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Práticas educativas em espaços não escolares 1 Sumário 1. Unidade 1 - Seção 1 - CONCEITO E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR - página 3 - Seção 2 - OS ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR - página 10 - Seção 3 - A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR - página 16 2. Unidade 2 - Seção 1 - A CIDADE COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM - página 20 - Seção 2 - AS POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA - página 29 - Seção 3 - EDUCAÇÃO, VIOLÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL - página 36 3. Unidade 3 - Seção 1 - ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL - página 42 - Seção 2 -AMBIENTES EMPRESARIAIS - página 56 - Seção 3 - AMBIENTES DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL - página 71 4. Unidade 4 - Seção 1 - COMPETÊNCIAS PARA ATUAR COM A EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR página 84 - Seção 2 - AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO AMBIENTE NÃO ESCOLAR - página 89 - Seção 3 -DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR NA ATUALIDADE - página 95 2 Unidade 1 Seção 1 CONCEITO E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR Para compreendermos a educação que ocorre em espaços não formais, vejamos o significado – ou um possível significado – de educação, dado por Libâneo (2010). Assim, poderemos também compreender a própria Pedagogia acontecendo em espaços escolares e em espaços não escolares, espaços informais ou extraescolares: Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática, e o professor profissional não é o único praticante. LIBÂNEO, 2010, p. 26 A partir dessa definição, podemos compreender que educação implica processos sistematizados e não sistematizados, intencionais e não intencionais, acontecendo nas mais variadas situações, envolvendo os mais diferentes indivíduos. Contudo, a concepção ampla de educação não é algo que vem da atualidade, mas é na atualidade ou na história da educação recente que se discute mais a fundo as possibilidades de atuação da pedagogia na educação. Trata-se, portanto, de uma discussão que pode ser situada na modernidade e pós-modernidade. Mas, ao olharmos para o passado, podemos enxergar a definição dada por Libâneo nos próprios acontecimentos socioeducacionais ao longo da História, quando percebemos que a educação não formal tem mais “tempo de vida” do que a educação formal. O que isso quer dizer? Quer dizer que a educação formal, em uma escola mantida pelo Estado como um direito de todos, só se expandiu na modernidade, e suas iniciativas mais contundentes e significativas ocorreram apenas no século XVIII e se universalizaram nos séculos XIX e XXI. Antes disso, mesmo que com alguma sistematização e organização pedagógica, a escola não passava de um lugar mais isolado, para poucas pessoas. A contar da Antiguidade greco-romana até a modernidade, tivemos mesmo uma educação muito mais informal do que formal, que acontecia no interior das famílias, ou nas igrejas, ou em corporações de ofício (quando aprendizes tinham lições com mestres de um ofício ou de uma profissão). A educação da escola era algo mais elementar e necessária apenas para parte das populações históricas. A modernidade, com o desenvolvimento do capitalismo e com a Revolução Industrial, trouxe a necessidade de uma escola e de uma educação formalizadas, sistematizadas e universais, ainda que particulares, para classes sociais diferentes. 3 Mas no século XX, especialmente em sua segunda metade, e no século XXI, passamos cada vez mais a discutir os processos educacionais em ambientes diferentes dos da escola e dos que chamamos de educação formal, institucionalizada e obrigatória. Falamos de processos que acontecem em ambientes sociais diversos, tais como trabalho e política; atualmente até mesmo em redes sociais virtuais, meios de comunicação, nos grupos e movimentos sociais, nos serviços públicos e outros. Se a educação é o grande objeto de interesse da Pedagogia, todos esses espaços, para além da escola e da educação formal, também devem ser de seu interesse, conhecimento e apropriação. Esses espaços devem ser analisados com o mesmo empenho que se analisa a escola e se procura soluções educacionais para seus problemas. E como fazemos isso? Da mesma maneira que fazemos com a escola, ou seja, com base nos conhecimentos científicos, através dos processos de investigação, observação, análise e intervenção, tendo em vista que a Pedagogia é uma ciência essencialmente da prática, em que seus fundamentos levam a procurar por respostas do cotidiano e torná-lo cada vez mais eficiente para quem se vale de seus processos de aprender. Dessa forma, “verifica-se, pois, uma ação pedagógica múltipla na sociedade. O Pedagógico perpassa toda a sociedade.” (LIBÂNEO, 2010, p. 29.) Com base na compreensão de que a educação acontece em espaços distintos e a Pedagogia, como ciência que estuda os processos educacionais formais e não formais, ao longo do tempo, a expressão não formal foi se tornando uma categoria bastante utilizada para explicar atividades e experiências educacionais diversas que ocorrem fora da escola. Ainda assim, estamos começando nesse território não formal, buscando compreendê-lo e nele interferir, do ponto de vista científico. Encontramos algumas formas de definir o não formal, tais como não escolar, extraescolar ou informal. Todas elas ganharam alguma notoriedade na segunda metade do século XX, porque houve uma grande demanda escolar após a Segunda Guerra Mundial, demanda essa que não foi contemplada plenamente pela escola e teve um excedente que buscou conhecimento de outras maneiras, em outros espaços, sob o argumento de se ter mais pessoas preparadas ou recursos humanos, para a transformação industrial que ocorria aceleradamente. A crise educacional, portanto, marcada pela incapacidade de se oferecer escolas para toda a população, é o ponto de partida para uma valorização e a ascensão de outros contextos extraescolares em que ocorriam processos educativos ou formativos. Nesse período houve: […] a publicação de uma série de estudos de programas e propostas educacionais alternativas, que por sua vez criticavam os modelos e fazeres tradicionais da escola; a divulgação do conceito de educação permanente, que passou a legitimar e valorizar outras maneiras de educar 4 e educar-se e, por fim, a compreensão e aceitação de que o meio também educa. GARCIA, 2008, p. 2 […] a publicação de uma série de estudos de programas e propostas educacionais alternativas, que por sua vez criticavam os modelos e fazeres tradicionais da escola; a divulgação do conceito de educação permanente, que passou a legitimar e valorizar outras maneiras de educar e educar-se e, por fim, a compreensão e aceitação de que o meio também educa. GARCIA, 2008, p. 2 O papel da Unesco nessa consideração acerca de outras possibilidades de educação não formalizada ou não escolar foi bastante significativo nos anos de 1960 e 1970, pois seus apontamentos mostravam justamente a situação da crise educacional escolarizada, especialmente nas populações mais pobres, com as quais outras iniciativas de educar se faziam cada vez mais presentes. Podemos dizer que se de um lado essa consideração permitiu que iniciativas fossem tomadas para não mais esperar pela educação formal para retirar aquelas populações da falta de conhecimento, também foi ela que retardou em parte a expansão escolarizada, porque ocupou de certa forma esse espaço e eximiu os Estados de fomentarem algo que era de sua responsabilidade. Pensando um pouco melhor na diferenciação entre educação formal ou escolar e educação não formal, podemos chegar a uma definição, que é básica para a compreensão mais simplificada. Se nos processos de educação escolar temos todo um arcabouço de sistematização– que vai desde a definição curricular formal e universal, passando pela definição curricular sistematizada localmente; pelas regras universais que regem uma escola, desde a concepção de gestão, a legislação de fundamento, os modelos educativos considerados mais apropriados ou do paradigma vigente, o conjunto do que é ser professor e do que é ser aluno; ultrapassando os limites nacionais e considerando as concepções globais –, na educação informal as regras são bem menos rígidas ou menos universais; em alguns contextos, até mesmo inexistentes. Nesses espaços, como se diferenciam bastante, são criadas regras e práticas próprias, que se adequam muito mais ao tipo de processo educacional em si e em seu contexto, do que a regras que precisam ser definidas em termos de sistema, como acontece no caso da educação escolarizada e formal. Além disso, no contexto informal, como aponta Rego (2018), não temos certificação, ou pelo menos, não uma certificação oficial. O autor continua sua definição de educação informal: A educação informal é um processo contínuo, por meio do qual cada pessoa adquire e acumula naturalmente saberes e habilidades, a partir das experiências diárias e da sua exposição ao meio envolvente, é assim “um processo permanente e não organizado”. Constitui uma modalidade de educação não formalizada nem intencional ou sistemática, embora em determinados contextos possa ter um certo nível de intencionalidade e sistematização, como no caso da educação familiar e religiosa. 5 REGO, 2018, p. 8 Por esses motivos, vemos pedagogos atuando em muitos espaços e de maneiras muito diferentes. Cabe a eles, no entanto, identificar um local em que há um processo educacional, para saber intervir sobre ele. Mas se a base da Pedagogia está sobretudo na docência, portanto, na educação escolarizada, como o profissional consegue identificar esses processos e interferir nos seus cursos, de forma que a aprendizagem seja mais significativa, acompanhada e avaliada? Ele procurará nas bases de sua profissão o alicerce para a compreensão. Essas bases estão especialmente no conhecimento da psicologia da educação e nos fundamentos da educação, história, filosofia e sociologia. Um pouco do conhecimento a respeito do financiamento educacional e políticas educacionais também ajudará nessa compreensão global. Mas é preciso explicar que o pedagogo, nesses espaços não formais, tenderá a procurar em suas bases os alicerces para a sua atuação que outros profissionais envolvidos nesses espaços não procurariam, atuando, portanto, em outras bases ou de forma menos fundamentada, como é comum em certos espaços que serão explorados mais adiante. EXEMPLIFICANDO O pedagogo pode atuar em diferentes espaços nos quais haja processos educacionais, para além da escola. Conforme LIbâneo (2010), ele pode atuar como um especialista em atividades pedagógicas paraescolares, em órgãos públicos, privados ou não estatais. Pode, também, trabalhar em associações populares e clínicas de orientação pedagógica. Podem ser instrutores, organizadores, consultores e técnicos, profissionais ligados a atividades de cultura, formadores em empresas, dentre muitas outras opções de atuação profissional. Em relação à definição da educação por suas modalidades ou tipos, Libâneo (2010) faz diferenciações interessantes. Ele aponta que a educação pode ser classificada em intencional e não intencional. Baseado nesses dois grandes tópicos, para ele, a educação informal e a educação paralela são aquelas não intencionais, e a educação não formal e a formal são intencionais. Portanto, para ele, educação informal não é sinônimo de educação não formal, como vimos ser para Rego (2018), que fala da educação informal no sentido de que as duas coisas são parte do mesmo contexto. O autor, ainda, caracteriza o não formal como aquilo que se faz com intencionalidade, porém, com baixa sistematização, implicando relações pedagógicas mesmo que não formalizadas (Libâneo, 2010, p. 89). Ele ainda aponta que dentro da própria escola a educação não formal acontece por meio de atividades extracurriculares. Mas vemos, contudo, que o movimento atual da educação não formal toma exatamente o rumo oposto, ou seja, é cada vez mais comum compreender a educação não formal como aquela em espaços não escolares, ainda intencionais como ele coloca, e cada vez mais sistematizadas e pensadas pedagogicamente. Veremos melhor como isso acontece nas seções seguintes. 6 ASSIMILE Libâneo (2010), ao conceituar a educação, traz uma categoria de educação chamada “educação-processo”, para mostrar um tipo de educação que é intencional. Ele o conceitua da seguinte maneira: A educação-processo corresponde à ação educadora, às condições e modos pelos quais os sujeitos incorporam meios de se educar. Admitindo-se que toda educação implica uma relação de influências entre seres humanos, a educação-processo indica a atividade formativa nas várias instâncias com vistas a alcançar propósitos explícitos, intencionais, visando promover aprendizagens mediante a atividade própria dos sujeitos. Implica, portanto, a existência de ambientes organizados, objetivos e objetivos sociopolíticos, métodos e procedimentos de intervenção educativa para obter determinados resultados. (LIBÂNEO, 2010, p. 84) Já para Gohn (2006), encontramos uma forma de localizar a educação não formal do exterior da educação escolarizada: A educação não formal designa um processo com várias dimensões tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial a eletrônica etc. GOHN, 2006. p. 28 Tomando por base esse lugar no qual a autora coloca esse tipo de educação, em seguida ela diferencia tipos de educação ou campo de desenvolvimento da educação: A princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvimento: a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados: e a educação não formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. GOHN, 2006. p. 28 Entendido que existem definições diferentes para o que estamos chamando de educação não formal, podemos dizer, que ao mesmo tempo, elas também se aproximam. 7 Assumimos definições nossas, portanto, com base também nesses autores, caracterizamos os tipos de educação comentados, conforme o quadro a seguir: No Brasil, a educação não formal, conforme aponta Garcia (2008), até por volta dos anos 1980, foi compreendida quase que exclusivamente como a educação de jovens e adultos, para pessoas que estavam fora da idade adequada e do sistema educacional convencional. Estudos a respeito dessa modalidade de educação estavam, sobretudo, baseados em Paulo Freire, buscando analisar as condições do adulto nos processos de aprendizagem, especialmente na fase de alfabetização. Era, portanto, uma visão bastante restrita de educação não formal e ainda muito ligada à educação escolarizada, porque buscava de alguma forma, ainda que com práticas diferenciadas, levar um conhecimento formal a essa população à margem da educação institucionalizada. Essa visão vai sendo modificada por volta da década de 1990, quando se observam mudanças estruturais, sociais e culturais na sociedade, especialmente mediadas pelo rápido desenvolvimento tecnológicoe como ele passou a interferir nos modos de comunicação e socialização da informação, afetando todos os setores da sociedade e o modo como as pessoas passaram a se relacionar dali em diante. Na principal legislação da educação brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, promulgada em 1996 –, há duas menções vinculadas à educação não formal. A primeira, logo no primeiro artigo: Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. BRASIL, 1996 8 Percebemos claramente que os processos organizativos da sociedade civil incentivam a promoção de possibilidades de adquirir conhecimento em outros espaços, ou seja, em espaços de educação não formal. A segunda menção, no vigésimo sexto artigo, está presente especificamente no quarto item do artigo: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena […] IV – promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não formais. BRASIL, 1996 Nesse trecho há uma menção mais pontual, relacionada ao estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena em práticas desportivas. Apesar de a legislação não se aprofundar na educação não formal, o primeiro artigo é suficiente para o reconhecimento de que há aprendizagem fora dos limites da educação institucionalizada escolar. Partindo desse pressuposto, podemos compreender que espaços não formais de educação apresentam um perfil multidisciplinar que tende a desconstruir modelos mais convencionais de educação nas suas relações com a sociedade. Esses espaços, tidos como representantes de novas configurações sócio-históricas, podem ser considerados locais interessantes para aprendizados que estejam estritamente relacionados à promoção da cidadania, ao aprendizado por meio da educação de direitos fundamentais do ser humano, ao aprendizado de culturas e da prática da democracia. Retomando o percurso dessa educação não formal no Brasil, se foi comum pensar que ela era exclusivamente aquela que educava os jovens e adultos fora da idade escolar, uma segunda consideração importante foi o entendimento de que a educação não formal acontecia em espaços de assistência social, visão essa que ganhou bastante notoriedade. Talvez possamos dizer que esses espaços foram realmente os que passaram a evidenciar as primeiras formas de educação não formalizada da modernidade nas sociedades universalmente escolarizadas. Daí passamos a um ramo da pedagogia chamada de pedagogia social, que acontece nos espaços de assistência. Temos, dessa forma, uma convergência entre Pedagogia e assistência social ou com a área do Serviço Social. Nesse sentido, Garcia (2008, p. 7) aponta que “a educação não formal se expande, como campo teórico, no momento histórico de aumento significativo do número de ONGs, com delegação de demandas no âmbito das políticas sociais ao chamado terceiro setor”. Em outras palavras, observa-se, nos anos 1990, cada vez mais o terceiro setor assumindo situações educativas. As ações educativas foram tomando 9 conta de ONGs, associações públicas e privadas e instituições não escolares que tinham apelo educacional, dentre outras, como veremos futuramente. Seção 2 - Os espaços da educação não escolar Compreendido um pouco da conceituação que define a educação ou a pedagogia em espaços escolares, não escolares ou informais, vista na seção anterior, precisamos, neste momento, entender melhor onde a educação não escolar se constitui e como faz isso na atualidade, buscando saber, também, qual o seu impacto sobre aspectos sociais, políticos e culturais, além do quanto esses aspectos também interferem nos próprios modos de organizar esses cenários não formais. Também é preciso considerar como a sociedade enxerga esse tipo de educação e seus contextos de aprendizagem e dela se valem para adquirir conhecimentos. Dessa forma, partimos do princípio de que encontrar um modelo de educação completamente puro de educação formal e outro, também completamente puro, de educação não formal é praticamente impossível, já que os processos de aprendizagens se encontram o tempo todo em todos os contextos sociais que os homens vivenciam e interagem. Ainda assim, fazemos o esforço de refletir sobre eles, tentando separar esses momentos para compreender cada um com mais atenção e propriedade. É um esforço metodológico e teórico importante porque nos permite atuar de maneira mais assertiva em cada situação que envolve aprendizagem de indivíduos e coletivos. Então, tentamos visualizar as partes para compreender o todo educacional. Embora pensemos separadamente e esses contextos também aconteçam de forma independente, sabemos que são complementares, ou seja, o ser humano mobiliza todo o seu conhecimento e as suas aprendizagens acumuladas em todos os seus processos de aprender, em qualquer situação, seja ela na educação formal, na não formal ou em sua rotina. Isso, em determinadas situações, acontece de forma mais intencional e pensada, e em outras, de forma mais livre e informal. Poderíamos dizer que é quase um processo natural, mas como estamos falando de seres humanos e suas escolhas, é importante lembrar que os condicionantes sociais, culturais e individuais a todo momento interferem e definem esses processos, sejam mais livres ou mais direcionados. Em nosso contexto atual, cada vez mais buscamos na educação formal desenvolver o ser humano para que seja capaz de ter boas habilidades e competências para viver, interagir e modificar as diferentes situações e desafios. Se antigamente o foco da aprendizagem estava em acumular conhecimento, por meio de conteúdos vastos, hoje nos preocupamos mais em como mobilizar esses conteúdos para vivenciar as nossas situações. Não significa que acúmulo de conhecimento se tornou algo irrelevante atualmente e nem que anteriormente só se aprendia conteúdo sem aplicação. Significa apenas que, com a rapidez dos acontecimentos sociais, temos que ser mais ágeis em mobilizar nossos conhecimentos para vivenciar as situações, 10 tomar decisões mais depressa e desenvolver habilidades sociais, emocionais e profissionais. E na educação não formal? Nela, o desenvolvimento de habilidades e competências também se faz presente e necessário. Conforme Bonatto, Costa e Schirmer ([s. d.]) “a [educação] não formal valoriza o ‘aprender a ser’ e ocorre através de uma visão holística do ser humano, na qual se prioriza a aprendizagem ao longo da vida.” (p. 3 e 4). Além disso, […] uma Educação não formal em ambientes diversos, precisa promover novas formas de aprendizagem, estabelecer uma relação com a comunidade e a cidade em que está inserida, tornando a aprendizagem dos sujeitos de fato significativa. Lança se assim o desafio de educar se na, com e para a cidade. BONATTO; COSTA; SCHIMER, [s. d.]] Podemos observar a importância de processos educativos não formais para o atendimento a algumas questões da sociedade, seja para o bem comum e público, seja para o bem comum privado. Exemplificando A respeito da educação não formal atender a necessidades que se apresentam na sociedade, podemos exemplificar como aquelas que auxiliam o bem comum e público: ● Investimentos em projetos sociais de valorização e promoção da cultura e da cidadania. ● Projetos educativos ambientais. ● Projetos que incentivam a capacitação e a profissionalização de classes sociais menos favorecidas e com poucas oportunidades. ● Projetos envolvendo planejamento financeiro e de consumo. ● Projetos de conscientização política; dentre tantas outras iniciativas. Todos esses projetos voltados para a comunidade em geral tendem a melhorar a qualidade da vida das pessoas e trazer bons retornos sociais Sobre projetos de bem comum, mas privados, podemos citar: 11 ● Projetos de capacitação interna em empresas,que visem melhorias profissionais em geral ● Projetos de empresas, porém voltados ao atendimento da população. ● Projetos de saúde para funcionários de empresas, dentre outras inciativas. Embora sejam de caráter privado, os benefícios aos envolvidos também sendo revertidos para a sociedade pública, tendo em vista que conhecimento sempre pode melhorar as relações sociais Nesse sentido, o olhar para a educação não formal e até o investimento nessa área devem partir do princípio de que as pessoas são providas de muitas capacidades e possibilidades a serem desenvolvidas, para se humanizarem cada vez mais, com retorno a elas próprias e à sociedade. Esse tipo de processo vai além do aprendizado do conteúdo e envolve emoções, vivências, oportunidades e saberes. Não é incomum acontecer de pessoas em idade escolar se desenvolverem melhor em projetos de educação não formal do que formal, tendo em vista um perfil que se adapta melhor com menos burocracia e sequenciamento de tarefas e aprendizados. Ao se sentirem mais livres, podem desenvolver algumas potencialidades mais facilmente. Isso não quer dizer que esses locais são melhores do que as escolas, mas que eles podem ajudar bastante na própria escola, sendo complementares ao desenvolvimento integral dos alunos. A escola, por sua vez, pode ter um olhar atento a esses espaços e se beneficiar de algumas de suas práticas para propor situações mais interessantes, complementando seus currículos e formação. Percebemos claramente que o lugar da educação é na escola, mas também fora da escola, e que os espaços podem e devem ser complementares, a depender de seus objetivos pedagógicos. Pensando nos espaços não formais, precisamos considerar os profissionais que neles atuam e a sua formação ou base de atuação, para nos ajudar a refletir melhor sobre qual é o cenário desse tipo de educação na sociedade contemporânea. Silva e Perrude (2013), por exemplo, explicam que esses espaços recebem profissionais de todas as áreas, além do pedagogo. Alguns não apresentam formação inicial ou contato com informações da base de sua atuação. Outras vezes essas pessoas têm uma formação diversificada, como em Artes Visuais, Geografia, Educação Física, Ciências Sociais, Psicologia ou Artes Cênicas, dentre outras tantas. Isso significa que esses espaços exigem perfis de profissionais variados, 12 mas também que os cursos de Pedagogia tendem a negligenciar, de certa forma, essa área não escolar, deixando de oferecer uma fundamentação e formação mínima de atuação, quando, na verdade, deveriam investir um pouco mais nessa preparação, oferecendo possibilidades para o pedagogo (ou o licenciado) ser uma figura importante nesses espaços, inclusive oferecendo apoio aos outros profissionais. Ainda em relação ao assunto as autoras explicam: Quando se trata de projetos desenvolvidos pelo poder público, inicialmente estes contavam também com educadores leigos, mas, na maioria das vezes, os projetos foram sendo repensados e a contratação de educadores com uma formação adequada para o tipo de atividade começou a acontecer. Já no caso das ações desenvolvidas por organizações não governamentais, há um misto entre educadores leigos e outros com formação adequada para a atividade, com destaque à atuação de voluntários. SILVA; PERRUDE, 2013, p. 52 As autoras também tocam em pontos importantes sobre especificidades do trabalho em espaços não escolares e que essa atuação precisa estar embasada. Esses profissionais, em outras palavras, precisam ter algumas referências, como: ● Conhecer a realidade da comunidade que atenderão. ● Delimitar e seguir objetivos pedagógicos. ● Verificar as necessidades do público atendido, especificamente voltadas a processos educativos. ● Explicitar nas suas ações os seus objetivos e princípios, tornando-os claros nos processos com os participantes. ● Trazer seu público à participação, envolvendo as pessoas nos processos, visando à cidadania como finalidade maior. ● Conseguir desenvolver o trabalho não apenas com a comunidade, mas também em parceria com outras iniciativas e instituições, em uma relação de comunidade maior e de sociedade. ● Eleger uma questão clara a ser trabalhada com a comunidade ou pessoas atendidas. A formação do pedagogo e de pessoas envolvidas nos processos educativos precisa considerar esses pontos, oferecendo instrumental apropriado para as melhores práticas e intervenções. Vale ressaltar o papel central do pedagogo em todos esses processos porque é ele uma espécie de “dono” deles, uma vez que o seu interesse maior (e de nenhuma outra área ou ciência) é a educação e tudo o que a envolve, ou seja, a pedagogia é a ciência da educação. Assim nos baseamos em Libâneo (2011, p. 140,141): Pode-se entender, assim, que a ciência pedagógica pode postular a si ramos de estudo próprios dedicados aos vários âmbitos da prática educativa […]. O fenômeno educativo requer, efetivamente, uma abordagem pluridisciplinar. O que se defende aqui é a peculiaridade da 13 Pedagogia de responsabilizar-se pela reflexão problematizadora e unificadora dos problemas educativos. Ao considerar que seja necessário manter uma base de fundamentação para atuação em espaços não formais e não escolares e pensando que esse tipo de local, situação ou espaço também tenha objetivos que interessam a sociedade, seu desenvolvimento e sua melhoria, para inclusive, solucionarmos problemas coletivo, é preciso partir do pressuposto de que […] a construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania. A transmissão de informação e formação política e sociocultural é uma meta na educação não formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, individualismo etc. GOHN, 2006, p.30 Os resultados das ações nos espaços não formais poderão ser muitos, como os postulados por Gohn (2006): conscientização e organização das ações de coletivos; reconstrução de concepções de mundo; favorecimento do sentimento de identidade de uma comunidade; formação do indivíduo para a vida e para as adversidades que ela traz; resgate do sentimento de valorização própria e da autoestima; reconhecimento de si na sua própria prática cotidiana. Assimile Gohn (2013) assinala como algumas das características da educação não formal, assim como questões que faltam para ela: ● O aprendizado das diferenças. Aprende-se a conviver com demais. Socializa- se o respeito mútuo; ● Adaptação do grupo a diferentes culturas, reconhecimento dos indivíduos e do papel do outro, trabalha o “estranhamento”; ● Construção da identidade coletiva de um grupo; ● Balizamento de regras éticas relativas às condutas aceitáveis socialmente. O que falta na educação não formal: ● Formação específica a educadores a partir da definição de seu papel e as atividades a realizar; ● Definição mais clara de funções e objetivos da educação não formal; 14 ● Sistematização das metodologias utilizadas no trabalho cotidiano; ● Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho que vem sendo realizado; ● Construção de instrumentos metodológicos de avaliação e análise do trabalho realizado; ● Construção de metodologias que possibilitem o acompanhamento do trabalho de egressos que participaram de programas de educação não formal; ● Criação de metodologias e indicadores para estudo e análise de trabalhos da Educação não formal em campos não sistematizados. Aprendizado gerado por atos de vontade do receptor tais como a aprendizagem via Internet, para aprender música, tocar um instrumento etc.; ● Mapeamento das formas de educação não formal na auto aprendizagem dos cidadãos (principalmente jovens). (GOHN, 2013, p. 31) Por fim, podemos dizer, então, que compreender um pouco das bases que sustentam a pedagogia e as práticas pedagógicas não escolares ou não formais dará segurança ao pedagogo para conduzir os processos educativos implícitos e explícitos nesses espaços, mas não só. Eleserá capaz, também, de gerenciar equipes multidisciplinares no objetivo comum traçado por aquele espaço, projeto ou iniciativa. Seção 3 - A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR Compreendendo que práticas pedagógicas podem ser tomadas como práticas sociais, ou seja, práticas que só acontecem por meio da interação social em contextos e comunidades, consideramos que ensinar e aprender são processos humanos criativos, nos quais as pessoas aprendem e ensinam umas às outras e que novos conhecimentos surgem dessas interações. Ou seja, ensinar não é transferir puramente conhecimentos e aprender não é absorver puramente conhecimentos, mas, enquanto se ensina, também se aprende e, enquanto se aprende, também se ensina. Nas práticas sociais os indivíduos aprendem e ensinam e, nas práticas pedagógicas, os ensinamentos e aprendizagem têm objetivos específicos, sistematizados, orientados, organizados e intencionais, completamente direcionados a aprendizagens preconcebidas. No âmbito das práticas pedagógicas, portanto, temos como fundamento as teorias educacionais, que junto com as práticas orientadas visam aos objetivos específicos, para que haja resultados de aprendizagem esperados. Ou seja, o conjunto de ideias sistematizadas, consagradas, confirmadas cientificamente embasam as práticas pedagógicas intencionais. 