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Livro- Texto - Unidade III literatura brasileira - prosa

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LITERATURA BRASILEIRA: PROSA
Unidade III
5 PRÉ‑MODERNISMO
O termo Pré‑Modernismo foi criado por Tristão de Ataíde, pseudônimo de Alceu Amoroso Lima, para 
designar o período cultural que antecede a Semana de Arte Moderna de 1922, que foi culturalmente 
marcada pela presença de várias correntes estéticas. Por um lado, tinha‑se o resíduo da proposta rea
lista‑naturalista‑parnasiana e, de outro, a afirmação da poesia simbolista. Na mesma época, tinha‑se 
também uma prosa de ficção tradicionalista, que revelava criticamente as tensões da sociedade brasileira, 
ainda apegada aos moldes do Realismo.
A literatura brasileira atravessou um período de transição nas primeiras décadas do século XX, 
pois nota‑se as influências das tendências artísticas da segunda metade do século XIX ao mesmo 
tempo em que começa a aparecer uma literatura mais problematizadora da realidade nacional. 
Nesse período, caracteristicamente de transição, convivem, portanto, tendências conservadoras e 
inovadoras.
Figura 06 – Belle époque
Os avanços do processo de modernização que garantiram a esse período o epíteto de belle 
époque – a consolidação da República – e o cenário político dominado por São Paulo e Minas 
Gerais (domínio político que ficou conhecido como o período do “café com leite”, referência à 
cafeicultura de São Paulo e à produção do gado bovino de Minas Gerais) mostram a presença 
de uma mentalidade positivista e liberal e de um tradicionalismo voltado muito mais para as 
necessidades dos países europeus.
Por outro lado, a inquietude dos centros urbanos, a urbanização, o crescimento industrial e a imigração 
(que ajuda a formar a classe média reformista) deram origem a uma massa popular insatisfeita e propensa 
a revoltas, pois refletia as novas situações históricas como a abolição, que lançou a população negra 
a uma miséria profunda, uma vez que o país passara a trazer um enorme contingente de imigrantes 
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para trabalhar na lavoura do café e na indústria sem absorver a mão de obra negra disponível desde a 
abolição. Deve‑se somar a isso o fato de que os imigrantes italianos que se concentraram na indústria 
paulista trouxeram consigo ideias anarquistas e socialistas que ocasionaram o aparecimento de greves, 
as crises políticas e a formação de sindicatos.
Não podemos desconsiderar que o panorama histórico‑político foi bastante conturbado na época, 
compreendendo algumas revoluções e fenômenos sociais que foram determinantes para as ideologias 
em conflito que influenciaram a literatura, a saber: a Revolta de Canudos, o fanatismo religioso 
desencadeado por padre Cícero, o fenômeno do cangaço, a revolta contra a vacina obrigatória, a Revolta 
da Chibata e as greves operárias.
A nação se desenvolve à custa de desequilíbrios que, somados às descobertas freudianas 
da teoria do inconsciente, à teoria da relatividade de Einstein e, sobretudo, à influência das 
vanguardas europeias (que veremos mais adiante detalhadamente), culminam para uma “sedução 
do irracionalismo como uma atitude existencial e estética” (BOSI, 1980) sobre o movimento vindouro 
chamado Modernismo.
5.1 Características
O que se convencionou chamar de Pré‑Modernismo no Brasil não constituiu uma escola literária, ou 
seja, não temos um grupo de autores afinados em torno de determinadas características. Pré‑Modernismo 
é o que designa a produção literária que abrange os primeiros 20 anos do século XX.
Não é difícil perceber que o aspecto mais conservador do período está centrado na linguagem, que 
assume poucos arroubos, mantém‑se fiel aos modelos realista‑naturalista e ressuscita um pouco da 
oratória barroca de Vieira, como poderemos ver mais adiante com Euclides da Cunha.
Já o aspecto renovador se encontra numa prosa que se posiciona diante dos problemas sociais e 
culturais, criticando o Brasil arcaico e negando o academicismo dominante.
Quanto às características, percebe‑se um individualismo muito forte que reflete o gosto da classe 
dominante, pouco inovadora e bastante artificial. Ainda que individualistas, podem‑se destacar alguns 
pontos de aproximação desses autores, tais como a denúncia da realidade brasileira, mostrando o Brasil 
não oficial do sertão, dos caboclos e dos subúrbios; o regionalismo (Norte e Nordeste com Euclides, Vale 
do Paraíba e interior paulista com Lobato, Espírito Santo com Graça Aranha e subúrbio carioca com Lima 
Barreto); e a presença de tipos humanos marginalizados: o sertanejo, o nordestino, o mulato, o caipira 
e o funcionário público.
5.2 Autores
Os autores do período de transição conhecido como Pré‑Modernismo têm significado artístico 
principalmente por assumirem uma postura mais nacionalista que se volta para os problemas concretos 
do país, revelando suas carências sociais, políticas e culturais. Esses autores deixam de lado as fórmulas 
europeias.
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LITERATURA BRASILEIRA: PROSA
Euclides da Cunha (1866‑1909)
O autor exerceu a função de engenheiro civil no meio militar. Foi membro da Academia Brasileira 
de Letras do Instituto Histórico e catedrático em Lógica pelo Colégio Dom Pedro II. Escreveu Os Sertões 
testemunhando a Guerra de Canudos como correspondente jornalístico. Envolvido num grande escândalo 
familiar, foi morto em duelo pelo amante da esposa quando tinha 43 anos.
Euclides da Cunha, influenciado pelos conceitos positivistas, foi o primeiro escritor brasileiro a tentar 
“diagnosticar” o subdesenvolvimento do país, demonstrando a existência de dois Brasis: o do litoral e o 
do sertão. Aquele sendo civilizado e este, inóspito e atrasado.
As principais obras do autor são: Os Sertões (1902); Contrastes e confrontos (1906); Peru versus 
Bolívia (1907); Castro Alves e seu tempo (1908); À margem da história (1909); e Canudos: diário de uma 
expedição (1939).
Os Sertões
Passemos agora a um breve estudo da obra de maior relevância de Euclides da Cunha.
Os Sertões é uma das obras‑primas da literatura brasileira, pois é a primeira obra a denunciar a 
miséria, escondida pelo governo republicano, e o subdesenvolvimento das regiões mais recônditas do 
país. Está dividido em: A Terra, O Homem e A Luta. Vejamos alguns trechos dessa obra.
A terra
As caatingas
Então, a travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma 
estepe nua.
Nesta, ao menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a 
perspectiva das planuras francas.
Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia‑lhe o olhar; agride‑o e 
estonteia‑o; enlaça‑o na trama espinescente e não o atrai; repulsa‑o com 
as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças; 
e desdobra‑se‑lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto desolado: 
árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, 
apontando rijamente no espaço ou estirando‑se flexuosos pelo solo, 
lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante...
Embora esta não tenha as espécies reduzidas dos desertos — mimosas 
tolhiças ou eufórbias ásperas sobre o tapete das gramíneas murchas 
— e se afigure farta de vegetais distintos, as suas árvores, vistas em 
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conjunto, semelham uma só família de poucos gêneros, quase reduzida 
a uma espécie invariável, divergindo apenas no tamanho, tendo todas 
as mesmas conformações, a mesma aparência de vegetais morrendo, 
quase sem troncos, em esgalhos logo ao irromper do chão. É que por um 
efeito explicável de adaptação às condições estreitas do meio ingrato, 
evolvendo penosamente em círculos estreitos, aquelas mesmo que tanto se 
diversificam nas matas ali se talham por um molde único. Transmudam‑se, 
e em lenta metamorfose vão tendendo para limitadíssimo número de 
tipos caracterizados pelosatributos dos que possuem maior capacidade 
de resistência.
Esta impõe‑se, tenaz e inflexível.
A luta pela vida, que nas florestas se traduz como uma tendência irreprimível 
para a luz, desatando‑se os arbustos em cipós, elásticos, distensos, fugindo 
ao afogado das sombras e alteando‑se presos mais aos raios do Sol do que 
aos troncos seculares de ali, de todo oposta, é mais obscura, é mais original, é 
mais comovedora. O Sol é o inimigo que é forçoso evitar, iludir ou combater. 
E evitando‑o pressente‑se de algum modo, como o indicaremos adiante, a 
inumação da flora moribunda, enterrando‑se os caules pelo solo. Mas como 
este, por seu turno, é áspero e duro, execrado pelas drenagens dos pendores 
ou esterilizado pela sucção dos estratos completando as insolações, entre 
dois meios desfavoráveis — espaços candentes e terrenos agros‑as plantas 
mais robustas trazem no aspecto anormalíssimo, impressos, todos os 
estigmas desta batalha surda (CUNHA, 1995).
