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NOVO PRISMA AO ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Luana Von Linsingen Pasetchny Indaial - 2021 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. xxxxx xxxx, xxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xx. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. xxx p.; il. ISBN xxxxxxxxxxxxxxxxxxx ISBN Digital xxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD xxxxxx Impresso por: Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS .............................................................7 CAPÍTULO 2 A PRÁXIS .......................................................................................45 CAPÍTULO 3 PARÂMETROS PARA A PRÁXIS ...................................................89 APRESENTAÇÃO Caro acadêmico, ensinar Ciências é tão necessário quanto problemático. Você, por exemplo, saberia a utilidade do suor sem estudar a pele, o sistema excretor ou o endócrino? E sem aprender o que é o calor e os estados físicos da água? Provavelmente sim, mas de forma desorganizada e inserida em um sistema de abstração. A ciência – no singular, pois se trata de em uma entidade – está presente no cotidiano, em nossa língua materna e na matemática. No geral, porém, podemos vê-la “pelas pontas”, fragmentada, muitas vezes até enigmática. Outras tantas vezes a usamos questionamentos – ou você costuma pensar sobre o mecanismo do código de barras toda vez que vai ao supermercado? Essas “pontas” são principalmente os produtos da ciência, com os quais convivemos cotidianamente: remédios, computadores, roupas, telefones, televisão, revistas, canetas, fiação elétrica, esgoto, as paredes da casa. A lista é longa! Estamos habituados a viver usufruindo da ciência sem, contudo, problematizá-la, questioná-la, refletir sobre ela. O currículo programado pela maior parte das escolas – e que se reflete nos livros didáticos – faz com que os professores de Ciências abordem temas como matéria, energia, elementos químicos, gravitação, modelos atômicos. São assuntos geralmente estudados no colégio, mas que raramente retomamos no curso de Biologia. É possível trabalhar esses assuntos, inegavelmente importantes, sem recorrer a cálculos e fórmulas. Manter-se concentrado nos conceitos e procurar contextualizá-los por meio do enfoque ambiental e tecnológico, construindo-os para que os alunos exercitem a cidadania, pode ser a melhor opção. Nesse sentido, este livro tem como objetivo principal apresentar aspectos históricos, pedagógicos e metodológicos do ensino de Ciências e Biologia, especialmente no Nível Básico. Aliado a isso, discutiremos questões sobre a prática, com foco no professor iniciante. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram substituídos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os conceitos destas siglas facilitarão a sua prática enquanto professor: uma demonstração sobre a estrutura, a função e as orientações, com o enfoque das disciplinas de Ciências (para o Ensino Fundamental) e de Biologia (para o Ensino Médio). Pensando assim, no primeiro capítulo, temos a análise dos conceitos de ciência, conhecimento científico e conhecimento científico escolar. Em busca de uma compreensão acerca das dificuldades de se aprender Ciências na escola – cuja trajetória histórica é debatida brevemente – são apresentados os obstáculos epistemológicos de Gaston Bachelard, entre contribuições de outros autores. No segundo capítulo, discute-se a questão da saúde do professor – algo que costuma ser negligenciado –, aspectos do início da carreira docente e os saberes deste profissional. Também temos os dois pilares da atuação em sala: o planejamento e a avaliação, objetivando a chamada aprendizagem significativa, sem deixar de lado a importância das emoções neste diálogo. No capítulo seguinte, são abordados os tipos de abordagens de ensino, os objetivos de aprendizagem, as estratégias de ensino e os elementos da prática pedagógica. Comenta-se sobre as diferentes ideologias e práticas referentes à educação em Ciências, como educação ambiental e suas diversas vertentes, estudos de ciência, tecnologia e sociedade, e as novas tecnologias. Em seguida, apresentamos as DCN e a BNCC em sua estrutura, objetivos e função curricular, sob o foco do ensino de Ciências e Biologia. Os aspectos e conteúdo do ensino de Ciências e de Biologia, evidentemente, não são esgotados aqui. Ao longo do material, porém, caminhos são apresentados com o intuito de contribuir para conversas e estudo. Tendo em vista a relevância de se trabalhar a ciência em Ciências de forma crítica e criativa na Educação Básica, desejamos que você continue sempre a se formar e reformar, e que fique aberto a outras visões e leituras de mundo. Bons estudos! CAPÍTULO 1 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Contextualizar a evolução do ensino de Ciências e sua atualidade. • Caracterizar conceitos essenciais para a prática do ensino de Ciências, como ciência, conhecimento, conhecimento científi co e conhecimento científi co escolar. • Estimular a autoanálise sobre o ensino de Ciências, a fi m de evitar a perpetuação de equívocos. 8 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA 9 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO A sua habilitação proporciona vasto campo de atuação, ou seja, está capacitado a ministrar aulas ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio. Para qualquer nível que se vá, todavia, considerações acerca da natureza do conhecimento, da ciência, do conhecimento científi co, e sobretudo o modo com que são transpostos ao cenário escolar são relevantes para a prática, pois norteiam o ensino de Ciências. Essa postura implica na busca da caracterização da ciência como empreendimento humano em constante construção e transformação. Ao humanizar a ciência, possibilitamos o exercício da crítica e da construção de conhecimentos relacionados à perspectiva de cidadania. O papel do ensino de Ciências, no plural, em referência às diversas áreas – Física, Química, Biologia –, e seus desmembramentos, e consequentemente do professor, em linhas gerais, é estimular o pensamento refl exivo para os produtos da ciência, seus usos, sua origem e suas consequências prováveis; estimular a curiosidade, para que mais usos, origens e desmembramentos surjam; encorajar o resgate histórico, para que ocorra a compreensão do surgimento de objetos relacionadas à ciência, fortemente vinculadas a nossa própria sobrevivência. Alcançar esses objetivos nem sempre é fácil. Temos na educação raízes históricas presas a programas dos quais são difíceis de desembaraçar. Conseguimos contorná-los. Superá-los, no entanto, mesmo quando em certos momentos seja fl agrantemente necessário, ainda é um sonho. Assim, o cumprimento de programas é evidenciado ao fi nal de cada ano, por meio de exames de nossos ex-alunos em universidades, concursos públicos. Seremos cobrados pela equipepedagógica, pois esta é cobrada pelos pais, pelas secretarias municipal e estadual de Educação, e até pelos outros professores de Ciências e Biologia. A diversidade de cobrança pode gerar graves consequências: História da Ciência não cai no vestibular. A grande maioria dos alunos não tem condições de pagar um curso pré-vestibular, e mesmo os que puderem, terão que ter uma base mínima para poder aproveitar as aulas que são levadas a toque de caixa [nestes cursinhos]. Temos pouco tempo, e muito conteúdo, não podemos investir muito tempo, explicando várias vezes a mesma coisa e contando histórias que não serão cobradas nas provas” (SCHMALL et al., 2006, p. 71). Compreender o modo de funcionamento do conhecimento científi co, portanto, auxilia a refl etir sobre as aulas, bem como a superar os sentimentos 10 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA de frustração. Pensar sobre como o ensino de Ciências foi instaurado no Brasil nos auxilia a compreender a maneira pela qual ensinamos, apesar das diversas propostas metodológicas alternativas e novas propostas curriculares. É sobre essas questões que trataremos neste capítulo. 2 O CONCEITO DE CONHECIMENTO Possuir conhecimento é algo valorizado. Em certas ocasiões, aparece articulado a atitudes sociais e outros conceitos caros, como conscientização, cidadania, responsabilidade, ou relacionado estritamente às formas técnicas e metodológicas de sua aquisição (TOZONI-REIS, 2004). Qualquer que seja a vertente em análise, há no mínimo dois aspectos que podemos ressaltar: raramente a ideia de conhecimento está vinculada à criatividade e à imaginação, o que sem dúvida precisa ser revisitado; e existe a concepção consensual de que é algo elaborado desde cedo, na infância. “O processo de formação dos conceitos na criança se inicia quando esta assimila pela primeira vez o termo novo. É o seu uso que vai garantir a efi cácia do conceito como processo de pensamento” (VYGOTSKY, 1993 apud CARVALHO, 2006, p. 111). Embora o conhecimento seja associado à razão (ou o que se acredita ser a razão), Nietzsche, segundo Silva (2007), considerava crucial a questão do valor, do sentido da existência, e que esses assuntos deveriam ser tratados na escola como qualquer outro tópico. Então, o que é conhecimento? É fundamental que não transformemos esta simples pergunta em algo banal. Conhecimento traz implicações históricas, sociais, culturais, de vida individual e coletiva e, como afi rma D’Ambrosio (1998), é algo gerado, organizado e difundido – tudo ao mesmo tempo. É, assim, uma assimilação, uma interpretação que o sujeito faz com aquilo que interage, a partir daquilo que já interiorizou (CUNHA et al., 2017), sendo resultado, portanto, da experiência. Se a experiência é assimilação, interpretação, por que