ter em torno de 31 classes na capital e por volta de 19 em
hospitais do interior. As aulas acontecem em classes ou até mesmo no leito,
dependendo da condição clínica do paciente. Já no estado do Espírito Santo, a
Secretaria de Estado da Saúde, em parceria com a Secretaria de Educação,
mantém o projeto Classe Hospitalar, levando exercícios, avaliações e atividades
planejadas por professores de uma escola local – que funciona como a base do
projeto – às crianças internadas em hospitais da região.
Matos e Mugiatti (2008) comentam que a pedagogia hospitalar é um processo
alternativo de educação continuada que ultrapassa o contexto formal da escola.
Nesse sentido, as práticas educativas desenvolvidas em hospitais têm um caráter
multi/inter/transdisciplinar. Vamos estudar essas práticas multi/inter e
transdisciplinares ainda nesta seção.
No que tange à ação do pedagogo, a intervenção a ser realizada deve ser bem
planejada e adaptada às necessidades e capacidades das crianças hospitalizadas.
Além disso, é fundamental que o espaço, os materiais e a carga horária sejam
adequados ao que o aluno precisa.
73
As práticas pedagógicas que ocorrem no ambiente hospitalar podem ser divididas
em duas modalidades: a classe hospitalar, que se refere à sala de aula propriamente
dita no ambiente hospitalar, e a brinquedoteca e recreação hospitalar, que têm como
princípio o direitoda criança de brincar.
No início dessa unidade falamos a respeito das brinquedotecas como um espaço em
que a pedagogia é trabalhada de forma bastante lúdica. Vimos que as
brinquedotecas podem aparecer em espaços distintos, como uma ONG, um
shopping center, um condomínio e em hospitais. Nos hospitais, as brinquedotecas
funcionam como um local em que as crianças serão estimuladas por meio de jogos
educativos e brinquedos, permitindo, assim, que elas exercitem aspectos sensoriais,
motores e sociais, entre outros. A brinquedoteca hospitalar tem como objetivos:
● preservar a saúde emocional dos pacientes;
● proporcionar o desenvolvimento da criança, especialmente se sua internação
for longa;
● permitir que o encontro entre as crianças e sua família aconteça em um
ambiente agradável;
● melhorar a interação da criança com o ambiente hospitalar, assim como com
os profissionais de saúde e demais setores do hospital.
Os benefícios da brinquedoteca no desenvolvimento integral da criança podem ser
percebidos também no espaço hospitalar. Na verdade, é nesse momento que as
crianças precisam ainda mais de atividades lúdicas que desenvolvam habilidades,
mas também que proporcionem momentos de alegria e lazer. Tendo em vista a
importância da brinquedoteca como auxiliar no tratamento de crianças
hospitalizadas é que foi criada a Lei nº 11.104/05, que torna obrigatória a
brinquedoteca em hospitais, como parte da assistência terapêutica a crianças e
adolescentes hospitalizados. Segundo Andrade e Silva (2013), a brinquedoteca deve
ser um espaço físico dividido por faixas etárias e desenvolvimento cognitivo e
emocional das crianças. Dessa forma, esse espaço pode ser dividido em diferentes
cantinhos, a serem utilizados por faixas etárias diversificadas, como o canto dos
bebês; o canto do faz de conta; o canto da leitura; o canto do teatro; o canto das
artes.
O pedagogo que deseja atuar em hospitais precisará desenvolver sua empatia e
uma escuta atenciosa, sabendo que o público-alvo de sua ação pedagógica
necessita de um olhar mais carinhoso, em função do momento delicado em que se
encontra. Ainda segundo Matos e Mugiatti (2008, p. 83),
[…] a inserção da pedagogia no espaço hospitalar não pode ser
dissociada de um projeto pedagógico adequado. A relação
homem-realidade, homem-mundo, sempre implica transformação.
Conforme se estabelecem estas relações, o homem pode ter ou não
74
condições objetivas para o pleno exercício da maneira humana de existir.
Vejamos, agora, algumas atribuições do pedagogo hospitalar. De maneira prática, o
pedagogo será aquele que fará a ligação entre o hospital, a equipe pedagógica, o
paciente, os familiares e a escola onde esse paciente está matriculado. Seu trabalho
é primordialmente dentro do ambiente hospitalar e ele deve, entre outras coisas,
certificar-se de que o paciente tem condições de receber o atendimento pedagógico,
reportando-se ao médico e à família do paciente. Além disso, o pedagogo terá que
coordenar as equipes de professores que farão o atendimento a esse aluno. Outras
atribuições incluem verificar as atividades propostas e os materiais a serem
utilizados e acompanhar o progresso acadêmico do aluno. Podemos perceber que o
trabalho do pedagogo hospitalar é bem semelhante ao que se faz nas escolas, a
diferença principal é a condição física e mental do enfermo e os espaços nos quais a
prática pedagógica se realiza.
A educação hospitalar apresenta, portanto, inúmeros benefícios àqueles que são
atendidos por ela. As aulas trazem para o ambiente um retorno à rotina que esses
alunos tinham antes de sua internação. Além disso, as atividades pedagógicas
geram momentos de alegria, permitem que os pacientes esqueçam um pouco a
rotina do tratamento e a tristeza da internação, contribuem para manter o equilíbrio
emocional e psicológico dos alunos, o que impacta direta e positivamente o
tratamento. É recompensante para o pedagogo exercer um trabalho humanizado,
que traz tantos benefícios a um grupo – sejam os alunos ou seus familiares –
fragilizado e abalado emocionalmente em função da vivência em um hospital.
EDUCAÇÃO QUE PROMOVA QUALIDADE DE VIDA
Caro aluno, você preocupa com sua qualidade de vida? Quando pensa a esse
respeito, quais fatores você acha que definem a qualidade de vida? Sabia que a
educação também é um fator que pode determinar a qualidade de vida de uma
pessoa? Vamos tentar compreender agora o conceito de qualidade de vida, bem
como de que maneira a educação pode contribuir para elevar esse parâmetro.
A fim de entendermos como a educação pode promover a qualidade vida, é preciso
compreender o que seria, então, qualidade de vida. De início, é preciso destacar que
não há um consenso sobre a definição do termo. Os diferentes estudos a respeito do
tema mostram que a qualidade de vida pode ser definida de forma objetiva ou
subjetiva. A OMS (Organização Mundial de Saúde) define a qualidade de vida como
“a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e
sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações”. Ainda de acordo com a OMS, a qualidade
de vida envolve o bem-estar espiritual, físico, mental, psicológico e emocional, além
de relacionamentos sociais, com família e amigos e, também, saúde, educação,
habitação saneamento básico e outras circunstâncias da vida (BRASIL, 2013).
Como podemos perceber, esse é um conceito muito amplo e, por isso, difícil de ser
75
explicado. Ainda assim, é possível afirmar que a maioria das pessoas relaciona a
ideia de qualidade de vida ao bem-estar. Esse bem-estar pode estar relacionado ao
trabalho, à saúde e ao meio ambiente, entre outros fatores que veremos mais
adiante.
Quando falamos de qualidade de vida, estamos nos referindo a um conceito que
engloba vários fatores, como o biológico, o político, o social e o econômico.
Podemos compreender que a qualidade de vida é um conceito multifatorial e seu
alcance dependerá do bem-estar em várias áreas. Além desses fatores, avaliar a
qualidade de vida dependerá também do momento social e histórico, do país e da
cultura. É possível pensar em qualidade de vida com base em indicadores objetivos,
que são aqueles que podem ser facilmente observados e mensurados e se
relacionam às condições materiais e econômicas, e indicadores subjetivos, que
dependem da avaliação de elementos emocionais, culturais e físicos e como eles
são percebidos pelos indivíduos e podem englobar a avaliação de elementos tão
subjetivos como a felicidade e a tristeza.
Almeida, Gutierres e Marques (2012) apontam que os primeiros indicadores
objetivos de qualidade de vida incluíam a aquisição dos bens materiais, os avanços
educacionais e as condições de saúde. Esses indicadores, entretanto, não levavam
em consideração as particularidades históricas e culturais dos grupos analisados,
pois desconsideravam as vertentes subjetivas e a contemporâneas. Um ponto
comum observado entre os que estudam a qualidade de vida é o fato de que esse é
um tema de grande abrangência conceitual e que engloba questões
multidisciplinares. Ainda nesta seção veremos o trabalho do pedagogo em equipes
multidisciplinares, a fim de entender seu papel na promoção da qualidade de vida.
Diante disso, como melhorar a qualidade de vida? E como isso pode ser feito por
meio da educação? Antes disso, porém, vamos ver como a qualidade de vida se
relaciona a alguns aspectos da nossa vida.
● Qualidade de vida e saúde: alguns autores entendem que a saúde e a
qualidade de vida são fatores indissociáveis. Para esses autores, ter boa saúde é
fundamental para se ter qualidade de vida. Nesse caso, estamos falando de saúde
física e mental.