Os estudos de Euclides da Cunha vão além de mero apanhado geográfico, o seu texto já esboça o 
que acredita ser a causa da seca. Suas descrições, que extrapolam o cientificismo, recebem tratamento 
literário que, por vezes, resvalam num rebuscamento barroco.
O homem
De sorte que o mestiço – traço de união entre as raças, breve existência 
individual em que se comprimem esforços seculares – é quase sempre um 
desequilibrado. (...) E o mestiço – mulato, mameluco ou cafuzo – menos 
que um intermediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes 
selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores.
Contrastando com esta quase impossibilidade do mestiço para a civilização 
moderna, os sertanejos nordestinos (embora também resultantes de amplo 
caldeamento étnico) seriam diferentes por terem se isolado no grande 
interior do país. Abandonados há três séculos, sem contatos maiores com 
o litoral desenvolvido, “nossos patrícios retardatários” – inversamente aos 
mestiços urbanos – não haviam sido corrompidos:
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LITERATURA BRASILEIRA: PROSA
O abandono em que jazeram teve função benéfica. Libertou‑os da adaptação 
penosíssima a um estágio social superior e, simultaneamente, evitou que 
descambassem para as aberrações e vícios dos meios mais adiantados.
Por isso, apesar de seu atraso mental, o sertanejo surge como um titã:
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos 
mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista revela o contrário. 
Falta‑lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das 
organizações atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules‑Quasímodo, reflete no aspecto 
a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase 
gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. 
Agrava‑o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência 
que lhe dá um caráter de humildade deprimente. (...)
É um homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra 
remorada, no gesto contrafeito, no andar desprumado, na cadência langorosa 
das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.
Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.
Naquela organização combalida operam‑se, em segundos, transmutações 
completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo‑lhe o 
desencadear das energias adormidas. O homem transfigura‑se. Empertiga‑se; 
(...) e corrigem‑se‑lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos 
os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do 
tabaréu canhestro, reponta inesperadamente o aspecto dominador de um 
titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e 
agilidade extraordinárias (CUNHA, 1995).
Euclides da Cunha define o sertanejo valendo‑se de uma visão determinista do ser humano que 
habita o sertão brasileiro e procura demonstrar que elementos étnicos e geográficos corroboram a sua 
índole, costurando sua descrição por meio de uma teoria evolucionista.
Aqui, temos uma linguagem trabalhada com esmero, brincando com antíteses e paradoxos, até 
chegar à característica essencial do sertanejo: a contradição ilustrada pelo termo Hércules‑Quasímodo, 
que junta o semideus grego, notório por sua força física, ao deformado corcunda do romance de Victor 
Hugo, Nossa Senhora de Paris.
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A luta
Foi a salvação. Os matutos conjuntos à roda dos símbolos sacrossantos, 
no largo, começaram de ser fuzilados em massa. Baquearam em grande 
número; e tornou‑se‑lhes a luta desigual a despeito da vantagem numérica. 
Batidos pelas armas de repetição opunham um disparo de clavinote a cem 
tiros de Comblain. Enquanto o soldado os alvejava em descargas nutridas, os 
jagunços revolviam os aiós, tirando sucessivamente a pólvora, a bucha e as 
balas do demorado processo da carga de seu armamento grosseiro; enfiando 
depois pelo cano largo do trabuco a vareta; cevando‑o devagar, socando lá 
dentro aqueles ingredientes como se enchessem uma mina; escorvando‑o 
depois; aperrando‑o afinal, e ao cabo disparando‑o; realizando o heroísmo 
de uma imobilidade de dois minutos na estonteadora ebriez do tiroteio...
Renunciaram, por isto, transcorrido algum tempo, à operação inexequível. 
Caíram sobre os contrários, de facão desembainhado e ferrão em riste, 
vibrando as foices reluzentes.
Mas foi‑lhes ainda nefasta esta arremetida doida. Rareavam‑se‑lhes as 
fileiras sem vantagem contra adversários abrigados, ou aparecendo de 
golpe nas janelas, que se abriam em explosões de descargas. Numa delas, 
um alferes, serodiamente espertado, bateu‑se longo tempo, quase desnudo, 
abocando, sobre o peitoril, a carabina ao peito dos assaltantes, sem errar 
um tiro; até cair morto, sobre o leito em que dormira e não tivera tempo de 
deixar.
O conflito continuou deste modo, ferozmente, cerca de quatro horas, sem 
episódios dignos de nota e sem vislumbrar um único movimento tático; 
batendo‑se cada um por conta própria, consoante as circunstâncias. No 
quintal da casa em que se aboletara, o comandante se ateve à missão única 
compatível com a desordem: distribuía, jogando‑os por sobre a cerca, cartuchos, 
sofregamente retirados, às mancheias, dos cunhetes abertos a machado.
[...] Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda história, resistiu até o 
esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, [...] caiu no dia 5, ao 
entardecer, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. 
Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente 
dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados (CUNHA, 1995).
A luta é a parte mais importante da narrativa de Euclides da Cunha, pois é nela que se encerra a 
contradição da imagem que o governo queria passar sobre a Guerra de Canudos, revelando‑a como 
um foco de banditismo – o “crime de uma nacionalidade inteira”, segundo as palavras de Euclides da 
Cunha. A luta segue um desenvolvimento linear da batalha e das expedições mandadas pelo governo, 
que foram quatro, até o destino fatal do arraial.
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LITERATURA BRASILEIRA: PROSA
Ao fim da batalha, como se pode observar pela última parte do texto anterior, o autor, em sua 
descrição do final dessa guerra, não se exime de julgar o que fica implícito nas duas últimas linhas.
Para finalizar esse breve estudo sobre Os Sertões, veja uma das descrições que Euclides da Cunha faz 
de Antonio Conselheiro:
O isolamento do sertanejo o mantém preso a valores arcaicos como 
o messianismo, sobremodo em sua feição sebastianista. A “tutela 
do sobrenatural” rege a vida cotidiana e as vicissitudes do meio 
intensificam a religiosidade e a consciência mágica do mundo. Um 
mundo de profetas, de iluminados, de místicos que,nas cidades da 
Costa, seriam considerados loucos, mas que ali, naquela civilização 
imobilizada na História, eram os líderes naturais, expressando os 
valores da comunidade [...].
Todas as crenças ingênuas, do fetichismo bárbaro às aberrações católicas, 
todas as tendências impulsivas das raças inferiores, livremente exercidas 
na indisciplina da vida sertaneja se condensaram no seu misticismo feroz 
e extravagante. Ele foi, simultaneamente, o elemento ativo e passivo da 
agitação que surgiu.
Julgada a partir de padrões urbanos, a sua figura é bizarra:
E surgiu na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até os ombros, 
barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, 
dentro de um hábito azul de brim americano. (...)
O asceta despontava inteiriço, da rudeza disciplinar de quinze anos de 
penitência. Requintara nessa aprendizagem de martírios, que tanto 
preconizam os velhos luminares da Igreja. Vinha do tirocínio brutal da 
fome, da sede, das fadigas, das angústias recalcadas e das misérias fundas. 
Não tinha dores desconhecidas. A epiderme seca rugava‑se‑lhe como uma 
couraça rota sobre a carne morta (CUNHA, 1995).
Graça Aranha (1866‑1931)
Diplomata e fundador da Academia Brasileira de Letras, José Pereira da Graça Aranha nasceu em 21 
de junho de 1868, na capital do Maranhão. Formado em direito, exerceu a magistratura no interior do 
Espírito Santo, fato que lhe iria fornecer matéria para um de seus mais renomados romances, Canaã, 
publicado com grande sucesso em 1902. Em 1911, publicou na França o drama Malazarte e, em 1922, 
participou da Semana de Arte Moderna.
Em 18 de outubro de 1924, Graça Aranha comunicou o seu desligamento da Academia por ter 
sido recusado o projeto de renovação que elaborara: “A Academia Brasileira morreu para mim, como 
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também não existe para o pensamento e para a vida atual do Brasil. Se fui incoerente aí entrando e 
permanecendo, separo‑me da Academia pela coerência” (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, s. d.).
Graça Aranha faleceu no Rio de Janeiro, em 26 de janeiro de 1931.
