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Maria Eduarda de Alencar – Odontologia 2019.2 Etiopatogenia das Doenças Periodontais Introdução - Existem várias doenças e condições que afetam o periodonto, dentre elas as principais são a gengivite e a periodontite; • Gengivite Induzida Pelo Biofilme Dental - Uma condição inflamatória restrita aos tecidos moles que circundam os dentes, e se desenvolve em resposta ao acúmulo de biofilme na superfície dentária; - Atualmente a gengivite é considerada como uma condição totalmente reversível; • Periodontite - Trata-se de uma doença desencadeada por um biofilme dental disbiótico, que resulta em uma inflamação e destruição das estruturas de suporte do dente – ligamento periodontal, cemento e osso alveolar propriamente dito – levando a sua perda de inserção progressiva; - Diferentemente da gengivite, a periodontite deixa sequelas irreversíveis; • Relação Gengivite- Periodontite - Toda periodontite é precedida por uma gengivite, mas nem toda a gengivite progride para uma periodontite; - Por isso, é importante a prevenção e tratamento da gengivite, para que essa não evolua para uma periodontite. Etiopatogenia da Periodontite - Tudo se inicia com o acúmulo de biofilme, onde as bactérias presentes nele secretam substâncias que penetram no tecido gengival e provocam a formação de uma resposta imune. Todo esse processo pode ser influenciado por fatores etiológicos secundários locais e gerais. Essa resposta imune, se apresenta como uma gengivite clinicamente, podendo progredir para um quadro de periodontite; - Não há mistério em relação a geração da gengivite, mas pouco se sabe em relação a sua progressão para a periodontite, os processos que geram isso; - O que se sabe atualmente é que quando a gengivite persiste – inflamação gengival crônica não tratada – provoca alterações ambientais importantes no espaço do sulco – ambiente que tende a ser mais anaeróbio, consequentemente, melhor para as bactérias – que provocam uma disbiose do biofilme, que por sua vez gera uma inflamação excessiva descontrolada, que pode gerar periodontite. Disbiose - Trata-se de um rompimento da homeostasia microbiológica do biofilme dental, em que as atividades funcionais ou metabólicas passam a sofrer uma maior influência de certos grupos bacterianos patogénicos – normalmente tem-se um aumento numérico dessas bactérias. Tem-se proposto que a P. gingivalis, e em menor número, a T. denticula, tem papel fundamental na disbiose. Mesmo elas não sendo as únicas, e diretamente, responsáveis pela disbiose, estão relacionadas com a mobilidade da comunidade microbiana → Espécies chaves – tendem a se localizar nos ambientes mais anaeróbios; - A disbiose não é um fenômeno exclusivo de DP, nem está relacionada apenas com ela, mas com várias outras doenças, como vaginose e psoríase. O que se observa em todos esses casos é que a disbiose induz uma resposta imune não eficaz e descontrolada, que gera destruição, sendo o ponto de partida, que determina a transição entre gengivite e periodontite; !!! Mais ainda que a disbiose, antes de tudo é imprescindível que se tenha o acúmulo de biofilme, sem o biofilme dental não haverá geração da gengivite induzida pelo biofilme, nem progressão da mesma para periodontite – é importante enfatizar que a simples presença do biofilme não gera a periodontite, embora sua presença seja necessária para se ter periodontite; !!! Estudos observaram que a gengivite pode ser induzida suspendendo-se medidas de higiene oral, assim como a realização do controle de placa prevenia a mesma ou restabelecia a saúde do periodonto. Biofilme - A natureza física do biofilme é a 1° característica ligada à sua alta patogenicidade. Ele nada mais é do que um agregado de microrganismos unidos por uma matriz polimérica e essa sua natureza física o protege dos mecanismos de defesa, naturais e não naturais – como antibióticos; - As outra características que são ligadas a alta patogenicidade do biofilme são a sua localização, quantidade, capacidade de invasão tecidual e os fatores de virulência; !!! Localização: O biofilme está na superfície dentária, estando no interior do corpo e externo, ao mesmo tempo, visto que não se desenvolve diretamente sobre o epitélio; !!! Capacidade de Invasão Tecidual: Alguns microrganismos, como a P. gingivalis, tem a capacidade de invadir tecidos e quando isso ocorre, determina a destruição rápida – mas é importante enfatizar que eles ao adentrarem no tecido ficam sujeitos a ação dos mecanismos de defesa, não sobrevivendo por muito tempo; !!! Fatores de Virulência: São estruturas ou características que os microrganismos possuem que os tornam capazes de produzir doença. Os fatores de virulência ligados a DP podem ser de ordem