15 Como no campo das práticas pedagógicas partimos desse conjunto de conhecimentos e fundamentos, somos respaldados pela Didática, que nos dá o que precisamos para encontrarmos os melhores caminhos de se oferecer boas situações de aprendizagem e ensinamento. Não cabe, neste momento, discorrer sobre a Didática, mas recorremos a ela para relembrar algumas de suas clássicas perguntas, que tanto permeiam, acompanham e orientam a Pedagogia: educação para quê? Para quem? Como? Quais saberes são necessários? Quais caminhos oferecer para se aprender o que é necessário? Quem são os sujeitos do processo? Do que precisam? O que queremos desenvolver nas pessoas e o que elas próprias querem desenvolver em si mesmas? Tantas outras perguntas podem ser feitas para que as melhores práticas e a melhor Didática sejam encontradas. As respostas para essas perguntas podem variar de acordo com o contexto em que as fazemos, se na educação formal ou não formal, sem em determinadas comunidades ou regiões, se em determinados períodos. Na educação não formal isso pode variar consideravelmente, pois as possibilidades de aprendizagem não têm limites ou referências contadas. Mas, conforme Severo (2015), é preciso ter cuidado para se evitar respostas demasiadamente pragmáticas, apressadas ou tecnicistas ao se referir à didática e às práticas pedagógicas de ensino quando estamos lidando com a educação de espaços não escolares, para evitar, também, preconceitos e rótulos assistencialistas. É preciso cuidado tanto ao escolher as perguntas quanto a procurar pelas respostas, tendo em vista o contexto de cada espaço não formal que se tem como referência. Responder a essas perguntas com cuidado, análise e sistematização ajudará a definir a qualidade dos processos educativos e dos resultados desses processos, porque “são essas respostas que explicitam os valores e princípios de uma concepção de educação” presente em um espaço não escolar. (SEVERO, 2015, p. 566). Saber que existem possíveis respostas considerando diferentes contextos, contribui para confirmar que a educação não é neutra. Além de não ser neutra, ela é política, como já diziam os filósofos da antiguidade. É política e não neutra porque as pessoas escolhem e elegem quais conhecimentos colocar nos espaços, para que se aprenda. As escolhas não são aleatórias. Elas servem a algum propósito, a alguma intenção, o que vale para conhecimentos comumente considerados universais ou clássicos. Eles só são considerados universais ou clássicos porque assim se escolheu considerá-los. Saber disso implica termos em mente que todas as práticas pedagógicas em espaços escolares e não escolares estão condicionadas aos seus contextos e às escolhas pedagógicas que se faz. Todas elas, de uma maneira ou de outra, servem a objetivos específicos, sejam completamente ou parcialmente explícitos. 16 As definições e escolhas mudam ao longo do tempo e assim o é no nosso século XXI, especialmente no contexto em que vivemos, no qual as formatações pedagógicas vão se modificando para se adequarem a novas formas de aprender e de ensinar. Elas são, todo o tempo, reconfiguradas, para permitir novos significados. Severo (2015), baseado em Beillerot (1985), explica que do século passado para o atual fomos vivendo em uma espécie de economia de conhecimento, seja em meios e dispositivos educativos formais, seja em meios não formais. Fala-se, portanto, em uma sociedade pedagógica, envolta por esses dispositivos educativos que permeiam todos os contextos formais e não formais, pois o tempo todo envolvem conhecimentos e informações que formam e informam. Sendo assim: As economias de conhecimento consistem em uma metáfora relativa à circunstância de investimento na produção, no acúmulo e no uso de saberes-fazeres implicada em processos sociais diversificados que não se limitam às instituições e aos contextos historicamente orientados e interessados pela socialização e aplicação desses recursos, como a escola, a família, a religião etc. SEVERO, 2015, p. 564 Em outras palavras, conhecimentos podem ser adquiridos, também, em contextos não escolares, e isso acontece cada vez mais, em uma velocidade quase inalcançável, o que não deve implicar desvalorização da escola, da sua função e de seus processos. Contextos não escolares estão, nesse sentido, mais relacionados ao paradigma de aprendizagem ao longo de toda a vida e de necessidades emergentes para a sociabilidade e para o trabalho, por exemplo. Se a educação formal pode ter uma data para finalizar, a não formal pode ser para toda a vida. E assim: Considerando a noção de educação ao longo de toda a vida, propõe-se a ideia de que as divisões tradicionais de tempos e espaços para educar e educar-se devem ser superadas por meio da adoção de um paradigma dinâmico de educação, tida como um processo que acompanha a vida das pessoas, preparando-as para o seu exercício social, e como instrumento de potencialização de qualidades que lhes permitam maior bem-estar global. Esse paradigma se concretiza por meio de práticas educativas abertas, plurais e contextualizadas, em que a cultura e a experiência vivida pelo sujeito sejam a base para a construção de saberes e atitudes críticas e criativas. SEVERO, 2015, p. 566 A educação não formal está a todo tempo se ajustando aos contextos, sendo flexível e permeável para que atenda às necessidades imediatas, circunstanciais e que podem mudar a qualquer momento. Mas ela também complementa os saberes prolongados, mais enraizados e que perduram, aqueles que comumente estão nos currículos escolares. É importante ressaltar que não estamos afirmando que conhecimentos mais dinâmicos estão apenas nos espaços não escolares. A escola 17 também se responsabiliza por esses conhecimentos, só que precisa fazer isso de forma mais relacionada com os saberes curriculares formais. Nesse sentido, podemos listar uma série de contextos não formais de práticas pedagógicas mais flexíveis, mas que são voltadas a aprendizagens diversas, como educação de adultos, educação para o trabalho e para a formação ocupacional, educação para o ócio, “animação sociocultural, educação em grupos com especificidades sociais especiais, educação ambiental, cívica, sanitária, pedagogia hospitalar, educação sexual, física, artística, para a manutenção do patrimônio cultural, educação em valores” (SEVERO, 2015, p. 567), brinquedotecas, ONGs, projetos sociais/práticas socioeducativas, projetos educativos para exilados e refugiados, educação corporativa, aprendizagem organizacional etc. Nesses locais, o conhecimento pedagógico pode, deve e é aplicado baseado em ideias pedagogicamente sistematizadas, por meio da fundamentação e da reflexão direcionada e organizada emprincípios e leis, para que se intervenha nas realidades e para que as práticas sociais desses espaços sejam convertidas em práticas pedagógicas, práticas que são fundamentadas pela ciência, para a educação humana e para o desenvolvimento social. Assimile Esse ponto de vista reforça o sentido orientador das práticas educativas configurado na pedagogia e valoriza a ação dos profissionais que aplicam e constroem conhecimentos pedagógicos nos diversos contextos e cenários da educação escolar e não escolar. Igualmente, nega a perspectiva que identifica prática educativa sumariamente com prática pedagógica, ignorando a diferenciação que se estabelece entre elas. Esses tipos de prática constituem momentos de um mesmo processo, que é o processo formativo decorrente da necessidade de socialização da cultura e dos fins socioeducativos. Concebe-se que toda prática pedagógica é, em si mesma, uma prática educativa, mas a relação de correspondência inversa significaria, de acordo com o ponto de vista adotado neste trabalho, um erro categorial. As práticas educativas se tornam pedagógicas quando passam a ser objeto de ação e reflexão no âmbito da pedagogia. Em termos homônimos, a ação e a reflexão pedagógica concretizam os objetivos educacionais mediante práticas organizadas sistematicamente desde sua concepção até seu estágio avaliativo. (SEVERO, 2015, p. 572) O que chamamos de pedagógico neste momento tem o sentido de mediador da prática educativa, ou seja, é ele o conjunto de saberes pedagógicos, ideias educacionais, ciência da educação que dá a direção e o sentido aos processos que envolvem práticas educativas e práticas pedagógicas. Isso acontece em espaços escolares e não escolares, em que há intencionalidade pedagógica, transformada, por sua vez, em ações pedagógicas. Mas para 18 […] transpor uma prática educativa não escolar ao terreno das práticas pedagógicas, torna-se necessário, inicialmente, o reconhecimento crítico das condições que organizam os contextos nos quais essa prática emerge, bem como a compreensão das intencionalidades explícitas e implícitas que dão sustentação aos seus objetivos. Diante disso, os agentes pedagógicos estabelecem, em sua práxis e em diálogo com as circunstâncias contextuais, os sentidos que reconfigurarão aquelas intencionalidades por meio da constituição de objetivos que estruturam a ação formativa. SEVERO, 2015, p. 573 Exemplificando Um pedagogo que atuar pela primeira vez em um espaço não escolar, como um hospital, precisa, antes de planejar quais e como serão suas práticas pedagógicas, estudar o seu contexto, buscando conhecer com quem vai interagir, quais as necessidades daquele ambiente, que subsídios precisa procurar para levar atividades que favoreçam os processos de aprendizagem e que deem bons resultados. Mas se estamos partindo do pressuposto de que precisamos tratar os espaços não escolares de aprendizagem com base nos pressupostos da pedagogia, das práticas pedagógicas e de seus fundamentos, precisamos também considerar a necessidade de institucionalizar as práticas em espaços não escolares nos sistemas educativos, para que haja algum tipo de regulação ou diretrizes mínimas que garantam qualidade de aprendizados e de resultados. Contudo, fazer isso demanda cuidado, para que não se perca justamente aquilo que é parte da essência desses contextos: o aprendizado desburocratizado e focado em necessidades específicas. Regulação não pode ser sinônimo de burocracia e amarras. Por último, vale ressaltar que quando falamos em práticas pedagógicas, seja em espaços escolares ou não escolares, também precisamos considerar uma questão específica do fazer pedagógico que são as metodologias de ensino para a aprendizagem. Segundo Gohn (2006), nos espaços de educação não formal: Há metodologias, em suma, que precisam ser desenvolvidas, codificadas, ainda que com alto grau de provisoriedade pois o dinamismo, a mudança, o movimento da realidade segundo o desenrolar dos acontecimentos, são as marcas que singularizam a educação não formal. GOHN, 2006, p. 32 Para qualquer que seja o caminho metodológico que se adota, é preciso, mais uma vez, considerar os indivíduos do processo, ou seja, os educadores e educandos, os mediadores, os apoios, dentre outros envolvidos. As suas visões de mundo, os seus projetos, os seus anseios e os seus conhecimentos acumulados serão o ponto de partida e o de chagada de qualquer prática pedagógica que vise ao 19 desenvolvimento contextualizado e que ultrapasse as expectativas, indo além do minimamente projetado. Unidade 2 Seção 1 - A CIDADE COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM A ideia de que a cidade pode ser intencionalmente um espaço educador tomou forma no começo dos anos 1990, com o primeiro Congresso Internacional das Cidades Educadoras que se realizou em Barcelona, Espanha. Todas as cidades que participaram do congresso assinaram uma carta inicial que continha os princípios considerados essenciais para que as cidades se tornassem verdadeiras cidades educadoras. A carta foi revista em congressos posteriores acontecidos em 1994 e em 2004, visando adaptar o conteúdo aos novos desafios e às necessidades sociais que emergiram nesses anos. O ponto de partida dos princípios contidos na carta é que não se pode esperar que o desenvolvimento dos habitantes das cidades aconteça de maneira espontânea. Pelo contrário, as cidades pactuaram trabalhar juntas em projetos e atividades para garantir que a cidades se transformem em um espaço de cultura e de desenvolvimento da cidadania. Os princípios da Carta das Cidades Educadoras são 20 e neste momento se apresentam de maneira resumida: 1. Todos os habitantes da cidade terão o direito de desfrutar, de maneira livre e igualitária, os meios e oportunidades de formação, entretenimento e desenvolvimento pessoal que ela lhes oferece. 2. A cidade promoverá a educação na diversidade visando à compreensão, à cooperação solidária internacional e à paz no mundo. 3. A cidade educadora encorajará o diálogo entre gerações. 4. As políticas de caráter educativo desenvolvidas pelo município devem ser compreendidas no seu contexto e estar inspiradas na justiça social, no civismo democrático e na qualidade de vida. 5. Os municípios exercerão de maneira eficaz as competências que lhes cabem em matéria de educação. 6. Aqueles que sejam responsáveis pela condução das políticas municipais deverão dispor de informação clara e específica a respeito da situação e das necessidades de seus habitantes. 7. A cidade encontrará, preservará e apresentará sua própria identidade. 8. O crescimento e transformação de uma cidade buscarão sempre harmonizar as novas necessidades e a conservação das construções e símbolos que foram referências no passado. 9. A cidade fomentará a participação cidadã crítica e corresponsável. 20 10. As prefeituras deverão assegurar aos seus cidadãos o acesso a espaços, equipamentos e serviços públicos adequados para o seu desenvolvimento, prestando especial atenção à infância e juventude. 11. A cidade garantirá a qualidade de vida de todos seus habitantes. 12. O projeto educador da cidade será objeto de reflexão e de participação de seus habitantes. 13. O governo municipal avaliará o impacto de todas as ofertas e realidades com as quais os jovens e crianças têm contato sem qualquer intermediário. 14. A cidade providenciará oportunidades para que as famílias recebam uma formação que possibilite a seus filhos crescerem e aprenderem a cidade, em um espírito de respeito mútuo. 15. A cidade possibilitará que seus habitantes ocupem um lugar na sociedade, providenciando conselhos relativos à sua orientação pessoal e profissional e estimulará sua participação em atividades sociais. 16. As cidades estarão cientes dos mecanismos de exclusão e marginalização que as afetam e atuarão visando desenvolver as necessárias políticas de ação afirmativa. 17. Embora as intervenções orientadas a resolver a desigualdade possam ter múltiplas formas, elas deverão ter como ponto de partida a visão global da pessoa. 18. A cidadeincentivará o associativismo como modo de participação e responsabilidade cívica. 19. As prefeituras disponibilizarão informação suficiente e compreensível, além de encorajar seus habitantes a se manterem informados. 20. A cidade educadora oferecerá a todos os habitantes formação relativa aos valores e práticas da cidadania democrática (CENPEC, 2006, p. 158-159). Esses 20 princípios colocam em primeiro plano a defesa do direito, de todos os habitantes urbanos, a uma cidade educadora. Tal direito é uma extensão do direito fundamental à educação, ressaltando a importância de fusionar os espaços e momentos da educação formal com o potencial formativo da cidade (CENPEC, 2006). Podemos ver, assim, que os princípios da cidade educadora assignam novos papéis e posições para a escola. Segundo Gadotti (2005), quando se percebe a cidade como espaço de cultura, é possível entendê-la como um agente que educa a escola enquanto esta última se transforma em “palco do espetáculo da vida, educando a cidade em uma troca de saberes e de competências” (GADOTTI, 2005, p. 5). Quando uma cidade decide se transformar em cidade educadora toda a comunidade escolar pode começar a integrar as ruas, as praças, os teatros, as bibliotecas, as árvores e toda a vida da cidade. Assim, a escola deixa de ser um lugar abstrato e separado da vida urbana para se transformar em um novo espaço de construção de cidadania (GADOTTI, 2006). 21 Assimile O direito a uma cidade educadora está estreitamente ligado ao direito à educação em espaços não formais. Isso é assim porque ele se refere à possibilidade de humanizar os espaços e os tempos da vida urbana. Por sua vez, os habitantes poderão exercer seu direito a uma cidade educadora, reapropriando-se dos tempos e espaços da cidade, dando-lhes características e materialidades que refletem seus próprios interesses e culturas. Assim, o direito à cidade educadora pode ser formulado como um direito à vida urbana transformada e renovada (MEDEIROS, 2010, p. 215). É fácil perceber que os princípios contidos na carta das cidades educadoras estão orientados a superar a visão da cidade como um lugar inseguro que só representa perigos para seus habitantes, cuja única alternativa é ficar isolados no âmbito doméstico (MORAES, 2006). Nessa direção, mais do que ser uma categoria meramente descritiva, a noção de cidade educadora incorpora muitos conteúdos desiderativos, projetivos e utópicos. Mais do que servirem para dizer “essa cidade é educadora” ou “essa cidade não é educadora”, a noção serve para expressar desejos sobre como pode ser a cidade que sonhamos e como queremos que ela eduque seus habitantes. Desse modo, a ideia de cidade educadora serve de “paradigma para ajuizar a capacidade ou potência educativa da cidade, através da educação formal, da educação informal e da educação não formal (AIETA; ZUIN, 2012, p. 196). Nessa direção, mais do que ser uma categoria meramente descritiva, a noção de cidade educadora incorpora muitos conteúdos desiderativos, projetivos e utópicos. Mais do que servirem para dizer “essa cidade é educadora” ou “essa cidade não é educadora”, a noção serve para expressar desejos sobre como pode ser a cidade que sonhamos e como queremos que ela eduque seus habitantes. Desse modo, a ideia de cidade educadora serve de “paradigma para ajuizar a capacidade ou potência educativa da cidade, através da educação formal, da educação informal e da educação não formal (AIETA; ZUIN, 2012, p. 196). Todas as cidades que assinaram a carta das cidades educadoras constituem, na atualidade a Associação Internacional de Cidades Educadoras. Várias cidades brasileiras fazem parte da associação, entre elas Belo Horizonte, Caxias do Sul, Cuiabá, Pilar, Porto Alegre, Piracicaba, Alvorada, Campo Novo do Parecis, Santos, São Bernardo do Campo, São Carlos, São Paulo, Sorocaba. Neste ponto, é claro que a noção de cidade educadora apresenta múltiplas implicações para pensarmos a cidade como espaço de aprendizagem. Neste texto, discutiremos três das mais relevantes: a educação integral, a educação para a cidadania e a educação para a inclusão, a participação e a emancipação. 22 A PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INTEGRAL Todos nós cotidianamente vivenciamos o fato de que, na atualidade, precisamos ter uma formação que nos permita nos adaptar, de maneira crítica, para que possamos participar ativamente dos desafios e das possibilidades que os processos econômicos e sociais globalizados nos oferecem. Precisamos “intervir, a partir do mundo local, na complexidade mundial” (CENPEC, 2006, p. 157). Perante esse cenário, todas nossas cidades dispõem de múltiplas possibilidades educadoras capazes de fazer importantes aportes à nossa formação integral. Toda cidade é um sistema complexo e, simultaneamente, é um agente educativo plural e permanente. Uma verdadeira cidade educadora está permanentemente comprometida em formar seus habitantes nos mais diversos aspectos ao longo da vida (CENPEC, 2006). A contribuição da cidade para a educação integral de todas as pessoas que nela moram passa, em primeiro lugar, por organizar, sistematizar e aprofundar o conhecimento informal que adquirimos dela de maneira espontânea na nossa vida cotidiana. A cidade colabora para nossa formação integral quando nos oferece oportunidades para aprender a lê-la como um sistema dinâmico em contínua evolução, oferecendo, por exemplo, espaços para refletir sobre o nosso passado ou sobre a importância das árvores para nosso conforto e atividades diárias. Em segundo lugar, a cidade favorece a formação integral de seus habitantes quando nos ensina a conviver e a interagir com os outros, compartilhando, de maneira harmoniosa, os espaços públicos da cidade. Em terceiro lugar, a cidade é um território de aprendizagem no sentido de que nos fornece as habilidades mínimas para circular pela cidade e ditar os direitos e deveres enquanto cidadãos usuários da cidade (MEDEIROS, 2010). A cidade educadora nos proporciona ricas oportunidades de aprendizagem ao encorajar o diálogo entre gerações, convidando-nos a criar projetos comuns com pessoas de idades diferentes de maneira a combinar “a experiência dos adultos, a sabedoria dos velhos, a curiosidade da infância, a força de vida da juventude” (MORAES, 2006, p. 85). Ademais, ao promover a educação para a saúde e as práticas de desenvolvimento sustentável, as cidades educadoras também contribuem para nossa formação integral. Fica claro, então, o importante papel que cabe ao governo municipal: garantir a educação integral de todos seus habitantes. Ele deverá oferecer espaços, equipamentos e serviços públicos adequados para que adultos, jovens, crianças e idosos possam se desenvolver pessoal, moral e culturalmente. Além disso, as políticas públicas orientadas a tornar a cidade educadora deverão ser de caráter transversal, abarcando não somente as modalidades da educação formal, mas também as oportunidades de educação não formal e informal, aproveitando as 23 diversas manifestações culturais (festas típicas, desfiles), fontes de informação (revistas e periódicos locais, rádios, páginas web) e meios de descoberta da realidade (museus, passeios e jardins) que se produzam na cidade (CENPEC, 2006). Na perspectiva das cidades educadoras, a educação integral transcende os espaços instituídos formalmente e resgata, para os espaços não formais, a qualificação de educadores (MORAES, 2006). A cidade se transforma “num espaço de formação ético-política de pessoas que se querem bem e, por isso, têm legitimidade para transformar a vida da cidade” (GADOTTI, 2005, p. 8). A CIDADE EDUCANDO PARA A CIDADANIA Na atualidade, vamos nos tornando “cidadãos do mundo” sem que muitos dos nossos países de origem tenham atingido uma democracia eficaz e satisfatória, por meio da qual nossos direitos e padrões culturais e sociais sejam respeitados. As cidades educadoras têm um importante papel nesse complexo cenário, permitindo a exploração e a consolidação da cidadania democrática e promovendo para todos a convivência de maneirapacífica, com valores éticos e cívicos comuns. As cidades podem, então, educar para a cidadania. Essa dimensão educadora das cidades é particularmente importante quando pensamos nas crianças que nelas moram. Elas se tornam cidadãs exercendo sua cidadania desde a infância. Assim, desde muito pequenas, elas precisam participar da construção de sua própria vida e fazer parte das decisões a respeito das temáticas relacionadas com a sua cidade. ASSIMILE Para refletir acerca do significado da educação para a cidadania e o papel na cidade nela, antes é necessário ter clareza sobre o que é cidadania. Segundo Gadotti (2006), cidadania é ter consciência dos nossos direitos e deveres, assim como do exercício da democracia. Desse modo, é importante destacar que cidadania e democracia são dois conceitos interdependentes, ou seja, um não existe sem o outro. Diversas dimensões – fortemente interdependentes – constituem a cidadania plena: ● Cidadania política: direito de participação em uma comunidade política. ● Cidadania social: que compreende a justiça como exigência ética da sociedade de bem viver. ● Cidadania econômica: participação na gestão e nos lucros da empresa, transformação produtiva com equidade. ● Cidadania civil: afirmação de valores cívicos como liberdade, igualdade, respeito ativo, solidariedade, diálogo. 24 ● Cidadania intercultural: afirmação da interculturalidade como projeto ético e político frente ao etnocentrismo (GADOTTI, 2006, p. 134). Essa cidadania plena se manifesta, por exemplo, quando, como cidadãos, podemos participar diretamente na gestão da vida pública, discutindo o orçamento ou as políticas habitacionais da cidade. Com base nessa conceitualização de cidadania, podemos dizer que é tarefa das cidades educadoras oferecer a seus habitantes formação em relação aos valores e às práticas da cidadania democrática para que aprendam a conviver no respeito, na tolerância, na participação, na responsabilidade e no interesse pelos aspectos públicos do espaço que habitam (CENPEC, 2006). Todas essas ideias podem parecer grandes noções abstratas, mas o importante é não esquecer que elas devem se concretizar em situações corriqueiras e particulares, tais como ter o direito de refletir e participar da criação de programas educativos e culturais na cidade ou descobrir um projeto educativo nas festas organizadas por nossas comunidades ou nas campanhas que a cidade prepara. COMO FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COM PERSPECTIVA CRÍTICA E CORRESPONSÁVEL? Para fomentar a participação cidadã com perspectiva crítica e corresponsável, as prefeituras devem oferecer informações e estimular a discussão do projeto educativo da cidade, por meio das instituições e organizações sociais e civis públicas e privadas. Nessa direção, é importante que o governo municipal encoraje a discussão sobre as manifestações que organiza, sobre as campanhas e os projetos que desenvolve e sobre os valores que sustentam cada um deles. Ademais, o associativismo deverá ser fomentado como um modo de analisar as intervenções na comunidade, assim como para a participação nos processos de tomada de decisões e gestão. As associações filantrópicas, de pais e mestres, de consumidores, de classes profissionais, de produtores, culturais, desportivas e sociais, entre outras, são excelentes espaços para exercer a cidadania influenciando as decisões governamentais e para obter e difundir materiais e ideias com o potencial de contribuir com o desenvolvimento social, moral e cultural das pessoas. EDUCAÇÃO PARA A INCLUSÃO, PARTICIPAÇÃO E EMANCIPAÇÃO Nossas cidades estão se tornando cada dia mais diversas. Em um trajeto de ônibus, um passeio no parque ou em uma ida ao cinema, é cada vez mais comum encontrar pessoas pertencentes a diversos grupos culturais que passam a conviver na cidade. Considerando que provavelmente essa diversidade aumentará ainda mais no futuro, um dos desafios que uma cidade que quer se tornar verdadeiramente educadora 25 deve enfrentar é a promoção de um equilíbrio que respeite a diversidade, que consiga recuperar as contribuições de cada uma das comunidades que a integram, que permita que seus membros sintam sua identidade cultural reconhecida e, finalmente, consiga integrar essa diversidade em uma identidade urbana. É fácil ver que esse não é um desafio menor, e as cidades devem investir muitos esforços para conseguir avançar nessa direção. Podemos dizer, então, que uma cidade que educa destina todas suas energias a estabelecer canais de participação, por intermédio dos quais os indivíduos e as comunidades que dela fazem parte possam assumir, nas suas mãos, o controle da cidade (GADOTTI, 2005). Por sua vez, o planejamento urbano da cidade precisa considerar cuidadosamente como uma mudança no ambiente urbano repercute no desenvolvimento dos indivíduos, da comunidade e na integração de suas aspirações pessoais. Pense, por exemplo, em um bairro organizado ao redor de uma grande estação de ônibus. Ao longo do tempo, a vida comercial vem se organizando para atender às demandas do público que transita pela estação (com lanchonetes, restaurantes e outros estabelecimentos). O que aconteceria se a prefeitura decidisse desativar a estação de ônibus e trasladá-la a outro ponto da cidade? Com certeza os vizinhos do bairro veriam a sua vida mudar, o que traria repercussões tanto negativas como positivas. Uma cidade educadora estabelece canais para que os interesses de todas as pessoas possam ser considerados. Assegurar a participação de todos e todas na vida da cidade supõe, também, desenvolver políticas de inclusão que eliminem as barreiras culturais e físicas impeditivas do exercício do direito à igualdade. Toda pessoa que já guiou uma cadeira de rodas, um carrinho de bebê ou utilizou bengala sabe da enorme diferença que faz para sua vida poder contar com calçadas cuidadas e rampas de acesso. A noção de cidade educadora se assenta, ademais, em uma concepção emancipadora de cidade. Seus cidadãos prestam atenção ao diferente e ao portador de direitos especiais. A cidade educa para a diversidade, para a compreensão e para a cooperação, combatendo toda forma de discriminação. Isso significa implementar mecanismos que garantam a liberdade de expressão e o diálogo cultural em condições de igualdade. Isso ocorre quando imaginamos como gostaríamos que nossa cidade acolhesse os recém-chegados, imigrantes ou refugiados, e como fazemos para que sintam que a cidade também é deles. A seguinte citação de Gadotti (2005) descreve, de maneira um tanto sombria, um possível futuro para as grandes cidades: A cidade, sobretudo a grande metrópole, está chegando ao limite do suportável (violência, estresse, desemprego, falta de habitação, de transporte, de saneamento…) e não tem outra alternativa hoje a não ser se transformar radicalmente em “novas cidades”, em cidades 26 educadoras. Caso contrário, as cidades estarão caminhando rapidamente para se transformarem em espaços de extermínio, sobretudo dos jovens. (GADOTTI, 2005, p. 8). PEDAGOGIA DA CIDADE Evocando as palavras de Paulo Freire, Gadotti (2005) nos lembra que nosso primeiro livro de leitura é o mundo. Quando vinculamos essa ideia com a nossa vida na cidade, percebemos que precisamos de uma pedagogia que nos ajude a “ler” a nossa cidade. Na vida cotidiana, temos nos acostumado a ignorar certas coisas que acontecem ao nosso redor para não ter que nos comprometer com elas, simplesmente porque nos sentimos impotentes perante elas. Muitas vezes, durante o caminho ao trabalho ou à escola, desviamos nosso olhar do mendigo, da criança no semáforo, das casas precárias no morro da favela. Desse modo, tornamos invisíveis muitos habitantes da nossa cidade (GADOTTI, 2005). A noção de pedagogia da cidade vem justamente tentar quebrar essa invisibilização e para nos ensinar a olhar e a descobrir a cidade, aprendendo com ela, dela e aprendendo a conviver com ela. A pedagogia da cidade revela, então, que a cidade é o espaço das diferenças: econômicas, culturais, sociais, de orientaçãosexual e religiosas, entre outras. A pedagogia da cidade nos mostra que muitas dessas diferenças não são deficiências, mas riquezas e, portanto, podemos aprender muito com elas. Por sua vez, também nos alerta a respeito da necessidade de imaginar maneiras de superar aquelas diferenças que trazem exclusão e marginalização de grandes grupos ou comunidades que habitam na cidade. Para poder aprender a ler a cidade, observando todos os seus espaços, é necessário nos locomover por ela, caminhando por suas ruas. Isso nos permitirá descobrir os espaços onde as pessoas se encontram, os usos que elas fazem dos espaços públicos e, o mais importante, tecer histórias pessoais em cada um de seus cantos, de modo que, no futuro, possamos evocar cada vez que passamos por eles: essa é a praça em que eu brincava com a minha sobrinha, essa é a rua onde ficava minha escola, essa é a lanchonete onde costumava almoçar antes de ir para o meu primeiro trabalho. Ao caminhar pela cidade temos a possibilidade de vivê-la em sua complexidade e animação e, simultaneamente, nos tornamos cidadãos. Para isso, precisamos de uma educação cidadã para o trânsito e a mobilidade, assim como de mapas e guias que nos revelem não só a localização geográfica de certos pontos de interesse, mas também a localização dos pontos culturais nos quais podemos ver a vida da cidade. Quando percebemos que a cidade nos pertence, passamos a enxergar que somos participantes da sua construção e reconstrução permanente. Assim, toda vez que 27 atravessamos a rua pela senda de pedestres, que jogamos o lixo na lixeira, que ajudamos um idoso a carregar a sacola das compras, estamos cumprindo um importante papel na reconstrução da nossa cidade como um lugar mais amigável e prazeroso. Uma pedagogia da cidade supõe, então, aprender na cidade, da cidade e a cidade. Vejamos isso com maior detalhe. A expressão “aprender na cidade” considera o espaço urbano como um contexto de acontecimentos educativos. Assim, ela acolhe, mistura e aglutina as mais diversas oportunidades educativas: escolas, centros de educação no tempo livre, educadores da rua, educação familiar e toda uma rede cívica, cultural e comercial que provê recursos que contribuem com a nossa formação. Aprendemos na cidade porque ela conta com uma teia educativa que mistura a educação formal com a não formal, reunindo instituições estritamente pedagógicas com situações educativas ocasionais (TRILLA, 1999). A expressão “aprender da cidade” entende que a cidade é um agente e meio informal de educação. A cidade é o resultado da reunião, em um espaço reduzido, de muitas pessoas e elementos culturais. Essa proximidade permite a comunicação, o cruzamento, a criatividade e a aquisição de informações. Portanto, o meio urbano é “um emissor cambiante e diverso de informações e culturas. É, também, uma densa rede de relações humanas que podem devir socializadoras e educativas” (TRILLA, 1999, p. 14) Por sua vez, a expressão “aprender a cidade” compreende a cidade em si mesma como um conteúdo educativo. O conhecimento informal que o próprio meio urbano gera é, por sua vez, conhecimento sobre ele mesmo. Aprendemos a cidade quando aprendemos a utilizar seus sistemas de transporte, a localizar onde estão os comércios mais convenientes para cada um de nós e a utilizar os recursos urbanos que permitem ocupar nossos tempos de ócio, por exemplo. A pedagogia da cidade também entende a cidade como o espaço da cultura e da educação. Portanto, ela se esforça por empoderar educacionalmente muitos dos equipamentos culturais da cidade. Nessa direção, ela reconhece que existem muitas energias sociais adormecidas que poderiam ser altamente potencializadas se as dotássemos de um potencial educativo. Pensemos, por exemplo, nos cemitérios. Esses espaços públicos são geralmente imaginados pelos habitantes como lugares que é melhor evitar. Mas o que aconteceria se os pensássemos como espaços educativos? O que os cemitérios poderiam nos ensinar a respeito da nossa própria história e sobre a história da cidade? A ideia pode parecer estranha, mas muitas cidades, entre elas Paris e São Paulo, promovem ricos programas educativos que funcionam em seus cemitérios. 