● Qualidade de vida e meio ambiente: o meio ambiente se refere a tudo o que
nos rodeia. Nesse sentido, estar em um ambiente agradável, limpo e bem
preservado melhora a sensação de bem-estar que, consequentemente, promove
uma melhor qualidade de vida.
● Qualidade de vida e trabalho: o trabalho ocupa, atualmente, grande parte
do dia da maioria das pessoas.Muitas vezes passamos mais tempo com os colegas
de trabalho do que com a própria família. Por isso é tão importante pensar na
relação entre qualidade de vida e trabalho. As empresas têm se preocupado cada
vez mais com o bem-estar de seus colaboradores e com um ambiente de trabalho
76
saudável e agradável e, em função disso, têm investido na implementação a
qualidade de vida no trabalho.
● Qualidade de vida e educação: a qualidade de vida também é medida pelo
nível de educação da população. Na medida em que há uma oferta de educação de
qualidade para o povo, a qualidade de vida melhora. O inverso também é
verdadeiro, ou seja, se o governo não oferece uma boa educação, a tendência é que
seja mais difícil manter a qualidade de vida dessas pessoas. Isso se dá porque uma
boa educação permite que as pessoas evoluam e busquem melhorar suas vidas.
Vamos falar dessa relação, com mais detalhes, a seguir.
Nós já sabemos o quanto as ações educativas podem ser transformadoras da
realidade, não só em relação à escola, mas em relação a uma comunidade inteira.
Esse efeito da educação pode ser comprovado com a observação de comunidades
que foram transformadas por projetos sociais. Vamos ver alguns exemplos de
projetos educativos instalados em comunidades periféricas que transformaram a
realidade desses locais. O primeiro deles é o Projeto Uerê (2019), instalado no
Complexo de Favelas da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, responsável por
atender 270 crianças atualmente. Esse projeto, reconhecido internacionalmente, é
um modelo no atendimento de crianças traumatizadas pela violência. O Projeto Uerê
é uma escola cujo objetivo é desenvolver ações voltadas para crianças que
apresentam algum tipo de bloqueio cognitivo em função de traumas causados pela
violência, por meio de uma complementação do ensino formal, com aulas de
português, matemática, história, geografia, ciências e idiomas. De acordo com a
página oficial do projeto, também são oferecidas refeições e oficinas
extracurriculares que incluem oficina de leitura, de informática, de fotografia,
orquestra de cordas e escolinha de futebol. Ações como essa também ocorrem em
outras cidades. Dentre elas, podemos citar a Unifavela, pré-vestibular localizado na
Comunidade Nova Holanda, na Maré, e o pré-vestibular Construindo Caminhos, no
Complexo do Alemão, ambos na cidade do Rio de Janeiro.
EDUCAÇÃO E TRABALHO
A educação que promove a qualidade de vida está ligada ao trabalho de várias
maneiras. É um assunto muito amplo e dá margem a discussões que não cabem no
espaço desta seção. Vamos nos concentrar em alguns aspectos que ficam mais
evidentes nessa relação.
Conforme vimos, a educação tem como propósito oferecer uma formação integral do
indivíduo, de maneira que ele possa exercer sua cidadania amplamente. A
promoção do conhecimento fará com que os estudantes alcancem sua emancipação
social e econômica, contribuindo para manter a sociedade mais justa e democrática.
É por meio da educação que o estudante será capaz de escolher sua profissão, de
acordo com seus gostos e perfil o que, consequentemente, o levará a conseguir um
77
trabalho que torne sua vida mais digna, impactando diretamente sua qualidade de
vida e a de todos ao seu redor.
É preciso, então, considerar a relação entre a educação e o trabalho. Essa análise
se faz relevante quando consideramos que as pessoas passam mais tempo no
trabalho do que com sua família. Além disso, o trabalho é algo intrínseco à vida em
sociedade. Ele é a base da relação homem e natureza e é por meio dele que o
homem transforma a natureza, adaptando-se a ela. Apesar disso, o trabalho pode
servir como instrumento de alienação e é aí que a educação se faz mais necessária,
por ter uma função desalienante em relação a ele.
E como o currículo escolar se relaciona com a promoção da qualidade de vida?
Ainda que nosso foco seja o trabalho dos pedagogos em espaços não escolares, ao
longo de sua formação você tem contato com vários documentos oficiais que
embasam o trabalho escolar do educador e que também servirão como recursos
para efetivação de práticas não escolares.
Ao falarmos de uma educação que promova qualidade de vida, é válido trazer à
baila as orientações a respeito dos temas transversais do PCN (1997) e, mais
atualmente, da BNCC (2018). Vamos começar pelo PCN. O PCN traz, em um de
seus livros, orientações para o trabalho com temas transversais. Esses temas
compreendem seis áreas, a saber: a) ética (respeito mútuo, justiça, diálogo e
solidariedade); b) orientação sexual (matriz da sexualidade, relações de gêneros,
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis); c) meio ambiente (ciclos da
natureza, sociedade e meio ambiente); d) saúde (autocuidado, vida coletiva); e)
pluralidade cultural (pluralidade cultural, sua constituição, cidadania) e, finalmente f)
trabalho e consumo (relações de trabalho, consumo, meios de comunicação em
massa, diretos humanos, cidadania). Esses temas são trabalhados juntamente com
as disciplinas regulares do currículo escolar e permitem que o aluno tenha uma
visão mais ampla de seu papel como cidadão na sociedade.
Os documentos que vimos comprovam o papel da educação na formação integral do
indivíduo. Podemos então assumir que a educação, quando ofertada com qualidade,
é capaz de preparar o indivíduo para sua vida em sociedade, o que terá
consequências diretas na qualidade de vida. Uma pessoa que tenha uma educação
sólida será capaz de trabalhar em prol da melhoria de sua qualidade de vida bem
como de todos aqueles que estão à sua volta. Esse cidadão será mais um agente
transformador da sociedade porque conseguirá perceber onde pode atuar e o que
pode melhorar no ambiente que está inserido. Ainda que a qualidade de vida seja
um tema amplo, podemos concluir que ela dependerá enormemente da atuação das
pessoas na sociedade, não sendo um trabalho individual, porém, coletivo.
78
TRABALHO INTERDISCIPLINAR
Temos falado bastante do trabalho do pedagogo e seu aspecto múltiplo. Isso quer
dizer que é preciso que este profissional tenha um olhar que extrapole os aspectos
curriculares e adentre outras áreas. Certamente, você já ouviu o termo
interdisciplinar, pois o debate acerca do trabalho interdisciplinar tem se ampliado
muito nos últimos anos, especialmente na Pedagogia. Isso se dá em função de
novas pesquisas na área da educação que têm buscado fazer uma integração dos
conteúdos vistos na escola com a realidade fora de seus muros.
Você já deve ter se perguntado ao longo de sua formação o motivo de estudo de
certos assuntos, não é mesmo? É muito comum que não vejamos sentido no que
aprendemos, justamente porque nosso olhar ainda é compartimentado. O fato de as
disciplinas ainda serem dadas de forma isolada faz com que nós tenhamos uma
noção limitada de sua utilidade, o que acaba por deixar o conteúdo sem sentido e
um conteúdo sem sentido é, certamente, um conteúdo esquecido.
Pensando nessas questões foram – e ainda são – desenvolvidas pesquisas e
orientações em torno de um trabalho interdisciplinar. Isso será de grande valia para
o pedagogo que quiser trabalhar em espaços não escolares também, uma vez que a
educação que ocorre nesses lugares é bastante flexível e, em grande parte,
funciona como auxiliar da educação formal em busca de soluções para problemas
locais. Como já vimos anteriormente, a educação ofertada nesses espaços parte da
necessidade de um público ou de uma comunidade. Basta lembrarmos do trabalho
nas ONGs, nos CRAS e nos hospitais. Em todos esses lugares a educação se faz
em função da demanda daquela comunidade. Desse modo, podemos entender que
uma visão voltada para o trabalho interdisciplinar é fundamental para atingir esse
público.
Mas afinal, o que é a interdisciplinaridade? A fim de entendermos o que é um
trabalho interdisciplinar, é preciso que o conceito de interdisciplinaridade esteja
muito claro. Assim, temos que a interdisciplinaridade está ligada às concepções de
integração e flexibilidade. Abreu (2009) aponta que a interdisciplinaridade é
apresentada como umaresposta ou solução às constantes mudanças
experimentadas pela sociedade. Ainda assim, complementa Abreu (2009, p. 48), a
interdisciplinaridade é um conceito antigo, visto em maior ou menor grau desde a
Antiguidade, caso do Trivium (gramática, retórica e dialética) e do Quadrivium
(aritmética, geometria, astronomia e música), em que as disciplinas se articulavam e
se complementavam. Essa ideia de integração entre os saberes começa a mudar
com a Revolução Industrial, quando o saber especializado foi se tornando cada vez
mais necessário, pois os processos industriais eram mais específicos. A partir desse
momento, “o conhecimento passa a ser fragmentado e especializado,
desvalorizando a integração proposta até então, valorizando a integração pelo
método científico, eleito como o único método capaz de tal fato” (ABREU, 2009, p.