direta, ou seja, geram destruição direta – enzimas e ácidos, que atuam digerindo tecido (colágeno) – ou podem interferir na resposta imune – LPS (potente indutor da resposta inflamatória, estando presente na parede celular da P. gingivalis), Gingipains (proteases) e Leucotoxina do AA (quando essa bactéria, AA, está presente, ocorrem casos de periodontite com destruição rápida, uma vez que sua leucotoxina interfere na função dos neutrófilos); • Formação do Biofilme - Ocorre em quatro fases → deposição da película adquirida, colonização bacteriana inicial, etapa de acumulação e coagregação e dispersão; 1° Deposição da Película Adquirida: A película adquirida se forma sobre a superfície dentária poucos minutos após a higienização oral. Ela é composta por um conjunto de glicoproteínas. Do ponto de vista funcional, ela é responsável pela proteção da superfície dentária contra a ação de ácidos; 2° Colonização Bacteriana Inicial: Através das suas adesinas, as bactérias – tipo cocos e bastonetes, principalmente, como a S. sanguis e a A. Viscosus – irão se ligar a receptores na película adquirida, poucas horas depois da higienização; 3° Etapa de Acumulação e Coagregação: Nessa etapa ocorre a proliferação dos colonizadores iniciais e a produção de matriz extracelular, dando início então a agregação dos colonizadores intermediários e tardios. Esse aumento no número de bactérias deixa o ambiente cada vez mais anaeróbico – que favorece a geração/ progressão da periodontite. É nessa etapa que o biofilme, já organizado, começa a ter a capacidade de gerar inflamação tecidual; 4° Dispersão: O processo de formação do biofilme é dinâmico, então, a medida em que bactérias são acrescidas ao biofilme, ocorre também a liberação de outras. Sendo esse processo ligado ao controle mecânico, nutricional e genético, estando entendido, atualmente, como uma estratégia de sobrevivência e disseminação; • Biofilme Associado a Gengivite - Encontra-se junto/aderido à margem gengival – coronário. A partir de 48h já se consegue observar sua formação; - Inicialmente tem-se, principalmente, cocos e bastonetes. Possui proporções iguais de GRAM + e GRAM - e trata-se de uma infecção polibacteriana inespecífica – nenhuma espécie se sobrepõe; • Biofilme Associado a Periodontite - Localizado na porção subgengival/radicular – é mais observado nessas áreas; - Diferente da gengivite, tem-se um aumento significativo de microrganismos anaeróbios. Mecanismos de Defesa do Periodonto - A destruição tecidual que ocorre na periodontite ocorre, principalmente, devido a resposta imune excessiva; - Dentre os mecanismos de defesa do organismo tem-se a barreira epitelial e os mecanismos salivares – ação física e agentes antimicrobianos – mas o principal deles realmente é a resposta imune; • Resposta Imune Inata Inespecífica - É rápida, configurando a primeira linha de defesa – ocorre independente da natureza do agressor – formada por neutrófilos, macrófagos, células residentes não profissionais, sistema, complemento e citocinas; - Essa resposta tem a função de diluir, isolar e, se possível, eliminar agentesagressores. No quesito DP, essa resposta está presente no ambiente do sulco, do epitélio juncional e adjacências, tendo eficácia limitada – sem a remoção do biofilme, a resposta imune sozinha não consegue reverter o quadro inflamatório; • Resposta Imune Adquirida Específica - É a segunda linha de defesa, estimulada com a penetração dos agentes patogênicos no tecido conjuntivo, sendo específica para os patógenos presentes; - Essa resposta é dividida em dois tipos, celular e humoral, existindo evidências de que as duas atuam na DP; - Os principais representantes, que atuam nesse tipo de resposta imune são os linfócitos T e B – plasmócitos – anticorpos, células apresentadoras de antígeno (APCs), citocinas e mecanismos da resposta inespecífica – sistema complemento, fagócitos; - O grau de proteção que ela gera na DP não é claro, entretanto, ela, aparentemente, está mais presente na fase de destruição do periodonto de sustentação; • Resposta Imune e Destruição Periodontal - A destruição periodontal está ligada a uma resposta imune desregulada, estando o dano mais intenso associado à resposta imune específica, ocorrendo, principalmente, devido a produção em excesso de mediadores; !!! Mediadores: Citocinas – IL-1, IL-6, IL-8, TNF-alfa, IFN-gama e RANKL – enzimas proteolíticas – como as metaloproteinases – e prostaglandinas; • Resolução da Inflamação - É um processo ativo, que envolve mediadores – resolvinas, lipoxinas, protectinas, maresinas; - Essa resolução da inflamação envolve várias ações → interrupção no recrutamento dos neutrófilos, estimulo a retirada do tecido necrótico, ações antibacterianas e promoção de