28 Seção 2 - AS POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA Para explorar as possibilidades de aprendizagem além dos muros da escola é necessário começar delineando algumas das características da educação em espaços não escolares. Já sabemos que a educação não formal abarca um amplo leque de processos educativos que, apesar de suas múltiplas diferenças, compartilham algumas características. Dentre elas podemos mencionar que eles apresentam: ● Programas flexíveis em termos de conteúdo, espaços, agrupamentos, temporalidade etc. ● Programas que se adaptam ao contexto cultural dos seus destinatários. ● Conteúdos relevantes para atender os problemas, necessidades, interesses e aspirações dos seus participantes. ● Situações de aprendizagem conectadas com a vida real dos participantes, de modo a capacitá-los, ajudá-los a buscar soluções para seus problemas e melhorar suas condições de vida (GOMEZ, 2004). EXEMPLO DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: OFICINA DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA Para compreender o impacto dessas características nas aprendizagens desenvolvidas nos espaços de educação não formal, pensemos no seguinte exemplo: uma oficina de educação financeira para donas de casa oferecida em um centro comunitário de um bairro de periferia. Essas oficinas podem ter um grau de flexibilidade em relação ao conteúdo a tratar – se todas as participantes estiverem interessadas em aprender a utilizar o cartão de crédito de maneira responsável, é possível que essa temática ocupe boa parte das discussões. Em termos de espaço e temporalidade, as oficinas podem ser ministradas em diversas salas ou horários para adaptar-se às necessidades das participantes. Em termos de agrupamentos, é possível que algumas das suas participantes já tenham feito outras oficinas sobre a temática previamente ou que algumas participem de poucas reuniões. Essa flexibilidade reflete a intenção de adaptar-se ao contexto cultural das suas destinatárias: seria ingênuo – e muito pouco efetivo – planejar uma oficina centrada 29 nas diversas possibilidades de investimento na bolsa de valores, enquanto os problemas financeiros das participantes são de natureza muito diferente. Uma oficina com foco na educação para o consumo, na organização do orçamento familiar e em estratégias de endividamento realistas com certeza proporcionaria conteúdo muito relevante, que ajudaria as donas de casa com seus problemas reais, capacitando-as a procurar soluções para organizar sua vida financeira e, assim, melhorar suas condições de vida. Esse exemplo nos mostra que a educação além dos muros da escola pode trazer ricas oportunidades para o desenvolvimento de atitudes críticas, solidárias e que contribuam para o enfrentamento dos problemas da vida cotidiana – tanto em âmbito familiar como no social e produtivo – e que ajudem a satisfazer às necessidades formativas dos coletivos aos quais se dirigem (GOMEZ, 2004). Segundo Gohn (2006), os processos educativos não formais acontecem em territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e dos indivíduos, e sua finalidade é “abrir janelas de conhecimento a respeito do mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais” (GOHN, 2006, p. 29). A mesma autora destaca que a educação não formal contribui para o desenvolvimento da autoestima e o empoderamento do grupo. Voltando para nosso exemplo, pensemos no grande potencial transformador que pode ter para essas mulheres o conhecimento de estratégias básicas para lidar com as economias dos seus lares, nas possibilidades de se projetarem no futuro livres de dívidas e conseguindo atingir seus sonhos com uma programação financeira realista. A educação não formal parte da problematização da vida cotidiana e dos temas que se colocam como necessidades e desafios de determinadogrupo. Assim como na escola, a educação formal também produz saberes, mas estes são criados com o compartilhamento de experiências, da reflexão e do cruzamento entre os saberes herdados e os saberes novos adquiridos (GOHN, 2014). A educação além dos muros da escola é mais do que uma estrutura simbólica edificada ou corporificada em uma instituição, é um processo de aprendizagem que ocorre via diálogo tematizado (GOHN, 2014). Dessa concepção se segue que o que se vai aprender dependerá da qualidade das relações e interações ali desenvolvidas. Para continuar avançando é necessário retomar um conceito fundamental em nossas discussões. Se queremos delimitar quais são as oportunidades de aprendizagem oferecidas pela educação não escolar, precisamos refletir sobre o que é aprendizagem. Essa noção é complexa e tem sido conceitualizada de maneiras diversas por muitos educadores. Sem a pretensão de cobrir esse extenso debate, as palavras de Gohn (2014, p. 39) nos trazem uma perspectiva da aprendizagem particularmente fértil quando queremos estudar a educação não formal: 30 […] aprendizagem como sendo um processo de formação humana, criativo e de aquisição de saberes e certas habilidades que não se limitam ao adestramento de procedimentos contidos em normas instrucionais […] Certamente que em alguns casos há a incorporação ou a necessidade de desenvolver alguma habilidade ou grau de "instrumentalidade técnica", não como principal objetivo e nem o fim último do processo. E mais do que isso: o conteúdo apreendido nunca é exatamente o mesmo do transmitido por algum ser ou meio/instrumento tecnológico porque os indivíduos reelaboram o que recebem segundo sua cultura. Podemos concluir que os processos educativos não formais têm potencialidade para desenvolver aprendizagens orientados: ● À participação política dos indivíduos enquanto cidadãos. ● Ao desenvolvimento de habilidades que capacite os indivíduos para o mundo do trabalho. ● À organização na perseguição de objetivos comunitários procurando solucionar problemas cotidianos. ● À leitura do mundo e do que acontece ao seu redor. ● Ao desenvolvimento de perspectivas críticas sobre a educação desenvolvida na mídia e pela mídia (GOHN, 2014, p. 40-41). O exemplo da oficina de educação financeira traz todas essas aprendizagens para o primeiro plano. Contar com um conhecimento básico do nosso sistema financeiro é, sem dúvida, uma aprendizagem que permitirá a essas donas de casa ler o mundo e ter uma visão crítica das inúmeras publicidades de instituições bancárias que oferecem créditos que parecem ser muito vantajosos, mas que escondem taxas de juros impossíveis de serem pagas. Por sua vez, a participação na oficina pode encorajar as participantes a se organizarem de maneira comunitária, tanto para solicitar empréstimos como para realizar compras, o que, ademais, reflete na sua participação política enquanto cidadãs. Por fim, esses conhecimentos podem ajudá-las a negociar melhores condições de trabalho, assim como a estar mais bem preparadas para se inserir profissionalmente. REDES DE APRENDIZAGEM COLABORATIVA Os processos de aprendizagem não escolar oferecem ricas oportunidades para gerar aprendizagens significativas para os seus participantes, além de fortemente vinculadas à vida pessoal e aos interesses de cada um. Desse modo, descobrimos que além dos muros da escola existem espaços com um alto potencial educativo. A seguir, vamos refletir sobre como tais espaços podem articular-se entre si e com os processos escolares, de maneira a contribuir com a formação integral dos indivíduos. 31 Podemos começar dizendo que o reconhecimento de que existem processos educativos que ultrapassam os espaços formais escolares não leva à desvalorização da escola nem à sua desqualificação. Pelo contrário, esse reconhecimento nos permite relocalizar a escola como um dos múltiplos agentes educativos que influenciam a formação dos indivíduos. Isso significa não esquecer que a escola é a instituição educativa mais importante que temos conseguido desenvolver até o momento, portanto para qualquer projeto educativo de relevância teremos que contar com a escola. Por outro lado, essa relocalização exige que a escola se abra a seu contexto, visto que é lá onde ela encontrará referentes reais dos conteúdos que deve transmitir, entornos de experiência direta e oportunidades para se envolver em processos sociais reais (TRILLA, 2005). Dada essa perspectiva, é possível pensar em diversas maneiras em que a educação escolar e a não escolar podem interagir. Gomez (2004) propõe as seguintes possibilidades de interação: ● Relações de suplência. Neste caso, uma das modalidades assume tarefas que são, ou deveriam ser assumidas pela outra modalidade. Por exemplo, as aulas de reforço ministradas no centro comunitário são espaços de educação não formal que tentam suprir parte das obrigações que a escola não conseguiu garantir. Isso também ocorre no sentido contrário, ou seja, às vezes as famílias esperam que sejam as escolas as encarregadas por desenvolver conteúdos que ultrapassam suas funções, tais como a educação para a tolerância ou a educação sexual. ● Relações de substituição. Existem casos nos quais a educação não formal substitui a escola, por exemplo, com adultos que não tiveram acesso à escola na infância, populações geograficamente dispersas e população carcerária. ● Relações de interferência. Nesses casos, as modalidades formais e não formais oferecem mensagens educativamente contrárias. ● Relações de complementariedade de funções, objetivos e conteúdo. Nesses casos, a escola pode utilizar recursos não formais e integrá-los ao seu trabalho curricular ou disponibilizar à comunidade seus equipamentos para a realização de atividades não formais. É justamente esta última possibilidade de interação entre os processos educativos formais e não formais – a de complementariedade – que permite o estabelecimento de verdadeiras redes de aprendizagem colaborativa. Tais redes cobram maior relevância quando recordamos que a escola, por si só, não pode atender a todas as necessidades educativas do mundo contemporâneo. As redes de aprendizagem colaborativa são criadas quando as aprendizagens formais desenvolvidas dentro da escola são complementadas com aquelas desenvolvidas com base na participação em práticas educativas não escolares, potencializando o desenvolvimento pessoal em todas as faixas etárias e garantindo uma educação permanente que permita ir adaptando os conteúdos às mudanças e demandas dos próprios indivíduos e dos entornos sociais (GOMEZ, 2005). São 32 essas oportunidades que permitem concretizar uma rede de aprendizagem durante toda a vida, possibilitando às pessoas se desenvolverem integralmente e participarem ativamente do mundo laboral, comunitário, cultural e social, adaptando-se a contínuas mudanças do nosso tempo. Assim, defendemos que as práticas educativas em espaços não escolares não devem ser compreendidas simplesmente como ferramentas complementárias, acessórias ou supletivas, que têm como principal objetivo solucionar os problemas que a escola não consegue resolver. Favorecer o estabelecimento de redes de aprendizagem colaborativa envolve assumir que os processos educativos não formais geram aprendizagem valiosa para a vida social e para o desenvolvimento dos indivíduos e, portanto, podem contribuir reconectando ou apoiando a passagem pela educação formal (MORALES, 2009). Nas redes de aprendizagem colaborativa convergem, de maneira coordenada, os processos de formação desenvolvidos pelas práticas educativas formais e não formais, “sendo eles flexíveis o suficiente como para poder dar resposta às mudanças contínuas que se produzem nas nossas vidas” (GOMEZ, 2004, p. 571). Conseguir criar essas articulações é, portanto, “um sonho, uma utopia, mas também uma urgência e uma demanda da sociedade atual” (GOHN, 2006, p. 36). EXEMPLO DE INTEGRAÇÃO ENTRE PRÁTICAS EDUCATIVAS FORMAIS E INFORMAIS Vejamos alguns exemplos de como tais redes de aprendizagem colaborativapodem concretizar-se, permitindo integrar a comunidade escolar, os alunos, as famílias e os espaços públicos. Os alunos de uma escola municipal localizada na zona leste de São Paulo conseguiram mobilizar a escola e a comunidade do bairro em ações que permitiram transformar espaços públicos de encontro. Concretamente, eles organizaram a revitalização de uma escadaria pública e o Clube da Comunidade que se encontrava abandonado. Para isso, contataram muitos vizinhos até conseguirem os materiais e a ajuda necessários. Se o projeto tivesse parado por aqui, poderíamos dizer que ele mostrou como é possível que a escola transforme a comunidade. Mas não foi só isso. O projeto também envolveu transformações nas práticas escolares, que permitiram que os alunos aprendessem não só dos professores, mas também de todos os habitantes do bairro, criando uma verdadeira rede de aprendizagem colaborativo. Isso foi possível porque a escola decidiu reorganizar a distribuição dos tempos e a estrutura das suas atividades. Assim, para o desenvolvimento do projeto, os alunos tiveram que escolher participar de uma de seis oficinas: mosaico do escadão, pintura do muro do escadão, histórico do bairro, comunicação e divulgação, lazer e eventos no clube da comunidade e arquitetura e urbanismo. Cada uma delas permitiu integrar o trabalho disciplinar com as ações na 33 comunidade. Os depoimentos dos alunos participantes do projeto colocam isso de maneira muito clara: “com as entrevistas com a comunidade aprendemos língua portuguesa, com o trabalho de arquitetura, trabalhamos com matemática”, “a gente não está indo ali somente para revitalizar o bairro, mas como uma parceria para o nosso currículo e para o nosso aprendizado”. Os espaços escolares também passaram a se articular com os espaços comunitários, visto que o Clube da Comunidade agora é o cenário das festas típicas da escola e dispõe de uma sala que é utilizada de maneira contínua pelos alunos da escola. APRENDER NOS CENTROS DE CULTURA, NOS CENTROS CIENTÍFICOS E NOS ESPAÇOS DE CONVIVÊNCIA Vamos nos dedicar, agora, à reflexão sobre as oportunidades de aprendizagem fomentadas dentro de espaços particulares presentes em toda cidade: os centros de cultura, os centros científicos e os centros de convivência. Com isso nos referimos a museus, observatórios astronômicos, planetários, feiras de ciência, parques, reservas naturais e outros. Na atualidade, conseguir que os indivíduos dominem conhecimentos científicos para poder fazer exercício da sua cidadania é um objetivo central da educação, tanto em espaços formais como não formais (ELÍAS; AMARAL; ARAÚJO, 2007). Torna-se cada vez mais importante, então, criar espaços alternativos onde as pessoas de todas as idades possam compartilhar parte dos avanços científicos e o acervo histórico e artístico da comunidade, complementando as aprendizagens desenvolvidas na escola. Os centros científicos e de cultura são espaços privilegiados para atingir esses objetivos. Dentro deles, é possível divulgar conhecimentos científicos e artísticos por meio de metodologias, tais como as exposições e as atividades grupais, que possibilitam o acesso e a troca de informações relacionadas à ciência, história e arte. As pessoas que visitam esses espaços de educação não formal podem interagir com monitores e são incentivadas a questionar, solucionar dúvidas e aprimorar seus conhecimentos. Silva (2007, p. 57) descreve a visita ao museu como uma experiência global: A presença de objetos autênticos, a experiência multissensorial (visual, táctil, auditiva) e vivencial proporcionada por estes e pelo próprio ambiente em que se inserem, a possibilidade de estabelecer uma relação material com a sua tridimensionalidade, a possibilidade de trabalhar, a partir destes mesmos objetos as experiências e motivações que os visitantes trazem consigo, a ausência de um sistema de aprendizagem e avaliação formal são fatores que fazem da aprendizagem ocorrida neste espaço uma realidade única, complexa e enriquecedora. 34 Esses espaços proporcionam, então, oportunidades para que o visitante articule o patrimônio cultural, científico e/ou social com a vida emocional e a biografia dos indivíduos. É fácil notar que as práticas educativas desenvolvidas em cada museu, planetário ou parque podem fazer parte de redes de aprendizagem colaborativa, complementando e enriquecendo as práticas escolares. Às vezes, uma exposição é capaz de explicar mais facilmente como os modelos científicos se aplicam a situações do dia a dia; uma visita a um parque ecológico é o marco para ressignificar e vivenciar a noção de ecossistema; a experiência de observar quadros e esculturas permite compreender a necessidade de distinguir técnicas artísticas. Seção 3 - EDUCAÇÃO, VIOLÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL EDUCAÇÃO EM ESPAÇOS DE VULNERABILIDADE SOCIAL Considerar as práticas educativas e refletir sobre elas em espaços de vulnerabilidade social requerem, em primeiro lugar, uma análise da noção de vulnerabilidade social e os seus diversos significados e dimensões. Esse conceito aborda múltiplas modalidades de desvantagem social, entre as quais podemos mencionar a violência doméstica, a negligência de cuidados, a evasão escolar, a falta de afetividade, o uso abusivo de substâncias psicoativas e a pobreza extrema. Todos esses fatores complexos estão presentes na sociedade contemporânea, e as crianças, os jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social são aqueles que vivem negativamente as consequências das desigualdades sociais e dos fatores macroeconômicos (LOPES; MALFITANO, 2006). Crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social sofrem de baixa autoestima e insegurança e vivem em comunidades que oferecem escassas oportunidades para usufruírem de bens culturais e do patrimônio artístico produzido pela humanidade. Eles são particularmente vulneráveis à violência, já que muitos deles nasceram e vivem em contextos nos quais a violência “se naturalizou, banalizou-se, passando a ser um elemento comum no cotidiano das populações de baixa renda” (CASTRO; ABRAMOVAY, 2002, p. 157). Um fator que caracteriza as pessoas que vivem nessa situação é a impossibilidade de modificar a condição precária na qual se encontram, assim como a dificuldade de escolher ou negar aquilo que lhes é oferecido (CARRARA, 2016). Quando assumimos uma perspectiva que conecta a vulnerabilidade social com processos sociais e culturais mais amplos, tais como a desigualdade e a exclusão que caracterizam nossas sociedades, é possível compreender que os sujeitos não são vulneráveis em si, ou seja, a vulnerabilidade não é uma característica que serve para descrever a essência de uma pessoa ou uma etiqueta que a 35 acompanhará ao longo de toda sua vida. Pelo contrário, as pessoas “podem estar vulneráveis a alguns agravos e não a outros, sob determinadas condições, em diferentes momentos das suas vidas” (MEYER et al., 2006, p. 1340, grifo nosso). É com base nessa perspectiva que dizemos que as pessoas estão em situação de vulnerabilidade. Tendo conceitualizado a noção, é fácil perceber que o trabalho educativo com pessoas em situação de vulnerabilidade apresenta as suas especificidades e coloca desafios próprios ao pedagogo. Ribeiro (2006, p. 168), de maneira muito acertada, descreve tais desafios ao afirmar que “o trabalho com essas populações exige uma nova pedagogia, um novo currículo, conteúdos e métodos adequados às necessidades dos educandos”. Segundo a autora, o trabalho pedagógico deve priorizar a integralidade da educação, envolvendo não só os aspectos cognitivos, mas também os corporais e a sensibilidade, e ter como finalidade principal o resgate da cidadania dessas pessoas. Vejamos, com um pouco mais de detalhe, alguns princípios que podem embasar as práticas educativas orientadas a pessoas em situação de vulnerabilidade. Nessa direção, vamos considerar os aportes de diversos autores que contrastam as práticas habituais com aquelas que seriam desejáveis. Segundo Meyer et al. (2006), muitos projetos educativosorientados a essas populações se inscrevem em uma lógica que privilegia a transmissão de conhecimento científico especializado, desvalorizando ou ignorando os saberes e as visões de mundo produzidas e mantidas pelas crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Diante disso, para poderem aprender aquilo que o educador quer transmitir, eles terão de “desaprender” grande parte do aprendido no cotidiano das suas vidas. A postura que defendemos neste momento e que consideramos mais desejável é diferente. Ela parte de assumir que as práticas educativas em espaços de vulnerabilidade social se enquadram em processos educativos mais amplos: […] processos pelos quais indivíduos se transformam em sujeitos de uma cultura, reconhecendo que existem muitas e diferentes instâncias e instituições sociais envolvidas com esses processos de educar, algumas delas explicitamente direcionadas para isso, enquanto que em outras esses processos educativos não são tão explícitos e nem mesmo intencionais. (MEYER et al., 2006, p. 1337) Com base nessa visão mais ampla, os processos educativos orientados a pessoas em situação de vulnerabilidade social devem estabelecer uma relação horizontal e dialógica entre o saber técnico-científico e a cultura popular. Isso supõe que, do diálogo entre os saberes científicos e populares, é possível produzir um conhecimento ampliado voltado para a transformação da realidade de vida da população. Educador e educando são considerados, ambos, sujeitos de conhecimento. Juntos, desvelarão o mundo que os rodeia, comprometendo-se com a sua transformação. Essa perspectiva valoriza os conhecimentos construídos nas 36 vivências cotidianas e nas diversidades culturais e relativiza a importância – tantas vezes hegemônica – do saber formal e acadêmico. Assume-se, assim, que “os saberes empíricos da população são construídos e elaborados a partir de suas experiências concretas da vida e são diversos das vivências do educador” (BORGES; BARBOSA, 2013, p. 604). Será com base no estabelecimento de relações de confiança, de integração e cooperação, que pessoas ou grupos com experiências, interesses, desejos e motivações diversas poderão desenvolver ações educativas dialógicas baseadas em metodologias participativas e no reconhecimento e acolhimento das dimensões sociais, econômicas, culturais e subjetivas que compõem suas vidas. Para imaginar estratégias educativas que contribuam para a transformação das condições de vida das pessoas em situação de vulnerabilidade, é necessário que nós, educadores, aprendamos a dialogar com os múltiplos aspectos que dão forma às crenças, aos hábitos e aos comportamentos dessas pessoas (BORGES; BARBOSA, 2013). A intervenção no próprio território em que habitam as pessoas em situação de vulnerabilidade – as ruas, as favelas, as praças, etc. – possibilita o acolhimento, a escuta e o encaminhamento das suas demandas, e emerge como uma estratégia pedagógica que permite ir tecendo redes pessoais e sociais de proteção e suporte (LOPES; MALFITANO, 2006). EXEMPLO DE EDUCAÇÃO EM ESPAÇOS DE VULNERABILIDADE SOCIAL O projeto Rotas Recriadas, implementado de maneira conjunta entre diversas ONGs e o Conselho Municipal de Direito da Criança e do Adolescente – Campinas-SP, permite exemplificar muitas das ideias apresentadas até este momento. O projeto desenvolveu ações para combater a problemática da violência sexual infanto-juvenil em bairros onde existem indícios de exploração sexual. Desse modo, ele se orientou a crianças e jovens que estavam em extrema situação de vulnerabilidade social, sendo, muitas delas, captadas pelas redes de prostituição estabelecidas na cidade. O projeto foi de natureza intersetorial e interdisciplinar, contando com vários eixos que procuravam constituir uma rede integral de proteção e cuidado dessa população. O eixo “Cuidar” visava oferecer cuidados em saúde, principalmente saúde mental das crianças e jovens participantes. O seu objetivo era, assim, criar vínculos que auxiliassem na produção conjunta e participativa de novos projetos individuais que pudessem ser traduzidos em novas rotas ou percursos de vida. O eixo “Prevenir” tinha como meta a implantação de centros de convivência localizados nas rotas em que existem indícios de exploração sexual. Esses centros ofereceram atividades culturais e esportivas para crianças e adolescentes. Uma das oficinas desenvolvidas pelo projeto foi a de fotografia que, em um primeiro momento, possibilitou que os participantes tirassem fotos livres, de maneira a aproximar-se e familiarizar-se com o equipamento. Em uma segunda instância, foi proposta a 37 realização de fotografias temáticas que compuseram uma exposição final do trabalho na Secretaria de Cultura do Município. Ademais, cada participante teve a oportunidade de escolher fotos para si, levando-as para sua casa como um dos seus produtos. O TRABALHO COM ADOLESCENTES E JOVENS INFRATORES No Brasil, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade são, na atualidade, uma parcela significativa da população juvenil envolvida no cometimento de atos infracionais. Esses jovens estão expostos a múltiplas vulnerabilidades, tais como problemas familiares – manifestados em situações de violência doméstica ou abandono familiar –, problemas de saúde física e mental – vinculados ao uso abusivo de drogas ou déficit de aprendizagem e evasão escolar –, conflitos comunitários, problemas econômicos e envolvimento com grupos criminosos. Cada uma dessas experiências contribui para o processo de socialização dos adolescentes em situação de vulnerabilidade e são fatores atrelados ao cometimento de atos infracionais. (CARNEIRO, 2012). Por sua vez, muitos dos jovens em conflito com a lei desenvolveram relações tensas e ambíguas com a escola. Muitos deles enxergam a escola em perspectiva unicamente utilitarista – “ir à escola é necessário para conseguir um emprego” –, mas não conseguem compreendê-la como um espaço relevante para sua formação pessoal, cultural, política ou social. Isso estaria associado, principalmente, à falta de sentido daquilo que se aprende na escola – “aquilo que aprendo na escola não me serve na minha vida cotidiana” – e a dificuldade da escola para lidar e acolher esses jovens. Para muitos deles, a escola não garante a mobilidade social que tanto almejam (AGUIAR, 2018). Essa breve descrição dos problemas que enfrentam os jovens e adolescentes infratores já coloca em destaque a importância e os desafios que se colocam no desenvolvimento de práticas educativas orientadas para essa população. Em termos legais e institucionais, as medidas educativas desenvolvidas com jovens em conflito com a lei estão pautadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990, e organizam-se pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Tal como o seu nome indica, as práticas educativas nesses contextos adquirem a denominação “socioeducativas”, o que destaca seu caráter integral, intersetorial e o compromisso das famílias, da sociedade e do Estado para assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes (AGUIAR, 2018), objetivando o rompimento da relação daqueles com o ato infracional. Quando um jovem se envolve em um ato infracional, o ECA estabelece diversas medidas socioeducativas que serão aplicadas segundo a gravidade do ato e as possíveis reincidências. Dentre elas estão: 38 ● advertência; ● obrigação de reparar o dano; ● prestação de serviços à comunidade; ● liberdade assistida; ● semiliberdade; ● internação Perante essas medidas surgem vários pontos importantes a considerar. Em primeiro lugar, cada uma delas está subordinada aos princípios de brevidade e excepcionalidade, ou seja, o objetivo não é que o jovem permaneça longos períodos sujeito a essas medidas nem que elas se transformem em uma caraterística corriqueira da sua vida. Em segundo lugar, a ação socioeducativa deve prevalecer sobre os aspectos meramente sancionatórios. Isso significa que, embora as medidas estabeleçam a desaprovação da conduta infracional e procuremresponsabilizar o adolescente em relação às consequências dos seus atos, a medida imposta a ele não procura somente punir ou sancionar o jovem. Pelo contrário, O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na prática de atos infracionais. Ele deve desenvolver a capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações relacionadas ao interesse próprio e ao bem-comum, aprendendo com a experiência acumulada individual e social, potencializando sua competência pessoal, relacional, cognitiva e produtiva (BRASIL, 2006, p. 46) Desse modo, as práticas socioeducativas orientadas ao trabalho com jovens e adolescentes infratores devem desenvolver a promoção pessoal e social de maneira integrada, oferecendo atividades pedagógicas, de lazer, esportivas e profissionalizantes, de maneira a formar sujeitos que possam enfrentar os desafios da vida em liberdade. Desse modo, a socioeducação visa ao desenvolvimento de um padrão de sociabilidade ético e saudável que permita aos jovens romperem com os ciclos de violência que têm vivenciado historicamente (CARNEIRO, 2012). Assim, os processos socioeducativos devem atender a três grandes eixos inter-relacionados: 1. Escolarização dos jovens. 2. Profissionalização dos jovens. 3. Estímulo à convivência familiar e comunitária. 