As principais obras do autor são: Canaã (1902), Malazarte (1911), Estética da vida (1921), 
Correspondência de Machado de Assis e Joaquim Nabuco (1923), O espírito moderno (1924), Manifesto 
de Marinetti e seus companheiros (1926), A viagem maravilhosa (1929) e O meu próprio romance 
(1931).
Afonso Henriques de Lima Barreto (1881‑1922)
Nascido de pai português e de mãe escrava, mulato, pobre, mas afilhado do Visconde do Ouro 
Preto, ingressou aos 15 anos na Escola Politécnica. Sofreu toda sorte de humilhações e preconceitos 
e, quando estava no terceiro ano, teve de trabalhar e sustentar a família, pois o pai enlouquecera. 
Prestou concurso para escriturário no Ministério da Guerra, permanecendo nessa modesta função até 
se aposentar.
Influenciado por autores russos, Lima Barreto viveu intensamente as contradições sociais do início 
do século. Alcoólatra, passou por crises depressivas e foi internado por duas vezes.
As principais obras do autor são:
• romances: Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909); Triste fim de Policarpo Quaresma 
(de 1915 e inicialmente publicado como folhetim); Numa e Ninfa (1915); Vida e morte de M. J. 
Gonzaga e Sá (1919) e Clara dos Anjos (1948);
• contos: História e Sonhos (1956) e O homem que sabia javanês e outros contos (1911);
• sátira política e literária: Os bruzundangas (1923) e Coisas do reino do jambon (1956);
• humor: Aventuras do Dr. Bogoloff (1912);
• artigos e crônicas: Feiras e Mafuás (1956) e Bagatelas (1956);
• crônicas sobre folclore urbano: Marginália (1956) e Vida urbana (1956);
• memórias: Diário íntimo (1956) e Cemitério dos vivos (1956).
Triste fim de Policarpo Quaresma é a obra que garante notoriedade a Lima Barreto. Vejamos agora 
um trecho dessa obra, outro exemplo da literatura pré‑modernista no Brasil:
Mas, como é que ele tão sereno, tão lúcido, empregara sua vida, gastara 
o seu tempo, envelhecera atrás de tal quimera? Como é que não viu 
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LITERATURA BRASILEIRA: PROSA
nitidamente a realidade, não a pressentiu logo e se deixou enganar por um 
falaz ídolo, absorver‑se nele, dar‑lhe em holocausto toda a sua existência? 
Foi o seu isolamento, o seu esquecimento de si mesmo; e assim é que 
ia para a cova, sem deixar traço seu, sem um filho, sem um amor, sem 
um beijo mais quente, sem nenhum mesmo, e sem sequer uma asneira! 
(BARRETO, 1998).
Esse trecho faz parte da reflexão que Quaresma tece sobre a própria trajetória. Vale compará‑lo com 
outro defunto, o machadiano Brás Cubas, que, no último capítulo do livro de suas memórias, afirma: 
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria” (ASSIS, 1998). Aqui, a 
reflexão perde a agudeza irônica de Machado e se mostra repleta de uma negatividade prolixa e de 
autocomiseração.
Em todos os textos de Lima Barreto, percebe‑se um traço autobiográfico, principalmente por meio 
dos personagens negros ou mestiços ou ainda de humildes funcionários públicos, alcoólatras e miseráveis 
que sofrem preconceitos.
Seus romances retratam o subúrbio carioca e denunciam a miséria das favelas, dos cortiços, 
enfim, criticam o abandono dos mais pobres pela camada governante dominada pela elite. 
Posiciona‑se contra o nacionalismo ufanista, a educação discriminatória das mulheres e contra a 
república militarista.
Em função da temática e da construção dos personagens, Lima Barreto adota uma linguagem 
simples, mas bastante comunicativa, que se opõe à linguagem academicista do beletrismo, sendo, 
por vezes, panfletária. Fugiu à influência europeia e aproximou‑se da literatura russa de caráter 
socialista.
Monteiro Lobato (1882‑1948)
Monteiro Lobato foi homem de diversas atividades: foi escritor, editor, relojoeiro, fazendeiro, promotor, 
industrial, comerciante, professor, adido comercial etc. Formado em direito, também participou de 
grupos e jornais literários.
Lobato fundou a editora Monteiro Lobato e promoveu enormes inovações no mercado editorial. 
No ano de 1925, fundou a Companhia Editora Nacional e começou a escrever sua obra de literatura 
infantil.
Publicou no jornal O Estado de São Paulo uma crítica contra a pintora Anita Malfatti que, influenciada 
pelo cubismo europeu, fez a primeira exposição de caráter modernista no Brasil. A partir dessa crítica, 
intitulada Paranoia ou Mistificação?, Lobato passou a expressar uma postura agressiva contra as novas 
tendências artísticas do século XX.
Veja a seguir o quadro O homem de sete cores (1915‑1916), de Anita Malfatti, e um trecho da 
crítica:
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Figura 7 – O homem de sete cores
Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum. Poucas vezes, 
através de uma obra torcida em má direção, se notam tantas e tão preciosas 
qualidades latentes. Percebe‑se, de qualquer daqueles quadrinhos, como a 
sua autora é independente, como é original, como é inventiva, em que alto 
grau possui umas tantas qualidades inatas, das mais fecundas na construção 
duma sólida individualidade artística.
Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou 
nos domínios de um impressionismo discutibilíssimo, e pôs todo o seu talento 
a serviço duma nova espécie de caricatura.
Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não 
passam de outros ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a 
regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da 
forma – mas caricatura que não visa, como a verdadeira, ressaltar uma idéia, 
mas sim desnortear, aparvalhar, atordoar a ingenuidade do espectador.
A fisionomia de quem sai de uma de tais exposições é das mais sugestivas.
Nenhuma impressão de prazer ou de beleza denunciam as caras; em todasse lê o desapontamento de quem está incerto, duvidoso de si próprio e dos 
outros, incapaz de raciocinar e muito desconfiado de que o mistificaram 
grosseiramente (LOBATO, 1917).
Em contrapartida, Lobato foi um visionário em relação ao petróleo, pois, em uma época em que todos 
diziam que o Brasil não tinha petróleo, Monteiro Lobato empreendia campanhas a favor da exploração 
das riquezas do subsolo: petróleo e minérios. Apostando nisso, fundou a Companhia de Petróleo do 
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Brasil, opondo‑se ao monopólio internacional. Lobato acabou na cadeia, perseguido pela ditadura de 
Getúlio Vargas.
Apesar de sua criação mais famosa ser O sítio do pica‑pau amarelo, uma obra infanto‑juvenil, para 
nossos estudos interessa mais sua obra para adultos, que retrata o Brasil contraditório do início do 
século XX, dividido entre o tradicionalismo agrícola e a modernização das máquinas.
Sua principal personagem, Jeca Tatu, espelha o Brasil atrasado do homem do campo inculto e 
desamparado pelo governo. Sem saúde e sem educação, o caipira se mostra enfraquecido pela miséria e 
pelo descaso e desiludido em relação ao seu próprio futuro, o que revelava um posicionamento avesso 
ao ideal de progresso que o governo, à época, tentava passar.
Monteiro Lobato faleceu na cidade de São Paulo, no dia 04 de julho de 1948, e suas principais obras 
são:
• contos: Urupês (1919), Ideias de Jeca Tatu (1918), Cidades mortas (1919), Negrinha (1920), Mundo 
da Lua (1923), O Macaco que se fez homem (1923) e O choque das raças ou o presidente negro 
(1926);
• jornalismo: A onda verde (1921) e Problema vital (1946);
• epistolografia e crítica: Mr. Slang e o Brasil (1929), Ferro (1931), América (1932), Na antevéspera 
(1932), O escândalo do petróleo (1936) e A barca de Gleyre (1944);
• literatura infantil: Reinações de Narizinho, Viagem ao céu, O Saci, Caçadas de Pedrinho, Hans 
Staden, Histórias do mundo para crianças, Memórias de Emília, Peter Pan, Emília no país da 
gramática, Aritmética de Emília, Geografia de Dona Benta, Serões de Dona Benta, História das 
invenções, D. Quixote para as crianças, O poço do Visconde, Histórias de Tia Nastácia, O Pica‑pau 
amarelo, A reforma da natureza, O minotauro, Fábulas, Os doze trabalhos de Hércules e O Marquês 
de Rabicó.
Leiamos um conto de Monteiro Lobato, de sua produção adulta, para ilustrar como suas ideias 
corroboraram o momento de transição na literatura. O conto que vamos ler chama‑se Negrinha e foi 
publicado em 1920.