reparo. Progressão da Doença Periodontal • Lesão Inicial – Semana 1 - Tudo começa com o acúmulo do biofilme, as bactérias presentes nele liberam substâncias solúveis que penetram o tecido gengival; - A partir disso, a gengiva libera mediadores inflamatórios, que gerarão um aumento da permeabilidade vascular e da quantidade de células inflamatórias; - Com isso, tem-se um aumento do fluido gengival, aumento de neutrófilos e de células inflamatórias, proliferação de poucos macrófagos e ocorrências subclínicas; • Lesão Precoce – Semana 2 - Maior quantidade de placa – biofilme – o infiltrado ocupa uma área maior, além disso, há um aumento no número de macrófagos e uma predominância de linfócitos T; - Ocorrem eventos de inflamação aguda, que geram lesão de colágeno e proliferação de cristas epiteliais; - Os primeiros sinais clínicos de inflamação começam → sangramento à sondagem, seguido por vermelhidão e edema; • Gengivite Estabelecida – Semana 3 - Aumento do infiltrado inflamatório no tecido, com predominância de linfócitos B – plasmócitos – com ampla produção de anticorpos localmente; - Ocorre nesta semana um aumento da profundidade do sulco – ainda não se trata de uma bolsa periodontal, o que ocorre é um edema na gengiva, gerando esse aumento (pseudobolsa) – e extensão subgengival do biofilme; - Além disso, há um aumento da destruição de colágeno, porém, não há perda de inserção ou migração apical do epitélio juncional – o mais profundo que se chega é na JCE; - Do ponto de vista clínico há todos os sinais de inflamação mais exacerbados; - Em alguns casos, a doença não passa disso, mas em outros, ela evolui para uma periodontite; • Periodontite – 6 meses... - Presença de infiltrado inflamatório mais extenso, mas com composição similar à da gengivite estabelecida – predominância de linfócitos B (plasmócitos), com ampla produção de anticorpos localmente e mediadores inflamatórios; - Nessa fase, já há perda de inserção, migração apical do epitélio juncional e destruição do ligamento periodontal e osso; - A medida em que ocorre a destruição tecidual, mais produtos bacterianos entram nos tecidos; - Clinicamente observa-se a formação de uma bolsa periodontal, onde a PS > 3 mm – com ou sem recessão – e radiograficamente tem-se uma perda óssea; • Padrão de Progressão da Periodontite - Hoje se sabe que ao ocorrer o estabelecimento da doença, o indivíduo passa por longos períodos onde não ocorre destruição e por breves episódios de destruição intensa, não se trata, portanto, de uma progressão linear; - Clinicamente não se pode mensurar quando o indivíduo está num período de destruição ativa ou estabilidade. Fatores Contribuintes - São eles que explicam porque certos indivíduos ou sítios da cavidade oral são mais susceptíveis a presença de maior severidade da gengivite ou da periodontite; - Esses fatores podem ser locais ou sistêmicos; • Fatores Locais - Esses fatores favorecem o acúmulo de biofilme, por dificultarem a higienização – são os mais importantes dentro desse grupo – geram diminuição do fluxo salivar ou estão ligados a forças oclusais inadequadas; !!! Cálculo Dental: É o mais frequente. Nesses casos, temos o biofilme não mineralizado sempre presente na superfície – esse biofilme é que tem a capacidade de causar a doença periodontal. O cálculo atua apenas como retentor do biofilme – por isso sua remoção é um procedimento clínico fundamental para resolução da inflamação – e não provoca a inflamação gengival diretamente; !!! Lesões Cariosas: Principalmente aquelas que apresentam cavidades; !!! Fatores Anatômicos: São outros fatores capazes de fazer com que a doença periodontal evolua de forma diferente em alguns locais/ pessoas. Dentre eles pode-se citar as pérolas de esmalte, apinhamentos dentários, concavidades radiculares, inserção alta do freio labial – geralmente gera incomodo na hora da escovação, e, por isso, os pacientes deixam de escovar – e os sulcos palatinos de desenvolvimento; !!! Fatores Iatrogênicos: São condições provocadas pelos próprios profissionais, como restauração em excesso – nas margens – aparelhos ortodônticos – eles dificultam a higienização – coroa com sobrecontorno e as violações do espaço biológico – a distância entre as restaurações e a margem da crista óssea tem que ser de no mínimo 2 mm; !!! Hipofunção Salivar: Quando não há uma salivação suficiente, tem-se um maior acúmulo de biofilme, sendo esse paciente passível de instalação de uma inflamação. Assim é importante investigar quais as causas da xerostomia do paciente e estar atento aos sinais clínicos – língua e gengiva secas; !!! Forças Oclusais Excessivas: As forças oclusais excessivas só são um fator contribuinte, quando o paciente já tem a doença periodontal instalada. Clinicamente, o dente