39 Fica evidente, então, que tais práticas deverão ser de natureza interdisciplinar, transversal e intersetorial. EXEMPLO DE AÇÃO SOCIOEDUCATIVA O projeto TV Degase é desenvolvido em parceria entre a Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro e o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase). Ele oferece capacitação na área audiovisual (filmagem, edição de vídeos, roteirização, reportagens e entrevistas) a adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Degase. A criação da TV Degase possibilitou que jovens em situação de privação de liberdade pudessem expressar como eles próprios se veem diante de suas habilidades, gostos e sonhos, como a sociedade olha para eles, quais são as suas preocupações e interesses. Por meio das oficinas, esses jovens criam material audiovisual que é disponibilizado nas redes sociais com o objetivo de ampliar a voz tanto daqueles que estão reclusos quanto daqueles que são egressos da instituição. Para elaborar a programação, os jovens participam de dois encontros semanais presenciais. Além de ganhar visibilidade e voz nas redes sociais, o projeto contribui para aumentar a interação dos jovens com as suas famílias e a ampliar suas perspectivas. Uma integrante do projeto descreve sua experiência com as seguintes palavras: “Quando eu ainda não conhecia o projeto eu só pensava em um jeito de fugir daquele lugar. Após conhecer e começar a participar, minha única vontade era continuar. Encontrei uma forma de me sentir útil pra sociedade, mostrando que eu posso, sim, ser melhor do que o erro que cometi”. O TRABALHO COM CRIANÇAS E JOVENS DE RUA As crianças e os jovens em situação de rua estão expostos a múltiplos riscos e situações geradoras de estresse. Eles devem testar constantemente suas habilidades emocionais, sociais e cognitivas, pois as adversidades da rua lhes exigem que desenvolvam estratégias de adaptação e de resistência ao risco à segurança e à sobrevivência. Apesar de passar grande parte do seu dia nas ruas, muitos deles mantêm algum tipo de vínculo com as suas famílias e, em alguns períodos da vida, participaram da rede escolar. Em seu momento, a escola foi trocada pelos aliciantes da rua ou abandonada pela expulsão (SCHIRÓ; KOLLER; SANTOS PALUDO, 2009). Apesar de ser um contexto adverso e hostil, nas ruas as crianças aprendem habilidades de autonomia e responsabilidade. Por exemplo, a venda de pequenos objetos e outras negociações exigem o desenvolvimento da habilidade de lidar com o dinheiro, o que se vincula a competências matemáticas básicas. Com isso, não estamos querendo apontar que a rua é capaz de substituir a aprendizagem escolar. O que se quer destacar é que a criança e o jovem em situação de rua são, também, capazes de aprender, são resilientes e estão em 40 desenvolvimento. As práticas educativas orientadas a crianças e jovens de rua precisam oferecer momentos nos quais eles possam brincar, estudar e, principalmente, produzir sentidos em relação às suas vivências, procurando o desenvolvimento de um projeto de vida. Nas práticas educativas orientadas a essas populações no Brasil, a figura do educador social de rua ganhou destaque. É um profissional cujo objetivo é construir vínculos afetivos com as crianças e adolescentes em situação de rua “através de práticas educativas comprometidas com a transformação da realidade social excludente” (SCHIRÓ; KOLLER; SANTOS PALUDO, 2009, p. 74). A prática do educador social de rua tem recebido uma forte influência do pensamento de Paulo Freire; destaca a construção de diálogos, a reciprocidade e a sensibilidade como estratégias fecundas a serem empregadas por esse profissional, que desenvolve sua ação pedagógica na rua, procurando compreender o cotidiano das crianças e pensando em estratégias de transformação. Desse modo, o educador social de rua precisa ter competências para trabalhar em um espaço e tempo que não correspondem aos da educação formal, para propiciar o “resgate da cidadania dos sujeitos sociais com os quais desenvolve seu trabalho” (RIBEIRO, 2006, p. 168). É importante ressaltar que, embora o campo de atuação do educador social de rua seja a própria rua, ela é o ponto de partida, e não de chegada. Nessa direção, as práticas do educador social de rua devem estar articuladas com uma rede de apoio da qual podem participar os sistemas educacionais, as políticas públicas municipais e as ONGs. Em lugar de atuar em solidão, o educador social de rua deve estar inserido em um conjunto de ações e de práticas educativas planejadas para favorecer a passagem da rua para o sistema escolar formal, assim como para sustentar a permanência da criança ou jovem nesse sistema. Nesta seção, temos explorado as características que assumem as práticas educativas não escolares quando estas se orientam às populações em situação de vulnerabilidade social. Esse percorrido revela, por um lado, a complexidade do trabalho do pedagogo nesses ambientes que requer, entre outras coisas, o trabalho conjunto com outros profissionais para a constituição de redes de proteção que garantam a educação integral dos sujeitos envolvidos. Por outro lado, as reflexões colocadas nesta seção sublinham a relevância e a urgência de contar com pedagogos formados para enfrentar tais desafios. 41 Unidade 3 Seção 1 - ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL ONGS, CENSE, CREAS, CRAS E BRINQUEDOTECA Nesta disciplina estamos estudando as muitas possibilidades de atuação do pedagogo. Esse outro campo de atuação também pode proporcionar experiências enriquecedoras e ser responsável por grandes transformações na vida das pessoas. A fim de iniciar esse estudo, vamos ter contato com espaços como ONGs, CRAS e brinquedotecas, com o intuito de entender, primeiramente, que espaços são esses e, em seguida, qual a função do pedagogo nesses locais. Primeiramente é preciso entender que esses espaços que serão vistos a seguir envolvem a atuação no terceiro setor da sociedade civil, composto por instituições variadas, como entidades beneficentes, mas que têm como característica comum o fato de não terem fins lucrativos. Essas entidades geralmente prestam algum serviço à sociedade e podem receber verbas públicas ou privadas, mas não podem ter lucro com suas atividades. Seu surgimento está vinculado a uma deficiência do Estado em prover algum serviço para uma determinada comunidade. Conforme veremos a seguir, a atuação de entidades como ONGs pode ser muito benéfica, porém pode carregar também alguns contratempos no que tange à responsabilidadedo Estado no cumprimento de suas obrigações. As ONGs são organizações não governamentais que prestam algum serviço para uma determinada comunidade e podem ter abrangência municipal, estadual ou federal. Como dito anteriormente, essas associações – conforme indicado no Novo Código Civil Brasileiro de 2002 – atuam sem fins econômicos e prestam serviços em áreas diversas como a educação, cultura e assistência social. O que nos interessa aqui em especial – mas não somente – é verificar a atuação das ONGs que prestam algum serviço no âmbito educacional. Como e por que as ONGs surgiram? Ainda que a sigla seja relativamente recente, a pesquisa nos mostra que a história das ONGs é mais antiga do que se pensa. 42 Machado (2012, p. 3) nos indica que a sigla foi criada na década de 1940, “para designar entidades não oficiais que recebiam ajuda financeira de órgãos públicos para executar projetos de interesse social”. No Brasil, a história dessas entidades começa nos anos 1960 – não necessariamente com esse nome –, durante a ditadura militar. Nessa época, essas associações, ou centros populares, não tinham necessariamente a função que têm hoje, até porque a necessidade do momento era outra. Durante essas décadas, o objetivo principal dessas entidades era o combate à ditadura e a luta pela redemocratização do país. Machado ainda nos lembra que: […] várias das ONGs que emergem após os anos de 1970 possuíam não só financiamentos internacionais, mas também, “o apoio de alas progressistas da Igreja Católica, que reviu suas posições quanto à organização da população para participar de movimentos e mobilizações conscientizadoras” (GOHN, 2000, p. 12). Esse apoio ocorre, sobretudo, a partir do movimento inspirado pela Teologia da Libertação e da criação das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. (MACHADO, 2012, p. 6) Como podemos ver, até o final da ditadura militar a luta das ONGs era pela democracia e pela conscientização da população a respeito da situação política vigente. O foco de atuação dessas entidades muda após 1985, quando o país entra em um período democrático e adota como política o neoliberalismo, que prega, de forma muito resumida, a autorregulação do mercado, o que tem como consequência a pouca influência do Estado em questões sociais. Essa abordagem capitalista causa algumas falhas na assistência do Estado às necessidades da população. Vale lembrar também que o país atravessou um momento de crise econômica gravíssima após o fim da ditadura, fato que empurrou grande parte da população para a linha da miséria. Diante desse contexto ocorre um aumento da quantidade de ONGs no país, que buscavam suprir essas lacunas na assistência à população que sofria com a pobreza, a fome e o analfabetismo. Uma das ações mais conhecidas nos anos 1990, mais precisamente a partir do ano de 1993, foi a Ação da Cidadania contra a fome, a miséria e pela vida, campanha criada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. A campanha, que teve uma grande repercussão, visava tratar a fome como um problema social e, nesse sentido, responsabilizava toda a sociedade pela sua resolução. Podemos entender que a Ação […] pode ser considerada um marco na atuação das organizações não governamentais no Brasil. Seu sucesso impulsionou a criação de inúmeras ONGs, que passaram cada vez mais a fazer parte do cotidiano político e social do país. A ideia de cidadania como um processo, construído a partir da cooperação de cada um para a melhoria da sociedade se impôs sobre a noção formal de cidadania, restrita à relação entre o indivíduo e o Estado. A Ação da Cidadania contribuiu para o fortalecimento de uma sociedade civil que, ainda combalida, se estruturava depois de vinte anos de autoritarismo militar. Desenvolvendo parcerias entre Estado e sociedade, e apontando, por meio de práticas sociais criativas, caminhos para o combate à 43 miséria e à fome, a “Campanha do Betinho” constituiu-se em exemplo histórico de conscientização e participação cidadãs. (PANDOLFI; HEYMANN, 2005, p. 186-187) Algumas perguntas ainda precisam ser respondidas. Depois de estudar o histórico das ONGs, cabe analisar a atuação dessas entidades nos últimos anos e verificar o papel do pedagogo nesse espaço. Atualmente o papel social das ONGs já está consolidado e boa parte delas atende a muitas pessoas no âmbito nacional. Podemos citar algumas iniciativas de grande porte como “Amigos do bem”, o “Instituto Ayrton Senna”, Abrinq e “Todos pela Educação”. Para se ter uma ideia, segundo dados do IPEA de 2017 (MELO, PEREIRA, ANDRADE, 2019), o Brasil contava 820 mil organizações da sociedade civil (OSCs). Diante da quantidade de ONGs existentes e que oferecem um apoio educacional, cabe ressaltar a necessidade da presença de um pedagogo nesse espaço. Sabemos que o foco da pedagogia foi, durante muito tempo, a formação de profissionais para atuação nas escolas, mas esse espaço foi ampliado nos últimos anos para todo aquele em que haja algum processo educativo. Dentre as áreas de atuação do pedagogo, podemos apontar, além da docência, a gestão educacional, o trabalho em empresas e o atendimento em projetos educacionais, dentre outros. Verificamos, com isso, que as ONGs são um terreno fértil para o trabalho do pedagogo que garantirá uma articulação entre os saberes e a preparação desse cidadão para o pleno exercício da cidadania, por meio do desenvolvimento de projetos educacionais, bem como com a prestação de suporte pedagógico. É importante ressaltar que, sendo esse um espaço não escolar, a flexibilidade que acompanha esse processo pode ser um facilitador do trabalho do pedagogo, que articula esses saberes tendo em vista a comunidade onde essa ONG está inserida e o público a que ela atende. Essa ideia reforça as propostas de Paulo Freire em toda sua obra, que vê o educador como aquele que, em uma relação dialógica, educa e ao mesmo tempo aprende, sempre com respeito aos saberes do educando. Você já deve ter notado o quanto o trabalho do pedagogo está associado a questões sociais, de cidadania e as que envolvem pessoas em situação de vulnerabilidade, certo? O espaço não escolar que vamos ver é um pouco diferente dos que já foram vistos até este momento e lidam com um público que apresenta outras características e necessidades. Primeiramente, vamos falar dos espaços conhecidos como CRAS. Os CRAS, de acordo com a página oficial do Governo Federal, são Centros de Referência da Assistência Social e oferecem serviços variados aos cidadãos, como a realização do Cadastro Único, orientação a respeito dos benefícios sociais, fortalecimento da convivência entre família e comunidade, orientação sobre serviços públicos ou situações que envolvam violência doméstica. O CRAS ainda é responsável por auxiliar pessoas em situação de vulnerabilidade social, pessoas com deficiência e 44 crianças retiradas do trabalho infantil, entre outras situações. O pedagogo é peça fundamental nesse processo, uma vez que contribuirá com seu conhecimento na integração desse público com a comunidade, fortalecendo, como dito anteriormente, esse vínculo entre a família e a comunidade. É fascinante perceber o quanto o trabalho do pedagogo pode contribuir para uma sociedade mais harmônica e justa. Veremos, então, a atuação do pedagogo em locais onde são atendidos jovens em conflito com a lei. Esses locais podem receber denominações diferentes, dependendo do estado onde estão inseridos, mas, de forma geral, podemos dizer que são Centros de Referência Especializado em Assistência Social. De início, precisamos entender o que são esses centros e porque eles existem, e sua origem remonta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Esse estatuto determina regulamentações que garantem os direitos das crianças e dos adolescentes, tratando de temas que vão desde os direitos desse grupo etário, passando por questões familiares, como tutela e adoção, e tratando até de situações em que as crianças e adolescentes comentem atos infracionais e entram, por isso,em conflito com a lei. Nesse sentido, o ECA vem para coibir situações extremas que aconteciam no país antes da década de 1990, quando esse grupo não tinha seus direitos garantidos pela lei. Como desdobramento do que foi proposto pelo ECA, é criado em 2006 o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Esse sistema é fruto […] de uma construção coletiva que envolveu nos últimos anos diversas áreas de governo, representantes de entidades e especialistas na área, além de uma série de debates protagonizados por operadores do Sistema de Garantia de Direitos em encontros regionais que cobriram todo o País. (BRASIL, 2006, p. 13) Segundo o documento que instituiu o SINASE, sua criação surgiu em função do debate da sociedade a respeito das atitudes a serem tomadas “no enfrentamento de situações de violência que envolvem adolescentes enquanto autores de ato infracional ou vítimas de violação de direitos no cumprimento de medidas socioeducativas” (BRASIL, 2006, p. 13). Por esse documento, indica-se, por exemplo, que ao adolescente que cometa um ato infracional sejam aplicadas medidas preferencialmente em meio aberto, como a prestação de serviço à comunidade e a liberdade assistida (BRASIL, 2006, p. 14). A lei que institui o SINASE e regulamenta a execução de medidas socioeducativas foi promulgada em 18 de janeiro de 2012 e, dentre suas determinações, indica que ações a serem tomadas nesse sentido devem articular áreas como a educação, a saúde e a preparação para o trabalho. Podemos concluir, então, que mesmo que o adolescente cometa um ato infracional, a ele é dado o direito à ressocialização, especialmente por meio da educação. Não nos cabe agora adentrar as especificidades do Direito, mas sim conhecer esses centros de apoio socioeducativo e, conforme já mencionado, tratar da função do pedagogo nesse espaço. 45 De forma resumida, entende-se que os CREAS são os centros de apoio a indivíduos e famílias de áreas vulneráveis, geralmente expostos a algum tipo de violência. Segundo a página oficial do Ministério da Cidadania, é função dos CREAS oferecer […] o serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). A finalidade é prover atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens encaminhados pela Vara de Infância e Juventude ou, na ausência desta, pela Vara Civil correspondente ou Juiz Singular. Também cabe ao CREAS fazer o acompanhamento do adolescente, contribuindo no trabalho de responsabilização do ato infracional praticado. (BRASIL, 2021, [s. p.]) A página oficial do Ministério da Cidadania ainda nos informa que o Serviço de Medidas Socioeducativas tem uma ligação direta com o SINASE, que vimos anteriormente, e que por esse motivo deve compor o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, cujo objetivo é organizar a rede de atendimento socioeducativo, aprimorar e monitorar a atuação dos responsáveis pelo atendimento a adolescentes em conflito com a lei (BRASIL, 2020). Podemos verificar que essas iniciativas do Governo, em conjunto com estados e municípios, têm como objetivo garantir os direitos dos cidadãos, conforme explicitado na Constituição Federal de 1988. Veja como o papel da educação e do pedagogo para a reinserção desse jovem na sociedade é extremamente relevante. A atuação do pedagogo nos CREAS se justifica porque esses espaços visam ressocializar os jovens, por meio do desenvolvimento de atividades educacionais e profissionais que irão ajudá-los nesse processo. Já as brinquedotecas são espaço muito lúdicos que podem estar presentes em diversos lugares. Você conhece a curiosa origem das brinquedotecas? De acordo com Porto (1998, apud AMARAL et al., 2020), a primeira brinquedoteca surgiu em 1934, em Los Angeles, nos Estados Unidos, em função de roubos que estavam acontecendo em uma loja de brinquedos. O dono dessa loja queixou-se com o diretor de uma escola, alegando que as crianças estavam roubando seus produtos. Esse fato evidenciou a necessidade das crianças por brinquedos e foi criado, então, um serviço de empréstimos de brinquedos. Essa iniciativa logo se espalhou para outras partes do mundo e teve sua abrangência ampliada, deixando de ter como foco apenas o empréstimo de brinquedo, mas tornando-se um espaço terapêutico para crianças com deficiência. No Brasil, a primeira brinquedoteca foi idealizada pela educadora Nylse Helena Silva Cunha que, em 1973, implantou o Sistema de Rodízio de Brinquedos e Materiais Pedagógicos – a Ludoteca, atendendo a uma necessidade de ajudar crianças com deficiência. Nylse Helena também foi 46 responsável pela fundação da Associação Brasileira de Brinquedotecas – A ABBri – em 1984. A partir daí, as brinquedotecas começaram a se espalhar pelo país, atendendo aos mais diferentes propósitos, conforme veremos a seguir. Como futuro pedagogo, você já deve conhecer a importância da ludicidade para o desenvolvimento das crianças, certo? O brincar se apresenta não só como um direito, mas é importante para o processo de formação, aprendizagem e desenvolvimento das crianças (BELTRAME et al., 2013). É partindo desse pressuposto que vamos verificar o quanto as brinquedotecas podem ser espaços que proporcionam uma aprendizagem riquíssima para essas crianças. As brinquedotecas não se restringem aos espaços escolares; sua presença pode ser notada em lugares tão distintos como centros culturais, supermercados, shopping centers, hospitais, clínicas hospitalares, odontológicas e, claro, em escolas. Podemos esquematizar, de forma bem simplificada, os tipos de brinquedoteca e suas funções conforme quadro a seguir. Brinquedoteca comunitária Comunidades onde não há espaço para o lazer. É organizada por ONGs ou pela própria comunidade. Pode, além de emprestar os brinquedos, realizar atividades lúdicas, oficinas e outras. Brinquedoteca hospitalar Presente em hospitais que atendem a crianças e adolescentes. Ajuda a amenizar os traumas do processo de internação. Brinquedoteca em shopping centers, supermercados e lojas Espaço com atividades de recreação enquanto os pais fazem compras. Brinquedoteca em centros culturais Promove um intercâmbio cultural entre as crianças e pode também promover concursos e outros eventos culturais. Brinquedoteca para crianças com deficiência Especializada em brinquedos adaptados a algum tipo de deficiência visual, motora, auditiva ou intelectual. Brinquedoteca em clínicas Tem caráter terapêutico, podendo ter brinquedos e jogos relacionados ou não com a área de atendimento. Brinquedoteca escolar Inserida em instituições escolares, com materiais necessários às atividades pedagógicas e de lazer. 47 Brinquedoteca universitária Localizada em instituições de ensino superior, favorece a formação de profissionais que sejam capazes de atuar em instituições educativas. Envolve o desenvolvimento de pesquisa a respeito do lúdico no desenvolvimento da criança. Além de criar esse espaço, é interessante montar “cantinhos” diversificados dentro da brinquedoteca. Esses “cantinhos” podem incluir, por exemplo, o canto do faz de conta, o da leitura, o das invenções ou “sucatoteca”, o canto do teatro ou fantoche, o canto da oficina, o do playground e o da pintura e desenho. O pedagogo tem, nesse espaço, uma função primordial. Caberá a ele, entre outras atividades, contribuir na seleção dos brinquedos que farão parte da brinquedoteca, considerando o espaço e público-alvo, e ajudar também na elaboração de atividades lúdicas que contribuam para o desenvolvimento dessas crianças, levando em conta as diferentes linguagens da infância PROJETOS SOCIAIS E PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS Diante de tantas possibilidades de trabalho, você pode ter dúvida em relação a qual metodologia deve ser adotada pelo pedagogo em espaços não escolares. É bem verdade que o trabalho em um espaço escolar, feito com base em uma sistematização dos conteúdos, acaba por ser mais fácil de conduzir, ainda que saibamos que o trabalho de um professornunca deixa de ser, de certa forma, artesanal. É preciso que o professor/pedagogo tenha a sensibilidade de trabalhar os conteúdos com seus alunos a partir de uma perspectiva integradora e isso só é possível quando consideramos e adaptamos o que tem que ser ensinado à realidade que temos em sala de aula. O trabalho, por mais que seja planejado passo a passo, deverá atentar-se ao público-alvo, ao contexto de aprendizagem e à multiplicidade de características que nossos alunos apresentam. Pensando nisso, o questionamento que surge é: como trabalhar em um espaço não escolar, no qual a diversidade de pessoas é muito maior e não há a necessidade de seguir um currículo predeterminado por instâncias superiores? E mais: como atingir os objetivos propostos de forma eficiente, para transformar a relação dessas pessoas com a sociedade por meio da educação? Em virtude dos desafios complexos desse campo de atuação, podemos recorrer a uma forma de trabalho que procura orientar as ações a serem tomadas a fim de se atingir os objetivos desejado. Estamos falando do trabalho por meio de projetos, proposta que você já deve ter visto em outras disciplinas. Ao longo do curso de Pedagogia, somos apresentados a várias modalidades organizativas para o trabalho com determinados conteúdos, e o projeto é um deles. O trabalho com projetos é 48 bastante válido porque permite que o professor deixe de ser o centro do ensino e coloque o aluno como protagonista do seu desenvolvimento. Os projetos funcionam com todas as disciplinas do currículo e são de grande valia também em espaços não escolares. Vamos conhecê-los. Primeiramente, precisamos compreender a definição de projetos, de forma mais geral para, em seguida, entendermos o que são os projetos sociais e como eles podem ser conduzidos nos mais diferentes espaços. A palavra projeto vem do latim projectum, que significa “lançar à frente”, ou seja, ao projetar algo, você tem como propósito atingir um objetivo no futuro. Uma das características do projeto, que o diferencia de outras formas de trabalho, é que ele pressupõe um produto. Esse produto vai variar em função do tipo de projeto que está sendo realizado ou do objetivo que se tem. Por exemplo, na escola, nas aulas de Português, podemos elaborar um projeto de estudo do gênero literário poema e, ao final, termos como resultado um livro de poesias produzido pela turma. Vamos nos concentrar neste momento em falar dos projetos sociais que podem ser desenvolvidos nos espaços não escolares os quais estamos estudando nesta seção. Qual seria, então, a finalidade de um projeto social? Um projeto social ou socioeducativo é aquele realizado em um grupo diversificado, tanto em relação à faixa etária quanto em relação aos contextos, e que tem como foco promover, além da aprendizagem, a melhoria da qualidade de vida daquele grupo. Para alcançar essa melhoria de vida, o projeto precisa ter suas ações bem definidas e seus objetivos bem claros. Ele começa com a observação de um problema, para o qual é preciso encontrar uma solução. A observação, que inclui a “leitura de mundo”, retomando Freire, é um ponto fundamental do projeto, porque é com base nela que serão desenvolvidas as outras etapas do projeto. Os projetos sociais, portanto, conectam a educação e a proteção social ao oferecerem atividades lúdicas, esportivas e artísticas, podendo – e devendo – contemplar um público que esteja em uma situação de vulnerabilidade social. Armani (2004 apud Castaman; Machado, 2020, p. 126) comenta que o projeto social […] nasce de uma ideia de um desejo ou interesse de realizar algo, ideia que toma forma, se estrutura e se expressa através de um esquema (lógico), o qual, no entanto, é apenas esboço (sempre) provisório, já que sua implementação exige constante aprendizado e reformulação. (ARMANI, 2004 apud CASTAMAN; MACHADO, 2020, p. 126) Ainda de acordo de Castaman e Machado (2020), citando Stephanou (2013), os projetos sociais têm como objetivo mudar uma realidade e se configuram como ações estruturadas que tomam como ponto de partida a reflexão o diagnóstico de um problema, buscando contribuir para a melhoria dessa situação. O projeto pode ser bastante flexível com relação ao seu tamanho e duração, o que vai depender da necessidade observada. Há projetos de curta duração e que custam 49 pouco para serem executados, da mesma forma que há projetos de longa duração e que demandam mais recursos para sua execução. Com relação às suas etapas, podemos ver que o projeto – seja ele social ou de outra natureza – contempla uma sugestão de ordenação, de acordo com o quadro a seguir. Elaboração Identificação do problema, definição dos objetivos, programação das atividades e elaboração da proposta do projeto. Estruturação Organização da equipe que executará o projeto. Realização Período em que as atividades propostas serão realizadas e acompanhadas. Pode ser necessário alterar a programação por algum imprevisto. Encerramento Análise de resultados e impactos (ou seu produto), comparando com o que se pretendia alcançar. Os projetos sociais buscam, então, aplicar práticas educativas, que visam favorecer o desenvolvimento da autonomia, fortalecer vínculos sociais e familiares e prevenir situações de vulnerabilidade e risco social (CASTAMAN; MACHADO, 2020). A execução dos projetos que têm um impacto social fica a cargo de uma equipe geralmente diversificada, uma vez que, para seu sucesso, é preciso mobilizar conhecimentos múltiplos, já que estes quase sempre envolvem situações mais complexas do que as encontradas em uma sala de aula regular. Ainda na perspectiva de uma pedagogia bastante voltada para o social, cabe analisar nesse momento as práticas socioeducativas. O que seriam essas práticas socioeducativas? De forma geral, elas são ações realizadas pelo terceiro setor, que conjugam educação e proteção social, sendo ofertadas às crianças e jovens para que ocupem seu tempo livre e aprendam algo. As práticas que partem dessa premissa ensejam minimizar os riscos sociais a que esses jovens estão submetidos e podem atuar como coadjuvantes da educação escolar, tratando de assuntos que caminham em paralelo às questões escolares, como a alimentação, a higiene, a recreação e o apoio familiar (ZUCCHETI; MOURA, 2010). As práticas socioeducativas se configuram como práticas […] bastante heterogêneas […] realizadas no interior das organizações governamentais e não governamentais, que acolhem crianças, jovens, mulheres, moradores dos bairros de periferias das grandes cidades, entre outros, e que desenvolvem desde assistência de alívio à pobreza até práticas de militância, sociabilidade, formação para o trabalho etc. (ZUCCHETI; MOURA, 2010, p. 11) Os projetos – ou práticas – socioeducativos são realizados no país desde meados da década de 1970 e sua história acompanha, de certa forma, a história assistencialista das ONGs, uma vez que essas práticas podem estar – e geralmente estão – ligadas ao terceiro setor, conforme mencionado anteriormente. Zucchetti e 50 Moura (2010) comentam que naquela época a ênfase do atendimento recaía sobre as necessidades básicas e na prevenção à marginalização. Hoje, a abrangência dessas práticas e projetos já se ampliou bastante, estendendo-se, por exemplo, à formação para o mercado de trabalho. Para que essas práticas sejam eficazes, é preciso considerar algumas questões. O sucesso da prática ou do projeto socioeducativo vai depender da observação da comunidade como um todo, bem como do público-alvo e suas especificidades. A inobservância desses itens pode afetar a adesão dos grupos ao projeto e impedir que o objetivo seja alcançado. Dessa forma, é preciso que a motivação para o projeto não venha apenas de agentes ou fatores externos, mas seja oriunda da observação dos problemas para os quais se deseja encontrar soluções. Além disso, é preciso pensar que esses projetos apresentam um viés mais cooperativo, em que há uma relação mais horizontal entre os participantes, conforme pregava Paulo Freire, e a troca de conhecimentosé a base de todo o processo. Falamos da forma como os processos deveriam ser a fim de que o objetivo seja alcançado, mas sabemos que muitas vezes o projeto que já está em andamento pode se apresentar de maneira diferente, até mesmo porque ao longo de seu desenvolvimento outras variáveis não previstas no início podem surgir. É preciso, portanto, exercitar a habilidade de observar o desenrolar do processo e ser capaz de corrigir as possíveis falhas que o projeto ou a prática apresente. Isso nos remete ao trecho em que Freire fala a respeito da formação do educador ser pautada na ação-reflexão-ação: Mas, se os homens são seres do que fazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que o que fazer é práxis, todo fazer do que fazer tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O que fazer é teoria e prática. É reflexão e ação. (FREIRE, 1987, p. 77) A noção de um saber que se constrói e reconstrói precisa acompanhar a prática de pedagogos em espaços não escolares, não só na elaboração de práticas, mas também na sua execução, e é necessário um olhar sempre atento àqueles que se deseja ajudar. Tomemos como exemplo os Parâmetros das Ações Socioeducativas elaborados pela prefeitura de São Paulo (2007). Nesse documento, podemos encontrar várias atividades que buscam desenvolver conceitos variados com o público-alvo, que abrange crianças e adolescentes dos 6 aos 18 anos. Transcrevemos a seguir um exemplo de prática realizada com adolescentes de 15 a 18 anos. A prática se chama “Cartografia dos territórios da comunidade e da cidade” e tem como objetivo levar o jovem a refletir a respeito de seu espaço, sua comunidade, desenvolver competências e oferecer oportunidades de experimentação. 