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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA A leishmaniose tegumentar americana é uma doença infecciosa, não contagiosa, de evolução crônica que acomete a pele (tipo “botão do oriente”) e as mucosas (tipo mucocutânea) do nariz, da boca, faringe e laringe. É causada por protozoários do gênero Leishmania e transmitida por insetos (fêmea dos flebotomíneos – mosquito- palha). EPIDEMIOLOGIA Trata-se de um problema de saúde pública, já que se estima incidência anual de aproximadamente 2 milhões de casos novos e 12 milhões de pessoas infectadas no mundo. Dados da OMS apontam que 350 milhões de indivíduos estão expostos ao risco de infecção pelo gênero Leishmania. ❖ Leishmaniose ocupa o 2º lugar entre as protozooses transmitidas por vetores, superada apenas pela malária. ❖ É uma doença de notificação compulsória, assim como a leishmaniose visceral. No território brasileiro, a doença está se disseminando, alcançando todas as regiões, sendo registrados 35.000 novos casos por ano. Atualmente, os maiores focos são a fronteira sul da Amazônia e a região de Foz do Iguaçu. Há 3 perfil epidemiológicos fundamentais de transmissão: Silvestre -> quando o homem penetra na selva e é picado pelo flebótomo infectando, rompendo, assim, acidentalmente o ciclo biológico natural da zoonose, que é representado pela equação: animal silvestre reservatório -> flebótomo fêmea infectada -> animal silvestre sadio, na leishmaniose silvestre. Ocupacional/lazer -> a incidência é predominante no adulto masculino que realiza atividades na floresta. Nestas condições têm- se inúmeros casos. O ciclo passa a ser: animal silvestre reservatório -> flebótomo fêmea infectada -> homem. Periurbana/rural -> a adaptação do vetor ao peridomicílio estabelece o ciclo biológico com participação do animal doméstico ou não e, até mesmo, do homem como reservatório; tem-se: homem ou cão doente -> flebótomo fêmea infectado -> homem suscetível; nesse caso, a LT acomete pessoas de todas as idades e sexos indistintamente. CICLO BIOLÓGICO Os agentes da leishmaniose tegumentar completam seu ciclo biológico envolvendo obrigatoriamente mamíferos, considerados hospedeiros definitivos, e insetos hematófagos da subfamília Phlebotominae, que são os hospedeiros intermediários. No mamífero, o parasita apresenta-se sob a forma aflagelada (amastigota), a qual se multiplica por divisão binária no interior de macrófagos, não somente na pele, mas também nas vísceras de alguns animais. Após o repasto sanguíneo em hospedeito infectado, os amastigotas alcançam o tubo digestivo do flebotomíneo, onde se transformam em promastigotas (formas flageladas que se diferenciam por divisão binária). Cerca de 4 dias depois de se infectar, o inseto já pode transmitir o parasita a um novo hospedeiro. ❖ A infecção no flebotomíneo persiste ao longo de sua vida, perdurando por 4-6 semanas, período em que o inseto pode se alimentar de 2-3x. Os promastigotas inoculados na pele do mamífero retornam à forma amastigota, completando-se o ciclo biológico do protozoário. Hospedeiros acidentais, incluindo o homem, reagem intensamente à presença do invasor, resultando daí o aparecimento das lesões. Muitas vezes, porém, a infecção no homem é inaparente ou se manifesta sob forma de lesão mínima. Além das características ligadas ao hospedeito, fatores relacionados com a espécie parasitária concorrem para a gênese das diferentes formas clínicas da doença. TRANSMISSÃO Os vetores da leishmaniose tegumentar são insetos conhecidos como mosquito-palha. A transmissão ocorre pela picada de fêmeas infectadas desses insetos. No homem, o período de incubação (tempo que os sintomas começam a aparecer desde a infecção) é de, em média, 2-3 meses, podendo apresentar períodos mais curtos, de 2 semanas, e mais longos, de 2 anos. Os clássicos admitem a existência de 4 espécies patogênicas para o homem: L. donovani (calazar indiano e outros), L. chagasi (leishmaniose visceral americana), L. tropica (leishmaniose cutânea) e L. braziliensis (leishmaniose mucocutânea). De acordo com a evolução do parasita no TGI do transmissor, são reconhecidas 3 seções nas quais ele se desenvolve: APG 