79
49). O debate volta à tona com as mudanças ocorridas no século XX, quando se
questiona a fragmentação do conhecimento. Para Japiassu (1976, apud Abreu,
2009) – um dos primeiros estudiosos do tema no Brasil - “quanto maior for o
desenvolvimento das disciplinas, diversificando-as, maior é a perda de contato com
a realidade humana, o que facilita a alienação do indivíduo na sociedade, uma vez
que ele não reconhece sua realidade, e consequentemente, não promove
mudanças” (ABREU, 2009, p. 49).
Os estudiosos entendem que a interdisciplinaridade é ação e depende “de uma
atitude, de uma mudança de postura em relação ao conhecimento, uma substituição
da concepção fragmentária para a unidade do ser humano (FAZENDA, 1994, p. 40).
Cabe então, perguntar, de que maneira podemos trabalhar o conteúdo de forma
interdisciplinar.
É importante ressaltar que um trabalho interdisciplinar está baseado na ação, na
prática. Esse conceito parte do princípio de que a educação deve se basear em
projetos e não necessariamente em disciplinas. Para que isso aconteça, é preciso
que o educador esteja preparado para realizar um trabalho que demanda um
pensamento aberto a novas práticas que vão além da mera transmissão de
conhecimento segmentada que tem acompanhado o ensino tradicional há muito
tempo. Além disso, autores que estudam o tema, como Japiassu e Fazenda,
defendem que o trabalho interdisciplinar é aquele que depende da parceria entre os
sujeitos. Não é possível pensar em uma prática educativa interdisciplinar
baseando-se no âmbito individual somente, pois essa prática se efetivará com a
colaboração entre as diversas disciplinas envolvidas.
No que tange a educação em espaços de saúde – tema da nossa seção – faz-se
ainda mais necessário que o pedagogo leve essa proposta em consideração, uma
vez que temos um trabalho realizado com um público em condições de fragilidade, e
que ocorre em espaços e momentos bastante diferenciados. Para esse público, que
precisa de um olhar mais cuidadoso, o planejamento do professor e do pedagogo
deve levar em consideração que a associação das disciplinas e o trabalho por
projetos pode ser bem mais eficaz do que a exposição tradicional dos conteúdos.
O trabalho interdisciplinar apresenta várias vantagens em relação ao ensino
tradicional. Segundo Abreu (2009, p. 54), “a prática do conhecimento interdisciplinar
traz uma imensa riqueza para o desenvolvimento da intelectualidade do ser humano,
além de proporcionar uma aprendizagem que esteja atrelada aos porquês, às
descobertas, dando origem a um novo conhecimento”. Esse pensamento corrobora
a proposta de uma educação voltada para o desenvolvimento global do ser humano.
Nesse sentido, vale comentar o que os documentos oficiais nos indicam – sempre
fazendo a ressalva de que, ainda que estejamos tratando de educação em espaços
não escolares, tanto os PCNs (BRASIL, 1997) quanto a BNCC (BRASIL, 2017) nos
fornecem orientações sobre como realizar práticas educativas em outros ambientes.
80
Os PCNs e a BNCC indicam o trabalho com projetos de forma a eliminar a
fragmentação dos conteúdos, em busca de uma educação mais abrangente. O
professor, nesse cenário, precisa de sensibilidade a fim de integrar os conteúdos e
possibilitar que os alunos modifiquem e construam novos métodos de aquisição e
interpretação do conhecimento, pois, por essa proposta, o aluno sempre será o
agente da aprendizagem.
Dessa forma, um trabalho interdisciplinar vai levar em conta o público-alvo e suas
vivências, os objetos de estudos e suas diversas manifestações em diferentes
disciplinas, em busca da integração dos saberes. Além disso, o trabalho
interdisciplinar, quando realizado por meio de projetos, permite que seus integrantes
exerçam a colaboração uns com os outros.
O trabalho interdisciplinar se mostra ainda mais relevante atualmente com as
constantes mudanças que temos observado, mudanças essas que exigem que o
aluno – e futuro profissional – seja capaz de desenvolver diferentes habilidades e
utilizar os mais diversos conhecimentos na resolução de problemas, seja no âmbito
pessoal ou no profissional. Para que esse trabalho seja eficaz é preciso que o
professor, em conjunto com o restante do corpo docente, atue como promotor desse
entrelaçamento de disciplinas que permitirão a esse estudante desenvolver um olhar
variado para as situações do mundo.
PARTICIPAÇÃO EM EQUIPES MULTIDISCIPLINARES
Estamos chegando ao final desta seção. Vimos, até este momento, a atuação do
pedagogo no espaço hospitalar e ressaltamos a relevância desse trabalho durante o
tratamento de crianças e adolescentes hospitalizados. Estudamos também como a
educação pode ser promotora da qualidade de vida sob vários aspectos. Um outro
tópico comentado nesta seção foi a interdisciplinaridade e como o trabalho
interdisciplinar pode ser útil em situações escolares e não escolares. Para
finalizarmos, vamos observar a atuação do pedagogo em uma equipe
multidisciplinar.
Estudamos anteriormente o conceito de multidisciplinaridade. Vamos relembrar do
que se trata? A multidisciplinaridade se refere ao trabalho feito com várias disciplinas
que aparentemente não têm relação umas com as outras, ou seja, sempre que
realizamos um trabalho multidisciplinar temos um objeto que vai ser estudado por
diferentes profissionais. O trabalho multidisciplinar é aquele em que vários
pesquisadores ou profissionais de várias áreas se unem a fim de estudar um único
objeto. É bem provável que você já tenha escutado o termo “equipe multidisciplinar
na educação”, especialmente quando há na escola aluno(s) que apresente(m) algum
tipo de dificuldade ou deficiência que demande o conhecimento de vários
profissionais em busca do diagnóstico e posterior solução. As equipes
multidisciplinares podem aparecem em áreas como a educação, como comentamos,
81
mas também na medicina, no direito e em qualquer outra área que precise de um
olhar múltiplo em torno de um problema. Vale pontuar que nesse trabalho
multidisciplinar não há a necessidade de integração entre as áreas, apenas visões
diferentes e complementares de um mesmo problema.
A equipe multidisciplinar pode, então, ser definida como um grupo de profissionais
de áreas diferentes, que atuam em conjunto a fim de resolver um problema. Nessa
perspectiva multidisciplinar, é fundamental que a atuação dos integrantes seja
pautada pela cooperação mútua a fim de que o objetivo seja alcançado com
sucesso. A proposta de trabalho em uma equipe multidisciplinar é fundamental e
inclui áreas como a tecnológica, a do meio ambiente e das mudanças climáticas,
além das já mencionadas áreas da saúde e jurídica. As pesquisas, em geral,
necessitam de um estudo multidisciplinar. Tomemos como exemplo a pandemia da
Covid-19, que mobilizou estudos das ciências da saúde, ciências sociais e
econômicas, entre outras, que foram fundamentais para compreender a ação do
vírus, bem como as ações que seriam necessárias para conter seu avanço e criar
uma vacina.
Vamos tentar compreender, primeiramente, como surge a necessidade de se
trabalhar em uma equipe multidisciplinar. Como já vimos anteriormente, o trabalho
multidisciplinar oferece recursos para o estudo de um objeto por meio de múltiplosolhares. Esse estudo contribui para uma visão mais ampla do que se quer observar
e se mostra ainda mais importante atualmente, uma vez que temos uma sociedade
em constante mudança, com problemas e questões cada vez mais interligados e
complexos. Dessa forma, podemos entender que não é mais possível – nem eficaz –
analisar uma situação sob apenas um prisma, porque essa seria uma visão limitada
e incompleta e talvez a proposta encontrada não abranja todos os aspectos da
situação em questão.
Podemos ver a atuação do pedagogo em equipes multidisciplinares em escolas,
hospitais, no judiciário e vários outros locais em que um trabalho em conjunto se faz
necessário. No espaço escolar, a equipe multidisciplinar pode trabalhar, por
exemplo, em função de uma demanda específica da Educação Especial, em que a
avaliação conjunta de pedagogos, psicólogos, médicos e fonoaudiólogos se faz
necessária. Para que os alunos com deficiência sejam inseridos adequadamente no
ambiente escolar, é preciso que o grupo de profissionais esteja sintonizado e
trabalhe de forma colaborativa para a melhor inserção desses estudantes. Entre as
ações que essa equipe pode desenvolver estão a sondagem das necessidades do
aluno, o planejamento de ações visando sua interação, a orientação da família e o
acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno e realização de possíveis
alterações no planejamento inicial.