51 PROJETO EDUCATIVOS PARA EXILADOS E REFUGIADOS Ao falarmos em ajuda, precisamos estudar um grupo que vem crescendo bastante ultimamente no país: os refugiados. Ao contrário do que se pensa, os séculos XX e XXI não se caracterizam pela paz entre as nações, como pode parecer. É verdade que a forma como se faz guerra atualmente é diferente de outros momentos históricos, mas é evidente que isso ainda acontece e afeta a muitas pessoas. Somente no século XX, duas guerras mundiais e vários outros conflitos locais tiveram impactos imensuráveis na vida das pessoas. De alguns anos para cá, podemos perceber que os conflitos têm assumido outras configurações – não mais do clássico embate entre A ou B, mas caracterizados por outros tipos de ameaças. Essas ameaças podem estar relacionadas a questões religiosas, culturais, ideológicas, econômicas, dentre várias outras. A maneira como cada nação lida com seus problemas pode fazer com que as pessoas se sintam ameaçadas de alguma forma, o que faz com que elas recorram a opções que incluem, por exemplo, a mudança para outro país em busca de melhores condições de vida. Essas pessoas que buscam refúgio e auxílio em outros países são chamadas de refugiados. Você sabe quais direitos esses refugiados têm uma vez que entram no nosso país? De início é preciso conceituar o termo “refugiado”, para só depois entender quais são as políticas públicas para esse grupo específico de pessoas e quais projetos têm sido elaborados e desenvolvidos a fim de ajudar os que aqui chegam em buscam de socorro. Podemos dizer que refugiados são todos aqueles que foram Forçados a fugir de seus países de origem em decorrência de conflitos intra ou interestatais, por motivos étnicos, religiosos, políticos, regimes repressivos e outras situações de violência e violações de direitos humanos, essas pessoas cruzam as fronteiras em busca da proteção de outro Estado, com o objetivo primordial de resguardar suas vidas, liberdades e seguranças. (MOREIRA, 2010, p. 111) Com base nessa perspectiva, podemos perceber o quanto a definição do termo é abrangente e envolve questões humanitárias de apoio a pessoas em algum tipo de situação de risco. Essas questões humanitárias impactam diretamente as relações internacionais, uma vez que envolvem os estrangeiros e seus países de origem e o país que acolherá essas pessoas. É preciso comentar também o impacto econômico que é gerado em função da migração dessas pessoas, em especial para o país que as acolhe. Moreira (2010, p. 112) comenta que a decisão de receber refugiados considera questões “de segurança, capacidade socioeconômica de absorção, tradição humanitária e respeito a regimes internacionais”. Nesse momento, é possível que você esteja com várias questões a respeito do assunto. Como o Brasil recebe esses refugiados? Quais direitos eles têm ao adentrarem o solo brasileiro? De que forma o pedagogo posso ajudar essas pessoas? A princípio, precisamos entender um pouco a respeito do histórico do Brasil com relação à recepção e ao envio de refugiados para outros países. Sim, o Brasil 52 também já foi um lugar onde os direitos humanos foram desrespeitados, a ponto de muitas pessoas buscarem exílio em outros países. No âmbito mundial, o tema passa a ganhar maior destaque após a Segunda Guerra Mundial, quando houve uma movimentação muito grande de pessoas buscando refúgio em outros países, principalmente em função dos horrores praticados pelos nazistas contra os judeus. Ainda durante a Segunda Guerra, em 1 de janeiro de 1942, 26 nações assinaram uma declaração em que pediam aos governos que continuassem lutando contra os países que compunham o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). O nome “Nações Unidas” foi criado nesse época pelo presidente americano Franklin D. Roosevelt, mas a ONU como conhecemos hoje só foi criada de fato em 24 de outubro de 1945, quando 50 países se reuniram na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, e assinaram o documento que oficializou a organização. Após a criação da ONU e já findada a Segunda Guerra, os países integrantes da entidade elaboraram outro documento que teria como objetivo evitar que as atrocidades da Segunda Guerra fossem cometidas novamente. Assim, surge em 10 de dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa declaração estabelece em seu artigo 3º que “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Já o artigo 4º define que “ninguém será mantido em escravatura ou em servidão”. O artigo 5º determina que “ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Por fim, em seu artigo 14º afirma que “toda pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar asilo em outros países”. Podemos ver, então, que ainda que não seja um lei, o fato de os países serem signatários dessa declaração os compromete com o cumprimento das suas orientações. O grande problema é que nem todos os países do mundo são signatários e, outros, ainda que sejam, não seguem essa cartilha rigorosamente. O Brasil teve uma participação relevante na elaboração de documentos da ONU no pós-guerra e se destacou no cenário internacional. Entretanto, a situação se modificou a partir do final da década de 1960 e início da década de 1970, quando o país sofreu um golpe militar que ficou marcado por horrores cometidos em nome do regime. Durante esse período muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas, sem qualquer tipo de direito a julgamento. O auge do momento de terror e da ruptura com a democracia aconteceu após a publicação do mais rigoroso dos Atos Institucionais, o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, que autorizava o presidente, sem qualquer necessidade de justificativa, a decretar a cassação de mandatos parlamentares, suspender os direitos políticos dos cidadãos e suspender a garantia de habeas corpus, entre outras determinações. O AI-5 legalizou abusos cometidos pelo governo militar a civis sem qualquer intervenção da justiça. Como consequência dessa situação, uma grande quantidade de pessoas deixou o país por medo de serem presas, torturadas ou mortas; além disso, houve enorme retrocesso do país no cenário internacional, especialmente em decorrência de várias denúncias de violação dos direitos humanos que foramfeitas contra o governo brasileiro. A situação do país no cenário internacional só mudou após o fim da ditadura militar, em governos posteriores que deram mais atenção à questão dos refugiados. 53 Estamos tratando, neste momento, especialmente da situação dos refugiados, porque partimos da premissa de que eles são o objeto de trabalho de várias organizações sociais e de que há uma legislação internacional que resguarda seus direitos. De acordo com Moreira (2010, p. 115), o período de redemocratização “marcou uma nova fase na política brasileira para refugiados, recuperando o engajamento com o tema, assim como sua tradição humanitária, que havia se iniciado no pós-guerra, mas havia recuado durante a ditadura militar”. O ponto alto do trabalho com e para os refugiados aconteceu principalmente a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, ele próprio um exilado político durante os anos da ditadura e que trouxe um novo olhar para a problemática. Foi durante o governo de FHC que a Secretaria de Direitos Humanos foi criada, vinculada ao Ministério da Justiça, responsável por executar o plano de auxílio aos refugiados. Além da criação da secretaria, promulgou-se em 1997 a Lei 9.474/1997 que definiu a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951. Dentre as medidas efetivadas em prol dos refugiados estão as soluções duráveis, que visam à integração desse grupo na comunidade local, por meio de ações sociais realizadas por várias entidades diferenciadas. Esse trabalho com os refugiados, segundo Danilo Miranda, em editorial de abertura dos Cadernos Sesc de Cidadania, […] implica, antes de mais nada, conceber esse processo em chave recíproca. Isso quer dizer que a busca por incluir o outro, além de tornar favorável o seu ingresso e adaptação na sociedade que o acolhe, deve fomentar a permeabilidade e a capacidade de transformação dessa mesma sociedade. Ao receber novos grupos estrangeiros, com as respectivas práticas culturais e valores que seus membros trazem consigo, um país e as comunidades que o constituem têm a oportunidade de se reinventar, complexificando-se na medida em que ampliam seus vínculos sociais e afetivos. (SESC, 2018, p. 3) Partindo desse pressuposto, podemos apontar várias instituições que oferecem algum tipo de projeto educativo com foco nos refugiados. Essas instituições, que podem ser ONGs, universidades particulares ou federais, entre outras, apoiam os refugiados, oferecendo serviços como cursos de Língua Portuguesa, cursos profissionalizantes, serviços relacionados à saúde mental, apoio psicossocial, integração laboral e vários outros. Veja se na sua cidade existe alguma ONG ou instituição de ensino que ofereça serviços ou cursos para os refugiados. Uma das práticas educativas que podemos citar é o Ensino de Língua Portuguesa ofertado por universidades como a UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e a UFRR (Universidade Federal de Roraima), onde são ofertados cursos de português na modalidade de conversação para adultos e cursos voltados para o ensino da língua para crianças. Além disso, ainda há, por parte das universidades particulares, a oferta de bolsas de estudos para permanência desses refugiados. Há ainda outras instituições que se dedicam ao trabalho com refugiados, dentre elas, está a Caritas Brasil que tem projetos de capacitação para esse público, com 54 cursos de Língua Portuguesa e cultura brasileira, além de outros cursos a respeito de leis trabalhistas, economia solidária, empreendedorismo e economia solidária. Independentemente da ação que será realizada, é importante que tenhamos, tanto como cidadãos quanto como educadores, um espírito acolhedor com essas pessoas que buscam no nosso país um abrigo, fugindo dos horrores vividos em seu local de origem. EDUCAÇÃO QUE CONSIDERA AS ESPECIFICIDADES CULTURAIS, SOCIAIS E EMOCIONAIS Estamos chegando ao final da seção, mas cabe ainda um comentário em relação a uma educação integradora. Uma educação que, como o subtítulo indica, considere as especificidades culturais, sociais e emocionais. Algumas perguntas podem surgir neste momento. Uma educação ampla e irrestrita seria da competência de quais órgãos? Isso pode ser efetivado também em espaços não escolares? E, nesse caso, estaria a cargo de quais instituições? Além disso, cabe pensar também no que seria essa especificidade cultural, social e emocional. Vamos tentar responder algumas dessas perguntas. De início, é importante retomar a lei maior que rege essa área no país, a Constituição Federal de 1988. Ela determina, no art. 205, que a […] educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988, [s. p.]) No artigo seguinte, determina-se que o ensino seja ministrado com base na igualdade de condições de acesso e permanência, na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. Nesse sentido, podemos ver que os direitos a uma educação plural, que respeite as diferenças, sejam elas quais forem, é direito garantido pela constituição. Cabe, então, trabalhar para que isso aconteça. Outro ponto que nos chama a atenção é o fato de que a Constituição estabelece que a educação é responsabilidade do Estado e da família e efetivada com a colaboração da sociedade, o que nos leva a crer que a tarefa é compartilhada por todos. Além do que determina a Constituição Federal, é preciso dar uma olhada também no que a LDB 9.394/96 nos orienta em relação ao tema. Segundo seu art. 1º, […] a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de 55 ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996, [s. p.]) Em seu art. 2º, a LDB estabelece que […] a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996, [s. p.]) E, por fim, o art. 3º indica que: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. XII - consideração com a diversidade étnico-racial. XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida. (BRASIL, 1996, [s. p.]) Podemos perceber que a legislação brasileira busca inserir uma educação que preze pelo respeito ao próximo e pela diversidade, em um trabalho conjunto entre governo e sociedade. É nesse sentido que precisamos falar de uma educação que esteja voltada para incluir todos, sem distinção. Dessa forma, o educador precisa ter em mente que seu trabalho não se restringe à transmissão de conteúdo, mas também à integração de pessoas das mais diversas origens. Dessa maneira, a educação vai tratar de temas como a diversidade cultural, a inclusão de pessoas com deficiências – físicas, cognitivas –, além de pessoas com questões emocionais ou sociais. Ou seja, estamos falando de um trabalho bastante amplo, que envolve públicos diversos, com questões diversas. O assunto é bastante extenso,mas vamos embasar nosso estudo no documento oficial que direciona as práticas educacionais nesse sentido. Estamos falando das Diretrizes Curriculares 56 Nacionais (2010), em que são estabelecidas orientações educacionais a fim de que crianças, adolescentes, jovens e adultos possam se desenvolver plenamente, “recebendo uma formação de qualidade correspondente à sua idade e nível de aprendizagem, respeitando suas diferentes condições sociais, culturais, emocionais, físicas e étnicas” (BRASIL, 2010, p. 4). As DCN indicam, além disso, que a educação escolar deve estar fundamentada em ética, liberdade, justiça social, pluralidade, solidariedade e sustentabilidade e deixa claro que sua finalidade é o desenvolvimento dos sujeitos em suas dimensões individual e social, visando ao exercício da cidadania e a transformação social (BRASIL, 2010, p. 16). Ao longo de todo o documento é reiterada a noção da educação com base em sua função social, reforçando a todo momento seu compromisso com a formação integral do indivíduo, tendo como focos a […] centralidade do diálogo, a colaboração, os sujeitos e as aprendizagens […] atendendo a requisitos como […] consideração sobre inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural, resgatando e respeitando os direitos humanos, individuais e coletivos e as várias manifestações de cada comunidade. (BRASIL, 2010, p. 22) E de que forma isso se aplica aos espaços não escolares, uma vez que as DCNs se propõem a sistematizar os conteúdos da escola regular? Ainda que as DCNs utilizem o termo “escola” ao definir seus propósitos, podemos estender essa noção ao conceito de educação, mesmo que ela ocorra nos espaços não escolares. É importante considerar que estamos lidando com pessoas, e os princípios de respeito, acolhimento, diálogo e consideração pelo outro estão acima de instituições ou nomenclaturas. Seção 2 -AMBIENTES EMPRESARIAIS EDUCAÇÃO CORPORATIVA O estudo desta seção começa com o conceito de educação corporativa. A educação corporativa, como o nome indica, é aquela que vai ocorrer dentro das corporações/empresas. É preciso ter em mente, contudo, que a educação de que falamos tem características e objetivos diferentes da educação escolar. Certamente tanto uma quanto a outra apresentam pontos de contato, mas é preciso lembrar que o pedagogo que escolher trabalhar em empresas vai lidar com outro público e desenvolver outras ações e habilidades. Vamos entender, inicialmente, como essa proposta de qualificação do trabalhador surge. O início do processo de industrialização do século XX foi marcado por duas teorias a respeito dos processos de produção. A primeira delas foi criada pelo americano Frederick Taylor e ficou conhecida como taylorismo. De acordo Taylor, 57 para que a produção fosse mais eficiente, os funcionários da fábrica deveriam ser organizados de forma sistemática e hierarquizada e seriam os responsáveis por desenvolver uma função específica dentro do menor tempo possível. Esse sistema parecia interessante, mas reforçou a exploração do trabalhador, que precisava se desdobrar para cumprir sua tarefa. Outro sistema de produção que surgiu logo em seguida foi o fordismo, criado por Henry Ford, que estabelecia um dia de trabalho de oito horas e uma linha de montagem, a fim de gerar uma grande produção. O sistema fordista também era baseado na cronometragem do tempo e deu muito certo no início. O taylorismo e o fordismo procuravam capacitar seus funcionários para executar as tarefas para as quais eram designados, de forma eficiente e ágil. Como veremos em breve, esses sistemas foram os embriões do que hoje conhecemos como educação corporativa. Na década de 1950, nos Estados Unidos, a General Electrics criou a “Crotonville”, um espaço de treinamento de seus funcionários. Surge então a ideia que dará origem à educação corporativa. A princípio, o que se desenvolvia era um modelo que ficou conhecido como “treinamento e desenvolvimento”, apresentando algumas diferenças em relação à educação corporativa. Enquanto o treinamento e desenvolvimento é descentralizado e tem o foco em como saber fazer, a educação corporativa tem como foco o saber ser. O treinamento e desenvolvimento busca capacitar e aperfeiçoar, já a educação corporativa tem como alvo a formação continuada. Por fim, podemos apontar como diferença significativa o fato de que o treinamento e desenvolvimento apenas reproduz o conhecimento, a educação corporativa tem como meta elaborar e democratizar o conhecimento. Com o passar do tempo e com o desenvolvimento da economia, as empresas começaram a perceber que seu sucesso dependia de outros fatores além da qualidade do produto. Dentre esses fatores podemos destacar o capital humano, por ser o responsável por implementar e cumprir estratégias dentro da corporação. Chegamos então ao ponto em que as empresas, com isso em mente, começaram a elaborar modelos de educação voltados para o desenvolvimento de seus funcionários (FRANCELINO et al., 2016). Podemos afirmar que a educação corporativa vai além de um treinamento para uma função específica – como eram os modelos tayloristas e fordistas – em busca da inovação das empresas, proporcionando um aumento da competitividade de seus produtos no mercado e uma melhor capacitação de seus colaboradores. O momento de mudança de paradigma aconteceu na década de 1980, quando as empresas começaram a pensar em preparar seus funcionários para mudanças técnicas, gerenciais e organizacionais. Nessa década, a proposta dos treinamentos era trabalhar com questões pontuais a partir das necessidades observadas. Já na década de 1990 o foco se voltou para criação de escolas dentro das próprias empresas, com parcerias com estados e municípios e com professores da rede pública para formação de seus funcionários. As mudanças continuaram a ocorrer, 58 cada vez mais rápido, até chegarmos ao que hoje conhecemos como universidade ou educação corporativa. Com essas universidades, as empresas buscam oferecer uma educação voltada para suas necessidades, não sendo preciso contar com a ajuda de um estado financiador, por exemplo. É importante ressaltar que o termo universidade, nesse caso, não se relaciona necessariamente a um curso superior, mas sim à educação como um todo, assim como aos cursos de formação oferecidos pelas empresas. Meister (apud CRUZ, 2010, p. 344) aponta que o modelo de educação corporativa é […] sustentado por cinco grandes forças do cenário global: o surgimento da educação por processos, horizontalizada e flexível; a emergência da gestão do conhecimento; a volatilidade da informação e a obsolescência do conhecimento; o foco na empregabilidade: educar para o trabalho, não para o emprego; e a mudança no foco da educação geral. Logo as empresas deixaram de esperar que o currículo educacional se adequasse às demandas do mercado e partiram para o caminho inverso, o de levar a escola para dentro das empresas, com base na compreensão de que o diferencial de competitividade está na capacitação de seus funcionários e até da comunidade onde essa empresa atua. Dessa forma, a educação corporativa teria, então, o foco na capacidade do indivíduo de aprender e se caracterizaria por práticas educacionais contínuas. As universidade corporativas seriam […] a consolidação de práticas de Educação Corporativa através de estruturas de ensino, físicas ou virtuais, criadas pelas organizações, que se utilizam de metodologia acadêmica com o intuito de suprir as falhas do ensino oferecido pelo Governo ou por entidades de ensino particulares, que muitas vezes não acompanham as mudanças do mercado ou as inovações tecnológicas. (FRANCELINO et al., 2016, p. 6) No Brasil, a educação corporativa surge a partir da junção da gestão de pessoas e da gestão de conhecimento das empresas, a fim de otimizar estratégias para o desenvolvimento de seus colaboradores, fornecedores e clientes, por meio de uma visão mais ampla de todo o processo de trabalho. As empresas que implementam a educação corporativa entendemque, ao capacitar seu funcionário/colaborador, todo o processo se desenvolve de forma mais prática, rápida e eficiente. É importante lembrar que não se trata somente de uma qualificação de mão de obra, mas sim de "uma nova maneira de pensar e trabalhar, moldando a visão da aprendizagem contínua, fixando metas para a organização, agregando valor ao negócio" (ESTEVES; MEIRIÑO, 2015, p. 4). A criadora da expressão “educação corporativa”, Jeanne Meister (1999), afirmava que esse modelo seria sustentado por cinco forças no cenário global: ● o surgimento da educação por processos, flexível e horizontalizada; 59 ● a emergência da gestão do conhecimento; ● a volatilidade da informação e a obsolescência do conhecimento; ● o foco na empregabilidade, a fim de educar para o trabalho e não para o emprego; ● a mudança no foco da educação no geral. Quais seria as características da educação corporativa? E o pedagogo, como pode trabalhar nesse espaço? Quais seriam suas funções? Primeiramente, vejamos algumas características da educação corporativa. Partindo do princípio de que esse é um trabalho mais amplo do que meramente a formação para uma função específica, entende-se que ele não deve se limitar ao treino de uma habilidade somente, mas no desenvolvimento de diferentes competências. Algumas dessas competências são, de acordo com Esteves e Meiriño (2015): ● aprender a aprender; ● capacidade de comunicação e colaboração; ● raciocínio criativo e resolução de problemas; ● conhecimento tecnológico; ● conhecimento de negócios globais; ● liderança; ● autogerenciamento de carreira. Podemos perceber, dessa forma, que as competências elencadas reforçam a ideia de uma formação continuada para esse novo profissional que o mercado demanda, uma vez que o conhecimento se renova constantemente. A fim de fazer com que a proposta de educação corporativa funcione de fato, a empresa precisa considerar alguns aspectos, dentre os quais podemos citar a definição clara de seus objetivos quanto ao que ela deseja alcançar, concentração na aprendizagem organizacional – tópico que veremos mais adiante –, estabelecendo uma cultura voltada à aprendizagem, inovação e mudança, foco em seu público, incluindo clientes, fornecedores, distribuidores, parceiros e comunidades e, por fim, ênfase em programas dirigidos para necessidades estratégicas (CARVALHO, 2015). E como o pedagogo pode atuar nessas organizações? Primeiramente, é importante lembrar que, dentre as atribuições do pedagogo, está o planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não escolares (BRASIL, 2005, p. 7, 8). A atuação do pedagogo empresarial se justifica porque pode haver, nesses espaços, atividades pedagógicas voltadas para a formação continuada de pessoas. A pedagogia empresarial volta-se, dessa forma, para atividades que visem ao progresso profissional que tenham como foco treinamento e desenvolvimento dos funcionários. Algumas possibilidades de atuação do pedagogo incluem coordenar equipes multidisciplinares no desenvolvimento de projetos, implantar mudanças culturais no ambiente de trabalho, definir políticas voltadas para a formação continuada, prestar consultoria nas atividades de treinamento e desenvolvimento de pessoas. Além disso, o pedagogo empresarial 60 pode contribuir para o geração e crescimento de competências, formação e qualificação profissional, especialização de mão de obra, organização de cursos in company e alfabetização de adultos. Dessa forma, corrobora-se o que afirmava Libâneo sobre a pedagogia ocupar-se […] dos processos educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas antes disso ela tem um significado bem mais amplo, bem mais globalizante. Ela é um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa. (2000, p. 22) Podemos ver que há inúmeras possibilidades de trabalho do pedagogo dentro das empresas. Infelizmente, ainda existe muita desinformação a esse respeito, mas é preciso que haja um esforço para mostrar que a educação pode acontecer em todos os lugares e tempos e, onde ela acontecer, lá estará o educador/pedagogo contribuindo para que o processo seja cada vez melhor. APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL Você sabe o que é aprendizagem organizacional? Muitos termos que usaremos nesta seção não se relacionam diretamente com o que se espera da Pedagogia, mas podem aparecer quando o foco do seu estudo é a atuação dos pedagogos nas empresas, uma vez que a Pedagogia se misturará e trabalhará em conjunto com o setor de recursos humanos dessas companhias. De início, vamos tentar entender o que seria a aprendizagem organizacional e de que maneira ela se relaciona com a educação, e a função do pedagogo nesses espaços. Você provavelmente já estudou, em algum outro momento do seu curso, o conceito de aprendizagem, com base em várias teorias que pesquisam a cognição e como ela ocorre. Podemos citar, por exemplo, que a Psicologia estudou três correntes principais de teoria da aprendizagem, a abordagem comportamental, a cognitiva e a humanista. Independentemente da abordagem, é preciso pensar que a aprendizagem é um processo constante e inerente ao ser humano, ainda que ocorra de forma inconsciente. O conceito de aprendizagem organizacional pode variar de acordo com o autor que a estudou, mas de forma geral, podemos entender esse processo como estando relacionado com o que se aprende para o desenvolvimento profissional, de forma direta ou indireta. Essa aprendizagem pode acontecer dentro das empresas e surgir com base nas demandas desse espaço. Essa aprendizagem, como mencionado, pode acontecer de forma direta ou indireta, o que significa dizer que ela pode acontecer a partir do compartilhamento de experiências com os pares, com os líderes, em cursos sistematizados e com a observação dos processos dentro da empresa, o que confirma sua característica de ser processo coletivo. O interesse pela aprendizagem organizacional é relativamente recente. Conforme vimos, o interesse das empresas por mudanças acompanha o desenvolvimento 61 tecnológico e da sociedade, o que tem acontecido de forma mais veloz nos últimos anos em função da globalização e da necessidade de as empresas se manterem sempre competitivas. Ao falarmos da aprendizagem organizacional, estamos nos referindo ao modo como as pessoas aprendem, adaptam e utilizam esse novo conhecimento. O conceito também está ligado à forma como as empresas buscam melhorar seus processos, conhecimentos e rotinas, podendo ocorrer em todos os níveis e atividades dentro dessa corporação. Nesse sentido, entende-se que a aprendizagem organizacional será efetiva quando tanto o indivíduo quanto a empresa aprenderem com as inovações. Vamos relembrar, então, de algumas características do processo de aprendizagem? Quando falamos em aprendizagem, estamos nos referindo a um processo individual que proporciona alguma mudança, tanto na atitude quanto no comportamento e que se liga à experiência, envolvendo os planos afetivo, cognitivo e motor e que capacita a pessoa para algo. A aprendizagem pode ter muitos significados e conceitos. Há muitas teorias que tentam explicar como as pessoas aprendem. Esse processo pode ser visto como condicionamento, aquisição de informações, mudança comportamental, capacidade de identificação e resolução de problemas e, finalmente, a ressignificação do conhecimento prévio. Dentre as teorias que estudam como uma pessoa aprende, uma que se destaca nos estudos que estamos realizando sobre aprendizagem organizacional é a teoria cognitiva da aprendizagem. Essa teoria entende a aprendizagem como o processo segundo o qual uma pessoa processa, compreende e ressignifica uma informação, construindo, dessa forma, estruturas cognitivas. A palavra cognição tem a ver com um conjunto de habilidades necessárias para a aquisição de conhecimentos e podem envolver pensamento, raciocínio, linguagem, criatividade, entre outras funções. Ainda que seja uma área deestudo primordialmente da Psicologia, ao longo do curso de Pedagogia nós estudamos essas teorias por meio dos escritos de autores como Piaget e Vygostsky. A aprendizagem ocorre com base nas interações com o meio e pela mediação de processos cognitivos internos (LOIOLA; PORTO, 2008, p. 33). Por ser um processo individual, a aprendizagem vai envolver variáveis como a idade, a capacidade cognitiva, os conhecimentos prévios e a motivação para aprendizagem, entre outros. Além disso, envolve fatores externos ao indivíduo como o conteúdo, a metodologia utilizada, o suporte dos pares, a gestão do conhecimento e da aprendizagem. A proposta da aprendizagem organizacional seria transformar esse conhecimento adquirido em práticas de trabalho, o que vai depender da atuação dos dois lados envolvidos, ou seja, tanto da empresa quanto do funcionário. Você deve ter percebido, pelo que vimos até agora, que as empresas estão mudando seu olhar em relação aos seus funcionários e a sua posição no mercado. É preciso que essas organizações estejam em constante mudança e aprendizado caso queiram se manter em um mercado extremamente competitivo como é o atual. Isso vai exigir também uma mudança de pensamento por parte do funcionário e de você, futuro pedagogo, caso queira ingressar nessa área. Vivemos um momento que 62 exige uma constante transformação e renovação do conhecimento e, para nos adequarmos, precisamos ter em mente que nossa formação – e aprendizado – é um processo contínuo. Essa mudança de paradigma que atinge todas as áreas da sociedade exige que exercitemos outras competências, que estejamos abertos a mudanças e que sejamos flexíveis, uma vez que as novas relações de trabalho exigem isso de nós. A fim de que a aprendizagem organizacional seja efetiva, é preciso que seus objetivos estejam claramente definidos e afinados com os objetivos da organização, ou seja, é preciso que haja um alinhamento entre cultura, estratégia e criação de conhecimento e aprendizagem. A aprendizagem organizacional molda a estratégia que será utilizada, após a observação dos problemas, baseada no que deverá ser modificado. Froes Burnham et al. (2005) lembram que o conhecimento não pode ser visto como uma construção padronizada, uma vez que vai depender de fatores extremamente subjetivos e por esse motivo não é possível falar em transferência de conhecimento, porque isso desconsideraria todo o processo que acontece na troca de experiências das pessoas com o meio. Isso anularia, de certa forma, o princípio de Piaget de que todo conhecimento provém de trocas dialéticas entre o ser e o meio (FROES BURNHAM et al. 2005, p. 4). A aprendizagem organizacional apresenta possibilidades de mudanças e enfatiza a aprendizagem em rede e como um processo contínuo de construção de identidade e interação com o meio (FROES BURNHAM et al., 2005). Dessa forma, não é possível pensar na aprendizagem organizacional como algo estruturado, sistematizado e engessado uma vez que cada organização tem sua estrutura, dinâmica, valores, missões e cultura organizacional diferentes. Ou seja, para que esse processo funcione, há de se considerar as características de cada empresa, bem como seus objetivos na mudança e para o mercado. Qual seria então a motivação para a efetivação desse processo de aprendizagem organizacional? Garvin (apud FROES BURNHAM et al., 2005) aponta que o aprendizado pode ser motivado pela curiosidade, circunstância ou pela experiência diária. Outra motivação seria a percepção de que a empresa está deixando de ser competitiva e, por esse motivo, está perdendo espaço no mercado. Você questionar qual o papel do pedagogo nesse ambiente, uma vez que estamos falando a respeito de questões muito ligadas à área administrativa de uma empresa. Ainda que a percepção dos problemas e a análise da necessidade de mudança seja feita pelos administradores ou pelo pessoal de recursos humanos, ao pedagogo caberia a proposta de trabalho a ser efetivada. Para que o processo funcione é necessário alguém que entenda como a aprendizagem ocorre e quais caminhos percorrer para que o objetivo se efetive. O pedagogo teria a função de auxiliar na criação de estratégias e planejamento de ações que visem à aprendizagem efetiva e 63 consequente transformação. O pedagogo será aquele que contribuirá na aquisição de novos conhecimentos, facilitando o processo de mediação entre o que já se sabe e o que se deseja saber, uma vez que entende não só como a aprendizagem ocorre, mas quais caminhos tomar para que ela se efetive de fato. A EMPRESA E OS PROJETOS EDUCATIVOS Falando a respeito de espaços empresariais, tivemos uma noção do que é a educação corporativa e a aprendizagem organizacional e as contribuições do pedagogo nesses espaços nos quais a educação também pode ocorrer. Vimos que, para que as iniciativas das empresas tenham sucesso, é preciso planejamento e ações adequados às necessidades da companhia