é vinculada à razão? Precisamos dos sentidos para experienciar a realidade e os sentidos 11 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 estão imersos em emoção – no sentido dado por Maturana (2001), aquilo que nos move à ação. Talvez exista essa estreita relação com a razão pelo fato de que o conhecimento que será comunicado aos demais, na forma oral ou escrita, foi organizado, sistematizado e pensado de modo a tentar tornar a experiência compreensível aos outros. Mesmo assim, houve experiência, contato sensível com o mundo antes de ocorrer a racionalização, e isso não pode ser ignorado, ou colocado como menos importante ao tema. A elaboração do conhecimento acontece em quatro dimensões conjuntas: a sensorial, a intuitiva, a emocional e a racional. Tradicionalmente, no entanto, a última dimensão é a considerada no signifi cado aferido ao conhecimento. Sob essa perspectiva, o conhecimento relacionado ao acúmulo de saberes, descobertas, passagens históricas e conceitos. Ao tratar sobre o átomo, por exemplo, podemos traçar uma linha histórica linear de Demócrito a Bohr, passando pelo modelo pudim de passas e os demais, apenas para chegar ao de distribuição eletrônica, indicando-o como o mais recente, mais aceito. Podemos também fazer isso com a fotossíntese, a evolução, a tectônica das placas, a estrutura celular. Esse conhecimento, no entanto, foi construído de forma linear? A resposta é negativa. Foi um trajeto sossegado e consensual? Também não. Em quase todos os temas científi cos houve idas e vindas, discussões calorosas, golpes, desonestidades, desafetos pessoais, imposições sociais e de poder, desespero e muitas dúvidas – muitas das quais ainda persistem. Houve momentos de sorte, outros de “sacações”, diante de horas e horas de estudos, pesquisas e testes. A criatividade, nas últimas décadas, tem sido reconhecida como um dos aspectos mais relevantes do desenvolvimento humano, ou seja, é vista como uma das responsáveis pelo dinamismo da sociedade e pelo bem-estar dos indivíduos na medida em que facilita sua adaptação ao meio” (NADAL et al., 2016, p. 55). Sob esse ponto de vista, ensinar aspectos da produção e do desenvolvimento do conhecimento como se fosse algo tranquilo, durante o qual todos concordaram com as iluminadas manifestações de poucos, privilegiados gênios – preferencialmente ocidentais e homens – é contraproducente e deslavada mentira. Se as inteligências são múltiplas, e em consequência as fontes de conhecimento e as formas e os modos de apreensão, desenvolvimento e criação de conhecimento também. É um fato complexo, e como educadores não podemos ignorar, por mais difícil que seja gerir na prática. 12 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA O conhecimento possui muitas fontes, causas de erros e ilusões múltiplas e renovadas, o que gera incerteza, sobre a qual a educação possui o dever de considerar. A incompletude é condição que nos alivia do peso da perfeição e do progresso. A mente humana tende a ampliar seu grau de organização interna continuamente, e é assim que se adapta ao meio. Sempre existirão desafi os, questionamentos, revalidações. É uma das belezas de ser humano! Por que, então, insistir em transformar o ato de conhecer tão difícil na escola? Talvez, por estarmos focados no aspecto organizado, há o esquecimento de que o caos é um importante aliado. “O esquecimento é cada vez mais devastador numa civilização obcecada pelo presente” (MORIN, 2007 apud LOSS, 2015, p. 55). Enquanto é gerado, organizado e difundido, o conhecimento sofre infl uências de condições bioantropológicas, socioculturais e noológicas (MORIN, 2000). Vejamos alguns conceitos da área. • Bioantropológico: possui relação com aptidões físicas do cérebro e singularidades da mente humana. • Noológico: relativo às teorias abertas, as quais permitem a sua própria crítica, reformas, e abraçam o pensamento da complexidade. • Geoide: modelo aperfeiçoado do formato da Terra, considerando seus achatamentos nos polos, além das variações de origem gravitacional. Capturamos e apreendemos a realidade por meio de nossos sentidos básicos; esses estímulos ou sinais, quando captados, não são de forma imediata. De início, são codifi cados pelos órgãos envolvidos e pelo aparato mental. Logo, a comunicação entre órgão receptor e área interpretativa não é um simples caminho. Exemplos não faltam: podemos pensar que estamos parados quando sentados no escritório, todavia, estamos em movimento, acompanhando o planeta. Não temos como perceber que a Terra é redonda – ou melhor, “geoide” – pelos nossos aparatos biofi siológicos. Há registros pela medicina de pessoas que sentiram formigamento e dor em membros amputados. Podemos, assim, detectar formas conhecidas em 13 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 sombras disformes e acreditar que vimos alguém. Podemos até ouvir sons que, em verdade, estão apenas na nossa imaginação. O ponto em comum entre todos esses fatos é de que podemos ser enganados pelos sentidos e pelo nosso grande interpretador de sinais: o cérebro. Nas palavras de Hanson (1975 apud ALMEIDA; NARDI; BOZELLI,2009): “Dois observadores não veem a mesma coisa em um mesmo conjunto de dados”. O conhecimento é um acúmulo de experiências e práticas, e de refl exões sobre elas, de explicações e teorizações que partem das refl exões, sejam elas profundas ou passageiras. Para D’Ambrosio (1998), o conhecimento está em permanente transformação e crescimento, por conta da existência de um confl ito contínuo entre o conhecimento coletivo e o individual – tese defendida por diversos antropólogos na discussão acerca do conceito de cultura. O conhecimento individual sempre cresce e aumenta em desordem, por estar associado à criatividade. Nesse sentido, o coletivo tende a ser ordenado em função do processo de compartilhamento pelas comunidades e sociedades, e está associado ao que se entende por tradição: valores, explicações sedimentadas, modos de comportamentos validados, entre outras orientações para o viver e proceder dos indivíduos. Por falar em coletivo, seu conceito é abrangente, pois sai do aspecto “meu grupo, minha cultura”. Lembre-se de que a ciência moderna ocidental é apenas um exemplo de conhecimento, inclusive um tipo de “uma série de Ciências igualmente válidas construídas pela humanidade ao longo de sua história” (EL- HANI; MORTIMER, 2007 apud CUNHA et al., 2017, p. 32). Não convém esquecermos de que “as populações tradicionais possuem saberes sobre os ciclos da natureza tão aprofundados quanto os das ciências naturais, pois esses povos dependem diretamente dos seus recursos para sua sobrevivência” (CUNHA et al., 2017, p. 32). Você sabia que a ideia de evolução por meio da seleção natural foi desenvolvida antes de Darwin, pelo fi lósofo muçulmano conhecido por Al-Jahiz? Em sua época, havia uma escola de pensamento teológico que defendia o exercício da razão humana. O papel foi introduzido por comerciantes chineses, o que impulsionou a difusão de ideias. Obras acadêmicas eram traduzidas do grego para o árabe, e Baçorá sediou importantes debates sobre religião, ciência e fi losofi a, 14 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA moldando a mente de Al-Jahiz e a formulação de suas ideias. Vale a pena dar uma lida no artigo e saber mais sobre este obscuro iluminado. Para saber mais, acesse: glo.bo/2OkBBok. Dentro do que se entende por conhecimento coletivo, portanto, está o conhecimento disciplinar. Apesar do caos necessário para que novas ideias surjam, o compartilhamento delas precisa ser organizado. É assim que surgem as ideias das disciplinas, trabalhadas em um contexto educativo. As disciplinas são modos de explicar, manejar, refl etir, prever comportamentos e fenômenos. Tais modos estão associados a normas e procedimentos e são organizados de acordo com critérios próprios e específi cos. Não é preciso dizer que todas as áreas do conhecimento humano passam por critérios disciplinares, da fi losofi a à manutenção doméstica, de modo que todas possuem relevância. O estudante convive com determinada disciplina curricular de mãos dadas a seu conhecimento individual: a própria história, suas percepções interpretadas, suas ilusões e convicções e, ainda, dentro do contexto de ensino básico, suas transformações físicas, hormonais e emocionais, e específi cas de sua individualidade, o que ajuda a dispersar sua concentração. A existência de confl ito nesse encontro de conhecimentos, cheios de interesses divergentes, torna-se bastante natural e compreensível. É nesse contexto de tensão que a educação tenta ser concretizada. 3 CONCEITO DE CIÊNCIA Falar de ciência pode parecer para certas pessoas algo estranho, pois conseguem considerá-la apenas aquilo que os cientistas fazem. Será que de fato sabemos o que fazem os cientistas? Ao questionarmos em sala de aula o que cada criança considera sobre esta temática, podemos ter respostas das mais diversas, como: aquilo que gera a natureza; a vida; o corpo humano; uma descoberta; aquilo que dá valor ao mundo. Por que inferir tamanha importância à ciência? Vai além de mero agregado histórico de fatos, interpretações e conceitos; confere valor ao mundo, agrega aspectos morais e éticos. A partir do momento em que isso acontece, a confortável prerrogativa de neutralidade não existe mais, e daí a verifi car sua estreita ligação com a política, a religião, a cultura, a economia, entre outros, bem como os diferentes interesses relacionados, se torna muito necessária. 