Ao longo da seção, comentamos sobre a atuação do pedagogo em espaços de
saúde. No contexto hospitalar, como vimos, a pedagogia já se faz presente, ainda
que não seja de forma ampla. O pedagogo em hospitais é de suma importância no
82
processo de recuperação de crianças e adolescentes enfermos. Entretanto, é
necessário ressaltar que esse trabalho não será eficaz se não for composto e
planejado por diferentes profissionais. Precisamos partir do princípio da
multiplicidade e integralidade do ser humano. O trabalho em hospitais precisa
articular os saberes dos membros da equipe para que funcione de fato. Essa equipe
poderá ser composta por profissionais da Medicina, Psicologia, Enfermagem,
Serviço Social e Pedagogia. Dentro desse grupo, o pedagogo terá a tarefa de
promover ações educativas visando ao bem-estar do enfermo, integrando educação
e saúde ao mesmo tempo. Diante disso, a preparação do pedagogo que vai
trabalhar no ambiente hospitalar requer, necessariamente, uma formação de caráter
multidisciplinar, pois esse profissional precisará ter contato com o conhecimento
produzido por profissionais que atuam em hospitais, tais como pediatras,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos e nutricionistas (BARROS, 2007).
Vale ressaltar que o pedagogo pode atuar em equipes multidisciplinares também na
área jurídica. Nesse caso, sua atuação difere um pouco do que ele poderia fazer nos
CRAS, por exemplo. Nestes espaços – conforme vimos no início da unidade – o
pedagogo é responsável por projetos que, de certa forma, assemelham-se um pouco
mais ao que é feito em uma escola. Sua atuação em uma equipe multidisciplinar na
área jurídica, entretanto, abrange outros aspectos e inclui outros profissionais.
Nesse caso, essa equipe multidisciplinar será responsável pela ressocialização de
indivíduos que estejam em conflito com a lei, e o pedagogo contribui para esse
processo também por meio do aconselhamento e da orientação. Como você já
percebeu, em qualquer espaço em que haja pessoas em formação, lá estará o
pedagogo contribuindo para atender demandas pedagógicas e sociais.
Unidade 4
Seção 1 - COMPETÊNCIAS PARA ATUAR COM A EDUCAÇÃO NÃO
ESCOLAR
COMPETÊNCIAS PARA ATUAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR
Um primeiro passo para compreender quais são os saberes e o saber-fazer que um
educador necessita dominar para atuar efetivamente em espaços educativos não
escolares é ter clareza acerca da noção de competência.
Segundo a BNCC,
[…] competência é definida como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e
socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas
da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho.
83
(BRASIL, 2018, p. 8)
Desse modo, uma pessoa competente consegue se agir adequadamente perante
situações desafiadoras de seu campo profissional pela mobilização de três tipos de
saberes: o saber, o saber ser – fortemente vinculado com os valores e atitudes
necessárias perante o problema – e o saber fazer – relacionado ao o conhecimento
dos procedimentos adequados.
Empregando o enfoque das competências, que situa a aprendizagem dentro de um
contexto – em lugar de considerá-lo como um processo mental abstrato – e o
considera uma ferramenta funcional para resolver problemas da prática profissional,
vejamos qual deve ser o perfil do profissional da educação não escolar.
Um primeiro ponto de partida é considerar que, embora existam especificidades na
atuação em espaços educativos para além dos muros da escola, muitos dos
desafios e exigências deste profissional também abarcam aos educadores em geral.
Comecemos, então, por analisar as competências gerais estipuladas para a
formação inicial de professores para a Educação Básica. Algumas dessas
competências são:
1. Compreender e utilizar os conhecimentos historicamente construídos
para poder ensinar a realidade com engajamento na aprendizagem do
estudante e na sua própria aprendizagem colaborando para a
construção de uma sociedade livre, justa, democrática e inclusiva
2. Pesquisar, investigar, refletir, realizar a análise crítica, usar a
criatividade e buscar soluções tecnológicas para selecionar, organizar e planejar
práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas.
3. Valorizar e incentivar as diversas manifestações artísticas e culturais, tanto locais
quanto mundiais, e a participação em práticas diversificadas da produção
artístico-cultural para que o estudante possa ampliar seu repertório cultural.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com
acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus
saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer
natureza, para promover ambiente colaborativo nos locais de aprendizagem.
(BRASIL, 2019, p. 13)
Essas competências são relevantes para o desempenho do profissional da
educação não escolar? A resposta é, claramente, sim. Um educador que trabalhe
nesse setor deverá ser capaz de mobilizar seus conhecimentos a respeito da
complexa realidade na qual estão inseridos seus educandos para engajá-los em
processos de aprendizagem que contribuam com a transformação dessa realidade,
segundo os valores de justiça, democracia e inclusão. Por sua vez, deverá
desenvolver sua atividade com criatividade, de maneira a projetar e propor práticas
pedagógicas que lhe permita atuar em situações diferentes, muitas vezes
imprevisíveis. Deverá ser capaz de propor tarefas que tenham verdadeiro sentido
para os educandos, pela sua relevância em termos da sua situação social, cultural e
84
pessoal. Com o desenvolvimento da sua prática educativa, o profissional deve
ajudar os educandos a ampliar o seu repertório cultural e a aprofundar as
compreensões da sua realidade e do mundo local e global. Será necessário,
ademais, que o profissional da educação não escolar seja otimista, aberto à
colaboração e que consiga se comunicar com os educandos em uma relação de
respeito mútuo. Deverá poder analisar as causas dos problemas sociais e ter
sensibilidade suficiente para não se escandalizar diante de situações que os
educandos apresentem (CONFERRI; NOGARO, 2010).
Outra competência docente parece ser particularmente importante para a atuação
nesses cenários:
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na diversidade humana, reconhecendo suas
emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com
elas, desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos estudantes.(BRASIL, 2019, p. 13)
Considerando que o profissional que atua na educação não escolar trabalha
frequentemente com populações em situação de vulnerabilidade social, essa
competência pode ser chave no seu desempenho: ele deverá saber controlar sua
emotividade e ser maduro o suficiente para enfrentar situações que dificilmente
serão aceitáveis para uma pessoa não preparada na profissão (CONFERRI;
NOGARO, 2010). Saber lidar com o estresse e cuidar da sua saúde física e
emocional serão fatores de grande relevância na sua prática diária.
Por sua vez, as competências docentes específicas estabelecidas nas Diretrizes
Curriculares para a formação inicial de professores para a Educação Básica dizem
respeito a três grandes dimensões: a dimensão do conhecimento profissional, a
dimensão da prática profissional e a dimensão do engajamento profissional.
Mais uma vez, cada uma dessas dimensões tem um importante papel na prática
cotidiana do profissional que atua na educação não escolar. Vejamos isso com o
exemplo que segue.
SER CAPAZ DE EXPANDIR A INTENCIONALIDADE EDUCATIVA
PARA DIVERSOS CONTEXTOS
Eu vou anotando tudo o que nós conversamos e, um dia, sentamos e
trago literatura e os materiais para fazer um cordel, uma história sobre
eles mesmos ou alguma ladainha, na parte da Capoeira. É assim que a
gente vai construindo na parte do letramento – Carlos Caçapava,
Arte-Educador encarregado da oficina de Capoeira.
(MENINOS…, 2017)
A fala desse educador coloca em primeiro plano uma competência fundamental para
o profissional que atua em espaços não escolares. Ele consegue expandir a
85
intencionalidade educativa de uma oficina de Capoeira – entorno fortemente
marcado pela oralidade, musicalidade e corporeidade – para contribuir com os
processos de letramento de seus alunos. Como consegue isso? Por meio da escuta
cuidadosa, do registro das falas dos alunos e do desafio a eles para criar um cordel
ou uma ladainha que fale de suas próprias vidas e experiências. É importante notar
que, nesses espaços, o letramento não assume as características escolares – onde
está frequentemente marcado pela aprendizagem da caligrafia, a associação de
palavras que começam com as mesmas sílabas e outras práticas. Neste espaço, o
letramento se entende como uma oportunidade para interagir com o texto escrito por
diversas dinâmicas, tais como a escrita de uma canção.
Podemos dizer, então, que os profissionais competentes que atuam na educação
não escolar têm uma percepção ampla que lhes permite enxergar o que aqueles
sem preparação não podem perceber: as potencialidades dos seus educandos e do
espaço no qual atuam. Isso lhes permite expandir o potencial educativo da sua
prática em múltiplas direções. Continuando com o exemplo de Marta discutido
anteriormente, uma das suas aulas pode transformar-se em uma oportunidade para
trabalhar noções matemáticas de proporcionalidade, para discutir noções de nutrição
infantil ou economia doméstica. Desse modo, as práticas educativas em espaços
não escolares conseguem ir além da aprendizagem de questões específicas –
aprender capoeira, cozinha, teatro, crochê. Elas se tornam espaços nos quais os
alunos chegam a compreender-se como sujeitos capazes de conhecer e em que
vive o desejo de aprender. Podemos dizer, então, que a inexistência de currículos
preestabelecidos, a diversidade de marcos institucionais e a variedade de objetivos
das diversas propostas educativas exigem do educador a competência de pensar
pedagogicamente em cenários muito diversos e expandir as potencialidades
educativas de cada um deles (MORALES, 2013).