Negrinha
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de 
cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos, vivera‑os pelos cantos 
escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa 
não gostava de crianças.
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Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, 
com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas 
no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas 
e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma 
— “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o 
reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha‑lhe os nervos em carne viva. Viúva 
sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o 
choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo 
nervosa:
— Quem é a peste que está chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava 
a boquinha da filha e afastava‑se com ela para os fundos do quintal, torcendo‑lhe em 
caminho beliscões de desespero.
— Cale a boca, diabo!
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses 
que entanguem pés e mãos e fazem‑nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã 
aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a 
idéia dos grandes. Batiam‑lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, 
a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não 
andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa 
senhora punha‑a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.
— Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha imobilizava‑se no canto, horas e horas.
— Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o 
relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu 
divertimento vê‑lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as 
asas. Sorria‑se então por dentro, feliz um instante.
Puseram‑na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.
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Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, 
diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata‑choca, pinto gorado, mosca‑morta, sujeira, 
bisca, trapo, cachorrinha, coisa‑ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que 
a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na berra, como 
a grande novidade, e Negrinha viu‑se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a 
palavra. Perceberam‑no e suprimiram‑na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho 
só na vida — nem esse de personalizar a peste...
O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa 
todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, 
cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de 
dedos comichassem um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De 
passagem. Coisa de rir e ver a careta...
A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, 
fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o 
bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco e 
qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se 
engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...
O 13 de Maio tirou‑lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. 
Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar‑se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão 
fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: 
o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o 
sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do 
umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés 
e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” 
nada melhor!
Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo 
maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela 
história do ovo quente.
Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um 
pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta 
— atirou‑lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.
— “Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.
Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou‑se.84
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— Eu a curo! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua 
choca, a rufar as saias.
— Traga um ovo.
Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô‑lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando‑se 
na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam 
a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula alguma coisa de nunca 
visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:
— Venha cá!
Negrinha aproximou‑se.
— Abra a boca!
Negrinha abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, 
tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, 
suas mãos amordaçaram‑na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo 
nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:
— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?
E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que 
chegava.
— Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, 
filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!
— A caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora – murmurou o padre.
— Sim, mas cansa...
— Quem dá aos pobres empresta a Deus.
A boa senhora suspirou resignadamente.
— Inda é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, 
lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu‑as irromperem pela casa como dois anjos 
do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou 
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imediatamente para a senhora, certa de vê‑la armada para desferir contra os anjos invasores 
o raio dum castigo tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ria‑se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo 
mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha 
levantou‑se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.
Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e 
nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga”?
Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral, sofrimento novo 
que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou‑se no cantinho de 
sempre.
— Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.
— Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não 
me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é 
grande, brinquem por aí afora.
— Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no canto, a 
dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco.
Chegaram as malas e logo:
— Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.
Uma criada abriu‑as e tirou os brinquedos.
Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara 
coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos 
amarelos... que falava “mamã”... que dormia...
Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome 
desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
— É feita?... — perguntou, extasiada.
E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar 
sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão, o ovo quente, tudo, e 
aproximou‑se da criatura de louça. Olhou‑a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo 
de pegá‑la.
As meninas admiraram‑se daquilo.
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— Nunca viu boneca?
— Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama‑se Boneca?
Riram‑se as fidalgas de tanta ingenuidade.
— Como é boba! — disseram. — E você como se chama?
— Negrinha.
As meninas novamente torceram‑se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha 
perdurava, disseram, apresentando‑lhe a boneca:
— Pegue!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura santo 
Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor 
menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. 
Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho 
de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a 
patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando 
a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a 
força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira 
vez na vida foi mulher. Apiedou‑se.
Ao percebê‑la na sala Negrinha havia tremido, passando‑lhe num relance pela cabeça a 
imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor 
assomaram‑lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas 
palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais 
a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. 
E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida 
da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. 
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Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina 
eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como 
fulgurante flor de luz. Sentiu‑se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa 
— e doravante ser‑lhe‑ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se 
vibrava!
Assim foi — e essa consciência a matou.
Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa 
voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia‑se outra, inteiramente 
transformada.
Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de 
coração, amenizava‑lhe a vida.
Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de 
susto que tinha nos olhos. Trazia‑os agora nostálgicos, cismarentos.
Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso 
inferno, envenenara‑a.
Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, 
tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos 
da imaginação. Desabrochara‑se de alma.
Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, 
entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou‑a de bonecas, todas louras, 
de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam‑lhe em torno, numa farândola 
do céu. Sentia‑se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.
Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, 
num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca 
aberta.
Mas, imóvel, sem rufar as asas.
Foi‑se apagando. O vermelho da goela desmaiou...
E tudo se esvaiu em trevas.
Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinhade terceira — 
uma miséria, trinta quilos mal pesados...
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E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das 
meninas ricas.
— “Lembras‑te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”
Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.
— “Como era boa para um cocre!...” (LOBATO in MORICONI, 2000).
Nesse conto, a menina, Negrinha, retrata o brasileiro sem esperanças e miserável e com uma 
identidade que “não tem importância”: não tem nome, nem mãe, nem carinho.
Vive escorraçada por D. Inácia, a dona da casa, que, apesar de não possuir mais escravos porque a 
abolição já ocorrera, ainda mostra‑se como uma senhora de escravos e trata Negrinha como um animal 
que está ali para satisfazer seus impulsos sádicos.
Assim, o conto toca numa ferida aberta nessa sociedade progressista e pós‑abolição: a situação do 
negro, completamente marginalizado.
Diante da possibilidade de felicidade, que só aparece quando descobre o brincar, Negrinha tem seu 
momento de curta epifania condicionado à estadia das sobrinhas de D. Inácia, portanto, esse momento 
acaba quando elas se vão.
É isso que leva Negrinha à morte, pois ela se recusa à vida que lhe é imposta. Negrinhas se recusa a 
viver sem felicidade e sem esperança, assim, adoece e morre.
O texto propõe uma profunda reflexão acerca da sociedade e coloca em evidência o problema do 
negro completamente alijado, sem perspectivas como Negrinha, ou seja, colocado em um canto para 
que não incomode ninguém.
6 MODERNISMO
6.1 As vanguardas
O início do século XX foi um período de grande efervescência cultural cujos avanços tecnológicos 
– como o telefone, o rádio e a eletricidade – e científicos acirraram a luta pelos mercados financeiros e, 
consequentemente, pelo domínio de territórios. Em meio a essa revolução cultural, eclodiu a Primeira 
Guerra Mundial (1914 ‑1918).
O grande desenvolvimento técnico e científico não foi suficiente para aplacar as agitações sociais 
e políticas desencadeadas pela Primeira Guerra Mundial. Repleta de conflitos, a sociedade se mostrava 
em crise, desencadeando oposições entre as classes: de um lado, a burguesia e o sucesso da economia 
industrial, de outro, o proletariado descontente com a situação de desemprego, fato intensificado pela 
quebra da bolsa de Nova York, em 1929.
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Todo esse conturbado período exigia modos de expressão que fossem capazes de representar o caos 
que se estabelecia.
As manifestações artísticas, no início do século XX, evidenciavam a necessidade de atualização interna 
da arte de um modo geral, alinhando‑se com os movimentos externos e com as novas tendências para 
conseguir expressar o novo século. Essa necessidade de modernização também buscava romper com o 
simbolismo e as ordens estéticas anteriores e exerceu preciosa influencia no Modernismo brasileiro.
 Lembrete
A palavra vanguarda vem do francês avant‑garde e significa estar à 
frente. Politicamente ou artisticamente, atribui‑se esse nome às correntes 
ou grupos que apresentam propostas inovadoras.
O termo moderno designa tudo o que se opõe ao tradicionalismo clássico 
e valoriza o indivíduo, a subjetividade e a atitude crítica, defendendo assim 
a renovação do pensamento.
6.1.1 Cubismo (1907)
Figura 8 – Les mademoiselles d’Avignon, de Pablo Picasso
O Cubismo representa uma revolução estética e técnica, pois rompe com os princípios da tradição 
clássica e busca novas soluções para a arte como a decomposição, a fragmentação e a geometrização 
das imagens e formas, fazendo experiências com a perspectiva e, negando, assim, a objetividade e a 
linearidade.
O movimento tem início na França, em 1907, com Pablo Picasso e o quadro Les mademoiselles 
d’Avignon, embora o marco seja em 1913, com o manifesto assinado por Guillaume Apollinaire, poeta 
francês que propunha a destruição das sintaxes desgastadas em busca das “palavras em liberdade”.