32 - Leishmaniose Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Hipopilária -> espécies que se desenvolvem apenas na parte posterior. ❖ Peripilária -> espécies que se desenvolvem nas partes anterior e posterior do intestino. ❖ Suprapilária -> espécies que se desenvolvem nas partes anterior e média do intestino. Assim, as Leishmanias foram agrupadas em 2 subgêneros: Leishmania (parasitas que se desenvolvem somente no intestino médio e anterior) e Viannia (desenvolvimento dos parasitas no intestino anterior, médio e posterior do flebotomíneo). Atualmente, há 11 espécies Leishmania produzindo doença no homem. Os principais vetores no Brasil são -> Lutzomyia whitmani, Lu. flaviscutellata, Lu. umbratilis, Lu. intermedia, Lu. migonei, Psychodopygus wellcomei, Ps. ayrozai, Ps. paraensis. Acredita-se que as leishmanias adaptem-se a circunstâncias ecológicas diversas e adquirem características populacionais especiais para cada ambiente, incluindo a duração do foco. FISIOPATOLOGIA A forma clínica da doença apresentada pelo homem decorre não só do tipo de população de Leishmania, mas também das diversas espécies de flebótomos e, sobretudo, do estado imunológico do hospedeiro. A forma parasitária das leishmanias é a amastigota, isto é, ovoide e sem flagelo, intracitoplasmática nos macrófagos; a maior ou menor quantidade de parasitas em determinada lesão vai depender do estado imunitário do hospedeiro. Na histopatologia, verifica-se que as alterações na pele/mucosas variam desde inflamação exsudativa aguda até a formação de granuloma tuberculoide completo. Pode haver infiltração linfo- histocitária ou plasmolinfo-histocitária. As clareiras de Montenegro, ou centros claros de Buss, são acúmulos discretos de células epitelioides; pode ocorrer, ainda, necrose e vasculite necrosante. As leishmanias são encontradas, em geral, em pouca quantidade, no interior dos macrófagos; o achado da leishmania é inversamente proporcional ao tempo de duração da lesão. Essas estruturas dependem, sobretudo, do linfócito T especificamente sensibilizado. Quando há falência imunológica, ou seja, inexistência de linfócitos T específico-sensíveis, observa-se histiocitomatose -> proliferação difusa de macrófagos plenos de leishmanias, como na forma difusa anérgica. A infecção é inicialmente estabelecida na pele após a inoculação de promastigotas metacíclicos infectantes pelo flebótomo -> essas formas infectantes apresentam um revestimento de glicoproteína que lhes confere resistência ao Complemento e permite a sua fixação às células hospedeiras, invadindo-as. Os peptídeos na saliva dos flebotomíneos causam vasodilatação e eritema e ajudam a estabelecer a infecção na camada dérmica da pele. As respostas iniciais à infecção envolvem infiltração por neutrófilos e invasão por macrófagos residentes. Após a inoculação na pele, o parasita é fagocitado por macrófagos do hospedeiro e assuma sua forma amastigota. Por se tratar de um parasita intracelular obrigatório, a imunidade celular (perfil de resposta Th1) tem papel central no controle da infecção. A espécie de Leishmania e a quantidade do inóculo no organismo tem associação com a gravidade da doença. Nos pacientes com resposta Th1 adequada, há produção de interferon-alfa e IL-12, e tendência a formas clínicas limitadas e melhor evolução da doença. ❖ Interferon-alfa é a citocina mais importante na eliminação de parasitas no interior dos fagolisossomos de macrófagos infectados -> ele induz a produção de espécies reativas de O2 e a transformação de células T CD4-naive em células Th1. ❖ IL-12 estimula as células NK a produzirem interferon-alfa.O TNF-α produzido pelos macrófagos e células NK, quando em níveis moderados, também propicia o controle da infecção, ampliando a ativação de macrófagos pelo interferon-alfa – sua produção é estimulada pela IL-12. Já quando há uma deficiência na resposta Th1 ou o desenvolvimento de um padrão de resposta Th2, com produção de IL-4 e IL-10, estão relacionados com as formas mais graves da doença. Essa situação é observada na coinfecção por HIV e Leishmania, em que ocorre mudança da resposta imune celular Th1 para Th2 e, consequentemente, formas mais agressivas, com maior número de lesões, acometimento mucoso mais frequente e pior resposta ao tratamento. ❖ Nesses pacientes, níveis elevados de TNF-α podem estar relacionados com aumento na replicação viral e progressão da infecção pelo HIV para AIDS. A forma anérgica é seletiva com relação à leishmania, visto que em doentes com hanseníase virchowiana (falência de linfócito T específico) já se observou a instalação de leishmaniose hiperérgica. Por outro lado, as leishmanias, isoladas de casos anérgicos e inoculadas em pessoas normais, produziriam leishmaniose alérgica circunscrita. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A lesão da inoculação acontece em áreas expostas, e estas dependem dos hábitos sociológicos de cada região; no Brasil, a localização mais frequente é nos membros inferiores e superiores. A úlcera é a apresentação mais frequente -> é caracteristicamente circular, com bordas elevas e infiltradas (em moldura), fundo com granulação grosseira e avermelhada, recoberta por exsudato. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Essas úlceras involuem espontaneamente após alguns meses (6 a 15), deixando cicatriz atrófica e apergaminhada, pigmentação salpicada, muitas vezes mais intensa na periferia, com arranjo que lembra os raios da roda de uma bicicleta, denunciando o ponto de inoculação nos pacientes com doença já avançada (forma mucosa). Lesões por disseminação hematogênica podem ocorrer em um número variável. São as leishmânides que, normalmente, são lesões habitadas ou podem ser consequentes a antígenos ou restos de leishmania. Na pele, apresentam morfologia variada: papulopustulosas (impetigoides), ulcerocrostosas (ectimatoides), papulofoliculares (liquenoides), tuberosas (micro e macrotuberosas) com arranjos circinados ou em placas de aspecto lupoide, nódulos, vegetantes (úmidas/secas), ulceronodulares e ulcerosas. ❖ Essas lesões hematogênicas podem afetar com maior frequência as mucosas da boca, nariz, laringe, faringe e, menos frequentemente, órgãos genitais e conjuntiva. As lesões não tendem à cura espontânea e são também de morfologia variada -> erosões, exulcerações e infiltrativas, com superfície grosseiramente mamelonada (estomatite “em paralelepípedo). A chamada cruz de Escomel refere-se à interseção dos septos fibrosos do palato que estão poupados e as lesões mamelonadas adjacentes; com o passar do tempo ocorrem úlceras, com destruição do septo cartilaginoso e, às vezes, subsepto, provocando a queda da ponta do nariz (aspecto buldoguiforme). Por vezes, surgem lesões mucosas, destrutivas ou não, meses ou anos após o início da doença, em uma fase em que já não há lesões cutâneas, em que pese o achado eventual de leishmanias na mucosa nasal sem lesão clínica. A mucosa pode estar espessada, edematosa, friável, dolorosa e com odor fétido. Entre as deformidades, tem-se: fácies buldoguiforme, fácies tapiroide, nariz em bico de papagaio e aspecto gangosiforme. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Disfonia, edema de glote, tosse, disfagia, sialorreia são complicações que podem ocorrer. O comprometimento ocular se caracteriza por conjuntivite, ectrópio e cegueira. Mutilações do pavilhão auricular são frequentes na úlcera de los chicleros, comum no México. Osteoartrose deformante ocorre quando há intenso comprometimento ulcerocicatricial. Pode-se observar ainda, lesões tenossinoviais, a eburnizante do córtex dos ossos e osteólise. LEISHMANIOSE CUTÂNEA PRIMÁRIA DIFUSA ANÉRGICA Caracteriza-se por apresentar difusão de lesões por toda a pele, de aspecto predominantemente infiltrativo e tuberoso, assemelhando-se a lesões em paciente virchowiano, quadro histopatológico histiocitomatoide, com riqueza de parasitas, decorrente de deficiência específica seletiva do linfócito T (Montenegro sempre negativo), embora haja atividade do linfócito B (produção de anticorpos séricos). Completam o quadro da evolução crônica, o comprometimento discreto ou ausente de mucosas, ausência de comprometimento visceral e resistência à terapêutica -> recentemente, esse quadro foi descrito no contexto da síndrome de reconstituição imunológica em paciente com AIDS. LEISHMANIOSE PÓS-CALAZAR Assemelha-se à anterior, diferenciando-se pela forma difusa anérgica, no entanto, secundária à infecção visceral. LEISHMANIOSE RECIDIVANTE Consiste no aparecimento de tubérculos em torno de ou sobre as lesões cicatriciais; tem localização preferencial na face. É bastante rara. É a reativação causada por parasitas que ficaram confinados pelo processo cicatricial. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA DIAGNÓSTICO As bases para o diagnóstico são: ❖ Procedência do doente. ❖ Aspectos clínicos das lesões cutâneas tórpidas e das lesões mucocutânea indolores com mínimos sinais de inflamação. ❖ Cicatriz atrófica, ovalar/circular, lisa e brilhante, com pigmentação salpicada no seu interior -> essas cicatrizes muitas vezes denunciam o ponto de inoculação. EXAMES LABORATORIAIS Pesquisa direta da leishmania -> o exame direto corado pelo Giemsa revela as formas amastigotas no interior dos macrófagos; é praticamente 100% positivo, nos casos recentes, e progressivamente negativo com a duração da lesão. ❖ Dificilmente é positivo nas lesões mucosas. Isolamento em cultura in vitro -> o parasita multiplica-se sob a forma promastigotas. A antissepsia da biopsia não deve ser feita com álcool isolado nos casos para cultura, pois o iodo inibe fortemente o crescimento da leishmania. Intradermorreação de Montenegro -> 0,1 mL intradérmico com suspensão de 10 milhões de leptômonas por mL; a resposta positiva é obtida em 48-72hs; às vezes, perdurando por semanas. ❖ O teste pode ser feito ainda com frações antigênicas polissacarídica ou proteica de leishmania. ❖ É altamente específico e muito sensível -> permanece positivo para o resto da vida. ❖ É sempre negativo nas formas anérgicas e pode levar até 6 semanas para se tornar positivo após o início das lesões. Imunofluorescência indireta -> o soro do doente tem anticorpos contra as leishmanias e por reação cruzada contra o T. cruzi; os títulos variam e passam a ter valor diagnóstico a partir de 1/80 e não apresentam correlação com a positividade parasitológica, mas parecem correlacionar-se com o número de lesões e servir como controle de cura. ❖ Nem sempre tem resultado positivo. Reação de fixação de complemento -> é grupo-específica e de pouca sensibilidade, tendo pouco valor diagnóstico. Reação em cadeia da polimerase (PCR) -> pode ser extremamente útil, sobretudo nos casos mucosos. Imunoistoquímica -> utiliza anticorpos mono e policlonais, com maior precisão para descobrir parasitas. Além desses, tem-se: ❖ Inoculação em animais. ❖ Exame histopatológico. LEISHMANIOSE TEGUMENTAR X LEISHMANIOSE VISCERAL Leishmaniose visceral é uma doença infecciosa crônica, produzida por protozoários L. donovani e transmitida por flebotomíneos. Há aproximadamente 500.000 casos por ano. AIDS favorece a sua instalação. ❖ A doença evolui com febre irregular, anemia, desnutrição, estado geral comprometido, hepatoesplenomegalia e linfonodomegalias. Os parasitas induzem a produção sistêmica de TNF-α, citocina responsável por algumas manifestações clínicas como febre,caquexia, anorexia e pancitopenia. Em níveis moderados, TNF-α facilita a eliminação da Leishmania, mas em níveis muito elevados pode provocar expansão dos vasos sanguíneos e extravasamento de fluidos para o interstício, e até choque hipovolêmico. ❖ TNF-α pode ser considerado um marcador prognóstico da leishmaniose visceral. As 2 principais manifestações cutâneas são: Leishmanioma de inoculação -> pode ocorrer no local da picada do flebótomo infectante, e caracteriza-se pode lesão papulosa, nodular ou ulcerada, com numerosos parasitas. ❖ É indistinguível das lesões de inoculação da leishmaniose tegumentar; entretanto, a diferenciação se faz pela confirmação de leishmanias na medula óssea, fígado, baço e sangue. ❖ O teste de Montenegro é negativo. Leishmanoide -> manifesta-se por lesões generalizadas maculares, papulosas ou nodulares que surgem em pacientes com leishmaniose visceral, em vias de cura sob o tratamento específico. ❖ São lesões ricas em leishmanias. ❖ O teste de Montenegro é negativo. ❖ Distingue-se da leishmaniose cutânea difusa primária (LCDP) pelo fato de aparecer em doente com leishmaniose visceral prévia.
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