e do mercado e, para isso, o pedagogo é figura imprescindível. Cabe agora estudarmos os projetos educativos que empresas têm desenvolvido. Vamos ver algumas empresas que aliam a educação a sua função social e exemplos de universidades corporativas que extrapolam os espaços dessas instituições. Quando falamos em educação corporativa ou pedagogia empresarial, automaticamente nos remetemos à ideia de empresa/fábrica, mas essa é uma visão que não abrange todas as possibilidades da pedagogia empresarial. Algumas instituições públicas também precisam de pedagogos empresariais porque desenvolvem trabalhos educativos não só com seus funcionários, mas que se estendem a toda comunidade, como é o caso, por exemplo, do Banco do Brasil, cuja educação corporativa existe desde 1965. A Universidade Banco do Brasil (PORTAL UNIBB, [s. d.]), de acordo com sua página oficial, se propõe a capacitar seus funcionários para ascensão profissional, aperfeiçoar a performance organizacional, tornando a empresa competitiva e formar pessoal de quadro técnico e gerencial do Banco do Brasil. Isso é efetivado por meio de treinamentos presenciais, utilização de tecnologias educacionais a distância e parcerias com instituições de ensino no país. Além disso, a Universidade do Banco do Brasil também oferece cursos livres para a comunidade em geral, dentre os quais podemos destacar a prevenção e combate à corrupção, a gestão empreendedora e inovação, a psicologia da meta, a educação corporativa e a ação voluntária. Diante de tantas possibilidades de trabalho, você pode ter dúvida em relação a qual metodologia deve ser adotada pelo pedagogo em espaços não escolares. É bem verdade que o trabalho em um espaço escolar, feito com base em uma sistematização dos conteúdos, acaba por ser mais fácil de conduzir, ainda que saibamos que o trabalho de um professor nunca deixa de ser, de certa forma, artesanal. É preciso que o professor/pedagogo tenha a sensibilidade de trabalhar os conteúdos com seus alunos a partir de uma perspectiva integradora e isso só é possível quando consideramos e adaptamos o que tem que ser ensinado à realidade que temos em sala de aula. O trabalho, por mais que seja planejado passo a passo, deverá atentar-se ao público-alvo, ao contexto de aprendizagem e à multiplicidade 64 de características que nossos alunos apresentam. Pensando nisso, o questionamento que surge é: como trabalhar em um espaço não escolar, no qual a diversidade de pessoas é muito maior e não há a necessidade de seguir um currículo predeterminado por instâncias superiores? E mais: como atingir os objetivos propostos de forma eficiente, para transformar a relação dessas pessoas com a sociedade por meio da educação? Outra instituição que também pratica a educação corporativa é a Caixa Econômica Federal, com sua Universidade da Caixa, criada nos anos 1990 em função da inserção da internet no país, com o intuito de treinar seus funcionários para o uso da tecnologia. A educação corporativa implementada pela Caixa teve como base três dimensões: a atuação dos gestores como líderes educacionais, a corresponsabilidadedo empregado por seu desenvolvimento e a busca por resultados sustentáveis. As ações realizadas pela Caixa dentro de sua universidade corporativa – assim como em várias outras universidades – são efetivadas tanto por meio de cursos presenciais quanto pelo ensino a distância. A Universidade da Caixa tem hoje uma organização bem estruturada no que se refere à parte pedagógica e já conta com dois campi, um em São Paulo e outro em Brasília. Ela oferece cursos em áreas como desenvolvimento pessoal, desenvolvimento sustentável, gestão de convênios e contratos, gestão pública e inovação e melhoria de processos. A Kroton é outra empresa que investe bastante na formação continuada de seus colaboradores, por meio da Universidade Kroton (UK). A UK surgiu em 2014 após a definição dos pilares de cultura da Kroton. Segundo sua página, a UK foi criada para “para capacitar, desenvolver e avaliar as competências dos colaboradores, direcionando-os para alcançar os principais objetivos da organização” (UNIVERSIDADE CORPORATIVA KROTON, 2017). A UK oferece em seu portal trilhas de conhecimento que incluem cursos do programa de integração de novos colaboradores, além de treinamentos e certificações comportamentais e técnicas e formação de líderes que busquem ascensão na carreira. Assim como as outras universidades que vimos, a UK também oferece cursos presenciais e no modelo ensino a distância (EaD) ou os chamados blended, que mesclam o modelo presencial e o EaD. Na UK os cursos ofertados estão inseridos em cinco escolas, criadas para atender aos objetivos do planejamento estratégico da empresa. A escola de cultura tem como objetivo fortalecer a cultura e valores da empresa entre os colaboradores. A escola acadêmica busca garantir a evolução do modelo pedagógico da companhia e tem como foco temas que visam à experiência, qualidade acadêmica e empregabilidade dos alunos. Já a escola digital objetiva promover a transformação digital da organização, a fim de facilitar o dia a dia do cliente interno e dos alunos da instituição. A escola de liderança busca transformar gestores em líderes, de forma a atingir resultados em suas respectivas áreas. Por fim, a escola de eficiência tem como foco melhorar os resultados financeiros e operacionais e fazer com que a companhia cresça. 65 Há ainda várias outras empresas que desenvolveram suas universidades corporativas, como a Natura, a Ambev, o Santander, a Petrobras e as Lojas Renner. O que essas universidades têm em comum é o fato de que, em sua maioria, oferecem cursos voltados para manter as equipes de trabalho bem treinadas, reforçar os valores e a cultura organizacional da empresa, fortalecer a marca no mercado e responder rapidamente às mudanças no mercado. Investir em educação corporativa é vantajoso para ambos os lados: a empresa se beneficia ao melhorar sua competitividade no mercado e, consequentemente, obter mais lucro e rentabilidade, e o colaborador, por outro lado, está em constante aprendizagem, o que permite que ele também esteja sempre atualizado e pronto para as mudanças do mercado. GESTÃO DE PROJETOS Você tem algum projeto para os próximos seis meses? E para o próximo ano? Se sim, o que o fez pensar nesse projeto? Quais etapas você pensou? Como realizará as ações para chegar ao objetivo final? O tempo todo estamos nos planejando para fazer alguma coisa e esse planejamento, mesmo que diário, envolve várias etapas, desde a observação da necessidade de mudança de algo até quais recursos serão necessários para efetivar esse projeto. Considere, por exemplo, que você deseja trocar seu carro ao final do ano. Para isso, você precisa avaliar qual carro deseja, quanto precisará gastar para adquirir esse carro e em quanto tempo você conseguirá finalizar seu projeto. Agora, considere que você ainda não tem um salário que permita comprar esse carro imediatamente. Como você poderá juntar dinheiro para isso? Terá que conseguir outro emprego? Será necessário diminuir os gastos? Todas essas perguntas fazem parte das etapas de um projeto. Veremos, a seguir, o conceito de projetos, gestão de projetos e de que maneira isso pode impactar o trabalho em um espaço não escolar no qual você, futuro pedagogo, poderá atuar. De início, vamos relembrar da definição de projeto. Sempre que falamos a respeito de projetos estamos nos referindo, de forma geral, a uma ação que tem prazos e objetivos bem definidos. Os projetos fazem parte da nossa vida. Você certamente tem vários projetos pensados ou colocados em prática. Podemos pensar, por exemplo, no projeto de vida saudável, projeto para o ingressar em um mestrado, projeto de compra da casa própria. Todos esses exemplos apresentam objetivos definidos e exigem que se estabeleça – mesmo que inconscientemente – um prazo, recursos e etapas para sua realização. Os projetos, quando aplicados por empresas, também apresentam as mesmas características, mas sua execução pode variar um pouco dos projetos que fazemos para nossa vida. Nesse caso, estamos nos referindo a uma situação mais específica e, de certa forma, mais individualizada, uma vez que as empresas, além de elaborarem um projeto para atender a uma necessidade, precisam também inovar sempre, uma vez que o mercado está cada vez mais competitivo. 66 Na pedagogia, ao longo do curso, somos apresentados às modalidades organizativas, dentre elas, os projetos. Nesse sentido, os projetos são situações didáticas que permitem que o conteúdo seja trabalhado de forma dinâmica, contextualizada e flexível, para atingir um propósito claro. É possível elaborar projetos de longa, curta ou média duração, a depender do objetivo que se deseja atingir. Outra característica dos projetos é que eles vão ter um produto, que pode ser, por exemplo, a confecção de um livro, um recital de poemas, confecção de um mapa, uma peça de teatro, ou um jornal ou revista da escola. A própria noção de projetos mudou ao longo dos anos. No início da década de 1980, os projetos eram vistos como a organização de pessoas para atingir um objetivo específico. Já nos anos 1990, os projetos eram considerados um processo único, com atividades coordenadas e controladas com data de início e fim, também em função de um objetivo. Hoje entende-se que projetos são empreendimentos temporários, com a finalidade de criar um produto, serviço ou um resultado único. Por essa razão, os projetos em empresas são multidisciplinares e podem envolver áreas como a logística, produção, a tecnologia da informação, a área de vendas e de recursos humanos. O projeto precisa, de acordo com a definição mais atual, ter uma duração fixa, objetivos precisos, resultados de planejamento previsíveis, um controle dominante e recursos próprios (VILGA; PAES, 2020, p. 10). O que é a gestão de projetos? Quem é o gestor de projetos? Qual a importância dessa pessoa e dessa ação para a empresa? E qual é o papel do pedagogo nesse caso? A noção de gestão de projetos, ainda que seja recente, existe há muito tempo. Para se ter uma ideia do quanto isso é antigo, basta tomarmos como exemplo a construção das pirâmides do Egito. Para que um empreendimento daquele porte fosse construído foi preciso ter um responsável por acompanhar todas as etapas do projeto (VILGA; PAES, 2020). Podemos perceber, dessa forma, a importância do gestor de projetos para atuar como um agente integrador, capaz de unir a equipe em função de um bem comum. O conceito de gestão de projetos tem sido muito comentado nos últimos anos, em especial na área da Administração, por permitir um trabalho mais flexível e individualizado das demandas de uma empresa. O foco da gestão de projetos é aplicar os conhecimentos e ferramentas para planejar atividades ou atingir os objetivos definidos em um projeto. Isso permite que a empresa funcione de forma mais eficaz, uma vez que é possível transformar o planejamento em resultados concretos. A gestão de projetos coloca em prática o planejamento, a organização, a motivação e o controle. Para isso, o profissional que vai trabalhar nessa área precisa entender um pouco decada assunto. Nesse sentido, é necessário que ele se atente para as metas, tanto de tempo quanto de custo, e qualidade do projeto. Além disso, esse profissional precisa reconhecer as diversas habilidades envolvidas na realização de um projeto e deve participar tanto do planejamento quanto do progresso do projeto. 67 Dessa forma, sempre que falamos de gestão de projetos, precisamos pensar que ela servirá para organizar um projeto que deve atingir um resultado único e que precisa contemplar algumas áreas de conhecimento. Veja um resumo dessas áreas no quadro a seguir. Escopo Escopo do projeto: soma dos esforços para entregar o produto ou serviço. Escopo do produto: características e funções do produto a ser entregue. Tempo Está ligado ao cronograma. Riscos Eventos positivos e negativos que podem ocorrer ao longo do projeto e que influenciam seu objetivo. Comunicação Ligação entre ideias, pessoas e informações. Qualidade Aquilo que se espera que o produto tenha. Custo Estimado por meio do orçamento. Aquisições Compras de produtos e serviços necessários ao projeto. Recursos humanos Recursos humanos necessários à realização do projeto. Integração Garante que todas as outras áreas do projeto funcionem juntas. Stakeholders São as partes interessadas. É possível verificar, com base no quadro apresentado, que as áreas envolvidas na gestão de projetos integram competências e habilidade variadas e que demandam um conhecimento diversificado do gestor em prol do objetivo a ser alcançado. A área ainda está em franco desenvolvimento no Brasil porque há poucas empresas que investem nesse segmento, o que acaba por tornar tudo mais interessante. Se você se interessou pela gestão de projetos, é preciso saber que essa é uma área que exige soluções rápidas, na qual não há tempo hábil para treinamento de competências específicas. Assim, o gestor de projetos deve agir como regulador do processo, mas também mediador entre as partes interessadas. Além disso, deve ter a habilidade de liderar e motivar, comunicar e negociar, ter uma personalidade forte e enérgica, mas tolerante ao mesmo tempo e, por fim, conhecer as áreas envolvidas no projeto (VILGA; PAES, 2020). Como você pode perceber, é um trabalho desafiador, uma vez que demanda várias competências, mas, em paralelo, o trabalho com gestão de projetos pode ser muito recompensador, especialmente se você tem um perfil como o descrito. 68 Nas empresas, o pedagogo vai atuar em conjunto com a cultura da empresa, em busca de mudança no comportamento das pessoas por meio do processo de aprendizagem, a fim de atingir uma finalidade em comum. Nesse sentido, cabe ao pedagogo buscar atender aos objetivos da companhia, sem esquecer que sua atuação vai além do que se espera de um ambiente corporativo. É preciso lembrar que a prática do pedagogo deve ser transformadora mesmo em espaços competitivos como as empresas (BATISTA; ESTACHESCKI, 2019). Vimos nesta seção outros espaços nos quais o pedagogo pode atuar. A renovação das relações de trabalho e a revolução tecnológica têm feito com que as empresas ampliem sua visão acerca de como lidar não só com seu produto e com o mercado, mas especialmente com aqueles que colaboram para que todo o processo funcione de forma cada vez mais eficiente e ágil. Como vimos, o mercado hoje precisa de pessoas que estejam dispostas a trabalhar e que sejam capazes de se transformar constantemente. Para isso, as companhias estão investindo em ações que coloquem em prática essas novas ideias. O pedagogo nesses espaços, além de atender às demandas da empresa, vai ser o responsável por humanizar os processos, motivar, promover a formação continuada e permanente e melhorar as relações intra e interpessoais, entre outras funções. Essas práticas são benéficas para os dois lados. Se, por um lado, a empresa melhora sua imagem no mercado e, consequentemente, amplia seus lucros, por outro, o funcionário se sente valorizado e motivado. Conceito O que é Taylorismo Sistema de trabalho criado pelo americano Frederick Taylor. Para que a produção fosse mais eficiente, os funcionários da fábrica deveriam ser organizados de forma sistemática e hierarquizada, sendo responsáveis por desenvolver uma função específica dentro do menor tempo possível. Fordismo Sistema de trabalho criado por Henry Ford. Estabelecia um dia de trabalho de oito horas e uma linha de montagem a fim de gerar uma grande produção. O sistema fordista também era baseado na cronometragem do tempo e no início obteve sucesso. Treinamento e desenvolvimento Tipo de treinamento que surge na década de 1950 e que tem como características ser descentralizado e ter o foco em como saber fazer. O treinamento e desenvolvimento busca capacitar e aperfeiçoar. Educação corporativa Educação que ocorre dentro de empresas e que tem como focos o saber ser e a formação continuada. 69 Aprendizagem organizacional O conceito de aprendizagem organizacional pode variar de acordo com o autor que a estudou, mas de forma geral, podemos entender esse processo como estando relacionado com o que se aprende para o desenvolvimento profissional, de forma direta ou indireta. Pode ser realizada dentro das empresas e surgir com base nas demandas desse espaço. Acontece de forma direta ou indireta, a partir do compartilhamento de experiências com os pares, com os líderes, em cursos sistematizados e com a observação dos processos dentro da empresa. Fordismo Sistema de trabalho criado por Henry Ford. Estabelecia um dia de trabalho de oito horas e uma linha de montagem a fim de gerar uma grande produção. O sistema fordista também era baseado na cronometragem do tempo e no início obteve sucesso. Seção 3 - AMBIENTES DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL EDUCAÇÃO NOS AMBIENTES HOSPITALARES Você sabia que existe educação em ambientes hospitalares? Já esteve em algum hospital que tivesse um ambiente escolar? Você já se perguntou o que um pedagogo pode fazer nesses espaços e qual a importância de sua atuação? A fim de ajudar nossa colega Gleice, vamos tentar entender o que é a Pedagogia Hospitalar, como e por que ela surge e qual a sua importância para aqueles que são atendidos por ela. EDUCAÇÃO HOSPITALAR Ao falarmos de educação hospitalar, tratamos de uma área que vem ganhando espaço nos estudos da Pedagogia. Para início de conversa, precisamos conhecer a definição de pedagogia hospitalar. Sempre que falamos em pedagogia hospitalar, nos referimos a ações que ocorrem no ambiente hospitalar como forma de garantir que crianças e adolescentes enfermos tenham acesso à continuação de seus estudos, o que é garantido por lei. Como já comentado, esse campo de estudos e de atuação é relativamente novo e as pesquisas em torno do tema ainda estão em andamento. Para entendermos como a educação hospitalar se desenvolveu e quais motivos levaram à sua idealização, precisamos estudar a evolução do conceito de hospital. O hospital, como conhecemos hoje, nem sempre foi assim. Durante muito tempo, o estabelecimento funcionou como um depósito de pessoas – no geral, pessoas de baixa renda. Andrade e Silva (2013) apontam a origem dos hospitais por volta do século XVIII, quando funcionavam com o objetivo de curar as pessoas. A proposta 70 de trabalho dos hospitais foi se modificando e se ampliando ao longo dos anos até chegar ao modelo que temos hoje. O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) se dedicou a estudar, entre outros assuntos, a história dos hospitais. Em sua obra Microfísica do poder (1979), Foucault comenta que a medicina esteve por muito tempo voltada para o individual e que os hospitais não eram locais onde os médicos exerciam sua prática. Essa concepção mudou com o desenvolvimento do capitalismo, no final do século XVIII e início do século XIX, quando a medicina passou do individual para o coletivo. A história dos hospitais nos mostra que esse ambiente hoje é mais acolhedor do que era há algum tempo, mas ainda é possível perceber que há um longo caminho a ser percorrido até que o ambiente seja de fato mais humanizado. Nogeral, o que ainda se vê nos hospitais é uma prática distanciada do ideal humanizado. Existe um distanciamento e certa frieza por parte da equipe, que não considera o paciente como um ser completo, alguém que tem angústia, medos, tristezas, sentimentos ampliados quando ocorre uma internação, momento em que a pessoa está altamente fragilizada. Andrade e Silva (2013) apontam que essa frieza se mantém em função também da formação dos médicos, que segue um modelo cartesiano que ensina a separar corpo e mente. Certamente não podemos generalizar. Há sim, muito médicos e hospitais que praticam a medicina humanizada, mas nos referimos a uma realidade que ainda acontece na grande maioria desses estabelecimentos. Pense que se você, adulto, tem todas essas angústias quando pensa em uma internação, o que percebe uma criança quando se vê nessa situação? Como será que ela se sente quando precisa, por algum motivo, passar um longo tempo internada em um hospital, afastada do convívio de sua família, colegas da escola, com a rotina modificada e transportada para um espaço frio e desolador. Deve ser horrível mesmo, não é? Foi pensando nessa realidade que, ao longo dos anos, leis foram sendo criadas a fim de minimizar os traumas oriundos da internação. Vamos verificar as leis que embasam o trabalho pedagógico nos hospitais. HISTÓRICO DAS LEIS QUE REGULAMENTAM A CLASSE HOSPITALAR Vamos partir da Constituição de 1988, que determina, em seu artigo 205, que a “a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa […]” (BRASIL, 1988). Com base nesse artigo, entende-se que a educação deve ser ofertada a todos, mesmo em espaços não escolares. Depois da Constituição de 1988, temos a promulgação do Estatuto da Criança e do 71 Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990, que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente e que assegura seu direito à educação. Ainda assim, a legislação até então não definia especificamente a educação em ambientes hospitalares, o que vem a acontecer apenas na década de 1990, quando o Conselho Nacional de Direitos das Crianças e Adolescentes aprova a Resolução nº 41, de 13 de outubro de 1995, que estabelecia os direitos das crianças hospitalizadas. Dentre suas determinações, a Resolução garante o direito “a desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar, durante sua permanência hospitalar” (BRASIL, 1995). Um ano após essa resolução, o governo promulga a Lei de Diretrizes e Bases, a LDB 9394/96, que reforça o que está na Constituição a respeito da educação ser um direito de todos, conforme expresso em seu artigo 2º, “a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996). A LDB 9394/96 também garante o direito à educação hospitalar dentro do escopo da educação especial, sob o viés da educação inclusiva. É só a partir desse momento que temos uma orientação mais específica em relação ao atendimento a crianças e adolescentes em situação de internação hospitalar. De acordo com a LDB, em seu capítulo que trata da educação especial, no artigo 58, “o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular”. Mais recentemente, em 2018, tivemos a sanção da Lei 13.716, de 24 de setembro de 2018, cujo texto acrescenta um dispositivo na LDB que assegura “o atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência federativa.” (BRASIL, 2018). Pensando nisso, as leis que comentamos surgem a fim de minimizar o trauma de uma internação, especialmente durante essa fase de formação e desenvolvimento do ser humano. Assim, é preciso entender […] que a criança hospitalizada, mais que o adulto, necessita de atividades que se aproximem de seu cotidiano, e que ela possa ser vista pela equipe médica como um ser humano que carrega uma trajetória de vida com saberes fundamentais e estruturantes enquanto pessoa e cidadão. (ANDRADE; SILVA, 2013, p. 62) As leis surgem, então, com o propósito de fazer com que as crianças tenham um atendimento mais humanizado dentro dos hospitais e sintam um impacto menor com a internação. A educação no espaço hospitalar traz inúmeros benefícios aos atendidos por ela. Além de garantir o que a lei determina, a pedagogia hospitalar transforma um espaço triste em local de aprendizagem e reabilitação. Isso ratifica a 72 concepção de que a educação acontece em todos os espaços e acompanha todos nós desde sempre. E como se efetiva a educação hospitalar de fato? Precisamos ter em mente que, nesse momento, a criança (ou adolescente) está fragilizada em função da internação e não seria possível, portanto, exigir dela a mesma dedicação que se exige na escola. Nesse sentido, o trabalho do pedagogo com esse público tão diferenciado precisa acompanhar as necessidades e peculiaridades do momento. Uma das possibilidades de trabalho com crianças e adolescentes internados tem como base o uso da ludicidade, que apresenta uma dimensão terapêutica e que favorece "o desenvolvimento biológico, físico e emocional e as relações sociais que se estabelecem em meio ao jogo, ao brinquedo e às brincadeiras" (ANDRADE; SILVA, 2013, p. 65). Essas práticas educativas que têm como base o lúdico podem ajudar as crianças e adolescentes a recuperar sua saúde, a ocupar seu tempo e aprender com as brincadeiras. Outro ponto digno de nota é a capacidade de humanização que o lúdico traz tanto para o ambiente quanto para os profissionais que atuam nesse espaço, uma vez que a ação pedagógica é capaz de “sensibilizar os agentes da educação, da saúde e áreas afins a esta [...]” (ANDRADE; SILVA, 2013, p. 65). No Brasil, a pedagogia hospitalar é uma ação relativamente nova, que tem sua origem nos anos 1950, no Rio de Janeiro, mas já é possível perceber que ela vem sendo ampliada e ainda que sua predominância esteja na rede hospitalar privada, muitos estados têm implementado essa iniciativa em hospitais públicos. No estado de São Paulo, por exemplo, o governo implantou e ampliou a quantidade de classes hospitalares, chegando a ter em torno de 31 classes na capital e por volta de 19 em hospitais do interior. As aulas acontecem em classes ou até mesmo no leito, dependendo da condição clínica do paciente. Já no estado do Espírito Santo, a Secretaria de Estado da Saúde, em parceria com a Secretaria de Educação, mantém o projeto Classe Hospitalar, levando exercícios, avaliações e atividades planejadas por professores de uma escola local – que funciona como a base do projeto – às crianças internadas em hospitais da região. Matos e Mugiatti (2008) comentam que a pedagogia hospitalar é um processo alternativo de educação continuada que ultrapassa o contexto formal da escola. Nesse sentido, as práticas educativas desenvolvidas em hospitais têm um caráter multi/inter/transdisciplinar. Vamos estudar essas práticas multi/inter e transdisciplinares ainda nesta seção. No que tange à ação do pedagogo, a intervenção a ser realizada deve ser bem planejada e adaptada às necessidades e capacidades das crianças hospitalizadas. Além disso, é fundamental que o espaço, os materiais e a carga horária sejam adequados ao que o aluno precisa. 73 As práticas pedagógicas que ocorrem no ambiente hospitalar podem ser divididas em duas modalidades: a classe hospitalar, que se refere à sala de aula propriamente dita no ambiente hospitalar, e a brinquedoteca e recreação hospitalar, que têm como princípio o direitoda criança de brincar. No início dessa unidade falamos a respeito das brinquedotecas como um espaço em que a pedagogia é trabalhada de forma bastante lúdica. Vimos que as brinquedotecas podem aparecer em espaços distintos, como uma ONG, um shopping center, um condomínio e em hospitais. Nos hospitais, as brinquedotecas funcionam como um local em que as crianças serão estimuladas por meio de jogos educativos e brinquedos, permitindo, assim, que elas exercitem aspectos sensoriais, motores e sociais, entre outros. A brinquedoteca hospitalar tem como objetivos: ● preservar a saúde emocional dos pacientes; ● proporcionar o desenvolvimento da criança, especialmente se sua internação for longa; ● permitir que o encontro entre as crianças e sua família aconteça em um ambiente agradável; ● melhorar a interação da criança com o ambiente hospitalar, assim como com os profissionais de saúde e demais setores do hospital. Os benefícios da brinquedoteca no desenvolvimento integral da criança podem ser percebidos também no espaço hospitalar. Na verdade, é nesse momento que as crianças precisam ainda mais de atividades lúdicas que desenvolvam habilidades, mas também que proporcionem momentos de alegria e lazer. Tendo em vista a importância da brinquedoteca como auxiliar no tratamento de crianças hospitalizadas é que foi criada a Lei nº 11.104/05, que torna obrigatória a brinquedoteca em hospitais, como parte da assistência terapêutica a crianças e adolescentes hospitalizados. Segundo Andrade e Silva (2013), a brinquedoteca deve ser um espaço físico dividido por faixas etárias e desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças. Dessa forma, esse espaço pode ser dividido em diferentes cantinhos, a serem utilizados por faixas etárias diversificadas, como o canto dos bebês; o canto do faz de conta; o canto da leitura; o canto do teatro; o canto das artes. O pedagogo que deseja atuar em hospitais precisará desenvolver sua empatia e uma escuta atenciosa, sabendo que o público-alvo de sua ação pedagógica necessita de um olhar mais carinhoso, em função do momento delicado em que se encontra. Ainda segundo Matos e Mugiatti (2008, p. 83), […] a inserção da pedagogia no espaço hospitalar não pode ser dissociada de um projeto pedagógico adequado. A relação homem-realidade, homem-mundo, sempre implica transformação. Conforme se estabelecem estas relações, o homem pode ter ou não 74 condições objetivas para o pleno exercício da maneira humana de existir. Vejamos, agora, algumas atribuições do pedagogo hospitalar. De maneira prática, o pedagogo será aquele que fará a ligação entre o hospital, a equipe pedagógica, o paciente, os familiares e a escola onde esse paciente está matriculado. Seu trabalho é primordialmente dentro do ambiente hospitalar e ele deve, entre outras coisas, certificar-se de que o paciente tem condições de receber o atendimento pedagógico, reportando-se ao médico e à família do paciente. Além disso, o pedagogo terá que coordenar as equipes de professores que farão o atendimento a esse aluno. Outras atribuições incluem verificar as atividades propostas e os materiais a serem utilizados e acompanhar o progresso acadêmico do aluno. Podemos perceber que o trabalho do pedagogo hospitalar é bem semelhante ao que se faz nas escolas, a diferença principal é a condição física e mental do enfermo e os espaços nos quais a prática pedagógica se realiza. A educação hospitalar apresenta, portanto, inúmeros benefícios àqueles que são atendidos por ela. As aulas trazem para o ambiente um retorno à rotina que esses alunos tinham antes de sua internação. Além disso, as atividades pedagógicas geram momentos de alegria, permitem que os pacientes esqueçam um pouco a rotina do tratamento e a tristeza da internação, contribuem para manter o equilíbrio emocional e psicológico dos alunos, o que impacta direta e positivamente o tratamento. É recompensante para o pedagogo exercer um trabalho humanizado, que traz tantos benefícios a um grupo – sejam os alunos ou seus familiares – fragilizado e abalado emocionalmente em função da vivência em um hospital. EDUCAÇÃO QUE PROMOVA QUALIDADE DE VIDA Caro aluno, você preocupa com sua qualidade de vida? Quando pensa a esse respeito, quais fatores você acha que definem a qualidade de vida? Sabia que a educação também é um fator que pode determinar a qualidade de vida de uma pessoa? Vamos tentar compreender agora o conceito de qualidade de vida, bem como de que maneira a educação pode contribuir para elevar esse parâmetro. A fim de entendermos como a educação pode promover a qualidade vida, é preciso compreender o que seria, então, qualidade de vida. De início, é preciso destacar que não há um consenso sobre a definição do termo. Os diferentes estudos a respeito do tema mostram que a qualidade de vida pode ser definida de forma objetiva ou subjetiva. A OMS (Organização Mundial de Saúde) define a qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Ainda de acordo com a OMS, a qualidade de vida envolve o bem-estar espiritual, físico, mental, psicológico e emocional, além de relacionamentos sociais, com família e amigos e, também, saúde, educação, habitação saneamento básico e outras circunstâncias da vida (BRASIL, 2013). Como podemos perceber, esse é um conceito muito amplo e, por isso, difícil de ser 75 explicado. Ainda assim, é possível afirmar que a maioria das pessoas relaciona a ideia de qualidade de vida ao bem-estar. Esse bem-estar pode estar relacionado ao trabalho, à saúde e ao meio ambiente, entre outros fatores que veremos mais adiante. Quando falamos de qualidade de vida, estamos nos referindo a um conceito que engloba vários fatores, como o biológico, o político, o social e o econômico. Podemos compreender que a qualidade de vida é um conceito multifatorial e seu alcance dependerá do bem-estar em várias áreas. Além desses fatores, avaliar a qualidade de vida dependerá também do momento social e