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Os cubistas introduziram a colagem como componente do objeto artístico, construindo a obra a 
partir de diferentes materiais como figuras, jornais, madeira etc. e buscando a visão simultânea de 
ângulos diferentes do mesmo objeto.
Dentre as experiências cubistas, temos as experimentações visuais do poeta Apollinaire, que 
explorou a disposição espacial e gráfico do poema – técnica que influenciaria, mais tarde, os poetas do 
concretismo:
reconheça
essa adorável pessoa é você
sem o grande chapéu de palha
olho
nariz
boca
aqui o oval do seu rosto
seu lindo pescoço
 um pouco
 mais abaixo
 é seu coração
 que bate
aqui enfim
a imperfeita imagem
de seu busto adorado
visto como
se através de uma nuvem (APPOLINAIRE, 2008)
6.1.2 Futurismo (1909)
Figura 9 – Sculptural construction of noise and speed (1914 ‑1915 reconstruída em 1968)
A vanguarda futurista propunha a exaltação da vida urbana, da eletricidade, do automóvel, da 
velocidade, da máquina e a abolição ao passado. Defendia, portanto, um dinamismo que pudesse 
representar o ritmo do mundo moderno.
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Idealizado por Filippo Tommaso Marinetti a partir da publicação do Manifesto Futurista (1909), 
o Futurismo surgiu como uma forma de superar as novas tendências e correntes artísticas de então, 
adiantando‑se a todas elas. Entretanto, a exaltação à guerra e seu menosprezo às mulheres aproximou 
ideologicamente o Futurismo do fascismo italiano.
Leia agora um fragmento do manifesto supracitado e perceba sua irreverência e como suas ideias 
buscam chocar para romper com a literatura passadista:
Manifesto Futurista de 1908 (publicado em 1909)
Então, com o vulto coberto pela boa lama das fábricas – empaste de escórias metálicas, 
de suores inúteis, de fuligens celestes –, contundidos e enfaixados os braços, mas impávidos, 
ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra:
1. Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
3. Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar 
o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o murro.
5. Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, 
lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita.
 6. O poeta deve prodigalizar‑se com ardor, fausto e munificência, a fim de aumentar o 
entusiástico fervor dos elementos primordiais.
 7. Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode 
ser uma obra‑prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as 
forças ignotas para obrigá‑las a prostrar‑se ante o homem.
 8. Estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveremos de olhar para trás, se 
queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram 
ontem. Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna velocidade onipresente.
 9. Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo ‑, o militarismo, o patriotismo, 
o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo da 
mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo, e combater o 
moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.
 
11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; 
cantaremos a maré multicor e polifônica das revoluções nas capitais modernas; 
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cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiadospor 
violentas luas elétricas: as estações insaciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes: 
as fábricas suspensas das nuvens pelos contorcidos fios de suas fumaças; as pontes 
semelhantes a ginastas gigantes que transpõem as fumaças, cintilantes ao sol com um 
fulgor de facas; os navios a vapor aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas 
de amplo peito que se empertigam sobre os trilhos como enormes cavalos de aço 
refreados por tubos e o voo deslizante dos aeroplanos, cujas hélices se agitam ao vento 
como bandeiras e parecem aplaudir como uma multidão entusiasta.
É da Itália que lançamos ao mundo este manifesto de violência arrebatadora e incendiária 
com o qual fundamos o nosso Futurismo, porque queremos libertar este país de sua fétida 
gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários.
Há muito tempo a Itália vem sendo um mercado de belchiores. Queremos libertá‑la dos 
incontáveis museus que a cobrem de cemitérios inumeráveis.
Museus: cemitérios!... Idênticos, realmente, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos 
que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos onde se repousa sempre ao lado de 
seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos dos matadouros dos pintores e escultores 
que se trucidam ferozmente a golpes de cores e linhas ao longo de suas paredes!
Que os visitemos em peregrinação uma vez por ano, como se visita o cemitério no dos mortos, 
tudo bem. Que uma vez por ano se desponta uma coroa de flores diante da Gioconda vá lá. Mas 
não admitimos passear diariamente pelos museus nossas tristezas, nossa frágil coragem, nossa 
mórbida inquietude. Por que devemos nos envenenar? Por que devemos apodrecer?
E que se pode ver num velho quadro senão a fatigante contorção do artista que se 
empenhou em infringir as insuperáveis barreiras erguidas contra o desejo de exprimir 
inteiramente o seu sonho?... Admirar um quadro antigo equivalente a verter a nossa 
sensibilidade numa urna funerária, em vez de projetá‑la para longe, em violentos arremessos 
de criação e de ação.
Quereis, pois, desperdiçar todas as vossas melhores forças nessa eterna e inútil admiração 
do passado, da qual saís fatalmente exaustos, diminuídos e espezinhados?
Em verdade eu vos digo que a frequentação cotidiana dos museus, das bibliotecas e das 
academias (cemitérios de esforços vãos, calvários de sonhos crucificados, registros de lances 
truncados!...) é, para os artistas, tão ruinosa quanto a tutela prolongada dos pais para certos 
jovens embriagados por seu os prisioneiros, vá lá: o admirável passado é talvez um bálsamo 
para tantos os seus males, já que para eles o futuro está barrado... Mas nós não queremos 
saber dele, do passado, nós, jovens e fortes futuristas!
Bem‑vindos, pois, os alegres incendiários com seus dedos carbonizados! Ei‑los!... Aqui!... 
Ponham fogo nas estantes das bibliotecas!... Desviem o curso dos canais para inundar os 
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museus!... Oh, a alegria de ver flutuar à deriva, rasgadas e descoradas sobre as águas, as 
velhas telas gloriosas!... Empunhem as picaretas, os machados, os martelos e destruam sem 
piedade as cidades veneradas!
Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: resta‑nos assim, pelo menos uns decênios mais 
jovens e válidos que nós jogarão no cesto de papéis, como manuscritos inúteis. – Pois é isso 
que queremos!
Nossos sucessores virão de longe contra nós, de toda parte, dançando à cadência 
alada dos seus primeiros cantos, estendendo os dedos aduncos de predadores e farejando 
caninamente, às portas das academias, o bom cheiro das nossas mentes em putrefação, já 
prometidas às catacumbas das bibliotecas.
Mas nós não estaremos lá... Por fim eles nos encontrarão – uma noite de inverno 
– em campo aberto, sob um triste galpão tamborilado por monótona chuva, e nos 
verão agachados junto aos nossos aeroplanos trepidantes, aquecendo as mãos ao fogo 
mesquinho proporcionado pelos nossos livros de hoje flamejando sob o vôo das nossas 
imagens.
Eles se amotinarão à nossa volta, ofegantes de angústia e despeito, e todos, exasperados 
pela nossa soberba, inestancável audácia, se precipitarão para matar‑nos impelidos por um 
ódio tanto mais implacáveis quanto seus corações estiveram ébrios de amor e admiração 
por nós.
A forte e sã injustiça explodirá radiosa em seus olhos – A arte, de fato, não pode ser 
senão violência, crueldade e injustiça.
Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: no entanto, temos já esbanjado tesouros, mil 
tesouros de força, de amor, de audácia, de astúcia e de vontade rude, precipitadamente, 
delirantemente, sem calcular, sem jamais hesitar, sem jamais repousar, até perder o fôlego... 
Olhai para nós! Ainda não estamos exaustos! Nossos corações não sentem nenhuma fadiga, 
porque estão nutridos de fogo, de ódio e de velocidade!... Estais admirados? É lógico, pois 
não vos recordais sequer de ter vivido! Eretos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez 
lançamos o nosso desafio às estrelas!
Vós nos opondes objeções?... Basta! Basta! Já as conhecemos... Já entendemos!... Nossa 
bela e mendaz inteligência nos afirma que somos o resultado e o prolongamento dos nossos 
ancestrais. – Talvez!... Seja!... Mas que importa? Não queremos entender!... Ai de quem nos 
repetir essas palavras infames!...
Cabeça erguida!...
“Eretos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas” 
(MARINETTI apud CHIPP, 1993).
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6.1.3 Expressionismo (1910)
No começo do século XX, surgiu um grupo de pintores chamados expressionistas na Alemanha e 
fauvistas na França. O objetivo dos integrantes desse grupo era combater o Impressionismo, tendência 
da qual provinham e que valorizava a impressão e abordagem do exterior para o interior.