15 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 A associação de ciência com o estudo de Ciências pode ser resultante do modo pelo qual habituamos as crianças a encontrarem o universo científi co conscientemente apenas nas aulas desta disciplina, sem auxílio na transposição deste universo ao cotidiano externo, fora da escola. Até o 6º ano, ao menos no currículo ofi cial, a microbiologia não é abordada, por exigir grau de abstração considerado complexo a crianças mais novas. No entanto, basta ir algumas vezes ao médico em razão de febre, dores de garganta, micose, diarreia para ter contato com os termos “célula”, “bactéria”, “fungo”. No contexto médico, fora do contexto “sala de aula”, uma coisa não parece ter relação com a outra. Para colaborar, Latour (2000, p. 33) afi rma que: “O que eles [os cientistas] fi zeram está visível nas máquinas que usamos, nos livros pelos quais aprendemos, nos comprimidos que tomamos, nas paisagens que olhamos, nos satélites que cintilam no céu noturno sobre nossas cabeças. Como o fi zeram, não o sabemos”. Para tanto, Maturana (2001, p. 126) conclui que: “Nós, cientistas, fazemos ciência como observadores, explicando o que observamos. Como observadores, somos seres humanos”. Esta refl exão remonta ao que estamos discutindo sobre o conhecimento. Observamos por meio de nossos sentidos, e podemos ser enganados por eles. A ciência, então, é passível de engano? Em breve abordaremos essa questão. “Para muitos, a Ciência é algo ainda distante e um tanto difuso”, afi rmam os professores Bazzo, Linsingen e Pereira (2003, p. 14). A associação mais comum – de relacionar a atividade científi ca quase privativamente a desenvolvimentos científi cos notáveis ou nomes de cientistas icônicos, embora sem recordar ao certo o que faziam exatamente – está dentro do que autores chamam de concepção herdada (ou tradicional) da Ciência. Nesta, é vista como um “empreendimento autônomo, objetivo, neutro e baseado na aplicação de um código de racionalidade alheio de qualquer tipo de interferência externa” (BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003, p. 14). A concepção herdada remonta à visão denominada positivista da Ciência, vigorando entre os estudiosos e pesquisadores até a década de 1960. Por volta desse período, em um palco em que surgiam novas propostas de se ver o mundo – na música, na literatura, no teatro, no cinema, na sociedade, na política, na moda, na psiquiatria, na linguística, nos esportes, enfi m, em praticamente todos os setores humanos –surgem novas propostas para se ver a Ciência. Bazzo, Linsingen e Pereira (2003) organizaram as principais diferenças, apresentadas sucintamente no quadro a seguir. 16 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA QUADRO 1 – CIÊNCIA ACADÊMICA E CIÊNCIA REGULADORA OBJETO CIÊNCIA ACADÊMICA CIÊNCIA REGULADORA Metas “Verdades” originais e signifi cativas. “Verdades” relevantes para a formula- ção de políticas. Instituições Universidades, organismos públicos de investigação. Agências governamentais, indústrias. Produtos Artigos científi cos. Informes e análises de dados que ge- ralmente não são publicados em vias tradicionais. Incentivos Reconhecimento profi ssional. Conformidade com os requisitos legais. Prazos Flexíveis. Regulamentados, pressões institucio- nais. Opções Aceitar a evidência, rechaçar a evidên- cia, esperar por melhores dados. Aceitar a evidência, rechaçar a evidên- cia. Instituições de controle Pares profi ssionais. Instituições legisladoras, tribunais, meios de comunicação. Procedimentos Revisãopor pares (formal ou informal). Auditorias, revisão reguladora profi ssio- nal, revisão judicial, vigilância legislati- va. Padrões Ausência de fraude e falsidade, confor- midade com os métodos aceitos pelos pares, signifi cado estatístico. Ausência de fraude e falsidade, confor- midade com os protocolos aprovados e com as diretrizes da agência institu- cional, provas legais de sufi ciência (ou seja, evidências substanciais e prepon- derância da evidência). FONTE: Adaptado Bazzo, Linsingen e Pereira (2003) Percebemos que a ciência tradicional (ou acadêmica) se move em um ambiente de consenso teórico e prático, não possui implicações políticas imediatas, e impede, em geral, a participação pública e de grupos de interesse. Há até críticas com relação a essa conduta, levando à anedota de que os cientistas são “PhDeuses”, vivendo isolados da realidade do mundo e insensíveis aos seus apelos imediatos. É evidente que isso necessita de ponderação, uma vez que rotular pessoas e ideias é conduzir ao erro de julgamento, e uma discriminação desnecessária. Já a Ciência reguladora mostra uma atividade científi ca focada na assessoria de formulação de políticas, e proporciona as bases para a ação política. Os cientistas aqui alocados lidam com fatos incertos, paradigmas teóricos pouco desenvolvidos, métodos inconsistentes, pressão, escassez de conhecimento e de tempo, entre outros aspectos controversos. Exemplos são as análises de impacto ambiental e a avaliação de tecnologias. 17 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 Ao contrário do que parece ocorrer na Ciência acadêmica, a reguladora transita na chamada transciência, ou seja, quando surgem questões que dizem respeito à Ciência, mas que os cientistas não conseguem responder com a precisão que se espera ou necessária. Em outras palavras, transciência é quando a Ciência ultrapassa a si. Em que situações isso ocorre? Quando for impossível: a) Determinar diretamente as probabilidades de que aconteçam eventos extremamente infrequentes Há situações em que não é possível estipular se determinado problema acontecerá ou não. A probabilidade de um acidente envolvendo reatores nucleares é tão baixa, por exemplo, que não podemos dizer que a construção de uma usina de tal porte seja desaconselhável. Por outro lado, não é possível afi rmar que seja completamente segura, e os riscos envolvidos em uma falha são grandes. b) Extrapolar o comportamento de protótipos ao comportamento de sistemas em escalas reais sem perda de precisão É algo frequente nas engenharias. Antes de lançar um novo modelo de foguete são necessárias simulações em laboratório, com protótipos, e conserta-se o que não funcionar. Não há garantia, contudo, de que tudo funcionará depois de transformar o protótipo ajustado em um foguete concreto. Além do mais, existem situações em que não há como aguardar resultados completos, dados mais precisos, antes de tomar decisões, sejam elas de ordem econômica, política, social, e que fazem com que o mercado tenha novos medicamentos sem testes fi nalizados, como o caso de alguns anticoncepcionais. c) Responder a questões de valor Pedir a um corpo de cientistas para que decida quais os problemas mais importantes, urgentes, prioritários, aos quais a Ciência deve se dedicar extrapola sua fi nalidade, pois as respostas são custosas e demandam tempo. Outrossim, o que ela estuda é amplo e depende de variáveis, além de questões envolvendo juízos éticos, políticos e estéticos, e não apenas científi cos. É também difícil falar de Ciência como algo inserido ou orientado por um método ou estrutura específi ca. Bazzo, Linsingen e Pereira (2003) indicam pelo menos cinco estilos de conhecimento científi co como principais norteadores de paradigmas, conforme as características das microáreas. 18 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA • Exploração e medição experimental: próprias da física, química e biologia. • Elaboração de modelos hipotéticos: comuns nas ciências cosmológicas ou cognitivas, bem como nas teorias atômicas. • Classifi cação e reconstrução histórica: presente na fi lologia – o estudo da língua –, na arqueologia e na biologia evolutiva. • Elaboração de postulados e provas: específi cas da lógica e da matemática. • Análise estatística: em economia e partes da genética, e na biologia comportamental. Disso concluímos que não se pode falar genericamente da ciência, pois cada ciência possui características e modos de produção (ALMEIDA; CASSIANI; OLIVEIRA, 2008). O trabalho do cientista não é isolado, sobretudo atualmente. Não se desenvolve por meio de descobertas individuais, mas por meio de cooperação, competição, base de dados ampla, identifi cação de tendências, comparação de dados com outras equipes, fi nanciamento, orientação ideológica (BIZZO, 2008 apud SANTOS; SARTORI; ODY, 2016). Ainda podemos, no entanto, abordar a atitude científi ca ou saber científi co, pois existe credibilidade conquistada por resolver muitos dos problemas da humanidade, como os avanços na medicina, as melhorias da engenharia, a descoberta e o uso da eletricidade, da física quântica. Parte desse êxito está apoiado ao uso da matemática, de procedimentos padronizados por provas e refutações, à generalidade de suas afi rmações e conhecimentos, à instrumentação e às práticas experimentais além de criatividade e diálogo. Vale destacar que o paradigma de progresso como sinônimo de conhecimento científi co esteve intimamente relacionado à Revolução Industrial, ocorrida no século XIX, na Europa. A atividade científi ca, porém, remonta a antes disso, ao século XVII, e surgiu, de acordo com Cunha et al. (2017, p. 27), “como opção às explicações sobrenaturais de mundo oferecidas pela Bíblia ou pelas explicações dadas pelos fi lósofos da antiguidade”. Na compreensão de AntónBoix (2004 apud CUNHA et al., 2017), substituiu o sacerdócio religioso pelo científi co. Parte disso ainda persiste, quando encaramos o cientista como um “representante acreditado de uma conduta em relação à qual toda forma de resistência poderá ser considerada obscurantista ou irracional” (STENGERS, 2002, p. 31). A Ciência moderna é fruto das mudanças relacionadas a visões de mundo, em que passa a ser vista como modo privilegiado de controle e exploração da natureza, e as relativas ao setor econômico, já que existe crescente interesse em investimento em pesquisas científi cas por parte de industriais e governos. 