histórico, do país e da cultura. É possível pensar em qualidade de vida com base em indicadores objetivos, que são aqueles que podem ser facilmente observados e mensurados e se relacionam às condições materiais e econômicas, e indicadores subjetivos, que dependem da avaliação de elementos emocionais, culturais e físicos e como eles são percebidos pelos indivíduos e podem englobar a avaliação de elementos tão subjetivos como a felicidade e a tristeza. Almeida, Gutierres e Marques (2012) apontam que os primeiros indicadores objetivos de qualidade de vida incluíam a aquisição dos bens materiais, os avanços educacionais e as condições de saúde. Esses indicadores, entretanto, não levavam em consideração as particularidades históricas e culturais dos grupos analisados, pois desconsideravam as vertentes subjetivas e a contemporâneas. Um ponto comum observado entre os que estudam a qualidade de vida é o fato de que esse é um tema de grande abrangência conceitual e que engloba questões multidisciplinares. Ainda nesta seção veremos o trabalho do pedagogo em equipes multidisciplinares, a fim de entender seu papel na promoção da qualidade de vida. Diante disso, como melhorar a qualidade de vida? E como isso pode ser feito por meio da educação? Antes disso, porém, vamos ver como a qualidade de vida se relaciona a alguns aspectos da nossa vida. ● Qualidade de vida e saúde: alguns autores entendem que a saúde e a qualidade de vida são fatores indissociáveis. Para esses autores, ter boa saúde é fundamental para se ter qualidade de vida. Nesse caso, estamos falando de saúde física e mental. ● Qualidade de vida e meio ambiente: o meio ambiente se refere a tudo o que nos rodeia. Nesse sentido, estar em um ambiente agradável, limpo e bem preservado melhora a sensação de bem-estar que, consequentemente, promove uma melhor qualidade de vida. ● Qualidade de vida e trabalho: o trabalho ocupa, atualmente, grande parte do dia da maioria das pessoas.Muitas vezes passamos mais tempo com os colegas de trabalho do que com a própria família. Por isso é tão importante pensar na relação entre qualidade de vida e trabalho. As empresas têm se preocupado cada vez mais com o bem-estar de seus colaboradores e com um ambiente de trabalho 76 saudável e agradável e, em função disso, têm investido na implementação a qualidade de vida no trabalho. ● Qualidade de vida e educação: a qualidade de vida também é medida pelo nível de educação da população. Na medida em que há uma oferta de educação de qualidade para o povo, a qualidade de vida melhora. O inverso também é verdadeiro, ou seja, se o governo não oferece uma boa educação, a tendência é que seja mais difícil manter a qualidade de vida dessas pessoas. Isso se dá porque uma boa educação permite que as pessoas evoluam e busquem melhorar suas vidas. Vamos falar dessa relação, com mais detalhes, a seguir. Nós já sabemos o quanto as ações educativas podem ser transformadoras da realidade, não só em relação à escola, mas em relação a uma comunidade inteira. Esse efeito da educação pode ser comprovado com a observação de comunidades que foram transformadas por projetos sociais. Vamos ver alguns exemplos de projetos educativos instalados em comunidades periféricas que transformaram a realidade desses locais. O primeiro deles é o Projeto Uerê (2019), instalado no Complexo de Favelas da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, responsável por atender 270 crianças atualmente. Esse projeto, reconhecido internacionalmente, é um modelo no atendimento de crianças traumatizadas pela violência. O Projeto Uerê é uma escola cujo objetivo é desenvolver ações voltadas para crianças que apresentam algum tipo de bloqueio cognitivo em função de traumas causados pela violência, por meio de uma complementação do ensino formal, com aulas de português, matemática, história, geografia, ciências e idiomas. De acordo com a página oficial do projeto, também são oferecidas refeições e oficinas extracurriculares que incluem oficina de leitura, de informática, de fotografia, orquestra de cordas e escolinha de futebol. Ações como essa também ocorrem em outras cidades. Dentre elas, podemos citar a Unifavela, pré-vestibular localizado na Comunidade Nova Holanda, na Maré, e o pré-vestibular Construindo Caminhos, no Complexo do Alemão, ambos na cidade do Rio de Janeiro. EDUCAÇÃO E TRABALHO A educação que promove a qualidade de vida está ligada ao trabalho de várias maneiras. É um assunto muito amplo e dá margem a discussões que não cabem no espaço desta seção. Vamos nos concentrar em alguns aspectos que ficam mais evidentes nessa relação. Conforme vimos, a educação tem como propósito oferecer uma formação integral do indivíduo, de maneira que ele possa exercer sua cidadania amplamente. A promoção do conhecimento fará com que os estudantes alcancem sua emancipação social e econômica, contribuindo para manter a sociedade mais justa e democrática. É por meio da educação que o estudante será capaz de escolher sua profissão, de acordo com seus gostos e perfil o que, consequentemente, o levará a conseguir um 77 trabalho que torne sua vida mais digna, impactando diretamente sua qualidade de vida e a de todos ao seu redor. É preciso, então, considerar a relação entre a educação e o trabalho. Essa análise se faz relevante quando consideramos que as pessoas passam mais tempo no trabalho do que com sua família. Além disso, o trabalho é algo intrínseco à vida em sociedade. Ele é a base da relação homem e natureza e é por meio dele que o homem transforma a natureza, adaptando-se a ela. Apesar disso, o trabalho pode servir como instrumento de alienação e é aí que a educação se faz mais necessária, por ter uma função desalienante em relação a ele. E como o currículo escolar se relaciona com a promoção da qualidade de vida? Ainda que nosso foco seja o trabalho dos pedagogos em espaços não escolares, ao longo de sua formação você tem contato com vários documentos oficiais que embasam o trabalho escolar do educador e que também servirão como recursos para efetivação de práticas não escolares. Ao falarmos de uma educação que promova qualidade de vida, é válido trazer à baila as orientações a respeito dos temas transversais do PCN (1997) e, mais atualmente, da BNCC (2018). Vamos começar pelo PCN. O PCN traz, em um de seus livros, orientações para o trabalho com temas transversais. Esses temas compreendem seis áreas, a saber: a) ética (respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade); b) orientação sexual (matriz da sexualidade, relações de gêneros, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis); c) meio ambiente (ciclos da natureza, sociedade e meio ambiente); d) saúde (autocuidado, vida coletiva); e) pluralidade cultural (pluralidade cultural, sua constituição, cidadania) e, finalmente f) trabalho e consumo (relações de trabalho, consumo, meios de comunicação em massa, diretos humanos, cidadania). Esses temas são trabalhados juntamente com as disciplinas regulares do currículo escolar e permitem que o aluno tenha uma visão mais ampla de seu papel como cidadão na sociedade. Os documentos que vimos comprovam o papel da educação na formação integral do indivíduo. Podemos então assumir que a educação, quando ofertada com qualidade, é capaz de preparar o indivíduo para sua vida em sociedade, o que terá consequências diretas na qualidade de vida. Uma pessoa que tenha uma educação sólida será capaz de trabalhar em prol da melhoria de sua qualidade de vida bem como de todos aqueles que estão à sua volta. Esse cidadão será mais um agente transformador da sociedade porque conseguirá perceber onde pode atuar e o que pode melhorar no ambiente que está inserido. Ainda que a qualidade de vida seja um tema amplo, podemos concluir que ela dependerá enormemente da atuação das pessoas na sociedade, não sendo um trabalho individual, porém, coletivo. 78 TRABALHO INTERDISCIPLINAR Temos falado bastante do trabalho do pedagogo e seu aspecto múltiplo. Isso quer dizer que é preciso que este profissional tenha um olhar que extrapole os aspectos curriculares e adentre outras áreas. Certamente, você já ouviu o termo interdisciplinar, pois o debate acerca do trabalho interdisciplinar tem se ampliado muito nos últimos anos, especialmente na Pedagogia. Isso se dá em função de novas pesquisas na área da educação que têm buscado fazer uma integração dos conteúdos vistos na escola com a realidade fora de seus muros. Você já deve ter se perguntado ao longo de sua formação o motivo de estudo de certos assuntos, não é mesmo? É muito comum que não vejamos sentido no que aprendemos, justamente porque nosso olhar ainda é compartimentado. O fato de as disciplinas ainda serem dadas de forma isolada faz com que nós tenhamos uma noção limitada de sua utilidade, o que acaba por deixar o conteúdo sem sentido e um conteúdo sem sentido é, certamente, um conteúdo esquecido. Pensando nessas questões foram – e ainda são – desenvolvidas pesquisas e orientações em torno de um trabalho interdisciplinar. Isso será de grande valia para o pedagogo que quiser trabalhar em espaços não escolares também, uma vez que a educação que ocorre nesses lugares é bastante flexível e, em grande parte, funciona como auxiliar da educação formal em busca de soluções para problemas locais. Como já vimos anteriormente, a educação ofertada nesses espaços parte da necessidade de um público ou de uma comunidade. Basta lembrarmos do trabalho nas ONGs, nos CRAS e nos hospitais. Em todos esses lugares a educação se faz em função da demanda daquela comunidade. Desse modo, podemos entender que uma visão voltada para o trabalho interdisciplinar é fundamental para atingir esse público. Mas afinal, o que é a interdisciplinaridade? A fim de entendermos o que é um trabalho interdisciplinar, é preciso que o conceito de interdisciplinaridade esteja muito claro. Assim, temos que a interdisciplinaridade está ligada às concepções de integração e flexibilidade. Abreu (2009) aponta que a interdisciplinaridade é apresentada como umaresposta ou solução às constantes mudanças experimentadas pela sociedade. Ainda assim, complementa Abreu (2009, p. 48), a interdisciplinaridade é um conceito antigo, visto em maior ou menor grau desde a Antiguidade, caso do Trivium (gramática, retórica e dialética) e do Quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música), em que as disciplinas se articulavam e se complementavam. Essa ideia de integração entre os saberes começa a mudar com a Revolução Industrial, quando o saber especializado foi se tornando cada vez mais necessário, pois os processos industriais eram mais específicos. A partir desse momento, “o conhecimento passa a ser fragmentado e especializado, desvalorizando a integração proposta até então, valorizando a integração pelo método científico, eleito como o único método capaz de tal fato” (ABREU, 2009, p. 79 49). O debate volta à tona com as mudanças ocorridas no século XX, quando se questiona a fragmentação do conhecimento. Para Japiassu (1976, apud Abreu, 2009) – um dos primeiros estudiosos do tema no Brasil - “quanto maior for o desenvolvimento das disciplinas, diversificando-as, maior é a perda de contato com a realidade humana, o que facilita a alienação do indivíduo na sociedade, uma vez que ele não reconhece sua realidade, e consequentemente, não promove mudanças” (ABREU, 2009, p. 49). Os estudiosos entendem que a interdisciplinaridade é ação e depende “de uma atitude, de uma mudança de postura em relação ao conhecimento, uma substituição da concepção fragmentária para a unidade do ser humano (FAZENDA, 1994, p. 40). Cabe então, perguntar, de que maneira podemos trabalhar o conteúdo de forma interdisciplinar. É importante ressaltar que um trabalho interdisciplinar está baseado na ação, na prática. Esse conceito parte do princípio de que a educação deve se basear em projetos e não necessariamente em disciplinas. Para que isso aconteça, é preciso que o educador esteja preparado para realizar um trabalho que demanda um pensamento aberto a novas práticas que vão além da mera transmissão de conhecimento segmentada que tem acompanhado o ensino tradicional há muito tempo. Além disso, autores que estudam o tema, como Japiassu e Fazenda, defendem que o trabalho interdisciplinar é aquele que depende da parceria entre os sujeitos. Não é possível pensar em uma prática educativa interdisciplinar baseando-se no âmbito individual somente, pois essa prática se efetivará com a colaboração entre as diversas disciplinas envolvidas. No que tange a educação em espaços de saúde – tema da nossa seção – faz-se ainda mais necessário que o pedagogo leve essa proposta em consideração, uma vez que temos um trabalho realizado com um público em condições de fragilidade, e que ocorre em espaços e momentos bastante diferenciados. Para esse público, que precisa de um olhar mais cuidadoso, o planejamento do professor e do pedagogo deve levar em consideração que a associação das disciplinas e o trabalho por projetos pode ser bem mais eficaz do que a exposição tradicional dos conteúdos. O trabalho interdisciplinar apresenta várias vantagens em relação ao ensino tradicional. Segundo Abreu (2009, p. 54), “a prática do conhecimento interdisciplinar traz uma imensa riqueza para o desenvolvimento da intelectualidade do ser humano, além de proporcionar uma aprendizagem que esteja atrelada aos porquês, às descobertas, dando origem a um novo conhecimento”. Esse pensamento corrobora a proposta de uma educação voltada para o desenvolvimento global do ser humano. Nesse sentido, vale comentar o que os documentos oficiais nos indicam – sempre fazendo a ressalva de que, ainda que estejamos tratando de educação em espaços não escolares, tanto os PCNs (BRASIL, 1997) quanto a BNCC (BRASIL, 2017) nos fornecem orientações sobre como realizar práticas educativas em outros ambientes. 80 Os PCNs e a BNCC indicam o trabalho com projetos de forma a eliminar a fragmentação dos conteúdos, em busca de uma educação mais abrangente. O professor, nesse cenário, precisa de sensibilidade a fim de integrar os conteúdos e possibilitar que os alunos modifiquem e construam novos métodos de aquisição e interpretação do conhecimento, pois, por essa proposta, o aluno sempre será o agente da aprendizagem. Dessa forma, um trabalho interdisciplinar vai levar em conta o público-alvo e suas vivências, os objetos de estudos e suas diversas manifestações em diferentes disciplinas, em busca da integração dos saberes. Além disso, o trabalho interdisciplinar, quando realizado por meio de projetos, permite que seus integrantes exerçam a colaboração uns com os outros. O trabalho interdisciplinar se mostra ainda mais relevante atualmente com as constantes mudanças que temos observado, mudanças essas que exigem que o aluno – e futuro profissional – seja capaz de desenvolver diferentes habilidades e utilizar os mais diversos conhecimentos na resolução de problemas, seja no âmbito pessoal ou no profissional. Para que esse trabalho seja eficaz é preciso que o professor, em conjunto com o restante do corpo docente, atue como promotor desse entrelaçamento de disciplinas que permitirão a esse estudante desenvolver um olhar variado para as situações do mundo. PARTICIPAÇÃO EM EQUIPES MULTIDISCIPLINARES Estamos chegando ao final desta seção. Vimos, até este momento, a atuação do pedagogo no espaço hospitalar e ressaltamos a relevância desse trabalho durante o tratamento de crianças e adolescentes hospitalizados. Estudamos também como a educação pode ser promotora da qualidade de vida sob vários aspectos. Um outro tópico comentado nesta seção foi a interdisciplinaridade e como o trabalho interdisciplinar pode ser útil em situações escolares e não escolares. Para finalizarmos, vamos observar a atuação do pedagogo em uma equipe multidisciplinar. Estudamos anteriormente o conceito de multidisciplinaridade. Vamos relembrar do que se trata? A multidisciplinaridade se refere ao trabalho feito com várias disciplinas que aparentemente não têm relação umas com as outras, ou seja, sempre que realizamos um trabalho multidisciplinar temos um objeto que vai ser estudado por diferentes profissionais. O trabalho multidisciplinar é aquele em que vários pesquisadores ou profissionais de várias áreas se unem a fim de estudar um único objeto. É bem provável que você já tenha escutado o termo “equipe multidisciplinar na educação”, especialmente quando há na escola aluno(s) que apresente(m) algum tipo de dificuldade ou deficiência que demande o conhecimento de vários profissionais em busca do diagnóstico e posterior solução. As equipes multidisciplinares podem aparecem em áreas como a educação, como comentamos, 81 mas também na medicina, no direito e em qualquer outra área que precise de um olhar múltiplo em torno de um problema. Vale pontuar que nesse trabalho multidisciplinar não há a necessidade de integração entre as áreas, apenas visões diferentes e complementares de um mesmo problema. A equipe multidisciplinar pode, então, ser definida como um grupo de profissionais de áreas diferentes, que atuam em conjunto a fim de resolver um problema. Nessa perspectiva multidisciplinar, é fundamental que a atuação dos integrantes seja pautada pela cooperação mútua a fim de que o objetivo seja alcançado com sucesso. A proposta de trabalho em uma equipe multidisciplinar é fundamental e inclui áreas como a tecnológica, a do meio ambiente e das mudanças climáticas, além das já mencionadas áreas da saúde e jurídica. As pesquisas, em geral, necessitam de um estudo multidisciplinar. Tomemos como exemplo a pandemia da Covid-19, que mobilizou estudos das ciências da saúde, ciências sociais e econômicas, entre outras, que foram fundamentais para compreender a ação do vírus, bem como as ações que seriam necessárias para conter seu avanço e criar uma vacina. Vamos tentar compreender, primeiramente, como surge a necessidade de se trabalhar em uma equipe multidisciplinar. Como já vimos anteriormente, o trabalho multidisciplinar oferece recursos para o estudo de um objeto por meio de múltiplosolhares. Esse estudo contribui para uma visão mais ampla do que se quer observar e se mostra ainda mais importante atualmente, uma vez que temos uma sociedade em constante mudança, com problemas e questões cada vez mais interligados e complexos. Dessa forma, podemos entender que não é mais possível – nem eficaz – analisar uma situação sob apenas um prisma, porque essa seria uma visão limitada e incompleta e talvez a proposta encontrada não abranja todos os aspectos da situação em questão. Podemos ver a atuação do pedagogo em equipes multidisciplinares em escolas, hospitais, no judiciário e vários outros locais em que um trabalho em conjunto se faz necessário. No espaço escolar, a equipe multidisciplinar pode trabalhar, por exemplo, em função de uma demanda específica da Educação Especial, em que a avaliação conjunta de pedagogos, psicólogos, médicos e fonoaudiólogos se faz necessária. Para que os alunos com deficiência sejam inseridos adequadamente no ambiente escolar, é preciso que o grupo de profissionais esteja sintonizado e trabalhe de forma colaborativa para a melhor inserção desses estudantes. Entre as ações que essa equipe pode desenvolver estão a sondagem das necessidades do aluno, o planejamento de ações visando sua interação, a orientação da família e o acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno e realização de possíveis alterações no planejamento inicial. Ao longo da seção, comentamos sobre a atuação do pedagogo em espaços de saúde. No contexto hospitalar, como vimos, a pedagogia já se faz presente, ainda que não seja de forma ampla. O pedagogo em hospitais é de suma importância no 82 processo de recuperação de crianças e adolescentes enfermos. Entretanto, é necessário ressaltar que esse trabalho não será eficaz se não for composto e planejado por diferentes profissionais. Precisamos partir do princípio da multiplicidade e integralidade do ser humano. O trabalho em hospitais precisa articular os saberes dos membros da equipe para que funcione de fato. Essa equipe poderá ser composta por profissionais da Medicina, Psicologia, Enfermagem, Serviço Social e Pedagogia. Dentro desse grupo, o pedagogo terá a tarefa de promover ações educativas visando ao bem-estar do enfermo, integrando educação e saúde ao mesmo tempo. Diante disso, a preparação do pedagogo que vai trabalhar no ambiente hospitalar requer, necessariamente, uma formação de caráter multidisciplinar, pois esse profissional precisará ter contato com o conhecimento produzido por profissionais que atuam em hospitais, tais como pediatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos e nutricionistas (BARROS, 2007). Vale ressaltar que o pedagogo pode atuar em equipes multidisciplinares também na área jurídica. Nesse caso, sua atuação difere um pouco do que ele poderia fazer nos CRAS, por exemplo. Nestes espaços – conforme vimos no início da unidade – o pedagogo é responsável por projetos que, de certa forma, assemelham-se um pouco mais ao que é feito em uma escola. Sua atuação em uma equipe multidisciplinar na área jurídica, entretanto, abrange outros aspectos e inclui outros profissionais. Nesse caso, essa equipe multidisciplinar será responsável pela ressocialização de indivíduos que estejam em conflito com a lei, e o pedagogo contribui para esse processo também por meio do aconselhamento e da orientação. Como você já percebeu, em qualquer espaço em que haja pessoas em formação, lá estará o pedagogo contribuindo para atender demandas pedagógicas e sociais. Unidade 4 Seção 1 - COMPETÊNCIAS PARA ATUAR COM A EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR COMPETÊNCIAS PARA ATUAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR Um primeiro passo para compreender quais são os saberes e o saber-fazer que um educador necessita dominar para atuar efetivamente em espaços educativos não escolares é ter clareza acerca da noção de competência. Segundo a BNCC, […] competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. 83 (BRASIL, 2018, p. 8) Desse modo, uma pessoa competente consegue se agir adequadamente perante situações desafiadoras de seu campo profissional pela mobilização de três tipos de saberes: o saber, o saber ser – fortemente vinculado com os valores e atitudes necessárias perante o problema – e o saber fazer – relacionado ao o conhecimento dos procedimentos adequados. Empregando o enfoque das competências, que situa a aprendizagem dentro de um contexto – em lugar de considerá-lo como um processo mental abstrato – e o considera uma ferramenta funcional para resolver problemas da prática profissional, vejamos qual deve ser o perfil do profissional da educação não escolar. Um primeiro ponto de partida é considerar que, embora existam especificidades na atuação em espaços educativos para além dos muros da escola, muitos dos desafios e exigências deste profissional também abarcam aos educadores em geral. Comecemos, então, por analisar as competências gerais estipuladas para a formação inicial de professores para a Educação Básica. Algumas dessas competências são: 1. Compreender e utilizar os conhecimentos historicamente construídos para poder ensinar a realidade com engajamento na aprendizagem do estudante e na sua própria aprendizagem colaborando para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática e inclusiva 2. Pesquisar, investigar, refletir, realizar a análise crítica, usar a criatividade e buscar soluções tecnológicas para selecionar, organizar e planejar práticas pedagógicas desafiadoras, coerentes e significativas. 3. Valorizar e incentivar as diversas manifestações artísticas e culturais, tanto locais quanto mundiais, e a participação em práticas diversificadas da produção artístico-cultural para que o estudante possa ampliar seu repertório cultural. 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza, para promover ambiente colaborativo nos locais de aprendizagem. (BRASIL, 2019, p. 13) Essas competências são relevantes para o desempenho do profissional da educação não escolar? A resposta é, claramente, sim. Um educador que trabalhe nesse setor deverá ser capaz de mobilizar seus conhecimentos a respeito da complexa realidade na qual estão inseridos seus educandos para engajá-los em processos de aprendizagem que contribuam com a transformação dessa realidade, segundo os valores de justiça, democracia e inclusão. Por sua vez, deverá desenvolver sua atividade com criatividade, de maneira a projetar e propor práticas pedagógicas que lhe permita atuar em situações diferentes, muitas vezes imprevisíveis. Deverá ser capaz de propor tarefas que tenham verdadeiro sentido para os educandos, pela sua relevância em termos da sua situação social, cultural e 84 pessoal. Com o desenvolvimento da sua prática educativa, o profissional deve ajudar os educandos a ampliar o seu repertório cultural e a aprofundar as compreensões da sua realidade e do mundo local e global. Será necessário, ademais, que o profissional da educação não escolar seja otimista, aberto à colaboração e que consiga se comunicar com os educandos em uma relação de respeito mútuo. Deverá poder analisar as causas dos problemas sociais e ter sensibilidade suficiente para não se escandalizar diante de situações que os educandos apresentem (CONFERRI; NOGARO, 2010). Outra competência docente parece ser particularmente importante para a atuação nesses cenários: 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas, desenvolver o autoconhecimento e o autocuidado nos estudantes.(BRASIL, 2019, p. 13) Considerando que o profissional que atua na educação não escolar trabalha frequentemente com populações em situação de vulnerabilidade social, essa competência pode ser chave no seu desempenho: ele deverá saber controlar sua emotividade e ser maduro o suficiente para enfrentar situações que dificilmente serão aceitáveis para uma pessoa não preparada na profissão (CONFERRI; NOGARO, 2010). Saber lidar com o estresse e cuidar da sua saúde física e emocional serão fatores de grande relevância na sua prática diária. Por sua vez, as competências docentes específicas estabelecidas nas Diretrizes Curriculares para a formação inicial de professores para a Educação Básica dizem respeito a três grandes dimensões: a dimensão do conhecimento profissional, a dimensão da prática profissional e a dimensão do engajamento profissional. Mais uma vez, cada uma dessas dimensões tem um importante papel na prática cotidiana do profissional que atua na educação não escolar. Vejamos isso com o exemplo que segue. SER CAPAZ DE EXPANDIR A INTENCIONALIDADE EDUCATIVA PARA DIVERSOS CONTEXTOS Eu vou anotando tudo o que nós conversamos e, um dia, sentamos e trago literatura e os materiais para fazer um cordel, uma história sobre eles mesmos ou alguma ladainha, na parte da Capoeira. É assim que a gente vai construindo na parte do letramento – Carlos Caçapava, Arte-Educador encarregado da oficina de Capoeira. (MENINOS…, 2017) A fala desse educador coloca em primeiro plano uma competência fundamental para o profissional que atua em espaços não escolares. Ele consegue expandir a 85 intencionalidade educativa de uma oficina de Capoeira – entorno fortemente marcado pela oralidade, musicalidade e corporeidade – para contribuir com os processos de letramento de seus alunos. Como consegue isso? Por meio da escuta cuidadosa, do registro das falas dos alunos e do desafio a eles para criar um cordel ou uma ladainha que fale de suas próprias vidas e experiências. É importante notar que, nesses espaços, o letramento não assume as características escolares – onde está frequentemente marcado pela aprendizagem da caligrafia, a associação de palavras que começam com as mesmas sílabas e outras práticas. Neste espaço, o letramento se entende como uma oportunidade para interagir com o texto escrito por diversas dinâmicas, tais como a escrita de uma canção. Podemos dizer, então, que os profissionais competentes que atuam na educação não escolar têm uma percepção ampla que lhes permite enxergar o que aqueles sem preparação não podem perceber: as potencialidades dos seus educandos e do espaço no qual atuam. Isso lhes permite expandir o potencial educativo da sua prática em múltiplas direções. Continuando com o exemplo de Marta discutido anteriormente, uma das suas aulas pode transformar-se em uma oportunidade para trabalhar noções matemáticas de proporcionalidade, para discutir noções de nutrição infantil ou economia doméstica. Desse modo, as práticas educativas em espaços não escolares conseguem ir além da aprendizagem de questões específicas – aprender capoeira, cozinha, teatro, crochê. Elas se tornam espaços nos quais os alunos chegam a compreender-se como sujeitos capazes de conhecer e em que vive o desejo de aprender. Podemos dizer, então, que a inexistência de currículos preestabelecidos, a diversidade de marcos institucionais e a variedade de objetivos das diversas propostas educativas exigem do educador a competência de pensar pedagogicamente em cenários muito diversos e expandir as potencialidades educativas de cada um deles (MORALES, 2013). SER CAPAZ DE FORMAR AGENTES TRANSFORMADORES Saber ler e escrever é uma coisa básica para poder se comunicar no mundo. Eu sei que a gente não vai mudar o mundo, mas o nosso papel aqui é mostrar as possibilidades de um mundo melhor – Chai Odisseiana, Arte-Educadora encarregada da oficina de Artes Cénicas. (MENINOS…, 2017) Esse excerto destaca que fato de que a prática educativa em espaços não escolares se torna significativa principalmente porque orienta seus esforços a ajudar a indivíduos e comunidades a pensar sobre sua condição social, cultural e pessoal, e a transformar tanto sua vida com a da comunidade. Assim, o profissional que atua neste âmbito deve ter as competências necessárias para orientar aos educandos na problematização da realidade e na procura de estratégias para solucionar os problemas que os afetam individual ou comunitariamente. Podemos dizer, então, que ele deve ser capaz de ajudar aos educandos a assumir a posição de atores sociais ativos que se mobilizam para superar dificuldades e empecilhos. O esforço 86 transformador também está fortemente vinculado com outra habilidade que o educador deve dominar: saber desafiar seus educandos com projetos de vida alternativos e estimular a reflexão a respeito de cenários futuros desejáveis. Segundo Conferri e Nogaro (2010, p. 18), “o futuro como possibilidade é uma força que fomenta mentes e corações, impulsiona para a busca de mudanças”. Com essa perspectiva, o profissional da educação não escolar deve ser um otimista incorrigível, convidando ao protagonismo e ao descobrimento de que os educandos são construtores da sua história (MORALES et al., 2013). SER CAPAZ DE FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO CONSCIENTE, ATIVA CRÍTICA NA VIDA SOCIAL GLOBAL Eu falo para eles: “não pode falar a palavra liberdade, vamos procurar palavras que possam dar esse significado”. Aí eles vêm com: “eu sou um pássaro para voar aos quatro cantos do mundo e viajar”. Isso aí tem a ver com os sentimentos. É como se, minuto a minuto, a gente conseguisse aflorar um pouco mais os sentimentos deles. Eles tornam-se mais meninos – José Paulo, Coordenador. (MENINOS…, 2017) Um dos objetivos fundamentais da educação não escolar é contribuir com o desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática na qual todos os seus cidadãos possam participar. Para atingir esse objetivo, o profissional que atua nessa modalidade precisa ser competente em oportunizar às crianças, jovens e adultos novas experiências, a fim de que eles possam fortalecer ou reconstruir o elo familiar e comunitário, adquirindo autoconhecimento e autoestima necessárias para a participação na vida em sociedade e aprendendo a ler e interpretar a realidade que os rodeia. Trabalhando com essa perspectiva, suas práticas educativas serão meios fundamentais para que seus alunos possam integrar-se na cidade, tornando-se cidadãos que participam ativamente das relações sociais dentro do seu entorno (CONFERRI; NOGARO, 2010). SER CAPAZ DE PRATICAR O ACOLHIMENTO E O RESPEITO Dar um conforto para eles, para eles saberem que aquilo que eles estão criando sim é real. Que jogar tinta num fantasma, não tem problema nenhum, não é tão absurdo, deixar fluir a imaginação, a criatividade – Osky Matella, Arte-educador encarregado da oficina de artes plásticas. A vantagem daqui é que nem toda turma de teatro tem meninos de várias series, então um puxa o outro. As vezes um menino que está começando a ler ou que já está bem avançado na graduação, mas tem uma capacidade de leitura baixa, um vai puxando o outro, ele vai aprendendo pela sonoridade. Lemos [os roteiros] em conjunto, […] com a possibilidade de ter meninos que não querem ler. Só os voluntários vão lendo. Então, os outros vão vendo que tem espaço para errar, ficam menos apreensivos, vão vendo que tem espaço para ler errado, e tudo bem, 87 ninguém está criando chacota – Chai Odisseiana, Arte-Educadora encarregada da oficina de Artes Cénicas. (MENINOS…, 2017) As falas desses dois educadores revelam a sua competência para desenvolver relações interpessoais com seus educandos, que promovam a autoestima, que respeitem as particularidades de cada um e que levem em consideração as suas diferenças. Nessa direção, as competências dialógicas desempenham um papel fundamental na prática educativa dos profissionais que atuam na educação não escolar. Tais competências se vinculam com a capacidade para estabelecer relações em um plano de igualdade que, sem significara ausência de autoridade, criem uma relação de respeito mútuo. Será praticando tais competências que o educador conseguirá promover o debate, o intercâmbio o confronto de ideias e, portanto, a capacidade de ouvir as diferenças e praticar o reconhecimento da diversidade de experiências e de saberes (MORALES et al., 2013). Seção 2 - AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO AMBIENTE NÃO ESCOLAR ASPECTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS DAS PRÁTICAS NO AMBIENTE NÃO ESCOLAR Ao se desenvolver nos mais variados contextos sociais, a não burocratização é um aspecto relevante da educação não escolar. Ela está presente na maneira como os profissionais deste setor articulam as restrições e possibilidades que o seu contexto de trabalho lhes oferece para poder levar adiante suas práticas educativas. Contudo, a espontaneidade, embora esteja presente, não é – nem deveria ser – o único elemento dominante das práticas pedagógicas que se desenvolvem para além dos muros da escola. O educador que se desempenha nesses entornos deve, também, apoiar seu trabalho em princípios, métodos e metodologias (GOHN, 2009). E isso nos leva a considerar os aspectos didático-pedagógicos dessas práticas. À primeira vista pode parecer estranho falar de pedagogia ou didática na educação não escolar principalmente porque, historicamente, termos como “didática” têm sido desenvolvidos em estreita vinculação com o contexto escolar. Contudo, é importante ressaltar que o mesmo acontece com a psicologia da aprendizagem ou a sociologia da educação. Tanto é que, até poucos anos atrás, quando se teorizava, estudava e refletia a respeito da educação, na verdade estava-se fazendo referência à escola. Para entrarmos no território da educação não escolar é necessário apresentar uma conceitualização dos aspectos didático-pedagógicos que atravesse as fronteiras do escolar. 