O Expressionismo se preocupa com a manifestação exterior de uma necessidade interna, isto é, o 
mundo interior, que deve ser refletido pela obra de arte, por isso, os temas centram‑se na angústia e 
nos sofrimentos do homem da época, o que fez com que se buscasse expressar os horrores da guerra 
e temas dramáticos e obsessivos.
O expressionismo opta pela distorção das imagens e, muitas vezes, pela valorização do feio e do 
grotesco para retratar a desarmonia e a desesperança, presentes no mundo do pós‑guerra.
Observe as características apontadas a respeito do Expressionismo no quadro O grito, de Edvard 
Munch, no qual ele tenta captar a angústia, a solidão e o desamparo do homem diante de uma 
humanidade que parece não demonstrar qualquer preocupação com o mundo:
Figura 10 – O grito, de Munch
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6.1.4 Dadaísmo (1916)
Figura 11 – O urinol, de Marcel Duchamp
O mais radical de todos os movimentos de vanguarda teve comportamentos provocativos 
com o intuito de chocar e escandalizar o mundo burguês. O Dadaísmo defendia uma arte que 
concretizava o instantâneo e enfatizava a destruição e a desconstrução, ou seja, foi a primeira 
manifestação de antiarte do século XX, valendo‑se do ready‑made com a intenção de tirar um 
objeto de seu uso comum para atribuir‑lhe valor artístico, como é o caso de O urinol, de Marcel 
Duchamp.
O dadaísmo surgiu em 1916, em Zurique, com a fundação do cabaré Voltaire e a criação do Manifesto 
Dadaísta, por Tristan Tzara, que refletia a saturação cultural e a crise moral e política. O dadaísmo surgiu 
como consequência à Primeira Guerra Mundial, contra a qual muitos artistas reagiram com ironia, 
cinismo e niilismo anárquico.
Os dadaístas entendiam que, com a Europa destruída pela guerra, o cultivo da arte não 
passava de hipocrisia e presunção, por isso, adotaram a postura de ridicularizá‑la, agredi‑la e 
destruí‑la.
Na literatura, o dadaísmo caracteriza‑se pela agressividade, pelo improviso, pela desordem, pela 
rejeição à racionalizaçãoe ao equilíbrio, pela livre associação de palavras e pela invenção de 
palavras com base na exploração apenas de sua sonoridade.
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6.1.5 Surrealismo (1924)
Nas duas primeiras décadas do século XX, os estudos psicanalíticos de Freud e as incertezas políticas 
favoreceram o desenvolvimento de uma arte que criticava a cultura europeia e a frágil condição humana 
diante de um mundo cada vez mais complexo.
O Surrealismo, última das vanguardas europeias a manifestar‑se, apoiava‑se nas teorias da psicanálise, 
acreditando que, pelo inconsciente, podia‑se atingir a libertação total da imaginação. Teve início na 
França, a partir da publicação do Manifesto do Surrealismo (1924), de André Breton.
Breton, tendo sido psicanalista, procurou unir arte e psicanálise ao explorar os limites do 
real e estudar a loucura, os sonhos, os estados alucinatórios e quaisquer outros exemplos 
de manifestação do inconsciente. Essa exploração e esse estudo foram feitos por meio do 
automatismo psíquico e da mistura da imaginação com realidade, técnica que teve grande 
influência na primeira fase do Modernismo no Brasil e que será observada sobretudo na obra 
Macunaíma, de Mário de Andrade.
Os surrealistas conquistaram imagens de impacto que se imortalizaram nas telas de Salvador 
Dalí, Juan Miró, Giorgio de Chirico e René Magritte. Veja um pequeno exemplo na tela de 
Salvador Dalí:
Figura 12 – Jovem virgem sodomizada, de Salvador Dalí
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Quadro 10
Vanguarda Características
Cubismo
• geometrização das formas;
• decomposição da perspectiva;
• fragmentação do olhar e visão simultânea a partir de diferentes ângulos;
• ruptura com a sintaxe tradicional.
Futurismo
• rejeição ao passado;
• exaltação à vida moderna;
• arte dinâmica.
Expressionismo
• manifestação do mundo interior, da angústia e dos sofrimentos humanos;
• expressão dos horrores da guerra;
• imagens distorcidas.
Dadaísmo
• espontaneidade artística;
• anarquia de valores e propostas estéticas;
• ilogismo;
• deboche e agressividade.
Surrealismo
• valorização do sonho, do inconsciente e da fantasia, do ilógico e da loucura;
• influencia da psicanálise;
• automatismo da escrita e da arte;
• expressão direta das zonas ocultas da consciência humana.
6.2 A Semana de Arte Moderna de 1922 e o Modernismo no Brasil
Figura 13 – Cartaz da Semana de Arte Moderna
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Desde 1912, quando Oswald de Andrade voltou de sua viagem à Europa, as ideias vanguardistas 
forma disseminadas e deglutidas em terras tupiniquins.
Os artistas brasileiros que idealizaram a Semana de Arte Moderna, por pelo menos uns dez 
anos, buscavam a ruptura com os valores artísticos tradicionais somados às técnicas e meios 
de expressão capazes de traduzir a nova realidade do século XX, além disso, buscavam também a 
construção da identidade nacional nas artes, na sociedade e na política, isto é, a constituição 
de uma arte que representasse o Brasil e não um simples arremedo do que é produzido no 
exterior.
Certamente, essa reflexão sobre o Modernismo que culminou na Semana de Arte Moderna se valeu 
das tendências artísticas de vanguarda que apareceram na Europa, porém, nossos escritores mesclaram 
as variadas influências.
A Semana de Arte Moderna aconteceu durante os dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro 
Municipal de São Paulo. Cada dia da Semana foi dedicado a um tema: pintura e escultura, poesia e 
literatura e, por fim, música. Apesar de ser conhecida como a Semana da Arte Moderna, as exposições 
aconteceram somente nesses três dias.
Leia a seguir o discurso de abertura proferido na Semana de Arte Moderna por Graça Aranha e 
atente para o fato de que, apesar de criticar o conservadorismo da Academia Brasileira de Letras 
da qual fazia parte, o autor se apoia em um texto purista que não revela as novidades que se 
propõe em palavras. Em seguida, compare esse discurso ao Manifesto Futurista e aos manifestos 
de Mário e Oswald de Andrade a serem citados posteriormente no tópico sobre a primeira fase 
modernista:
A emoção estética na arte moderna
Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje, 
é uma aglomeração de “horrores”. Aquele Gênio supliciado, aquele homem amarelo, aquele 
carnaval alucinante, aquela paisagem invertida se não são jogos da fantasia de artistas 
zombeteiros, são seguramente desvairadas interpretações da natureza e da vida. Não está 
terminado o vosso espanto. Outros “horrores” vos esperam. Daqui a pouco, juntando‑se a 
esta coleção de disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente, 
virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado. Para estes retardatários 
a arte ainda é o Belo.
Nenhum preconceito é mais perturbador à concepção da arte que o da Beleza. Os que 
imaginam o belo abstrato são sugestionados por convenções forjadoras de entidades e 
conceitos estéticos sobre os quais não pode haver uma noção exata e definitiva. Cada um 
que se interrogue a si mesmo e responda que é a beleza? Onde repousa o critério infalível 
do belo? A arte é independente deste preconceito. É outra maravilha que não é a beleza. É 
a realização da nossa integração no Cosmos pelas emoções derivadas dos nossos sentidos, 
vagos e indefiníveis sentimentos que nos vêm das formas, dos sons, das cores, dos tatos, 
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dos sabores e nos levam à unidade suprema com o Todo Universal. Por ela sentimos o 
Universo, que a ciência decompõe e nos faz somente conhecer pelos seus fenômenos. Por 
que uma forma, uma linha, um som, uma cor nos comovem, nos exaltam e transportam 
ao universal? Eis o mistério da arte, insolúvel em todos os tempos, porque a arte é eterna e 
o homem é por excelência o animal artista. O sentimento religioso pode ser transmudado, 
mas o senso estético permanece inextinguível, como o Amor, seu irmão imortal. O Universo 
e seus fragmentos são sempre designados por metáforas e analogias, que fazem imagens. 
Ora, esta função intrínseca do espírito humano mostra como a função estética, que é a de 
idear e imaginar, é essencial à nossa natureza.
A emoção geradora da arte ou a que esta nos transmite é tanto mais funda, mais universal 
quanto mais artista for o homem, seu criador, seu intérprete ou espectador. Cada arte nos 
deve comover pelos seus meios diretos de expressão e por eles nos arrebatar ao Infinito.