SER CAPAZ DE FORMAR AGENTES TRANSFORMADORES
Saber ler e escrever é uma coisa básica para poder se comunicar no
mundo. Eu sei que a gente não vai mudar o mundo, mas o nosso papel
aqui é mostrar as possibilidades de um mundo melhor – Chai
Odisseiana, Arte-Educadora encarregada da oficina de Artes Cénicas.
(MENINOS…, 2017)
Esse excerto destaca que fato de que a prática educativa em espaços não escolares
se torna significativa principalmente porque orienta seus esforços a ajudar a
indivíduos e comunidades a pensar sobre sua condição social, cultural e pessoal, e
a transformar tanto sua vida com a da comunidade. Assim, o profissional que atua
neste âmbito deve ter as competências necessárias para orientar aos educandos na
problematização da realidade e na procura de estratégias para solucionar os
problemas que os afetam individual ou comunitariamente. Podemos dizer, então,
que ele deve ser capaz de ajudar aos educandos a assumir a posição de atores
sociais ativos que se mobilizam para superar dificuldades e empecilhos. O esforço
86
transformador também está fortemente vinculado com outra habilidade que o
educador deve dominar: saber desafiar seus educandos com projetos de vida
alternativos e estimular a reflexão a respeito de cenários futuros desejáveis.
Segundo Conferri e Nogaro (2010, p. 18), “o futuro como possibilidade é uma força
que fomenta mentes e corações, impulsiona para a busca de mudanças”. Com essa
perspectiva, o profissional da educação não escolar deve ser um otimista
incorrigível, convidando ao protagonismo e ao descobrimento de que os educandos
são construtores da sua história (MORALES et al., 2013).
SER CAPAZ DE FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO CONSCIENTE, ATIVA
CRÍTICA NA VIDA SOCIAL GLOBAL
Eu falo para eles: “não pode falar a palavra liberdade, vamos procurar
palavras que possam dar esse significado”. Aí eles vêm com: “eu sou
um pássaro para voar aos quatro cantos do mundo e viajar”. Isso aí tem
a ver com os sentimentos. É como se, minuto a minuto, a gente
conseguisse aflorar um pouco mais os sentimentos deles. Eles
tornam-se mais meninos – José Paulo, Coordenador.
(MENINOS…, 2017)
Um dos objetivos fundamentais da educação não escolar é contribuir com o
desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática na qual todos os seus
cidadãos possam participar. Para atingir esse objetivo, o profissional que atua nessa
modalidade precisa ser competente em oportunizar às crianças, jovens e adultos
novas experiências, a fim de que eles possam fortalecer ou reconstruir o elo familiar
e comunitário, adquirindo autoconhecimento e autoestima necessárias para a
participação na vida em sociedade e aprendendo a ler e interpretar a realidade que
os rodeia. Trabalhando com essa perspectiva, suas práticas educativas serão meios
fundamentais para que seus alunos possam integrar-se na cidade, tornando-se
cidadãos que participam ativamente das relações sociais dentro do seu entorno
(CONFERRI; NOGARO, 2010).
SER CAPAZ DE PRATICAR O ACOLHIMENTO E O RESPEITO
Dar um conforto para eles, para eles saberem que aquilo que eles estão
criando sim é real. Que jogar tinta num fantasma, não tem problema
nenhum, não é tão absurdo, deixar fluir a imaginação, a criatividade –
Osky Matella, Arte-educador encarregado da oficina de artes plásticas.
A vantagem daqui é que nem toda turma de teatro tem meninos de
várias series, então um puxa o outro. As vezes um menino que está começando a
ler ou que já está bem avançado na graduação, mas tem uma capacidade de leitura
baixa, um vai puxando o outro, ele vai aprendendo pela sonoridade. Lemos [os
roteiros] em conjunto, […] com a possibilidade de ter meninos que não querem ler.
Só os voluntários vão lendo. Então, os outros vão vendo que tem espaço para errar,
ficam menos apreensivos, vão vendo que tem espaço para ler errado, e tudo bem,
87
ninguém está criando chacota – Chai Odisseiana, Arte-Educadora encarregada da
oficina de Artes Cénicas.
(MENINOS…, 2017)
As falas desses dois educadores revelam a sua competência para
desenvolver relações interpessoais com seus educandos, que promovam a
autoestima, que respeitem as particularidades de cada um e que levem em
consideração as suas diferenças. Nessa direção, as competências dialógicas
desempenham um papel fundamental na prática educativa dos profissionais que
atuam na educação não escolar. Tais competências se vinculam com a capacidade
para estabelecer relações em um plano de igualdade que, sem significara ausência
de autoridade, criem uma relação de respeito mútuo. Será praticando tais
competências que o educador conseguirá promover o debate, o intercâmbio o
confronto de ideias e, portanto, a capacidade de ouvir as diferenças e praticar o
reconhecimento da diversidade de experiências e de saberes (MORALES et al.,
2013).
Seção 2 - AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO AMBIENTE NÃO
ESCOLAR
ASPECTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS DAS PRÁTICAS NO
AMBIENTE NÃO ESCOLAR
Ao se desenvolver nos mais variados contextos sociais, a não burocratização é um
aspecto relevante da educação não escolar. Ela está presente na maneira como os
profissionais deste setor articulam as restrições e possibilidades que o seu contexto
de trabalho lhes oferece para poder levar adiante suas práticas educativas. Contudo,
a espontaneidade, embora esteja presente, não é – nem deveria ser – o único
elemento dominante das práticas pedagógicas que se desenvolvem para além dos
muros da escola. O educador que se desempenha nesses entornos deve, também,
apoiar seu trabalho em princípios, métodos e metodologias (GOHN, 2009). E isso
nos leva a considerar os aspectos didático-pedagógicos dessas práticas.
À primeira vista pode parecer estranho falar de pedagogia ou didática na educação
não escolar principalmente porque, historicamente, termos como “didática” têm sido
desenvolvidos em estreita vinculação com o contexto escolar. Contudo, é importante
ressaltar que o mesmo acontece com a psicologia da aprendizagem ou a sociologia
da educação. Tanto é que, até poucos anos atrás, quando se teorizava, estudava e
refletia a respeito da educação, na verdade estava-se fazendo referência à escola.
Para entrarmos no território da educação não escolar é necessário apresentar uma
conceitualização dos aspectos didático-pedagógicos que atravesse as fronteiras do
escolar.
88
Os conhecimentos didático-pedagógicos serão fundamentais para o educador que
trabalha em espaços não escolares, já que lhe oferecem teorias e critérios para
tomar decisões sobre quais podem ser as intervenções de ensino mais adequadas e
por quê. Assim, tais conhecimentos servem de guia e de orientação tanto para
planejar ações educativas como para desenvolver estratégias de melhora dessas
ações. Eles permitirão que os profissionais que atuam na educação não escolar
possam dar resposta a perguntas como: qual a relação entre os meus objetivos
educativos e o que é preciso fazer para alcançá-los? Quais são as estratégias mais
adequadas para promover a aprendizagem de atitudes, habilidades e conceitos?
Quais são as estratégias mais adequadas para desenvolver a autonomia, a
capacidade de tomar decisões e de se tornar protagonista do seu processo de
aprendizagem e do seu processo vital? Como, quando e o que deve ser avaliado
para obter informação que nos permita tomar decisões sobre a maneira de organizar
e orientar o processo educativo? (PARECERISA; MIRAVALLES, 2003). No restante
desta seção vamos nos dedicar a buscar respostas para as perguntas
didático-pedagógicas básicas no caso da educação não escolar.
QUEM É O SUJEITO QUE APRENDE NA EDUCAÇÃO NÃO
ESCOLAR?
Uma das principais características que distingue o sujeito que aprende nos espaços
educativos além dos muros da escola é o fato de que ele participa consciente e
voluntariamente da sua aprendizagem. Nesse sentido, esses aprendizes são muito
diferentes dos alunos da escola que são, em certa medida, cativos em instituições
onde devem fazer parte de determinadas práticas pedagógicas. Na educação não
escolar o ensino é um oferecimento, um convite que requer o aceite daquele que
aprende (PUPPATO, 2019). Desse modo, o educador que atua nesses âmbitos
deverá organizar sua prática para mobilizar, em primeiro lugar, o desejo de começar
um processo de aprendizagem. Segundo Morales et al. (2013, p. 179) a motivação é
“uma dimensão misteriosa do processo de aprendizagem já que se refere à
disposição interna que faz do sujeito um ser que deseja algo desconhecido”. Por
essa perspectiva, o educador precisa assumir uma postura inquieta que busca
constantemente novas maneiras e estratégias para convidar seus educandos.