19 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 Tornando-se porta-voz de um movimento de denúncia, Stengers (2002, p. 32) acusa: “‘Em nome da ciência’, incontáveis animais foram vivisseccionados, descerebrados, torturados, a fi m de produzir dados ‘objetivos’”. Podemos concluir que, longe do ideal de neutralidade e linearidade, a Ciência se constrói em relação a visões de mundo, valores, conhecimentos, e está repleta de controvérsias e questões de poder. Ao mesmo tempo, é possível compreender que a educação dessa área se vincula historicamente ao desenvolvimento científi co. Sendo assim, as diretrizes para o ensino de Ciências que indicam como ensinar carregam concepções da área vigentes na sociedade, e assim ocorre com outros conteúdos considerados relevantes. A ciência tem sua base no empirismo, e possui tem a experiência como fonte de conhecimento. Para a ciência moderna ocidental, o conhecimento científi co é conhecimento provado. Logo, leis e teorias científi cas são formuladas a partir de sucessivas experimentações que provam hipóteses (CUNHA et al., 2017). Não podemos, porém, tirar de vista que nas pesquisas e experimentações os cientistas agem “sob a disposição corporal interna (a emoção) de seguir o caminho da validação de nossas proposições explicativas, não o de encontrar as condições de sua falsifi cação” (MATURANA, 2001, p. 44). Quanto mais convencidos estão os cientistas de determinado paradigma, mais procurarão por sua validação. É importante tambémdistinguir ciência de cientifi cismo. Este, “ao promover publicamente o domínio e a superioridade da ciência, minimiza o valor de outras formas de conhecimento perante a opinião pública.”, como criticam El- Hani e Sepúlveda (2006 apud CUNHA et al., 2017, p. 29). Ainda, ciência de pseudociência, que arregimenta uma “aparência científi ca” para sustentar argumentos não científi cos. Ciência, sendo produção humana, “é infl uenciada e sujeita a mudanças ao longo de sua história, podendo ser reformulada a depender dos contextos sociais, políticos e econômicos (CUNHA et al., 2017, p. 30). Para referendar, “uma verdade é considerada válida somente porque ela ainda não foi falseada, ou em outras palavras, até que outra teoria mais adequada a substitua” (POPPER apud CUNHA et al., 2017, p. 30). Se tivermos em conta a história da ciência e entendê-la como um processo, e não como arsenal de “verdades prontas”, veremos que é composta por “processos de revoluções existentes dentro dos movimentos científi cos, formadores da própria ciência, em que os paradigmas são modifi cados ou totalmente substituídos” (KUHN apud COAN; SANTOS, 2016, p. 139). 20 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA Outro motivo pelo qual não se pode falar em neutralidade em se tratando de ciência é o que Stengers (2002, p. 35) aborda: “O título de ciência confere àquele que se diz ‘cientista’ direitos e deveres”, defendidos perante a sociedade e infl uenciadores sociais. Ou seja, diante da argumentação de um médico com várias especializações no exterior, e a de uma benzedeira sem Ensino Fundamental, em qual você depositará a saúde de um familiar? 3.1 A MENTE QUE OBSERVA O cientista, como qualquer indivíduo, percebe as informações por meio de seus sentidos (a visão, a audição, o tato, o paladar, o olfato) e as interpreta com um aparato mental não passível de se enganar na recepção e na decodifi cação dos estímulos, e também com infl uências de seu entorno ambiental – seu contexto histórico, limitações tecnológicas, paradigmáticas, morais e éticas. Portanto, “na medida em que se trata da percepção, a única coisa com a qual um observador tem contato direto e imediato são suas experiências, [que] não são dadas como únicas e imutáveis, mas variam com as experiências e conhecimento do observador” (CHALMERS, 1993 apud ALMEIDA; NARDI; BOZELLI, 2009, p. 51-52). Sendo assim, dados de pesquisas não são tão diretos e objetivos como costumamos achar. Para início de conversa, não se faz pesquisa por mera curiosidade. Pesquisas envolvem grandes demandas de ordem econômica que precisam ser justifi cadas, e envolvem encomendas, as quais refl etem interesses. O olhar do cientista está com um direcionamento prévio, e isso certamente afetará sua interpretação dos dados. As interpretações ocorrerão conforme uma redoma de pré-leituras que o cientista, como observador e/ou manipulador de fenômenos, inferirá na apuração dos dados obtidos. Ele possui ideologias, preferências teóricas, pressões políticas, seus bons e maus momentos – e tudo isso interfere na análise. O fator emocional não costuma ser levado em conta quando pensamos sobre ciência. Herdamos a concepção positivista de vê-la: a que enfatiza a racionalidade, a objetividade, a lógica matemática, e o que pincela a atividade científi ca no sentido de neutralidade e “pureza” empírica (que são mitológicas). O empirismo é um movimento fi losófi co que postula as experiências como as principais formadoras de ideias. Surgiu como contraponto à noção de inatismo, ressaltando a importância de uma metodologia lógica e experimental para a 21 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 atividade científi ca em uma época em que muitas teorias eram fundamentadas na fé e na intuição. Teve sua importância em sua época, todavia, sofre críticas por desdenhar de outros fatores atualmente reconhecidos como importantes, como a criatividade e a imaginação. Apesar de tudo isso, no senso comum, ainda é a imagem mais infl uente. Stengers (2002, p. 31) é enfática: “As ciências experimentais não são absolutamente representativas da totalidade do campo científi co”. Nas palavras de Meksenas (apud CAMPOS, 2015, p. 146), a pesquisa é o “olho da ciência”, isto é, uma atividade que envolve “fi tar, mirar e contemplar fenômenos, fatos, objetos ou interações sociais”. A pesquisa, o questionamento deve ser o emblemático para a atividade científi ca, não propriamente a experimentação. 3.2 EVIDÊNCIAS ESCOLHIDAS Não raramente ocorre, durante a atividade científi ca, a produção de mais de uma teoria ou hipótese, com valores empíricos equivalentes, cujas explicações para um fenômeno em comum são incompatíveis. Como decidir esse impasse? Qual explicação será a mais válida? Quem decide isso? De acordo com Hanson (1975 apud ALMEIDA; NARDI; BOZELLI, 2009, p. 103-104), “a ciência não se inicia com a observação, já que um tipo de teoria a precede”, fazendo com que as observações não estejam assentadas em uma base fi rme o sufi ciente para que o conhecimento científi co seja construído. Frequentemente, a chamada “evidência empírica relevante”, ou aquela teoria ou hipótese escolhida como a explicação a vigorar, é aquela cuja carga teórica de observação é a do contexto ideológico vigente. Quem decide? A comunidade científi ca, que, como qualquer outra comunidade, associação, é política e possui interesses que vão do econômico ao pragmático. Por conta disso, Latour (2000) pensa na atividade científi ca como um processo social como qualquer outro, regulado basicamente por fatores de ordem econômica, prazos apertados, expectativas profi ssionais ou interesses sociais específi cos – aquela que o autor chama de ciência em ação: uma mistura caótica da qual se foge para dar preferência aos contornos organizados do método e da racionalidade científi ca. Um exemplo de tal atmosfera, e que mistura caos e ordem, podemos encontrar no fi lme E a vida continua, de 1993. 22 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA E a vida continua pode até ser um fi lme antigo, com um ar talvez considerado “parado”, mas vale a pena ser assistido. Apoiado na temática da descoberta do vírus HIV, no início dos anos 1980, narra o nascimento de uma pergunta de pesquisa e a epopeia envolvida na busca por sua resolução, perpassada por aspectos envolvendo orientação sexual, ética de pesquisa, política estadunidense, batalhas entre laboratórios, distribuição de recursos, guerras e barreiras internacionais. FONTE: <bit.ly/3czvA2q>. Acesso em: 15 jul. 2020. Quais são as origens dos recursos para o empreendimento científi co que, como sabemos, não costumam ser encontrados com facilidade? Quem fi nancia a pesquisa científi ca e por qual motivo? Tendo isso em vista, “é lícito imaginar que essa é uma atividade socialmente comprometida, e que os fi nanciamentos se destinarão preferencialmente para a busca de determinados conhecimentos e não de outros (...). É por isso que não se pode considerar a ciência como atividade neutra e nem autônoma” (CASSIANI; LINSINGEN; PEREIRA, 2008, p. 92). Isso não implica necessariamente dizer que a ciência seja uma atividade arbitrária, um “simples resultado de um ‘acordo’ entre cientistas e não prove nada mais que uma convenção humana qualquer” (STENGERS, 2002, p. 22). 