88 Os conhecimentos didático-pedagógicos serão fundamentais para o educador que trabalha em espaços não escolares, já que lhe oferecem teorias e critérios para tomar decisões sobre quais podem ser as intervenções de ensino mais adequadas e por quê. Assim, tais conhecimentos servem de guia e de orientação tanto para planejar ações educativas como para desenvolver estratégias de melhora dessas ações. Eles permitirão que os profissionais que atuam na educação não escolar possam dar resposta a perguntas como: qual a relação entre os meus objetivos educativos e o que é preciso fazer para alcançá-los? Quais são as estratégias mais adequadas para promover a aprendizagem de atitudes, habilidades e conceitos? Quais são as estratégias mais adequadas para desenvolver a autonomia, a capacidade de tomar decisões e de se tornar protagonista do seu processo de aprendizagem e do seu processo vital? Como, quando e o que deve ser avaliado para obter informação que nos permita tomar decisões sobre a maneira de organizar e orientar o processo educativo? (PARECERISA; MIRAVALLES, 2003). No restante desta seção vamos nos dedicar a buscar respostas para as perguntas didático-pedagógicas básicas no caso da educação não escolar. QUEM É O SUJEITO QUE APRENDE NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR? Uma das principais características que distingue o sujeito que aprende nos espaços educativos além dos muros da escola é o fato de que ele participa consciente e voluntariamente da sua aprendizagem. Nesse sentido, esses aprendizes são muito diferentes dos alunos da escola que são, em certa medida, cativos em instituições onde devem fazer parte de determinadas práticas pedagógicas. Na educação não escolar o ensino é um oferecimento, um convite que requer o aceite daquele que aprende (PUPPATO, 2019). Desse modo, o educador que atua nesses âmbitos deverá organizar sua prática para mobilizar, em primeiro lugar, o desejo de começar um processo de aprendizagem. Segundo Morales et al. (2013, p. 179) a motivação é “uma dimensão misteriosa do processo de aprendizagem já que se refere à disposição interna que faz do sujeito um ser que deseja algo desconhecido”. Por essa perspectiva, o educador precisa assumir uma postura inquieta que busca constantemente novas maneiras e estratégias para convidar seus educandos. Organizar processos de aprendizagem que tenham conexões com aquilo que os educandos já conhecem e consideram significativo é uma das estratégias que ampliam a possiblidade de o convite do educador ser aceito. PARA QUE ENSINAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR? O ensino é uma ação deliberada, que persegue certos objetivos. Uma das grandes finalidades da educação não escolar é a transformação real objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana. Assim, ela procura o desenvolvimento de atitudes críticas e solidárias que contribuam com o enfrentamento dos problemas da vida cotidiana – tanto em âmbito familiar como no 89 social e produtivo – e que ajudem a satisfazer as necessidades formativas dos coletivos aos quais se dirigem (GOMEZ, 2004). Segundo Gohn (2006), a finalidade desses processos educativos é “abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais” (p. 29), de maneira a problematizar a realidade e imaginar sua transformação. Assim, o trabalho do educador nesses âmbitos não se restringe a que seus educandos consigam construir diagnósticos da situação presente. Ele deve trabalhar também com uma dimensão projetiva, estimulando imagens e representações a respeito do futuro. Segundo Gohn (2009), “o futuro como possibilidade é uma força que alavanca mentes e corações, impulsiona para a busca de mudanças”. Outra das grandes finalidades da educação não escolar é a de ampliar a leitura de mundo das crianças e adolescentes que delas participam, valorizando sua identidade étnico-racial e desenvolvendo conhecimentos dos direitos que asseguram a proteção da infância e adolescência de forma integral. Essa finalidade se encontra em estreita vinculação com a competência dos educadores que atuam nesses âmbitos de expandir a intencionalidade educativa a diversos contextos e em múltiplas direções. Significa, ademais, ser capaz de enxergar as potencialidades dos seus educandos e do espaço no qual atuam. A educação não escolar deve ser capaz de cultivar nos aprendizes novas maneiras de ver o mundo e sua realidade, explorando o potencial pedagógico dos diversos contextos nos quais ela se desenvolve. Existe mais um último ponto a destacar em relação às finalidades da educação não escolar. É importante reconhecer que os objetivos perseguidos pelo educador podem não estar em sintonia com os objetivos dos educandos. Além disso, esses objetivos devem, muitas vezes, ser conciliados com os interesses das instituições envolvidas. Assim, a delimitação de finalidades é um espaço de tensão, mas também uma possibilidade de diálogo e de construção conjunta. Isso significa que, nesses âmbitos, o educador deverá estar aberto a negociar suas próprias intenções e ter capacidade de dar voz aos seus educandos, valorizando e dando lugar aos seus interesses (PUPPATO, 2019). COMO ENSINAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR? Não existe uma resposta única para essa pergunta. Se assim fosse, estaríamos assumindo que o ensino na educação escolar é uma questão puramente técnica que se resolve seguindo um protocolo. Muito pelo contrário, queremos destacar que o desenvolvimento de propostas de ensino nesses contextos é uma construção profissional que atende, de maneira situada, às condições de cada contexto e dos aprendizes e que visa à transmissão e à apropriação da cultura, promovendo a aprendizagem dos sujeitos. Desse modo, pensar no ensino na educação não escolar é pensar em uma tarefa criativa de imaginar como os aprendizes podem 90 desenvolver um verdadeiro trabalho de apropriação e desenvolvimento de conteúdos e competências. Um aspecto comum dos processos de ensino dentro dos contextos não escolares é que ela deve ser desenvolvida dentro das condições concretas de vida e de trabalho dos educandos. O profissional que desenvolve suas práticas educativas além dos muros da escola não chega aos espaços educativos prontopara aplicar um currículo oficial nem impondo condições para que seus educandos se adaptem às práticas tipicamente escolares. Pelo contrário, ele deve ter sensibilidade para compreender e captar a cultura local e considerá-la como ponto de partida para o processo de aprendizagem. Nas palavras de Gohn (2009, p. 33-34): A escolha dos temas geradores dos trabalhos com uma comunidade não pode ser aleatória ou pré-selecionada e imposta do exterior para o grupo. Eles, temas, devem emergir de temáticas geradas no cotidiano daquele grupo, temáticas que tenham alguma ligação com a vida cotidiana, que considere a cultura local em termos de seu modo de vida, faixas etárias, grupos de gênero, nacionalidades, religiões e crenças, hábitos de consumo, práticas coletivas, divisão do trabalho no interior das famílias, relações de parentesco, vínculos sociais e redes de solidariedade construídas no local. Ou seja, todas as capacidades e potencialidades organizativas locais devem ser consideradas, resgatadas, acionadas. Tomando esse ponto de partida, as estratégias de ensino que podem ser mais apropriadas para a educação não escolar são aquelas que apresentam situações ou cenários promotores de aprendizagem mais do que aquelas que se baseiam no ensino direto de conteúdos. Nessa direção, metodologias fundamentadas na resolução de problemas, nos casos ou nas simulações parecem ser particularmente frutíferas, visto que permitem aproximar os saberes oferecidos às demandas e necessidades concretas dos aprendizes e promovem o trabalho coletivo de procura de soluções para problemas reais. Por sua vez, essas metodologias permitem atender a ritmos e desejos diferenciados (PUPPATO, 2019). QUANDO E ONDE ENSINAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR? Tendo em vista a grande diversidade que caracteriza a educação não escolar, as dimensões temporais e espaciais assumem uma grande relevância. A diferença entre as instituições escolares da educação não escolar é o tempo, que não está controlado por um calendário institucional determinado e que deve ser executado para além dos tempos que a aprendizagem demanda. Fora dos muros da escola, o tempo é uma variável que pode assumir muitos valores, constituindo-se em um recurso que pode ser modificado e ajustado aos processos necessários (PUPPATO, 2019). 91 De maneira similar, o espaço na educação escolar não está preestabelecido ou fixado. Ele se configura para cada sujeito ou grupo ao redor de cada prática pedagógica. Assim, os bancos da praça, a sala de uma vizinha, as escadas da igreja podem transformar-se em espaços educativos. Cada um deles oferece oportunidades e recursos diferenciados que o educador deverá levar em conta. Não é o mesmo planejar práticas educativas em um meio aberto, tal como fazem os educadores de rua, do que planejar práticas educativas dentro de um centro comunitário. Um aspecto importante a considerar é que o próprio espaço onde se desenvolvem as práticas educativas não escolares pode ser considerado como portador de saberes e facilitador do ensino (PUPPATO, 2019). Vejamos isso no boxe que segue. Exemplificando Parte do trabalho didático-pedagógico do educador que atua em ambientes não escolares é descobrir as potencialidades educativas nos diferentes entornos e contextos. Isso significa ser capaz de lançar um novo olhar sobre os entornos para dotá-los de sentido e oportunidades nas quais se destaquem elementos que dignifiquem aos educandos. Alguns exemplos bem-sucedidos disso são: ● O trabalho de reminiscência, com base nas emoções do teatro, com pessoas que têm recebido diagnóstico de Alzheimer. ● A equinoterapia para trabalhar com pessoas que estão dentro do espectro do autismo, procurando o estabelecimento de vínculos afetivos e comunicativos. ● O teatro social com pessoas com deficiência. ● As histórias de vida com pessoas idosas. ● As brincadeiras na água com pessoas com deficiências físicas e motoras. 92 Segundo Parcerisa e Miravalles (2003, p. 83), todas essas propostas têm um denominador comum: elas reformularam o contexto ou o entorno de aprendizagem. O contexto lhes oferece a oportunidade de ser ágeis, de estabelecer outros vínculos comunicativos e afetivos. Será o espaço aberto, o palco, a piscina o que favorece a dignidade da pessoa. Ali elas não são vistas ou consideradas pelas suas carências, mas pelas suas possiblidades. O contexto as capacita, o que permite desenvolver outras visões delas mesmas: sabem interpretar um roteiro de teatro, têm a possiblidade de se locomover como o resto das pessoas pela água e cavalgando, entre outras. Avaliar na educação não escolar ? Quando pensamos em processos de avaliação, as primeiras imagens que nos vêm à mente são medição, seleção, acreditação e medo do fracasso. Contudo, essa não é a única maneira de compreender a avaliação. Segundo Torres (2009), essa concepção de avaliação se baseia em quatro grandes mitos em relação a esse processo. O primeiro deles estabelece que “sem avaliação não é possível melhorar a educação”. Segundo a autora, não é necessário passar por um processo de avaliação estabelecido externamente para melhorar as práticas educativas. Por meio da observação, da experiência direta e da participação concreta os professores conseguem perceber aquilo que funciona e aquilo que não funciona. O segundo mito estipula que “a avaliação contribui por si mesma à melhoria do ensino”. Isso é claramente falso; nossos sistemas educativos formais estão sendo sometidos de maneira cada vez mais frequente de instâncias avaliativas e elas não têm gerado melhoras instantâneas. Já o terceiro mito assume que “avaliação é igual à prova”, e o quarto que “o que precisa ser avaliado são os resultados” sem importar os processos. Em contraposição a esses mitos, Torres propõe pensar a avaliação a partir das seguintes perguntas: como sabemos se estamos indo bem? Como fazemos saber a outros que estamos indo bem? Essas perguntas permitem pensar a avaliação com base em uma perspectiva mais ampla e sem estereótipos. Essa é a perspectiva a partir da qual é frutífero pensar a avaliação na educação não escolar. 93 Assim, pensar a avaliação de práticas pedagógicas que se desenvolvem para além dos muros da escola supõe assumir uma perspectiva formativa para a avaliação. Essa perspectiva desenvolve ações avaliativas destinadas a proporcionar informações úteis para regular o processo de ensino e aprendizagem, contribuindo para a efetivação do ensino. Assim, a avaliação na educação não escolar deve servir, em primeiro lugar, como um instrumento para verificar se as expectativas do educador e dos educandos estão sendo alcançadas ou não. Para tal fim, será necessário promover diálogos permanentes e construir diversos instrumentos que permitam a comunicação e o estabelecimento de acordos entre os envolvidos no processo educativo (CHACÓN-ORTIZ, 2015). A avaliação será, então, “um processo de busca de informação para a tomada de decisões” (PUPPATO, 2019, p. 147). No contexto da educação não escolar, a avaliação não assume o sentido de classificar, sancionar ou acreditar. Ela serve para realizar os ajustes necessários que qualquer prática de ensino demanda. A informação sobre a qual se tomam as decisões emerge tanto da exploração das aprendizagens dos envolvidos como da reflexão conjunta a respeito de como as estratégias propostas contribuíram para alcançar as intenções colocadas originalmente. Desse modo, será possível redirecionar as ações e saberes assim como reformular os propósitos das práticas pedagógicas, caso seja necessário (PUPPATTO, 2019). Nesta seção temos explorado como os elementos pedagógico-didáticos presentes em qualquer processo de ensino-aprendizagem se concretizam nos âmbitos da educação não escolar. Depois dessas reflexões, é possível perceber aspectos em comum com as práticas educativas escolares assim como elementos distintivos. Ao longo destas páginas também mostramos como os conhecimentos didático-pedagógicos são uma ferramenta fundamental para o profissional que atua em contextos para além dos murosda escola. Podemos concluir, então, que, embora ainda não exista uma didática da educação não escolar finalizada e estabelecida, ela é um campo em construção com a capacidade de ampliar a potencialidade educativa dos múltiplos contextos nos quais se desenvolvem cotidianamente processos educativos não escolares. Seção 3 -DESAFIOS DA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR NA ATUALIDADE Agora que já estamos familiarizados com a complexidade das práticas e com o amplo universo que constitui a educação não escolar, podemos refletir a respeito dos desafios que ela enfrenta na atualidade. A educadora Maria da Glória Gohn (2006) pode nos ajudar a iniciar essa reflexão, ao apontar as seguintes lacunas das práticas educativas desenvolvidas para além dos muros da escola: 94 ● É necessário pensar oportunidades de formação específica para educadores nesses âmbitos. ● As funções e objetivos da educação não formal precisam ser mais claramente estabelecidos. ● As metodologias utilizadas no trabalho cotidiano devem ser mais bem sistematizadas. ● É necessário elaborar metodologias que permitam acompanhar o trabalho na educação não formal. ● É preciso criar instrumentos que permitam avaliar e analisar o trabalho realizado nesses ambientes. ● Existe uma demanda para criar metodologias que possibilitem acompanhar o trabalho dos egressos ou das pessoas que já participaram de programas de educação não escolar. Podemos ver, então, que a educação não escolar é um campo que enfrenta múltiplas lacunas e dificuldades, que estão em ressonância com a sua complexidade e amplitude. Nesta seção, focaremos quatro grandes desafios que, em grande parte, abarcam aqueles elencados por Gohn. FORMAR PROFISSIONAIS PARA ATUAR NA EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR A educação não escolar, considerada enquanto cenário de práticas pedagógicas, constitui-se da ação cotidiana dos educadores que, a partir do reconhecimento crítico e contextualizado da realidade onde atuam, desenvolvem suas práticas (SEVERO, 2015). Nesse sentido, é importante ressaltar que a possibilidade de desenvolver propostas educativas de qualidade requer, sem dúvida alguma, profissionais que sejam capazes de ideá-las e implementá-las. Essa ideia ganha ainda mais relevância quando recordamos as complexas competências que os educadores que atuam na educação não escolar precisam mobilizar nas suas práticas diárias. Eles devem ser capazes de ler o contexto em que trabalham, de selecionar conteúdos, de procurar e/ou imaginar metodologias adequadas, de suscitar o desejo de aprender nos seus educandos e a confiança nas suas próprias capacidades, entre outras coisas (MORALES, 2009). Segundo Molina (2009), o trabalho do educador que trabalha em ambientes não escolares deve apoiar o processo de desenvolvimento dos recursos cognitivos, afetivos, sociais e culturais dos seus educandos e, ao mesmo tempo, ajudá-lo a conectar-se e integrar-se com a realidade externa. Fica evidente, então, que a formação de profissionais para atuar na educação não escolar é complexa e multifacetada. Na atualidade, esses processos formativos constituem um grande desafio para essa modalidade educativa devido a diversos motivos profundamente articulados entre si. 95 Em primeiro lugar, não pode ser ignorado o fato de que a educação não escolar vem se constituindo como um espaço em que se inserem educadores leigos, estagiários e/ou professores que realizaram uma formação centrada unicamente nos processos educativos escolares. Logo nas suas primeiras experiências neste novo âmbito, esses atores se defrontam com os desafios de uma área contraditória e complexa. Nesse cenário, muitos projetos desenvolvidos dentro da educação não escolar optam pela formação em serviço como prática preferencial. Esta não nem sempre é a formação mais adequada, uma vez que muitos desses espaços formativos não conseguem encorajar e fortalecer processos coletivos de reflexão e dificilmente logram gestar processos de sistematização acerca dos conhecimentos profissionais dos educadores. Assim, muitas vezes eles acabam se tornando meras rotinas para os quais os educadores destinam horas do seu escasso tempo. Quando percebemos que no âmbito do terceiro setor e dos movimentos sociais há uma oferta cada vez maior de propostas educativas, verificamos a importância da profissionalização dos educadores que atuam nessa modalidade (MOURA, ZUCHETTI, 2009). Assimile Segundo Gómez (2004), o planejamento de programas de educação não escolar requer desenvolver as seguintes atividades: ● Definir as finalidades que pretendem ser alcançadas. ● Estabelecer objetivos que tenham conexão com as finalidades e com as necessidades dos destinatários, atendendo tanto aos aspectos conceituais como aos afetivos e procedimentais. ● Determinar os conteúdos e competências a serem desenvolvidos. ● Selecionar um enfoque metodológico alinhado com as finalidades, os objetivos e os conteúdos. Essa metodologia deve ajudar a tomar decisões acerca do grau de sistematicidade das atuações e do tipo de agrupamentos e de atividades a serem desenvolvidas. ● Escolher técnicas pedagógicas concretas que permitam desenvolver as atividades. ● Estipular quais serão os recursos necessários para o desenvolvimento ótimo do programa. Devem ser considerados os recursos pessoais, técnicos, ambientais, visuais e demais, e especificados os momentos e os tempos previstos para seu uso. ● Prever a distribuição temporal das atividades levando em consideração o orçamento assignado. ● Delinear os critérios e procedimentos de valoração do programa. ● Definir ferramentas que permitam melhorar o programa. Ao explorar o listado de atividades envolvidas no planejamento de um programa educativo em espaços não escolares, é fácil perceber o caráter desafiador de cada uma delas. A realização do planejamento envolve múltiplas atividades fortemente relacionadas, assim como a mobilização de conhecimentos pedagógicos e didáticos 96 aprofundados. O fato de que a educação não escolar acontece em uma multiplicidade de espaços e que precisa se manter flexível às condições variáveis do contexto e dos sujeitos acrescenta mais um elemento desafiador para o planejamento de programas educativos. Finalmente, outros desafios emergem quando consideramos as formas de realizar o acompanhamento das práticas educativas que acontecem em entornos não escolares. No momento da implementação dessas práticas, é necessário desenvolver atividades que permitam refletir a respeito do ritmo das atividades, analisando se elas se adequam ao planejado ou se é necessário realizar modificações, se os recursos estão sendo utilizados de maneira eficiente e se as metodologias empregadas estão se revelando frutíferas. Esse tipo de atividade reflexiva requer tempo, além de uma pessoa que possa coordenar, sistematizar e acompanhar os educadores nesse processo. Um dos grandes desafios em relação ao acompanhamento das práticas educativas nesses cenários é desenvolver sua avaliação dos resultados, desafio que se manifesta em diversos níveis. Em um primeiro nível, a avaliação é desafiadora porque as ações formativas da educação não escolar frequentemente se produzem em interação com centros escolares e estão sujeitas a condicionantes políticos e econômicos daqueles que as financiam. Assim, a avaliação deve considerar o ponto de vista de todos os envolvidos – organismos financiadores, educadores e destinatários – cada um em relação a sua competência e interesses (GÓMEZ, 2004). Em um segundo nível, a avaliação dos processos de aprendizagem dos sujeitos envolvidos é fortemente desafiadora. Ela requer dar resposta a perguntas como: quanto e que foi aprendido? O que aconteceu com as pessoas uma vez finalizado o programa? Quais possibilidades – de trabalho, de novas aprendizagens, de vida – foram abertas a partir das aprendizagens produzidas no programa? Ademais, é necessário considerar que, embora a educação não formal possa ter grande valor e potencial, é necessário que as aprendizagens desenvolvidas “não terminem em ponto morto e habilitem e impulsem novas trajetóriaspara os sujeitos, incluso no sistema formal” (MORALES, 2009, p. 91). FOMENTAR A APRENDIZAGEM DOS DIREITOS HUMANOS PARA A CIDADANIA PLENA Como educadores sabemos que os processos educativos são trajetos muito significativos que as pessoas devem percorrer com o propósito de ampliar suas margens de liberdade, justiça e equidade. Também podemos perceber facilmente que, nas nossas sociedades, “nada ou muito pouco do que somos enquanto pessoas ou coletivos faz sentido sem apelar a nossa condição cidadã” (CARIDE, 2009, p. 454). Assim, nos tornamos quem somos em grande parte porque temos direitos e podemos desfrutar de liberdades, junto com as responsabilidades que vêm associadas, dentro de uma convivência democrática. 97 Esse cenário revela que a educação não escolar tem um compromisso, não só com o desenvolvimento de saberes específicos, mas também com a valorização dos valores cívicos da cidadania, fomentando o protagonismo das pessoas como verdadeiros sujeitos de direitos capazes de refletir, atuar e transformar a sociedade (CARIDE, 2017). Esse é mais um desafio que a educação não escolar enfrenta na atualidade. Fomentar a aprendizagem dos direitos humanos e da cidadania é desafiador porque, em primeiro lugar, tornar-se cidadão requer não só assentir com a cultura, a linguagem e os conteúdos e valores compartilhados pelos nossos grupos sociais. Aprender a ser cidadão requer desenvolver uma base de conhecimentos e uma formação ampla o suficiente para poder analisar, refletir e criticar propostas sociais e políticas, sabendo intercambiar ideias, argumentar e dialogar com outros (CARIDE, 2009). Em segundo lugar, fomentar a aprendizagem da cidadania é desafiador porque requer que nós, enquanto profissionais que atuam na educação não escolar, demos respostas às perguntas mais básicas e fundamentais sobre o nosso papel docente. Perguntas como: qual é a sociedade que queremos construir? Como podemos educar para uma sociedade democrática? Quais são as condições necessárias para poder desenvolver uma educação desse tipo? Como podemos despertar as responsabilidades morais, políticas e cívicas da juventude? (CARIDE, 2017). Essa tarefa se transforma em um grande desafio quando consideramos que nossas sociedades estão imersas em movimentos caóticos e imprevisíveis que geram intensas crises e que submetem grandes grupos a situações de exclusão e marginação. Assim, ao desenvolver práticas educativas não escolares orientadas a populações que se encontram em situação de vulnerabilidade social – portanto, que não têm garantidos os direitos fundamentais de educação, lar, cuidados, contenção, saúde e trabalho –, enfrentamos o grande desafio de fomentar neles não só a aprendizagem de certos conteúdos, mas também a aprendizagem de seus direitos enquanto seres humanos e cidadãos. Nesse contexto, o pedagogo José Antonio Caride (2017) coloca dois grandes estímulos para a educação não escolar na atualidade: ● Educar para a vida a partir da própria vida: esse desafio se refere à necessidade imperiosa de que as ações educativas desenvolvidas para além dos muros da escola promovam saberes, competências e valores que estejam associados ao desenvolvimento sustentável. Isso significa oferecer oportunidades para que nossos educandos tomem consciência da relação de interdependência que existe entre a crise socioambiental e as ações humanas ● Educar em e para a cidadania em uma sociedade em rede: esse desafio comporta conciliar os direitos individuais e o vínculo que cada pessoa estabelece com a comunidade. Assim, a educação não escolar se defronta com o desafio de oferecer oportunidades nas quais os educandos possam tecer laços entre as 98 responsabilidades que eles têm como membros de redes sociais mais amplas e o desenvolvimento da sua liberdade e autonomia individuais. PROMOVER A TRANSFORMAÇÃO E A EMANCIPAÇÃO A partir das reflexões realizadas ao longo de toda esta disciplina, fica claro que a educação não formal tem o potencial de gerar interações entre indivíduos, de promover uma melhor qualidade de vida, de enraizar e recompor identidades, de valorizar culturas marginalizadas, de promover redes afetivas e de (re)conquistar a cidadania (ONOFRIO; JULIA, 2013). Desse modo, as práticas educativas que se desenvolvem para além dos muros da escola favorecem, nos educandos, a construção de novas maneiras de enxergar as realidades sociais e suas expectativas de mudança, estimulando e potenciando suas capacidades de produzir transformações orientadas para metas social e eticamente valiosas (CARIDE, 2009). Podemos dizer, então, que quando olhamos para a educação não escolar sob a ótica da transformação e a emancipação, ela persegue um duplo propósito: ● Promover a inserção e participação ativa de indivíduos e grupos culturais nos seus contextos e territórios conectando-os com as ações culturais, institucionais, políticas e outras que possam contribuir com o seu desenvolvimento pessoal e social. ● Habilitar oportunidades e recursos orientados a enfrentar as necessidades e problemas específicos da população que dificultam, limitam ou condicionam o exercício de seus direitos e liberdades. Esse propósito torna-se ainda mais relevante quando se trata do trabalho com populações em risco que vivem problemas de dependência, conflito, marginação ou exclusão (CARIDE, 2009). Esse duplo propósito coloca a educação não escolar perante grandes desafios que requerem articular diversas ações e cenários de intervenção, de maneira a promover a formação integral dos indivíduos que sejam capazes de se posicionar e discernir a respeito do que consideram melhor para suas vidas e sua sociedade e de promover ações que lhes permitam realizar esses sonhos e desejos. Essa é uma tarefa nada simples. De fato, Caride (2009) associa isso com o objetivo que ele denomina como a promoção de uma educação de hoje para o amanhã, comprometida em explicar o passado. Assim, a promoção da transformação e da emancipação dos indivíduos para os quais a educação não escolar se dirige requer que eles aprendam a interpretar o passado – da condição humana, da civilização e do planeta – e suas complexidades, não como um fim em si mesmo, mas como uma porta para o futuro, mesmo que este se revele incerto, líquido, adverso e incoerente. Isso coloca o grande desafio de “pôr a educação ao serviço de uma nova arquitetura social, que dê respostas para os processos de mudança e transformação emergentes, desde as realidades locais até o mundo globalizado” (CARIDE, 2017, p. 19). 99 Nesta seção temos analisado os grandes desafios que a educação não escolar enfrenta na atualidade. É importante ressaltar que muitos deles se vinculam com as próprias características desta modalidade, com a sua diversidade e complexidade. Considerando a riqueza e a potencialidade das práticas educativas desenvolvidas em âmbitos não escolares e, principalmente, seu caráter transformador, a tarefa de superar tais desafios se mostra urgente, instigante e encorajadora para todo educador. 100