Organizar processos de aprendizagem que tenham conexões com aquilo que os
educandos já conhecem e consideram significativo é uma das estratégias que
ampliam a possiblidade de o convite do educador ser aceito.
PARA QUE ENSINAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR?
O ensino é uma ação deliberada, que persegue certos objetivos. Uma das grandes
finalidades da educação não escolar é a transformação real objetiva, do mundo
natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana. Assim, ela
procura o desenvolvimento de atitudes críticas e solidárias que contribuam com o
enfrentamento dos problemas da vida cotidiana – tanto em âmbito familiar como no
89
social e produtivo – e que ajudem a satisfazer as necessidades formativas dos
coletivos aos quais se dirigem (GOMEZ, 2004). Segundo Gohn (2006), a finalidade
desses processos educativos é “abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que
circunda os indivíduos e suas relações sociais” (p. 29), de maneira a problematizar a
realidade e imaginar sua transformação. Assim, o trabalho do educador nesses
âmbitos não se restringe a que seus educandos consigam construir diagnósticos da
situação presente. Ele deve trabalhar também com uma dimensão projetiva,
estimulando imagens e representações a respeito do futuro. Segundo Gohn (2009),
“o futuro como possibilidade é uma força que alavanca mentes e corações,
impulsiona para a busca de mudanças”.
Outra das grandes finalidades da educação não escolar é a de ampliar a leitura de
mundo das crianças e adolescentes que delas participam, valorizando sua
identidade étnico-racial e desenvolvendo conhecimentos dos direitos que asseguram
a proteção da infância e adolescência de forma integral. Essa finalidade se encontra
em estreita vinculação com a competência dos educadores que atuam nesses
âmbitos de expandir a intencionalidade educativa a diversos contextos e em
múltiplas direções. Significa, ademais, ser capaz de enxergar as potencialidades dos
seus educandos e do espaço no qual atuam. A educação não escolar deve ser
capaz de cultivar nos aprendizes novas maneiras de ver o mundo e sua realidade,
explorando o potencial pedagógico dos diversos contextos nos quais ela se
desenvolve.
Existe mais um último ponto a destacar em relação às finalidades da educação não
escolar. É importante reconhecer que os objetivos perseguidos pelo educador
podem não estar em sintonia com os objetivos dos educandos. Além disso, esses
objetivos devem, muitas vezes, ser conciliados com os interesses das instituições
envolvidas. Assim, a delimitação de finalidades é um espaço de tensão, mas
também uma possibilidade de diálogo e de construção conjunta. Isso significa que,
nesses âmbitos, o educador deverá estar aberto a negociar suas próprias intenções
e ter capacidade de dar voz aos seus educandos, valorizando e dando lugar aos
seus interesses (PUPPATO, 2019).
COMO ENSINAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR?
Não existe uma resposta única para essa pergunta. Se assim fosse, estaríamos
assumindo que o ensino na educação escolar é uma questão puramente técnica que
se resolve seguindo um protocolo. Muito pelo contrário, queremos destacar que o
desenvolvimento de propostas de ensino nesses contextos é uma construção
profissional que atende, de maneira situada, às condições de cada contexto e dos
aprendizes e que visa à transmissão e à apropriação da cultura, promovendo a
aprendizagem dos sujeitos. Desse modo, pensar no ensino na educação não escolar
é pensar em uma tarefa criativa de imaginar como os aprendizes podem
90
desenvolver um verdadeiro trabalho de apropriação e desenvolvimento de
conteúdos e competências.
Um aspecto comum dos processos de ensino dentro dos contextos não escolares é
que ela deve ser desenvolvida dentro das condições concretas de vida e de
trabalho dos educandos.
O profissional que desenvolve suas práticas educativas além dos muros da escola
não chega aos espaços educativos prontopara aplicar um currículo oficial nem
impondo condições para que seus educandos se adaptem às práticas tipicamente
escolares. Pelo contrário, ele deve ter sensibilidade para compreender e captar a
cultura local e considerá-la como ponto de partida para o processo de
aprendizagem. Nas palavras de Gohn (2009, p. 33-34):
A escolha dos temas geradores dos trabalhos com uma comunidade não
pode ser aleatória ou pré-selecionada e imposta do exterior para o
grupo. Eles, temas, devem emergir de temáticas geradas no cotidiano
daquele grupo, temáticas que tenham alguma ligação com a vida
cotidiana, que considere a cultura local em termos de seu modo de vida,
faixas etárias, grupos de gênero, nacionalidades, religiões e crenças, hábitos de
consumo, práticas coletivas, divisão do trabalho no interior das famílias, relações de
parentesco, vínculos sociais e redes de solidariedade construídas no local. Ou seja,
todas as capacidades e potencialidades organizativas locais devem ser
consideradas, resgatadas, acionadas.
Tomando esse ponto de partida, as estratégias de ensino que podem ser mais
apropriadas para a educação não escolar são aquelas que apresentam situações ou
cenários promotores de aprendizagem mais do que aquelas que se baseiam no
ensino direto de conteúdos. Nessa direção, metodologias fundamentadas na
resolução de problemas, nos casos ou nas simulações parecem ser particularmente
frutíferas, visto que permitem aproximar os saberes oferecidos às demandas e
necessidades concretas dos aprendizes e promovem o trabalho coletivo de procura
de soluções para problemas reais. Por sua vez, essas metodologias permitem
atender a ritmos e desejos diferenciados (PUPPATO, 2019).
QUANDO E ONDE ENSINAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR?
Tendo em vista a grande diversidade que caracteriza a educação não escolar, as
dimensões temporais e espaciais assumem uma grande relevância. A diferença
entre as instituições escolares da educação não escolar é o tempo, que não está
controlado por um calendário institucional determinado e que deve ser executado
para além dos tempos que a aprendizagem demanda. Fora dos muros da escola, o
tempo é uma variável que pode assumir muitos valores, constituindo-se em um
recurso que pode ser modificado e ajustado aos processos necessários (PUPPATO,
2019).
91
De maneira similar, o espaço na educação escolar não está preestabelecido ou
fixado. Ele se configura para cada sujeito ou grupo ao redor de cada prática
pedagógica. Assim, os bancos da praça, a sala de uma vizinha, as escadas da igreja
podem transformar-se em espaços educativos. Cada um deles oferece
oportunidades e recursos diferenciados que o educador deverá levar em conta. Não
é o mesmo planejar práticas educativas em um meio aberto, tal como fazem os
educadores de rua, do que planejar práticas educativas dentro de um centro
comunitário.
Um aspecto importante a considerar é que o próprio espaço onde se desenvolvem
as práticas educativas não escolares pode ser considerado como portador de
saberes e facilitador do ensino (PUPPATO, 2019). Vejamos isso no boxe que segue.
Exemplificando
Parte do trabalho didático-pedagógico do educador que atua em ambientes não
escolares é descobrir as potencialidades educativas nos diferentes entornos e
contextos. Isso significa ser capaz de lançar um novo olhar sobre os entornos para
dotá-los de sentido e oportunidades nas quais se destaquem elementos que
dignifiquem aos educandos.
Alguns exemplos bem-sucedidos disso são:
● O trabalho de reminiscência, com base nas emoções do teatro, com pessoas
que têm recebido diagnóstico de Alzheimer.
● A equinoterapia para trabalhar com pessoas que estão dentro do espectro do
autismo, procurando o estabelecimento de vínculos afetivos e comunicativos.
● O teatro social com pessoas com deficiência.
● As histórias de vida com pessoas idosas.
● As brincadeiras na água com pessoas com deficiências físicas e motoras.
92
Segundo Parcerisa e Miravalles (2003, p. 83), todas essas propostas têm um
denominador comum: elas reformularam o contexto ou o entorno de aprendizagem.
O contexto lhes oferece a oportunidade de ser ágeis, de estabelecer outros vínculos
comunicativos e afetivos. Será o espaço aberto, o palco, a piscina o que favorece a
dignidade da pessoa. Ali elas não são vistas ou consideradas pelas suas carências,
mas pelas suas possiblidades. O contexto as capacita, o que permite desenvolver
outras visões delas mesmas: sabem interpretar um roteiro de teatro, têm a
possiblidade de se locomover como o resto das pessoas pela água e cavalgando,
entre outras.
Avaliar na educação não escolar ?