3.3 ADAPTAÇÕES DINÂMICAS Considerando a ciência sob essas premissas, parece ser compreensível a resistência dos fi lósofos e cientistas dos séculos anteriores em aceitar novas teorias, por mais sólidas e cuidadosas fossem as argumentações e atividades 23 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 empíricas envolvidas – teorias perfeitamente aceitas no campo científi co hoje em dia, como a biogênese, a existência de organismos microscópicos, a teoria celular. Utilizemos o exemplo da biogênese e sua teoria antagônica, a geração espontânea. Os que acreditavam nesta formação estavam entre os intelectuais de sua época e observavamos fenômenos com o arcabouço teórico e ideológico disponível. A noção de evolução estava longe de ser proposta no Ocidente, de modo que o fi xismo, aceito até o século XVIII, foi o paradigma que norteou as elaborações de todas as áreas do conhecimento. Se Deus criava as espécies, nada havia de espantoso em pensar que plantas brotavam da terra, ou que larvas surgiam da carne morta. O demorado e conturbado enfraquecimento do paradigma da geração espontânea e da ascensão do paradigma da biogênese é um exemplo que demonstra outra característica importante: o dinamismo da ciência. Para Chassot (1996 apud SANTOS; SARTORI; ODY, 2016, p. 39), na “ciência não existe uma verdade imutável, mas sim algumas verdades que são transitórias e que, inclusive, de tempos em tempos, modifi cam-se”. “Novas informações provocam desequilíbrios e na sequência promovem a reestruturação (acomodação), construindo novos esquemas de assimilação até alcançar um novo equilíbrio, elevando o grau de desenvolvimento cognitivo do sujeito” (SANTOS; SARTORI; ODY, 2016, p. 39-41). O pensador a quem se credita essa noção é Thomas Kuhn, o qual, em 1962, denominou os períodos de estabilidade como ciência normal, e os de instabilidade como ciência revolucionária – visto que as instabilidades gerariam rupturas no paradigma vigente, revolucionando toda a teoria científi ca ou parte dela. Durante a ciência normal, os cientistas, orientados pelo paradigma teórico compartilhado, trabalham dentro de uma rotina conhecida, buscando e aprimorando detalhes de problemas teóricos e experimentais que não divergem do paradigma. Ao mesmo tempo, entretanto, pequenos problemas sem solução, ou que põem em dúvida aspectos do paradigma, aparecem. Em princípio são deixados de lado – pequenas notas sem importância aparente, publicações em revistas menos renomadas, ou mesmo anotações guardadas e “esquecidas”. Quando seu acúmulo chega ao ponto em que se torna impossível ignorá-los, a lógica dominante passa a ser questionada e inicia-se uma crise. Essa crise é caracterizada pelo surgimento de paradigmas alternativos e por polarizações dentro da comunidade científi ca. Um exemplo disso é o uso da Cannabis sativa na medicina quando os medicamentos usuais não são sufi cientes. A rivalidade provoca uma mudança na produção dos problemas 24 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA disponíveis, nas metáforas usadas e nos valores da comunidade, induzindo a uma alteração na imaginação científi ca. Ocorre uma guinada no modo de se ver e fazer a ciência. Velhas questões são revisitadas, trabalhos são revistos, resultados são reanalisados sob a nova ótica, o que leva a novas descobertas, feitas sobre velhos axiomas – é a revolução científi ca em andamento. Axioma é a premissa compreendida como evidente e admitida como universalmente verdadeira, sem exigência de demonstração. Aos poucos a agitação diminui, o paradigma revolucionário se torna vigente, e a ciência retoma seu estado de normalidade. Nem sempre os modelos explicativos anteriores são descartados; traços dos velhos modelos podem ser mantidos em paralelo aos novos, quando cabíveis. Sendo assim, a mecânica clássica (newtoniana) oferece explicações plausíveis para problemas, mas a mecânica quântica possui respostas para questões que aquela não teve como responder. As duas fases são essenciais para o desenvolvimento do conhecimento científi co, e podemos dizer que essa dinâmica se refl ete na mente dos estudantes quando apresentados ao que, para eles, são novas representações do mundo conhecido desde seu nascimento, e reforçado por seus sentidos todos os dias. Como em toda mudança, há resistência. Logo, carisma por parte dos educadores de Ciências e de Biologia é fator determinante, como se precisassem seduzir a mente dos alunos para a lógica científi ca. Uma vez que o conhecimento possui entre suas dimensões a carga emocional, afetiva, o aluno pode não querer se convencer pela nova forma de encarar os fatos, já que o modo pelo qual via o mundo era mais atraente, mais seguro. No momento em que for necessário abandonar uma convicção, caso não ocorra a tomada imediata de outra – e muitas vezes não há –, há uma vacilação intelectual que refl ete no emocional. É como se o professor estivesse acenando do outro lado do abismo: ainda que ele assegure a existência de uma ponte, se para o aluno ela não esteja visível, simplesmente não atravessará o vazio. 25 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 4 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO Diante do mundo, os primeiros conhecimentos que construímos são baseados em situações sensíveis: o que vemos, o que tocamos, o que ouvimos, o que sentimos pela gustação e pelo olfato. Palpáveis ou vagas, são impressões concretas, oriundas do mundo imediato, físico. Não é necessidade de ir além da explicação que nosso próprio corpo já oferece. O conhecimento científi co tem por diferencial a abstração das impressões concretas. Ele exige um exercício de alteridade, uma inversão de perspectiva, uma mudança no modo de interpretar o que nossos sentidos capturam da realidade. Para que essa inversão ocorra, para que o “suor” da garrafa se transforme em condensação, é necessária uma ruptura. Para Bizzo (2008 apud SANTOS; SARTORI; ODY, 2016, p. 38), a ciência (ou o conhecimento científi co), “é muito mais uma postura, uma forma de planejar e coordenar pensamento e ação diante do desconhecido”. A explicação científi ca, por vezes, defende o contrário da explicação espontânea – a que vem das impressões sensíveis. Enquanto esta se apresenta esparsa e contraditória em si, porém satisfatória, aquela se pretende coerente (ao menos durante seu período de normalidade), e insatisfatória, por levar a mais perguntas do que respostas. Mais do que refi nar ou refutar a racionalidade do senso comum, oriundo das impressões sensíveis, a racionalidade do conhecimento científi co rompe com os princípios imediatistas das experiências dos sentidos, pois exige uma nova razão, uma nova explicação, que resista a todos os questionamentos. Note a diferença: o conhecimento sensível faz uma afi rmação; o científi co gera uma questão. Para Bachelard (1996), não pode existir conhecimento científi co sem que haja uma pergunta, porquanto a cultura científi ca deve ser posta em estado de mobilização permanente, para que seja mantida a abertura e o dinamismo do conhecimento, dialetizando todas as variáveis experimentais. O autor defende uma ruptura drástica, e que gere uma catarse intelectual e afetiva, para que tenhamos a mudança paradigmática exigida pelo conhecimento científi co. Em seu entender, não adianta adquirir conhecimento. O objetivo não é uma coabitação do conhecimento científi co com o conhecimento comum: é fazer com que aquele seja o substituto deste. Nem todos concordam com isso. Há o que Mortimer (1996 apud CUNHA et al., 2017) chama de teoria do perfi l conceitual, com a qual defende que os conhecimentos prévios dos indivíduos não podem (e nem precisam) ser 26 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA substituídos pelos científi cos. O aprendiz, em realidade, convive com diversas zonas conceituais, que seriam “acessadas”, dependendo do contexto. Ainda assim, introduzir o pensamento científi co (e mais importante, a postura científi ca) não é tarefa simples, e a relação entre o educando – dotado de conhecimento comum – e o educador – o qual deseja impor um conhecimento científi co – é muitas vezes tensa, “patogênica” (BACHELARD, 1996): a resistência de um contra a insistência de outro. O caminho para a substituição de um conhecimento por outro enfrenta o autor chama de obstáculos epistemológicos. Podemos adaptá-los ao contexto dos obstáculos de aprendizagem. Ele afi rma que tais obstáculos não possuem relação direta com a complexidade ou com a efemeridade dos fenômenos dos quais a ciência se ocupa, nem com a fragilidade dos nossos sentidos. É o ato de conhecer em sique é lento, difícil, recheado de confl itos cognitivos e emocionais, e que geram os obstáculos para a compreensão científi ca. É a própria evolução da aprendizagem que, permeada por difi culdades, faz com que o aprendiz fi que estacionado, desanimado, e até regrida daquilo que tinha acabado de aprender. No pensar de Maturana (2001), é preciso reformular a vivência daquele para quem se explica a ciência, de modo que passe a utilizá-la como padrão de explicação. Para fazer isso, é preciso que a aceite. Se não existir aceitação, a explicação científi ca não existirá para o indivíduo, que continuará a recorrer àquela fornecida por seu conhecimento sensível. Bachelard (1996) explica como o ato de conhecer pode ser um obstáculo para o conhecimento científi co, com detalhes, em sua obra A formação do espírito científi co, de 1938. Em muitos aspectos, converge com o modelo construtivista de educação proposto por Piaget. Portanto, a noção de obstáculo epistemológico leva, de modo geral, em consideração o desenvolvimento histórico do pensamento científi co. A fi gura a seguir possui por objetivo esclarecer pontos tomados como principais. Por ser abrangente, deve ser encarada como resumo, e não diretamente uma referência. 27 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 FIGURA 1 – A FORMAÇÃO DE OBSTÁCULOS AO CONHECIMENTO CIENTÍFICO FONTE: Linsingen (2010, p. 28) 28 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA Você aplica o conhecimento científi co em todas as suas explicações no cotidiano? Em que situações usa o conhecimento biológico e em quais uso o comum? 