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2 - Motivação e características do comportamento motivacional [Unidade 1]

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Motivação e características do comportamento motivacional 
 
Por que as pessoas são capazes de demonstrar diferentes interesses e 
preferências diante de uma mesma coisa? Por que alguns são capazes de 
perder horas de vida tentando resolver um problema e outros, rapidamente, se 
sentem confortáveis em repassar o problema para outra pessoa e receber 
somente a solução pronta? A Psicologia defende que a diversidade de condutas 
individuais decorre do que chamamos motivação. 
 
DEFININDO MOTIVAÇÃO 
A palavra motivação deriva do latim movere e refere-se à direção do 
comportamento para um objetivo, o motivo de alguém se comportar de uma 
determinada maneira. Assim, falar de motivação é também falar sobre ação, a 
qual, por ser multicausal e contextual, requer o entendimento da influência de 
aspectos biológicos, psicológicos, históricos, sociológicos e culturais para a 
compreensão ampliada da conduta humana. 
 
Em linhas gerais, a motivação é um processo psicológico básico que demonstra 
relação com o comportamento e o desempenho humano, à medida em que esse 
comportamento é provocado e direcionado por objetivos e metas pessoais, cujo 
esforço deve ser seguido para atingir seus propósitos. Segundo Gondim e Silva, 
em seu artigo Motivação no trabalho, de 2014, a motivação é orientada por 
quatro ênfases. A primeira ênfase é na ativação, que representa o estado inicial 
de estimulação da pessoa, ou seja, o que é capaz de ativar seu comportamento, 
cujo motivo pode ser interno ou externo a ela. 
 
A segunda ênfase é na direção e está relacionado ao alvo, ao objeto da ação. A 
pessoa pode estar no controle dessa direção ou, ao contrário, ela pode estar fora 
do controle consciente da direção – imersa num impulso incontrolado ou 
condicionado. A terceira ênfase é na intensidade, relacionada à variabilidade da 
força da ação, possivelmente reforçada por um estado de carência (necessidade 
básica ou afeto) ou por um estado a ser alcançado (alvo). A quarta ênfase é na 
persistência, que busca compreender a motivação por meio da articulação das 
demais ênfases citadas, porém atrelando a permanência da ação a fatores 
pessoais (traços de personalidade, necessidades, desejos etc.) e/ou fatores 
ambientais (recompensas, relacionamentos com pessoas etc.). 
 
Os aspectos motivacionais e sua relação com o desempenho humano podem 
ser entendidos à luz de diversas teorias da motivação, historicamente 
construídas a partir da década de 1940. Não revisaremos aqui todas elas, mas 
algumas merecem destaque pela influência que exercem até hoje nas 
discussões sobre desempenho humano, sobretudo quando se trata da 
motivação no trabalho e na gestão das organizações. 
 
 
 
 
 
 
TEORIAS DA MOTIVAÇÃO 
A construção histórica das teorias da motivação teve seu marco na década de 
1940 com o advento da teoria das necessidades de Maslow, em 1943. 
Entretanto, o campo de pesquisas e desenvolvimento das teorias da motivação 
ainda continua em expansão, sobretudo dentro de abordagens cognitivas, que 
entendem o fenômeno da motivação em termos de equidade e estabelecimento 
de metas. A seguir, abordaremos três grandes teorias que exerceram e ainda 
exercem poderosas influências sobre a compreensão da motivação. 
 
Teoria das necessidades de Maslow: proposta pelo psicólogo Abraham Maslow, 
em 1943, que dizia que a ação de uma pessoa é orientada por uma hierarquia 
de necessidades, que parte de uma necessidade fisiológica básica (nível 1), com 
propensão para o autodesenvolvimento e crescimento pessoal (nível 5). 
Segundo essa teoria, demonstrada na Figura 1, um comportamento associado a 
perspectivas de amor e pertencimento (nível 3) só é motivado quando as 
necessidades mais básicas, como as fisiológicas (nível 1) e de segurança (nível 
2) estão atendidas. 
 
 
Figura 1. Pirâmide da hierarquia das necessidades básicas de Maslow. Fonte: 
Shutterstock. Acesso em: 16/07/2019. (Adaptado). 
 