Quando pensamos em processos de avaliação, as primeiras imagens que nos vêm à
mente são medição, seleção, acreditação e medo do fracasso. Contudo, essa não é
a única maneira de compreender a avaliação. Segundo Torres (2009), essa
concepção de avaliação se baseia em quatro grandes mitos em relação a esse
processo. O primeiro deles estabelece que “sem avaliação não é possível melhorar
a educação”. Segundo a autora, não é necessário passar por um processo de
avaliação estabelecido externamente para melhorar as práticas educativas. Por meio
da observação, da experiência direta e da participação concreta os professores
conseguem perceber aquilo que funciona e aquilo que não funciona. O segundo mito
estipula que “a avaliação contribui por si mesma à melhoria do ensino”. Isso é
claramente falso; nossos sistemas educativos formais estão sendo sometidos de
maneira cada vez mais frequente de instâncias avaliativas e elas não têm gerado
melhoras instantâneas. Já o terceiro mito assume que “avaliação é igual à prova”, e
o quarto que “o que precisa ser avaliado são os resultados” sem importar os
processos. Em contraposição a esses mitos, Torres propõe pensar a avaliação a
partir das seguintes perguntas: como sabemos se estamos indo bem? Como
fazemos saber a outros que estamos indo bem? Essas perguntas permitem pensar a
avaliação com base em uma perspectiva mais ampla e sem estereótipos. Essa é a
perspectiva a partir da qual é frutífero pensar a avaliação na educação não escolar.
93
Assim, pensar a avaliação de práticas pedagógicas que se desenvolvem para além
dos muros da escola supõe assumir uma perspectiva formativa para a avaliação.
Essa perspectiva desenvolve ações avaliativas destinadas a proporcionar
informações úteis para regular o processo de ensino e aprendizagem, contribuindo
para a efetivação do ensino. Assim, a avaliação na educação não escolar deve
servir, em primeiro lugar, como um instrumento para verificar se as expectativas do
educador e dos educandos estão sendo alcançadas ou não. Para tal fim, será
necessário promover diálogos permanentes e construir diversos instrumentos que
permitam a comunicação e o estabelecimento de acordos entre os envolvidos no
processo educativo (CHACÓN-ORTIZ, 2015).
A avaliação será, então, “um processo de busca de informação para a tomada de
decisões” (PUPPATO, 2019, p. 147). No contexto da educação não escolar, a
avaliação não assume o sentido de classificar, sancionar ou acreditar. Ela serve para
realizar os ajustes necessários que qualquer prática de ensino demanda. A
informação sobre a qual se tomam as decisões emerge tanto da exploração das
aprendizagens dos envolvidos como da reflexão conjunta a respeito de como as
estratégias propostas contribuíram para alcançar as intenções colocadas
originalmente. Desse modo, será possível redirecionar as ações e saberes assim
como reformular os propósitos das práticas pedagógicas, caso seja necessário
(PUPPATTO, 2019).
Nesta seção temos explorado como os elementos pedagógico-didáticos presentes
em qualquer processo de ensino-aprendizagem se concretizam nos âmbitos da
educação não escolar. Depois dessas reflexões, é possível perceber aspectos em
comum com as práticas educativas escolares assim como elementos distintivos. Ao
longo destas páginas também mostramos como os conhecimentos
didático-pedagógicos são uma ferramenta fundamental para o profissional que atua
em contextos para além dos murosda escola. Podemos concluir, então, que,
embora ainda não exista uma didática da educação não escolar finalizada e
estabelecida, ela é um campo em construção com a capacidade de ampliar a
potencialidade educativa dos múltiplos contextos nos quais se desenvolvem
cotidianamente processos educativos não escolares.
Seção 3 -DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR NA
ATUALIDADE
Agora que já estamos familiarizados com a complexidade das práticas e com o
amplo universo que constitui a educação não escolar, podemos refletir a respeito
dos desafios que ela enfrenta na atualidade. A educadora Maria da Glória Gohn
(2006) pode nos ajudar a iniciar essa reflexão, ao apontar as seguintes lacunas das
práticas educativas desenvolvidas para além dos muros da escola:
94
● É necessário pensar oportunidades de formação específica para educadores
nesses âmbitos.
● As funções e objetivos da educação não formal precisam ser mais claramente
estabelecidos.
● As metodologias utilizadas no trabalho cotidiano devem ser mais bem
sistematizadas.
● É necessário elaborar metodologias que permitam acompanhar o trabalho na
educação não formal.
● É preciso criar instrumentos que permitam avaliar e analisar o trabalho
realizado nesses ambientes.
● Existe uma demanda para criar metodologias que possibilitem acompanhar o
trabalho dos egressos ou das pessoas que já participaram de programas de
educação não escolar.
Podemos ver, então, que a educação não escolar é um campo que enfrenta
múltiplas lacunas e dificuldades, que estão em ressonância com a sua complexidade
e amplitude. Nesta seção, focaremos quatro grandes desafios que, em grande parte,
abarcam aqueles elencados por Gohn.
FORMAR PROFISSIONAIS PARA ATUAR NA EDUCAÇÃO NÃO
ESCOLAR
A educação não escolar, considerada enquanto cenário de práticas pedagógicas,
constitui-se da ação cotidiana dos educadores que, a partir do reconhecimento
crítico e contextualizado da realidade onde atuam, desenvolvem suas práticas
(SEVERO, 2015). Nesse sentido, é importante ressaltar que a possibilidade de
desenvolver propostas educativas de qualidade requer, sem dúvida alguma,
profissionais que sejam capazes de ideá-las e implementá-las. Essa ideia ganha
ainda mais relevância quando recordamos as complexas competências que os
educadores que atuam na educação não escolar precisam mobilizar nas suas
práticas diárias. Eles devem ser capazes de ler o contexto em que trabalham, de
selecionar conteúdos, de procurar e/ou imaginar metodologias adequadas, de
suscitar o desejo de aprender nos seus educandos e a confiança nas suas próprias
capacidades, entre outras coisas (MORALES, 2009). Segundo Molina (2009), o
trabalho do educador que trabalha em ambientes não escolares deve apoiar o
processo de desenvolvimento dos recursos cognitivos, afetivos, sociais e culturais
dos seus educandos e, ao mesmo tempo, ajudá-lo a conectar-se e integrar-se com a
realidade externa. Fica evidente, então, que a formação de profissionais para atuar
na educação não escolar é complexa e multifacetada. Na atualidade, esses
processos formativos constituem um grande desafio para essa modalidade
educativa devido a diversos motivos profundamente articulados entre si.
95
Em primeiro lugar, não pode ser ignorado o fato de que a educação não escolar vem
se constituindo como um espaço em que se inserem educadores leigos, estagiários
e/ou professores que realizaram uma formação centrada unicamente nos processos
educativos escolares. Logo nas suas primeiras experiências neste novo âmbito,
esses atores se defrontam com os desafios de uma área contraditória e complexa.
Nesse cenário, muitos projetos desenvolvidos dentro da educação não escolar
optam pela formação em serviço como prática preferencial. Esta não nem sempre é
a formação mais adequada, uma vez que muitos desses espaços formativos não
conseguem encorajar e fortalecer processos coletivos de reflexão e dificilmente
logram gestar processos de sistematização acerca dos conhecimentos profissionais
dos educadores. Assim, muitas vezes eles acabam se tornando meras rotinas para
os quais os educadores destinam horas do seu escasso tempo. Quando
percebemos que no âmbito do terceiro setor e dos movimentos sociais há uma
oferta cada vez maior de propostas educativas, verificamos a importância da
profissionalização dos educadores que atuam nessa modalidade (MOURA,
ZUCHETTI, 2009).
Assimile
Segundo Gómez (2004), o planejamento de programas de educação não escolar
requer desenvolver as seguintes atividades:
● Definir as finalidades que pretendem ser alcançadas.
● Estabelecer objetivos que tenham conexão com as finalidades e com as
necessidades dos destinatários, atendendo tanto aos aspectos conceituais como
aos afetivos e procedimentais.
● Determinar os conteúdos e competências a serem desenvolvidos.
● Selecionar um enfoque metodológico alinhado com as finalidades, os
objetivos e os conteúdos. Essa metodologia deve ajudar a tomar decisões acerca do
grau de sistematicidade das atuações e do tipo de agrupamentos e de atividades a
serem desenvolvidas.
● Escolher técnicas pedagógicas concretas que permitam desenvolver as
atividades.
● Estipular quais serão os recursos necessários para o desenvolvimento ótimo
do programa. Devem ser considerados os recursos pessoais, técnicos, ambientais,
visuais e demais, e especificados os momentos e os tempos previstos para seu uso.
● Prever a distribuição temporal das atividades levando em consideração o
orçamento assignado.
● Delinear os critérios e procedimentos de valoração do programa.
● Definir ferramentas que permitam melhorar o programa.
Ao explorar o listado de atividades envolvidas no planejamento de um programa
educativo em espaços não escolares, é fácil perceber o caráter desafiador de cada
uma delas. A realização do planejamento envolve múltiplas atividades fortemente
relacionadas, assim como a mobilização de conhecimentos pedagógicos e didáticos
96
aprofundados. O fato de que a educação não escolar acontece em uma
multiplicidade de espaços e que precisa se manter flexível às condições variáveis do
contexto e dos sujeitos acrescenta mais um elemento desafiador para o
planejamento de programas educativos.