4.1 OS POSTULADOS O modo pelo qual Bachelard (1996) enxerga a aprendizagem em Ciências pode gerar uma série de questionamentos e refl exões. Vejamos os posicionamentos abarcados. a) Coefi ciente de realidade O primeiro grande obstáculo é a experiência imediata, ligada aos sentidos. Essa experiência gera conhecimento ligado às sensações. Ou seja, são os conhecimentos que os estudantes levam para a sala de aula, duramente criticados pelo autor, que o adjetiva de imagético (fortemente relacionado a representações que assumem a realidade como se fosse a própria, gerando um “esquecimento” de que são representações), concreto (no sentido de não existir refl exão e consequente abstração dessa realidade), fácil, “natural” (ou óbvia, sem necessidade de discussão ou ponderação), o que leva a uma sensação falsa de compreensão do fenômeno e a uma base intelectual frágil, facilmente desestabilizada quando posta à prova. Pelo teor da “naturalidade”, há um problema que ele cunhou de coefi ciente de realidade, em suma, a explicação frágil se torna sinônimo da realidade. Cria- se um conceito, uma explicação a esta realidade falsa, que nada fundamenta, mas que se torna valorizada. Podemos voltar ao exemplo da geração espontânea: ver as larvas saindo das frutas é uma experiência imediata, baseada nas sensações, sobretudo a visão. Essa observação gera um conhecimento sensível: larvas nascem de frutas. É tão visível, tão “natural” que elas surjam de lá que não existem razões para discutir isso. A geração das larvas pelas frutas se torna um coefi ciente de realidade, que, por sua vez, valoriza ao extremo o conceito associado: a vida surge da matéria bruta, inanimada. 29 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 b) Generalização Ao valorizar um conceito gerado pelo primeiro obstáculo, temos a generalização. Generalizar é estender uma explicação (na forma de princípio ou conceito) a todo caso possível, tendo ou não sido observado por nós. A ciência utiliza a generalização. A Lei da Gravidade é uma delas. A diferença entre a generalização da gravidade e, por exemplo, a generalização do geocentrismo é que este não suportou os experimentos, enquanto aquela continua funcionando. A generalização advinda de um coefi ciente de realidade é frágil e não resiste a refutações fundamentadas; ela leva a um empirismo evidente e básico, ou seja, a atividades experimentais simples, de resultados que até podem ser atraentes, mas não trazem nada novo. Tornando ao caso da geração espontânea, as experiências realizadas por seus defensores seguiam o molde do empirismo básico: Jean Baptiste van Helmont, médico belga e memorável fi siologista vegetal, ensinou como gerar camundongos a partir de uma camisa suada e germes de trigo. Em 21 dias, prometia, os pequenos roedores viriam. c) Representação como substância A generalização se manifesta também na forma de um obstáculo verbal, quando há palavras que são usadas para expressar fenômenos variados sem explicá-los. Cria-se uma associação imediata entre palavra e fenômeno, a ponto de reconhecê-lo na palavra sem tê-lo conhecido antes. Esse obstáculo leva a outro, o substancialista. Neste, uma palavra, uma imagem, uma metáfora, uma analogia, assume o lugar da explicação do fenômeno, tornando-se inseparável – sua substância enquanto explicação. Com os dois obstáculos combinados, a palavra generaliza o fenômeno, tornando-se uma evidência em si, e isso dispensa a necessidade de ser explicada. Podemos exemplifi car: o coração funciona como uma “bomba”; o cérebro, como um computador; o sistema nervoso, como uma rede elétrica; a transmissão do sinal nervoso, como pontos fustigantes de luz perpassando cabos. Logicamente, explicar Ciências, especialmente Biologia, sem mostrar imagens é inviável. Do mesmo modo, enquanto professores, necessitamos das metáforas e analogias para explicar fenômenos e sistemas abstratos. O que deve ser elucidado, contudo, é que esses recursos são uma representação. A fotografi a eletrônica da célula vegetal, por mais próxima da 30 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA realidade que possa parecer, é uma representação, pois uma célula não é igual a todas as outras, mesmo que possuam as mesmas estruturas. Não podemos tirar de vista que nossos olhares de biólogos foram treinados ao longo dos estudos, após um bombardeio insistente e simultâneo de diversas disciplinas, dos livros, dos manuais, e dos próprios organismos utilizados em atividades práticas. d) Unidade Quando a generalização é explicada pela unidade da natureza, pela utilidade dos fenômenos, ou por uma combinação das duas, temos um obstáculo entendido como obstáculo do conhecimento unitário, avesso ao pensamento complexo mais apropriado ao entendimento dos fenômenos. O exemplo de explicação pela unidade está na premissa de que todo ser vivo deve passar pelo ciclo vital – o que não se encaixar não é um ser vivo ou é um enigma. No entender de Bachelard (1996), esse tipo de obstáculo leva à formulação de falsos problemas ou falsas explicações, tendo em vista que transforma a variação natural em variedades de uma só natureza. e) Pragmatismo A busca pela unidade pode esbarrar em outro obstáculo, baseado em explicações de ordem utilitarista – o obstáculo do conhecimento pragmático, que pressupõe que a não existência de uma razão útil para determinado fenômeno é praticamente o mesmo que não existir razão para a existência de tal fenômeno. Cria-se um encadeamento viciado de pensamento, o qual Bachelard (1996) acusou de indução utilitária: se não houver utilidade, não há princípio explicativo, e se não houver princípio explicativo, não há razão de ser, e se não houver razão de ser, não pode ser verdadeiro. Um exemplo é o homossexualismo entre animais não humanos. Se o objetivo da reprodução é a perpetuação da espécie, qual é o sentido da união entre indivíduos do mesmo sexo entre aves ou mamíferos? Após variadas propostas para o fenômeno (com um viés útil) – falta de opção de parceiros sexuais, confi namento em zoológicos, expressão de dominância social, até ingenuidade dos envolvidos –, a tendência é pensar na existência do elemento prazer na união sexual. Novamente, a necessidade de existir utilidade é para que ocorra a razão da existência do fenômeno. 31 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo1 f) Inconsciente do espírito científi co É o destino de todos esses obstáculos; o conhecimento que não se questiona, não investiga, que se mascara sob falsa racionalidade científi ca. Bachelard (1996) propõe colocar o conhecimento inconsciente em contato com as condições que lhe deram origem – as experiências sensíveis. A intenção é reavivar a crítica, porque dessa vez se estimularia a racionalização da experiência. Como esse ato vai contra a necessidade das certezas imediatas que as convicções primárias fornecem, é de se esperar resistência. Na escola, a resistência surge em diversas facetas: indiferença, indolência, desdém, indução à desordem entre os colegas, sono, dor de cabeça, fome. Não bastasse a resistência, são próprios dos obstáculos os limites confusos. Cabe ao professor ser um guia nessa ruptura necessária à superação dos obstáculos de aprendizagem; se não tiver as respostas de imediato, deve indicar os caminhos que o aluno pode seguir para buscá-las por conta própria. 5 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO ESCOLAR Abstraindo em conceitos diretos, este é o conhecimento produzido pela ciência que teve adequação conceitual e de linguagem para o ensino, na forma de conteúdos escolares. Não é o mesmo que conhecimento prévio (conhecido também como alternativo ou cotidiano), e não é o conhecimento cotidiano ampliado. Até certo ponto, Meksenas (2015, p. 37) parece intermediar Mortimer e Bachelard quando afi rma que o tipo de conhecimento construído na/pela escola “é o embate entre esferas distintas do conhecimento e não a negação do senso comum (...). Trata-se de recuperar o senso comum, refl etir essa esfera do conhecimento e refi ná-lo com aspectos do saber oriundo da ciência. Tal perspectiva origina um senso comum acurado, melhor elaborado ou reelaborado, produzindo bom senso”. Lopes (1999 apud CUNHA et al., 2017) segue também essa linha ao afi rmar que o conhecimento escolar “ao mesmo tempo nega e afi rma o conhecimento cotidiano, trabalha contra ele e é sua própria constituição”. O conhecimento científi co escolar, em vista disso, é o conhecimento científi co reelaborado pelos sujeitos que participam das instâncias escolares, nas salas de aulas e por materiais didáticos. 32 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA Essa “facilitação” não deve ser necessariamente encarada como um alívio, uma vez necessária que haja um processo de reconstrução de saberes e, com eles, uma preparação para a vida em sociedade, muitas vezes longe dos esoterismos epistemológicos. “A educação escolar precisa tornar os saberes transmissíveis e assimiláveis para os alunos” para que haja "aproximação do saber científi co com a realidade, com o senso comum” (CUNHA et al., 2017, p. 46). Os conhecimentos produzidos pela escola possuem natureza essencialmente operacional e prática, com o objetivo de solucionar problemas locais (XAVIER, 2008), ou seja, aproximar o conhecimento alternativo do científi co, contextualizar o ensino de Ciências. Não basta emergir os conhecimentos prévios dos estudantes para problematizá-los, ou, como frequentemente feito, desestabilizá- los e desacreditá-los. A apropriação do conhecimento científi co pelo estudante implica, como visto, na superação dos obstáculos conceituais, ou pelo menos em uma conversação interna. Nem sempre o conhecimento cotidiano é incoerente com o conhecimento científi co (ALMEIDA, 2004), sendo útil na vida prática e no desenvolvimento de novas concepções. Isso ocorre por conta do fácil acesso a informações científi cas, em linguagem simplifi cada pela mídia. Logo, se é útil na vida prática, precisamos aproveitar e levar os estudantes ao pensamento científi co, àquela postura de ser científi ca. No Ensino Fundamental e no Médio ainda são valorizados os resultados da ciência mais do que os processos de construção científi ca (ALMEIDA; CASSIANI; OLIVEIRA, 2008). “Ligar causa e efeito ainda é um dos grandes objetivos da ciência e o ensino de ciências necessita despertar isso nos estudantes” (SANTOS; SARTORI, ODY, 2016, p. 46). O ensino de Ciências e Biologia não precisa ser apenas a aprendizagem de conceitos que colocam em crise os conceitos da experiência comum, como afi rma Lopes (2007 apud SANTOS; SARTORI, ODY, p. 42), tampouco ter como objetivo primordial o estímulo de gerações de novos cientistas. O foco deve ser munir os estudantes para a atuação com criticidade e consciência (CUNHA et al., 2017) enquanto se trabalha com o conhecimento historicamente produzido (BENTO; SCHWEDERSKY, 2016), formando saberes escolares, sociais e culturais (SOUZA, 2007). Isso signifi ca que trabalhar com o ensino de Ciências e de Biologia também é o espaço de formação social e cultural, de criação de textos, da arte, de discussão de valores. 