A pintura nos exaltará, não pela anedota, que por acaso ela procure representar, mas 
principalmente pelos sentimentos vagos e inefáveis que nos vêm da forma e da cor.
Que importa que o homem amarelo ou a paisagem louca, ou o Gênio angustiado não 
sejam o que se chama convencionalmente reais? O que nos interessa é a emoção que nos 
vem daquelas cores intensas e surpreendentes, daquelas formas estranhas, inspiradoras de 
imagens e que nos traduzem o sentimento patético ou satírico do artista. Que nos importa 
que a música transcendente que vamos ouvir não seja realizada segundo as fórmulas 
consagradas? O que nos interessa é a transfiguração de nós mesmos pela magia do som, que 
exprimirá a arte do músico divino. É na essência da arte que está a Arte. É no sentimento vago 
do Infinito que está a soberana emoção artística derivada do som, da forma e da cor. Para 
o artista a natureza é uma “fuga” perene no Tempo imaginário. Enquanto para os outros a 
natureza é fixa e eterna, para ele tudo passa e a Arte é a representação dessa transformação 
incessante. Transmitir por ela as vagas emoções absolutas vindas dos sentidos e realizar 
nesta emoção estética a unidade com o Todo é a suprema alegria do espírito.
Se a arte é inseparável, se cada umde nós é um artista mesmo rudimentar, porque é um 
criador de imagens e formas subjetivas, a Arte nas suas manifestações recebe a influência 
da cultura do espírito humano.
Toda a manifestação estética é sempre precedida de um movimento de ideias gerais, de 
um impulso filosófico, e a Filosofia se faz Arte para se tornar Vida. Na antiguidade clássica 
o surto da arquitetura e da escultura se deve não somente ao meio, ao tempo e à raça, mas 
principalmente à cultura matemática, que era exclusiva e determinou a ascendência dessas 
artes da linha e do volume. A própria pintura dessas épocas é um acentuado reflexo da 
escultura. No renascimento, em seguida à perquirição analítica da alma humana, que foi 
a atividade predominante da idade média, o humanismo inspirou a magnífica floração da 
pintura, que na figura humana procurou exprimir o mistério das almas. Foi depois da filosofia 
natural do século XVII que o movimento panteístico se estendeu à Arte e à Literatura e deu à 
Natureza a personificação que raia na poesia e na pintura da paisagem. Rodin não teria sido 
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o inovador, que foi na escultura, se não tivesse havido a precedência da biologia de Lamarck 
e Darwin. O homem de Rodin é o antropoide aperfeiçoado.
E eis chegado o grande enigma que é o precisar as origens da sensibilidade na arte 
moderna. Este supremo movimento artístico se caracteriza pelo mais livre e fecundo 
subjetivismo. É uma resultante do extremado individualismo que vem vindo na vaga do 
tempo há quase dois séculos até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora.
Desde Rousseau o indivíduo é à base da estrutura social. A sociedade é um ato da livre 
vontade humana. E por este conceito se marca a ascendência filosófica de Condillac e da 
sua escola. O individualismo freme na revolução francesa e mais tarde no romantismo e 
na revolução social de 1848, mas a sua libertação não é definitiva. Esta só veio quando 
o darwinismo triunfante desencadeou o espírito humano das suas pretendidas origens 
divinas e revelou o fundo da natureza e as suas tramas inexoráveis. O espírito do homem 
mergulhou neste insondável abismo e procurou a essência das coisas. O subjetivismo mais 
livre e desencantado germinou em tudo. Cada homem é um pensamento independente, 
cada artista exprimirá livremente, sem compromissos, a sua interpretação da vida, a emoção 
estética que lhe vem dos seus contatos com a natureza. E toda a magia interior do espírito se 
traduz na poesia, na música e nas artes plásticas. Cada um se julga livre de revelar a natureza 
segundo o próprio sentimento libertado. Cada um é livre de criar e manifestar o seu sonho, 
a sua fantasia íntima desencadeada de toda a regra, de toda a sanção. O cânon e a lei são 
substituídos pela liberdade absoluta que os revela, por entre mil extravagâncias, maravilhas 
que só a liberdade sabe gerar. Ninguém pode dizer com segurança onde o erro ou a loucura 
na arte, que é a expressão do estranho mundo subjetivo do homem. O nosso julgamento 
está subordinado aos nossos variáveis preconceitos. O gênio se manifestará livremente, e 
esta independência é uma magnífica fatalidade e contra ela não prevalecerão as academias, 
as escolas, as arbitrárias regras do nefando bom gosto, e do infecundo bom‑senso. Temos 
que aceitar como uma força inexorável a arte libertada. A nossa atividade espiritual se 
limitará a sentir na arte moderna a essência da arte, aquelas emoções vagas transmitidas 
pelos sentidos e que levam o nosso espírito a se fundir no Todo infinito.
Este subjetivismo é tão livre que pela vontade independente do artista se torna no 
mais desinteressado objetivismo, em que desaparece a determinação psicológica. Seria 
a pintura de Cézanne, a música de Strawinsky reagindo contra o lirismo psicológico de 
Debussy procurando, como já se observou manifestar a própria vida do objeto no mais rico 
dinamismo, que se passa nas coisas e na emoção do artista.
Esta talvez seja a acentuação da moda, porque nesta arte moderna também há a vaga 
da moda, que até certo ponto é uma privação da liberdade. A tirania da moda declara 
Debussy envelhecido e sorri do seu subjetivismo transcendente, a tirania da moda reclama 
a sensação forte e violenta da interpretação construtiva da natureza pondo‑se em íntima 
correlação com a vida moderna na sua expressão mais real e desabusada. O intelectualismo 
é substituído pelo objetivismo direto, que, levado ao excesso, transbordará do cubismo no 
dadaísmo. Há uma espécie de jogo divertido e perigoso, e por isso sedutor, da arte que 
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zomba da própria arte. Desta zombaria está impregnada a música moderna que na França 
se manifesta no sarcasmo de Eric Satie e que o grupo dos “seis” organiza em atitude. Nem 
sempre a fatura desse grupo é homogênea, porque cada um dos artistas obedece fatalmente 
aos impulsos misteriosos do seu próprio temperamento, e assim mais uma vez se confirma a 
característica da arte moderna que é a do mais livre subjetivismo.
É prodigioso como as qualidades fundamentais da raça persistem nos poetas e nos 
outros artistas. No Brasil, no fundo de toda a poesia, mesmo liberta, jaz aquela porção de 
tristeza, aquela nostalgia irremediável, que é o substrato do nosso lirismo. É verdade que 
há um esforço de libertação dessa melancolia racial, e a poesia se desforra na amargura do 
humorismo, que é uma expressão de desencantamento, um permanente sarcasmo contra o 
que é e não devia ser, quase uma arte de vencidos. Reclamemos contra essa arte imitativa 
e voluntária que dá ao nosso “modernismo” uma feição artificial. Louvemos aqueles poetas 
que se libertam pelos seus próprios meios e cuja força de ascensão lhes é intrínseca. Muitos 
deles se deixaram vencer pela morbidez nostálgica ou pela amargura da farsa, mas num 
certo instante o toque da revelação lhes chegou e ei‑los livres, alegres, senhores da matéria 
universal que tornam em matéria poética.
Destes, libertados da tristeza, do lirismo e do formalismo, temos aqui uma plêiade. Basta 
que um deles cante, será uma poesia estranha, nova, alada e que se faz música para ser mais 
poesia. De dois deles, nesta promissora noite, ouvireis as derradeiras “imaginações”. Um é 
Guilherme de Almeida, o poeta de “Messidor”, cujo lirismo se destila sutil e fresco de uma 
longínqua e vaga nostalgia de amor, de sonho e de esperança, e que, sorrindo se evola da 
longa e doce tristeza para nos dar nas Canções Gregas a magia de uma poesia mais livre 
do que a Arte. O outro é o meu Ronald de Carvalho, o poeta da epopeia da “Luz Gloriosa” 
em que todo o dinamismo brasileiro se manifesta em uma fantasia de cores, de sons e de 
formas vivas e ardentes, maravilhoso jogo de sol que se torna poesia! A sua arte mais aérea 
agora, nos novos epigramas, não definha no frívolo virtuosismo que é o folguedo do artista. 
Ela vem da nossa alma, perdida no assombro do mundo, e é a vitória da cultura sobre o 
terror, e nos leva pela emoção de um verso, de uma imagem, de uma palavra, de um som à 
fusão do nosso ser no Todo infinito.