Finalmente, outros desafios emergem quando consideramos as formas de realizar o
acompanhamento das práticas educativas que acontecem em entornos não
escolares. No momento da implementação dessas práticas, é necessário
desenvolver atividades que permitam refletir a respeito do ritmo das atividades,
analisando se elas se adequam ao planejado ou se é necessário realizar
modificações, se os recursos estão sendo utilizados de maneira eficiente e se as
metodologias empregadas estão se revelando frutíferas. Esse tipo de atividade
reflexiva requer tempo, além de uma pessoa que possa coordenar, sistematizar e
acompanhar os educadores nesse processo.
Um dos grandes desafios em relação ao acompanhamento das práticas educativas
nesses cenários é desenvolver sua avaliação dos resultados, desafio que se
manifesta em diversos níveis. Em um primeiro nível, a avaliação é desafiadora
porque as ações formativas da educação não escolar frequentemente se produzem
em interação com centros escolares e estão sujeitas a condicionantes políticos e
econômicos daqueles que as financiam. Assim, a avaliação deve considerar o ponto
de vista de todos os envolvidos – organismos financiadores, educadores e
destinatários – cada um em relação a sua competência e interesses (GÓMEZ,
2004). Em um segundo nível, a avaliação dos processos de aprendizagem dos
sujeitos envolvidos é fortemente desafiadora. Ela requer dar resposta a perguntas
como: quanto e que foi aprendido? O que aconteceu com as pessoas uma vez
finalizado o programa? Quais possibilidades – de trabalho, de novas aprendizagens,
de vida – foram abertas a partir das aprendizagens produzidas no programa?
Ademais, é necessário considerar que, embora a educação não formal possa ter
grande valor e potencial, é necessário que as aprendizagens desenvolvidas “não
terminem em ponto morto e habilitem e impulsem novas trajetóriaspara os sujeitos,
incluso no sistema formal” (MORALES, 2009, p. 91).
FOMENTAR A APRENDIZAGEM DOS DIREITOS HUMANOS PARA A
CIDADANIA PLENA
Como educadores sabemos que os processos educativos são trajetos muito
significativos que as pessoas devem percorrer com o propósito de ampliar suas
margens de liberdade, justiça e equidade. Também podemos perceber facilmente
que, nas nossas sociedades, “nada ou muito pouco do que somos enquanto
pessoas ou coletivos faz sentido sem apelar a nossa condição cidadã” (CARIDE,
2009, p. 454). Assim, nos tornamos quem somos em grande parte porque temos
direitos e podemos desfrutar de liberdades, junto com as responsabilidades que vêm
associadas, dentro de uma convivência democrática.
97
Esse cenário revela que a educação não escolar tem um compromisso, não só com
o desenvolvimento de saberes específicos, mas também com a valorização dos
valores cívicos da cidadania, fomentando o protagonismo das pessoas como
verdadeiros sujeitos de direitos capazes de refletir, atuar e transformar a sociedade
(CARIDE, 2017). Esse é mais um desafio que a educação não escolar enfrenta na
atualidade.
Fomentar a aprendizagem dos direitos humanos e da cidadania é desafiador porque,
em primeiro lugar, tornar-se cidadão requer não só assentir com a cultura, a
linguagem e os conteúdos e valores compartilhados pelos nossos grupos sociais.
Aprender a ser cidadão requer desenvolver uma base de conhecimentos e uma
formação ampla o suficiente para poder analisar, refletir e criticar propostas sociais e
políticas, sabendo intercambiar ideias, argumentar e dialogar com outros (CARIDE,
2009). Em segundo lugar, fomentar a aprendizagem da cidadania é desafiador
porque requer que nós, enquanto profissionais que atuam na educação não escolar,
demos respostas às perguntas mais básicas e fundamentais sobre o nosso papel
docente. Perguntas como: qual é a sociedade que queremos construir? Como
podemos educar para uma sociedade democrática? Quais são as condições
necessárias para poder desenvolver uma educação desse tipo? Como podemos
despertar as responsabilidades morais, políticas e cívicas da juventude? (CARIDE,
2017). Essa tarefa se transforma em um grande desafio quando consideramos que
nossas sociedades estão imersas em movimentos caóticos e imprevisíveis que
geram intensas crises e que submetem grandes grupos a situações de exclusão e
marginação. Assim, ao desenvolver práticas educativas não escolares orientadas a
populações que se encontram em situação de vulnerabilidade social – portanto, que
não têm garantidos os direitos fundamentais de educação, lar, cuidados, contenção,
saúde e trabalho –, enfrentamos o grande desafio de fomentar neles não só a
aprendizagem de certos conteúdos, mas também a aprendizagem de seus direitos
enquanto seres humanos e cidadãos.
Nesse contexto, o pedagogo José Antonio Caride (2017) coloca dois grandes
estímulos para a educação não escolar na atualidade:
● Educar para a vida a partir da própria vida: esse desafio se refere à
necessidade imperiosa de que as ações educativas desenvolvidas para além dos
muros da escola promovam saberes, competências e valores que estejam
associados ao desenvolvimento sustentável. Isso significa oferecer oportunidades
para que nossos educandos tomem consciência da relação de interdependência que
existe entre a crise socioambiental e as ações humanas
● Educar em e para a cidadania em uma sociedade em rede: esse desafio
comporta conciliar os direitos individuais e o vínculo que cada pessoa estabelece
com a comunidade. Assim, a educação não escolar se defronta com o desafio de
oferecer oportunidades nas quais os educandos possam tecer laços entre as
98
responsabilidades que eles têm como membros de redes sociais mais amplas e o
desenvolvimento da sua liberdade e autonomia individuais.
PROMOVER A TRANSFORMAÇÃO E A EMANCIPAÇÃO
A partir das reflexões realizadas ao longo de toda esta disciplina, fica claro que a
educação não formal tem o potencial de gerar interações entre indivíduos, de
promover uma melhor qualidade de vida, de enraizar e recompor identidades, de
valorizar culturas marginalizadas, de promover redes afetivas e de (re)conquistar a
cidadania (ONOFRIO; JULIA, 2013). Desse modo, as práticas educativas que se
desenvolvem para além dos muros da escola favorecem, nos educandos, a
construção de novas maneiras de enxergar as realidades sociais e suas
expectativas de mudança, estimulando e potenciando suas capacidades de produzir
transformações orientadas para metas social e eticamente valiosas (CARIDE, 2009).
Podemos dizer, então, que quando olhamos para a educação não escolar sob a
ótica da transformação e a emancipação, ela persegue um duplo propósito:
● Promover a inserção e participação ativa de indivíduos e grupos culturais nos
seus contextos e territórios conectando-os com as ações culturais, institucionais,
políticas e outras que possam contribuir com o seu desenvolvimento pessoal e
social.
● Habilitar oportunidades e recursos orientados a enfrentar as necessidades e
problemas específicos da população que dificultam, limitam ou condicionam o
exercício de seus direitos e liberdades. Esse propósito torna-se ainda mais relevante
quando se trata do trabalho com populações em risco que vivem problemas de
dependência, conflito, marginação ou exclusão (CARIDE, 2009).
Esse duplo propósito coloca a educação não escolar perante grandes desafios que
requerem articular diversas ações e cenários de intervenção, de maneira a promover
a formação integral dos indivíduos que sejam capazes de se posicionar e discernir a
respeito do que consideram melhor para suas vidas e sua sociedade e de promover
ações que lhes permitam realizar esses sonhos e desejos. Essa é uma tarefa nada
simples. De fato, Caride (2009) associa isso com o objetivo que ele denomina como
a promoção de uma educação de hoje para o amanhã, comprometida em explicar o
passado. Assim, a promoção da transformação e da emancipação dos indivíduos
para os quais a educação não escolar se dirige requer que eles aprendam a
interpretar o passado – da condição humana, da civilização e do planeta – e suas
complexidades, não como um fim em si mesmo, mas como uma porta para o futuro,
mesmo que este se revele incerto, líquido, adverso e incoerente. Isso coloca o
grande desafio de “pôr a educação ao serviço de uma nova arquitetura social, que
dê respostas para os processos de mudança e transformação emergentes, desde as
realidades locais até o mundo globalizado” (CARIDE, 2017, p. 19).
99
Nesta seção temos analisado os grandes desafios que a educação não escolar
enfrenta na atualidade. É importante ressaltar que muitos deles se vinculam com as
próprias características desta modalidade, com a sua diversidade e complexidade.
Considerando a riqueza e a potencialidade das práticas educativas desenvolvidas
em âmbitos não escolares e, principalmente, seu caráter transformador, a tarefa de
superar tais desafios se mostra urgente, instigante e encorajadora para todo
educador.
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