33 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 6 CIÊNCIA NA ESCOLA Para construirmos uma visão geral sobre o ensino de Ciências e de Biologia, e é desenvolvido no Brasil, entabularemos um histórico, no intuito de situá-lo no contexto social de cada época. 6.1 A CIÊNCIA QUE SE ENSINAVA Até o século XX não havia um ensino de Ciências formal e obrigatório; foi inserido na realidade da escola aos poucos. Ainda nesse período, após a família real portuguesa se estabelecer por aqui, e com a expansão cafeeira, as mudanças sociais e políticas implicaram em construção de novas relações sociais. À elite apenas por meio do conhecimento científi co era possível a promoção de um processo de desenvolvimento humano. Para tanto, investiu-se na escolarização, a qual, todavia, estava voltada para a elite e seus fi lhos, com professores e livros estrangeiros. Marcadamente teóricas, as aulas destinavam-se a ensinar a Ciência estável, neutra, cujo modo de conhecimento era superior. Nesse cenário, o desenvolvimento do conhecimento científi co era visto como fruto de um processo linear, e que se iniciava por observações sem quaisquer infl uências – pessoais, ideológicas, políticas –, seguidas de experimentações e induções (empirismo). Como consequência, em parte ainda sentida, o ensino de Ciências foi marcado com uma postura dogmática sobre os conhecimentos (científi cos), e que não permitia questionamentos. Entre o início do século XX e a década de 1920, o ensino de Ciências fi cou restrito à escola primária. A partir da década de 1950, após a Segunda Guerra Mundial, ocorreu grande desenvolvimento científi co e tecnológico. Aliado a isso, os Estados Unidos, uma nova grande potência, e União Soviética disputavam o poder na perspectiva de avanços tecnológicos e científi cos – a Guerra Fria. Quando a União Soviética lançou, em 1957, o Sputnik, a primeira série de satélites artifi ciais no mundo, os Estados Unidos buscaram uma profunda reformulação em seu ensino, sobretudo o de Ciências. Surgiram os projetos curriculares, conhecidos como Biological Science Curriculum Study (BSCS), Chemical Bond Approach (CBA), Physical Science Study Committee (PSSC), Introductory Physical Science (IPS) e Science Mathematics Study Group (SMSG). O conhecimento científi co, assim, foi incorporado aos currículos escolares, com uma substituição dos métodos expositivos pelos “ativos” – principalmente por 34 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA meio dos laboratórios escolares –, tendo por objetivo criar o maior número de cientistas, e de modo rápido. O Brasil, em refl exo, criou os seus projetos de ensino de Ciências, com produção de textos e material experimental, além do treinamento de professores. Houve uma expansão da rede pública de ensino. Os materiais produzidos pelos projetos curriculares americanos foram adaptados para o ensino secundário, a fi m de levar aos alunos os últimos avanços nas diferentes áreas de Ciências. No cenário escolar, entretanto, as aulas continuavam expositivas: o professor transmitia o conhecimento, os alunos o recebiam. A verdade científi ca não podia ser contestada, sendo apresentada comounívoca e produto de grandes e poucas mentalidades brilhantes. O recurso mais usado, para estudo e avaliação, era o questionário, cujas respostas seriam encontradas no material defi nido pelo professor e em suas aulas. O fator relevante para o ensino dessa fase eram os aspectos lógicos da aprendizagem. Logo, a qualidade era defi nida pela quantidade de conteúdos conceituais transmitidos aos alunos. Em 1955, o estado de São Paulo patrocinou, por meio da criação do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, uma renovação curricular do ensino de Ciências, atualizando o conteúdo e desenvolvendo material didático para os laboratórios, com uma incorporação da “vivência do método científi co” no currículo. O objetivo fundamental do ensino de Ciências passou a ser o de dar condições para o aluno identifi car problemas a partir de observações sobre um fato, levantar hipóteses, testá-las, refutá-las e abandoná-las quando fosse o caso, trabalhando de forma a tirar conclusões sozinho. A função do aluno era ser capaz de “redescobrir” o já conhecido pela ciência, apropriando-se da sua forma de trabalho, compreendida como “método científi co”: uma sequência rígida de etapas predefi nidas. Com tal perspectiva, buscava-se a democratização do conhecimento científi co, com o reconhecimento da importância na vivência científi ca não apenas para futuros cientistas, mas para qualquer cidadão. Nesse contexto, a Lei federal 4.024, de 20 de dezembro de 1961, legislação já alterada, determinou a expansão do ensino de Ciências, até então ministrado nas duas últimas séries do antigo ginásio, para todas as séries, com o aumento na carga horária das disciplinas de Física, Química e Biologia. Ademais, esta normativa conferiu liberdade às escolas para programarem seus currículos e reforçou a ênfase na postura investigativa. Centros de Ciências foram criados (de 1963 a 1965), inicialmente em São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro, 35 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 aliados a universidades e a secretarias de Educação. Tinham por papel estimular o treinamento de professores em serviço e encorajar atividades de observação e de laboratório nas escolas. Na contramão, o vestibular exigia conhecimentos memorizados e as próprias escolas resistiram em assimilar as novas orientações. Vejamos: uma consequência de ensinar Ciências é confundir metodologia do ensino de Ciências com metodologia científi ca, e as concepções de produção do conhecimento científi co e de aprendizagem das Ciências relacionadas a tal tendência tinham cunho empirista/indutivista. Portanto, a partir da experiência direta com os fenômenos naturais, dizia-se ser possível descobrir as leis da natureza. Com o regime militar, em 1964, o Brasil envereda com ênfase na premissa desenvolvimentista. Precisávamos de cientistas e, mais do que isso, de mão de obra capacitada. Amplia-se o número de vagas nas escolas primárias e secundárias, com a abolição de exames admissionais e surgimento de disciplinas profi ssionalizantes, voltadas para a indústria e para o comércio. Em 1967 surge a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências, cujo objetivo principal era comercializar o material produzido pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura. A ciência passa a ter a atenção da mídia, a ser levada para as casas por meio de televisões e rádios – o que signifi ca dizer que começa a ser popularizada. Aliado a isso, surge um movimento de democratização do ensino, quando permitem ao cidadão melhorar sua formação, uma vez que convive com o produto da ciência. Se antes a observação, quando ocorria, era útil apenas para a constatação dos fatos e manipulação dos equipamentos, na década de 1970 o espírito da investigação científi ca predominou, seguindo um roteiro: identifi car o problema; elaborar hipóteses para resolução do problema; analisar as variáveis; planejar e executar experimentos para a verifi cação das hipóteses; concluir validando ou não as hipóteses. Seguindo essa linha, a Lei federal 5.692, de 11 de agosto de 1971, tornou obrigatório o ensino de Ciências nas oito séries do, à época, 1º grau. Os movimentos estudantis de 1968 reivindicaram aumento no número de vagas nas universidades, o que foi posto em prática esta legislação. Em paralelo, tivemos uma expansão das instituições de Ensino Superior privadas. Com a crise econômica mundial, o desenvolvimento industrial desenfreado, problemas relacionados ao desenvolvimento tecnológico e agressões ao ambiente, de 1970 a 1985, as implicações sociais do desenvolvimento científi co fi caram cada vez mais evidentes, divergindo da ideia de ciência como um saber 36 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA neutro, isento e inquestionável. Surge um movimento pedagógico no ensino de Ciências denominado Estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), trabalhando com a observação de aspectos técnicos e sociais de fatos e artefatos científi cos e tecnológicos, conhecimentos e inovações. Ainda tímido, ganhara maior expressão a partir da década de 1980. Vale frisar que educação ambiental também se consolida nesse período. Criado em 1972, o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino buscou desenvolver parcerias entre Centros de Ciências e universidades, e o treinamento de professores de Ciências (no Ensino Fundamental), e de Física, Química e Biologia (no Ensino Médio). Nos anos 1980, a atenção passa a ser dada ao processo de construção do conhecimento científi co pelo aluno. Diversas pesquisas são realizadas buscando compreender o processo, e o modelo de aprendizagem por mudanças conceituais surge como uma das propostas. Bem