Teoria da expectância de Vroom: elaborada por Victor Vroom, professor de 
Administração em Yale, entre 1964 e 1995, essa teoria introduz a concepção de 
expectativa no estudo da motivação. Nela, entende-se que as pessoas possuem 
uma visão instrumental na hora de decidir qual ação tomar, de forma que seus 
ganhos sejam maximizados e suas perdas minimizadas. Borges e Filho, em um 
artigo para a revista Estudos de Psicologia, em 2001, afirmam ser essa uma 
teoria de base cognitivista, que entende a motivação como resultado da múltipla 
função de três conceitos cognitivos: 
1 
 Valência: atribuição de valor positivo ou negativo aos resultados 
pretendidos. grau de atração; 
 2 
 Instrumentalidade: grau de relação percebida entre a execução de uma 
ação e a obtenção dos resultados; 
 3 
 Expectativa: antecipação do resultado. 
Teoria do Estabelecimento de Metas: teoria estruturada pelos psicólogos 
Locke e Lathan, em 1990, sustenta a premissa de que as metas variam segundo 
seu conteúdo e intensidade. Tais metas orientam a ação por meio de quatro 
mecanismos: 
1 
 Dirigem a atenção; 
 2 
 Mobilizam o esforço para a ação; 
 3 
 Encorajam a persistência da ação; 
4 
 Facilitam o desenvolvimento de uma estratégia de ação. 
 
Tais mecanismos cumprem um ciclo motivacional que parte do desejo (valor), 
segue para a transformação desse desejo em intenções definidas (metas), 
continua com a implementação de ações para a execução dessas metas 
(desempenho), satisfaz-se com os resultados de desempenho alcançados, e 
finaliza com a reorientação dos valores, metas e desempenho a partir dos 
feedbacks recebidos. 
 
Cabe ressaltar: pesquisas têm demonstrado que fatores motivadores com forte 
predição sobre o comportamento humano tendem a se originar de metas bem 
estabelecidas, específicas e desafiadoras, associados a uma percepção positiva 
de autovalorização. Entretanto, essas metas não estão desassociadas da busca 
pelo respeito e valorização dos valores pessoais, que em certa medida se 
relacionam também às diferentes culturas (nacionais e organizacionais). Assim, 
as metas são concebidas como um meio para a realização de valores. 
 
Em pesquisas interculturais, realizadas em países de todos os continentes, 
identificou-se uma tipologia motivacional com dez motivações, sugerindo a 
existência de uma espécie de tipologia universal da motivação. O Quadro 1 
ilustra as dez motivações e suas metas correlacionadas, categorizando-as em 
relação à própria pessoa; à família, à organização e sociedade; e ao 
universalismo e segurança. 
 
 
Quadro 1. Motivações do empregado e metas motivacionais. Fonte: TAMAYO; 
PASCHOAL, 2003, p. 42. (Adaptado). 
 
É importante dizer que a estrutura motivacional de uma pessoa nunca é estática. 
Pelo contrário, ela é dinâmica e seus componentes relacionam-se por meio de 
diferentes polaridades. Nem sempre as tendências motivacionais serão 
harmoniosas. Por serem dinâmicas e dependentes também de fatores internos 
e externos à pessoa, algumas delas podem se confrontar, gerando os conflitos 
internos. 
 
O VOO COMO FATOR MOTIVACIONAL 
A motivação por voar se faz presente entre os homens desde os tempos mais 
remotos. A mitologia grega nos traz o mito de Dédalo e Ícaro. Sucintamente, 
Dédalo, pai de Ícaro, engenhosamente constrói para si e seu filho dois pares de 
asas de penas, presas aos ombros com cera, para que fujam do palácio de 
Cnossos. Dédalo avisa a Ícaro para que não se aproxime demasiadamente do 
Sol a fim de que a cera que prendia as asas não derretesse. Mas Ícaro, 
deslumbrado com a condição de ultrapassar seus próprios limites e viver o prazer 
de voar, não respeita o aviso do pai e se aproxima do Sol, tendo suas asas 
desmanteladas e vivendo o que seria o primeiro acidente aeronáutico. 
 