vai apresentar mobilidade – mesmo sem uma perda óssea que justifique essa alteração – e o paciente reclama de sensibilidade dentinária. Radiograficamente, tem- se o espessamento da lâmina dura e o alargamento do espaço periodontal; • Fatores Gerais ou Sistêmicos - Dentre esses fatores, pode-se citar as alterações hormonais, medicamentos – esses dois primeiros atuam mais sobre a gengivite, enquanto os outros fatores terão uma maior importância no quadro de periodontite – tabagismo, diabetes e outras condições sistêmicas, entre outros; !!! Alterações Hormonais: Estão presentes na puberdade, gravidez e menopausa. Durante essas fases há a atuação de hormônios, como estrogênio, progesterona e testosterona. Que atuam na etiologia aumentando da sensibilidade dos tecidos gengivais a irritantes locais – biofilme – e gerando alteração do perfil microbiológico – alterando os micronutrientes disponíveis para os microrganismos – intensificando a resposta imune. Como possíveis manifestações clínicas tem-se a gengivite severa e, no caso das gestantes, o granuloma piogênico gravídico; !!! Medicamentos: Sabe-se os medicamentos podem atuar de duas formas nesses quadros, provocando crescimentos gengivais a medida em que aumentam a atividade dos fibroblastos – fenitoína, nifedipina, ciclosporina – e agravando a severidade da gengivite – contraceptivos orais, ansiolíticos, antidepressivos e anti-hipertensivos,esses três últimos estão associados a xerostomia, o que favorece o acúmulo de biofilme; !!! Tabagismo: É uma das maiores causas da periodontite – juntamente com a diabetes – influenciando inclusive na resposta as terapias cirúrgica e não cirúrgica. Os pacientes tabagistas possuem um risco aumentado para periodontite, e uma suscetibilidade a destruição dos tecidos de maneira mais severa. Quando esse paciente cessa a sua atividade tabagista, os riscos começam a ser reduzidos gradualmente. Dentre os possíveis mecanismos de ação do tabagismo, pode-se citar a redução da resposta do hospedeiro, alteração do perfil da microflora e, como principal mecanismo, a alteração do metabolismo ósseo e do colágeno; !!! Diabetes: Em casos de pacientes não controlados, tem-se uma inflamação mais intensa, além de uma maior prevalência e severidade da gengivite e periodontite. O tipo de diabetes não influencia em o paciente manifestar ou não a periodontite, as manifestações vão depender do nível de controle do diabetes. Dentre os possíveis mecanismos de ação, os pacientes não controlados, têm um aumento na secreção de citocinas pró-inflamatórias – o que explica a inflamação mais intensa observada – alterações no metabolismo do colágeno e de tecidos mineralizados – inibição na produção colágeno e estímulo a destruição dos tecidos mineralizados – e produção de PMNs – neutrófilos – e anticorpos defeituosos; OBS.: Pacientes com diabetes controlado é quase considerado um indivíduo saudável. OBS.: É comum observar abcessos periodontais em pacientes não controlados, podendo aparecer abscessos múltiplos ou recorrentes. !!! Leucemia: Pacientes com leucemia podem apresentar dois casos → gengivite associada à leucemia, causada por uma trombocitopenia, ou um crescimento gengival, que ocorre devido a infiltração de leucócitos imaturos nos tecidos gengivais. Essas alterações podem acontecer mesmo na ausência do biofilme, e quando há biofilme elas são exacerbadas – podendo ocorrer sangramento ao mínimo toque ou de forma espontânea; !!! HIV/AIDS: Esses pacientes possuem uma imunidade celular reduzida – contagem reduzida de linfócitos T-CD4+ – podendo-se observar manifestação periodontais, como o eritema gengival linear – sua etiologia não é totalmente explicada, mas pode estar ligada a infecção por Candida Albicans – periodontite necrosante e periodontite severa. Essas manifestações estão associadas ao grau de imunossupressão do paciente; !!! Síndrome de Down: Desordem genética, onde ocorre a trissomia do cromossomo 21. Esses pacientes possuem uma função neutrofílica anormal. Clinicamente, manifestam xerostomia, índice de placa elevado – acúmulo elevado – inflamação severa e bolsas profundas; !!! Outras Condições: Além destes, existem outros fatores que aparentemente contribuem para a instalação e agravamento da doença periodontal → estresse crônico – ligada a periodontite necrosante – trombocitopenia, agranulocitose, neutropenia, osteoporose e osteopenia, hipertensão, doenças, defeitos e polimorfismos genéticos, obesidade/síndrome metabólica, a condição socioeconômica e determinantes não modificáveis – como a idade e o sexo; !!! A etiopatogenia da doença periodontal é um processo complexo, em que os vários agentes se integram, para no final gerar a doença.
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