aceito pelas correntes construtivistas, foi alvo de críticas por não levar em consideração que a construção do conhecimento científi co possui exigências relativas a valores humanos, à construção de uma visão de ciência e suas relações com a tecnologia e a sociedade (infl uência do pensamento dos Estudos CTS), e ao papel dos métodos das diferentes ciências. Da década seguinte aos dias atuais, temas relativos ao meio ambiente, saúde, relações entre indústria e agricultura, e ciência e tecnologia foram inseridos aos currículos. A interdisciplinaridade e o construtivismo, assim, são tendências marcantes nas escolas. Os PCN sugerem fortemente a participação ativa do professor, com o suporte de livros e materiais didáticos. Assim, diante da edição da Lei federal 9.394, de 20 de dezembro de 1996, norma vigente, e que estabelece novas diretrizes e bases da educação nacional, a educação escolar vinculou-se ao mundo do trabalho e à prática social. Segunda esta legislação, os currículos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio passaram a ter base nacional comum, contudo, cada escola pode complementar com suas características regionais e locais sociais, culturais e econômicas. As ciências naturais e físicas, desse modo, recebem a obrigatoriedade reforçada nos currículos, e dentro da realidade social e política brasileira. Um dos objetivos do Ensino Fundamental – o qual se tornou obrigatório e com duração de nove anos – é fazer com que o estudante tenha compreensão do ambiente natural e social; no Ensino Médio, é a compreensão dos fundamentos científi cos e tecnológicos dos processos produtivos. Em resumo, de um conhecimento elitizado e circunscrito, alienado das esferas sociopolíticas, a ciência passa, gradativamente, a ocupar aspecto central 37 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 na vida de todos, permeado no cotidiano, dos utensílios utilizados aos argumentos éticos e políticos, passando pelo consumo na mídia; e essa realidade refl ete, embora com certo tardar, no ensino de Ciências. Diante do que estudamos até aqui, como você defi ne o estudo de Ciências? 6.2 A CIÊNCIA QUE SE ENSINA A formação de professores, na atualidade, visa a novos perfi s profi ssionais, com capacidadeem trabalhar com visão interdisciplinar da Ciência, própria das múltiplas formas de se conhecer e interagir na sociedade, orienta o ensino para uma refl exão mais crítica sobre os processos de produção do conhecimentos científi co e tecnológico e suas implicações sociais na vida cotidiana. O objeto de estudo da disciplina é prático e direto: atingir o conhecimento científi co resultante da investigação da natureza, compreendida como um conjunto de elementos integradores que constitui o universo em toda a sua complexidade. A questão é: por qual motivo ensinar isso? Ou antes: para que aprender isso? Muitos alunos possuem estas dúvidas. Existem vantagens em aprender Ciências? Há pelo menos três, de acordo com Werthein (2006): • Envolve um tipo de exercício de raciocínio, distinto dos outros estimulados pelas demais disciplinas, que desperta o espírito investigativo, e com ele um modo diferente de criatividade, o que melhora a aprendizagem em todas as disciplinas. • Atrai talentos para as carreiras científi cas, necessárias à realidade, marcadamente tecnológica e científi ca. • Permite o posicionamento frente a processos e inovações sobre os quais é preciso ter uma opinião para que possamos legitimá-los. Em outras palavras, o domínio do conhecimento científi co faz parte do exercício da cidadania. O ensino das diferentes ciências, para Almeida, Cassiani e Oliveira (2008), traz ainda mais contribuições aos estudantes: • Internalização de conceitos e leis previamente selecionados. 38 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA • Reconhecimento das condições sociais em que leis e conceitos foram produzidos. • Compreensão dos modos de produção da ciência em questão. • Aquisição de modos de raciocínio, habilidades e atitudes pertinentes aos procedimentos de produção da ciência cujos conteúdos estejam sendo ensinados. • Desenvolvimento da criticidade quanto às aplicações e implicações sociais dos produtos que as diferentes ciências propiciam. • Aumento da sensação de inclusão no seu próprio tempo e melhora na própria autoestima como resultado dessa inserção no mundo que o conhecimento propicia. Contudo, a principal meta do ensino de Ciências, como atualmente executada, é a de dar condições para o aluno vivenciar técnicas científi cas, ministradas, no geral, em moldes de uma concepção tradicional de ensino, com a fi nalidade de memorização de conceitos estabelecidos. Ao fi m, o aluno não só não percebe a relação entre o conhecimento científi co e o exercício da cidadania, como pode não considerar a cidadania como relevante. Da mesma forma, o raciocínio investigativo e criativo que percebemos nos "grandes nomes” da ciência não chega a ser estimulado em sala de aula, em razão do modo de ensino ainda aplicado: tradicionalmente repetitiva, sem contexto e sem pretexto. Em torno da “crise” no ensino de Ciências, há “atores” com interesses confl itantes e que alimentam controvérsias sobre os objetivos e os meios da educação desta disciplina: podem ser os alunos, os pais, os professores de Ciências. Os alunos podem concordam com a importância da ciência e admiram os cientistas, todavia, em suas óticas, os professores buscam forçá-los a enxergar o mundo com olhos de cientista, no lugar de ajudá-los a compreender o mundo com os seus próprios olhos. Além disso, não observam razão para engajamento em um processo sem a certeza de que será útil para a sociedade. Os pais se preocupam com o emprego dos fi lhos, e creditam a situação à falta de preparo dos professores, os quais recebem pressão e problemas com a perda de poder e de consideração pela profi ssão. Ensinar Ciências é um dos caminhos para o exercício da cidadania, sobretudo em uma sociedade dependente da ciência e da tecnologia. Podemos exemplifi car com os escritores, muitos dos quais demonstram preocupação com o avanço da virtualização do livro, com a ascensão do e-books e dos downloads. A agilidade, a 39 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 praticidade e a gratuidade são aspectos que agradam os usuários e novos leitores de tela, fato que preocupa os que vivem da venda dos livros de papel. Observe a imagem e relembre seus tempos de escola. Compare a foto com a sua memória e anote as principais diferenças e semelhanças. Agora, refl ita: como você defi ne a escola da atualidade? FONTE: <bit.ly/32wGNy1> Acesso em: 15 jul. 2020. 6.3 A CIÊNCIA QUE SE PRETENDE ENSINAR O ensino de Ciências na Educação Básica deve se centrar no processo de desenvolvimento do estudante. Não é interesse do ensino de Ciências formar cientistas, mas cidadãos críticos e autônomos, e que consigam buscar as respostas. O papel dessa disciplina na escola é provocar os alunos, para que investiguem os caminhos. É preciso dar prioridade às habilidades estimuladas e desenvolvidas pelos alunos: observação, questionamento, negociação de ideias, experimentação, criatividade. Os elementos específi cos da disciplina são necessários – e não devem ser abandonados. Não podemos priorizar os conteúdos, tampouco abandoná-los: é preciso inseri-los no cotidiano do aluno, de modo que façam sentido. Assim, será 40 NoVo PriSmA Ao ENSiNo DE CiÊNCiAS E BioLoGiA elucidada a importância de se aprender Ciências, e mais: desenvolverão um olhar investigativo e questionador para o mundo. Além disso, o ensino de Ciências não pode fi car direcionado aos conhecimentos produzidos e publicados (embora seja importante conhecê-los). É preciso criar nos alunos, em todas as fases da Educação Básica, a necessidade de que busquem o novo, despertando o gosto pela pesquisa e pela produção individual, que deve ser socializada, em benefício do coletivo. Todos construímos nossas compreensões sobre o que é um professor, o que deve fazer, o papel que deve exercer, a função social da escola. Essas compreensões fazem parte da construção de nossa identidade profi ssional. Nesse sentido, conhecer o que se pensa sobre ser professor e sobre ser professor de Ciências e de Biologia pode ser o primeiro passo para desnaturalizar compreensões e práticas docentes. Além da questão do imaginário construído sobre o papel do professor, entra em cena a forma pela qual vemos a própria escola. 1 O que podemos defi nir como principais vantagens do ensino de Ciências? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2 O que caracteriza a chamada “crise” no Ensino de Ciências? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Um dos objetivos deste capítulo girou em torno da caracterização, em linhas gerais, de conceitos que infl uenciam motivos e modos de ensinar Ciências e 41 A CIÊNCIA E AS CIÊNCIAS Capítulo 1 Biologia na escola: o conceito de conhecimento, de ciência, de conhecimento científi co, e de conhecimento científi co escolar. A partir deles, debatemos implicações do pensamento e da atividade científi ca, entendendo que não é mais possível creditar à ciência neutralidade, imparcialidade. Para tanto, apresentamos os principais obstáculos para a apreensão do conhecimento científi co, o que será útil na elaboração em seus planejamentos de aula. Fizemos um apanhado histórico sobre a construção do ensino de Ciências no país, e os vícios e problemas que surgiram em conjunto, e ainda não dissolvidos. Ou seja, os alunos que nasceram no mundo atual, apressados e impacientes com os mais velhos, adiante enfrentarão a complexa arte de se adaptar: saber o que pode ou não ser mudado, e o que deve ser mantido. Ensinar Ciências,
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