A remodelação estética do Brasil iniciada na música de Villa‑Lobos, na escultura de 
Brecheret, na pintura de Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Zina 
Aita, e na jovem e ousada poesia, será a libertação da arte dos perigos que a ameaçam do 
inoportuno arcadismo, do academismo e do provincialismo.
O regionalismo pode ser um material literário, mas não o fim de uma literatura nacional 
aspirando ao universal. O estilo clássico obedece a uma disciplina que paira sobre as coisas 
e não as possui.
Ora, tudo aquilo em que o Universo se fragmenta é nosso, são os mil aspectos do Todo, 
que a arte tem que recompor para lhes dar a unidade absoluta. Uma vibração íntima e 
intensa anima o artista neste mundo paradoxal que é o Universo brasileiro, e ela não se102
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pode desenvolver nas formas rijas do arcadismo, que é o sarcófago do passado. Também o 
academismo é a morte pelo frio da arte e da literatura. [...]
O que hoje fixamos não é a renascença de uma arte que não existe. É o próprio 
comovente nascimento da arte no Brasil, e, como não temos felizmente a pérfida sombra 
do passado para matar a germinação, tudo promete uma admirável “florada” artística. E, 
libertos de todas as restrições, realizaremos na arte o Universo. A vida será, enfim, vivida 
na sua profunda realidade estética. O próprio Amor é uma função da arte, porque realiza a 
unidade integral do Todo infinito pela magia das formas do ser amado. No universalismo da 
arte estão a sua força e a sua eternidade. Para sermos universais façamos de todas as nossas 
sensações expressões estéticas, que nos levem a ansiada unidade cósmica. Que a arte seja 
fiel a si mesma, renuncie ao particular e faça cessar por instantes a dolorosa tragédia do 
espírito humano desvairado do grande exílio da separação do Todo, e nos transporte pelos 
sentimentos vagos das formas, das cores, dos sons, dos tatos e dos sabores à nossa gloriosa 
fusão no Universo (ARANHA, 1925).
Dentre as características artísticas mais importantes que ganham força com A Semana estão 
o antiacademicismo, a evocação do abrasileiramento da língua e da volta ao nativismo, o 
choque evidenciando o contraste entre o homem e o mundo, a linguagem fragmentária e a 
irreverência. Os reflexos da revolução modernista estão presentes em todo o cenário cultural 
brasileiro até hoje.
A primeira fase ou fase heroica do Modernismo no Brasil compreende os anos de 1922 a 1930. 
Foi um período buliçoso culturalmente, sobretudo porque rompeu com os valores das escolas literárias 
tradicionais (ABDALLA; CAMPEDELLI, 2004).
Nesta fase, surge o movimento Pau‑Brasil (1924), que propunha uma literatura autenticamente 
nacionalista, e o movimento Verde‑Amarelo (1925), conservador e que não acolhia uma ruptura radical 
com o passado.
A segunda fase ou fase ideológica, de 1930 a 1945, esteve envolvida no clima político da ditadura 
de Vargas e na crise gerada pela quebra da bolsa de Nova York em 1929. A literatura se mostrou politizada 
criticava a situação político‑social vigente. Ao lado da literatura moderna urbana da segunda geração, 
a primeira fase regionalista se iniciava (ABDALLA; CAMPEDELLI, 2004).
A terceira fase ou fase de nova reflexão sobre a linguagem, de 1945 a 1956, coincidiu com 
dois eventos políticos: no cenário mundial, o fim da Segunda Guerra Mundial e, no nacional, o 
fim da ditadura de Vargas. No plano literário, voltou‑se novamente ao experimentalismo estético, 
com a retomada de temas sociais e a reinvenção do regionalismo na ficção brasileira (ABDALLA; 
CAMPEDELLI, 2004).
O regionalismo teve lugar na nossa literatura até 1980, com a presença de Clarice Lispector, nos anos 
1940, e a de João Guimarães Rosa, nos anos 1950. Ambos misturavam o drama psicológico à tônica 
regionalista.
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LITERATURA BRASILEIRA: PROSA
Outro movimento que perdurou até os anos 1940 – auge da repressão política no Brasil e em outros 
países com regimes totalitários – foi a literatura em forma de protesto que se aliou à música e se 
apresentava até mesmo por meio de pichações. Esse momento artístico e literário rompeu com as 
normas vigentes na poesia quando a juventude, perplexa e desencantada com os rumos do mundo, 
partiu para a literatura marginal, anticultural e pós‑moderna. Um dos típicos produtos da época foi 
o jornal O Pasquim.
Assim, considera‑se que o Modernismo tenha se encerrado em 1980 e o Pós‑modernismo, que desde 
1960 vinha ganhando forma, passou a coexistir no período citado.
Trataremos a seguir de cada uma das fases modernistas, embora seja mister reconhecer que, como 
afirmam Abdala e Campedelli: “No modernismo o conceito de processo histórico é [...] relevante do 
ponto de vista didático, por ser um período que rompeu com a ideia das “escolas” literárias tradicionais” 
(ABDALLA; CAMPEDELLI, 2004, p. 205).
6.3 A primeira fase do Modernismo no Brasil e o regionalismo
É nessa primeira fase que são afirmados os pressupostos estéticos do movimento, conforme Mário de 
Andrade elencaria em 1942 na conferência O movimento modernista: o direito permanente à pesquisa 
estética, a atualização da inteligência brasileira e a estabilização de uma consciência criadora nacional 
(BOSI, 1992b).
Assim, o ponto comum que reúne os escritores da primeira fase do Modernismo no Brasil é a 
abordagem crítica e nacionalista da realidade brasileira, numa tentativa de reerguer a cultura brasileira 
e eliminar o complexo de colonizado, que aponta como bom apenas o que vem de fora. É uma fase de 
desconstrução necessária para que se possa erigir o novo na roupagem da arte brasileira.
Aqui, também encontramos uma literatura que se guiava por manifestos como ocorre na literatura 
vanguardista. Esses manifestos interessam‑nos à medida que, mesmo que alguns tenham sido escrito 
em versos, constroem um texto argumentativo que expõe as características literárias do movimento.
No Prefácio Interessantíssimo, que encabeça o livro Pauliceia Desvairada, de 1922, Mário de Andrade 
constrói seu manifesto revelando os pontos de contato entre a literatura moderna brasileira e as 
vanguardas, embora o autor adote uma postura de irreverência absoluta.
Vejamos um trecho do texto e observemos como suas ideias são diretivas, e mostram tudo o que 
se deseja para a literatura moderna que começa a se erigir. Os pontos de contato com as vanguardas 
europeias, como o futurismo e expressionismo e o dadaismo foram realçados para que as relações 
de Mário de Andrade com elas fossem esclarecidas. No Prefácio, o difícil compromisso de conjugar a 
orientação moderna à realidade local e à “língua brasileira” é expressado. Anunciando o “desvairismo” 
– a incongruência, a extravagância, a excentricidade –, firma sua resistência em relação às doutrinas 
artísticas: “Em arte: escola = imbecilidade de muitos para a vaidade de um só” (ANDRADE in RODRIGUES, 
1979). O texto é repleto de um posicionamento de subjetividade extremada, assumindo assim a ruptura 
com o clássico.
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Unidade III
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Prefácio Interessantíssimo (excerto)
Dans mon pays de fiel et d’or j’en suis la loi (E. Verhaeren)
Leitor: 
Está fundado o Desvairismo.
Este prefácio, apesar de interessante, inútil.
Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. 
Os curiosos terão o prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. 
Para que me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo que meu inconsciente me grita. 
Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste 
Prefácio Interessantíssimo.
Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. 
Nem eu sei.
E desculpem‑me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista, 
confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias‑avós que bebeu; e o autor deste livro 
seria hipócrita si pretendesse representar orientação moderna que ainda não compreende bem.
Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito‑o. Tenho pontos de contacto com o 
futurismo. Oswald de Andrade, chamando‑me de futurista, errou. A culpa é minha. Sabia 
da existência do artigo e deixei que saísse. Tal foi o escândalo, que desejei a morte do 
mundo. Era vaidoso. Quis sair da obscuridade. Hoje tenho orgulho. Não me pesaria reentrar 
na obscuridade. Pensei que se discutiram minhas idéias (que nem são minhas): discutiram 
minhas intenções. Já agora não me calo. Tanto ridicularizaram meu silêncio como esta grita.

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