Pergunte para qualquer aviador como ele encara o seu trabalho e a grande 
maioria dirá que voar não é um trabalho, é um hobby. O elemento propulsor 
motivacional do aeronauta está no desejo e no prazer associado ao voo; um 
prazer consciente, equilibrante psicologicamente e admirado pela complexidadeenvolvida. Sem dúvida, voar exige habilidades e capacitações técnicas, 
equilíbrio emocional e muita responsabilidade, o que torna essa atividade 
desafiadora por natureza e, portanto, detentora de um forte poder motivador. 
 
 
 
Podemos dizer que voar é produto do desejo inconsciente do homem realizar o 
naturalmente irrealizável, transpondo os próprios limites (ultrapassar 
velocidades, sustentar-se sobre a terra, dominar os ventos, driblar as 
tempestades) o que faz com que esse homem alado se sinta potente e poderoso. 
Voar justifica-se naquele sentimento de poder, permitindo que o homem arrisque 
na transgressão das leis naturais, transcendendo sua condição humana, 
aproximando-se dos deuses primordiais (PEREIRA, 2006, p. 23). 
 
A psicóloga da aviação Maria da Conceição Pereira, em seu trabalho de 2001, 
em um esforço de análise subjetiva da relação do piloto com a máquina, afirma 
que é no nível inconsciente que a força motivacional do desejo de voar se 
concretiza, quando “a dimensão motivacional desse homem passa efetivamente 
pela perspectiva do poder de transgredir, arriscar, ultrapassar as leis da 
natureza, e no desejo de superar a si e superar o que a natureza lhe impõe”. 
 
Em uma pesquisa realizada com pilotos de linha aérea por mim em 2018, foram 
enfatizadas as experiências de bem-estar associadas ao prazer e ao gosto pelo 
simples fato de voar enquanto uma atividade carregada de significação pessoal 
para o piloto. A pesquisa também pontuou o prazer em conseguir unir esse 
prazer pessoal de voar associado a uma atividade de trabalho, por meio da qual 
o piloto é remunerado e reconhecido profissionalmente, agregando a este modo 
de realização pessoal um significado profissional e um sentimento de utilidade 
social. 
 
CURIOSIDADE 
Nossa pesquisa foi apresentada na 71ª Sessão Plenária do Comitê Nacional de 
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CNPAA), ocorrida no dia 07 de maio de 
2019 no Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos 
(CENIPA), em Brasília-DF. Nessa plenária, foi formada a Comissão Nacional de 
Qualidade de Vida no Trabalho dos Tripulantes (CNQVT). 
Sob a presidência da Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil 
(ABRAPAC), por meio da psicóloga de aviação Karynne Cordeiro Bayer, a 
Comissão conta ainda com a participação do CENIPA, da Associação Brasileira 
das Empresas Aéreas (ABEAR), da Associação dos Aeronautas da Gol 
(ASAGOL), da Associação dos Tripulantes da Latam (ATL) e do Sindicato 
Nacional dos Aeronautas (SNA). 
 
Para os pesquisadores Yanowitch, Bergin e Yanowitch, em um artigo de 1973, o 
voo é, para os pilotos, uma “liberação emocional que os leva muito acima do 
mundo de homens terrestres”. Essa afirmativa nos leva a refletir sobre o caráter 
diferenciado que o ato de voar tem para essa categoria profissional. Não se trata 
apenas de uma máquina em que o piloto imputa comandos para que ela voe; a 
máquina é, antes de tudo, uma extensão de seu próprio corpo, dando forma a 
uma relação de identidade do piloto com sua atividade de trabalho. 
 
 
 
 
O prazer de voar é o que se compreende, então, na base dessa identificação do 
piloto com o seu instrumento de trabalho e, consequentemente, com a sua 
atividade laboral. Portanto, não se trata apenas do exercício de uma profissão, 
mas de ser, literalmente, uma pessoa capaz de voar e desafiar as leis da 
natureza. 
 
Uma transformação conjunta na qual o piloto, possivelmente encantado pelo 
poder, pelas características e pela performance do avião, torna-se detentor das 
mesmas capacidades por sua habilidade e competência em controlá-lo, 
enquanto a máquina se integra à personalidade do piloto, formando uma 
verdadeira unidade avião-piloto (BAYER, 2018, p. 211). 
 
Assim, é possível supor que é também por intermédio do voo que advêm as 
maiores sensações de prazer e reconhecimento existencial no piloto, fazendo do 
ato de voar um forte componente motivacional para a categoria profissional de 
pilotos.

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