Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E OS PCNs Autora: Luana Von Linsingen Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Prof. Júlio Roussenq Neto Revisão Gramatical: Profa. Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci 570 V947c Von Linsingen, Luana. Ciências Biológicas e os PCNs/ Luana Von Linsingen Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial, Grupo UNIASSELVI, 2010.x ; 186 p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-335-8 1. Ensino de Ciências Biológicas 2. Parâmetros Curriculares Nacionais I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2010 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2010 Ficha catalográfi ca elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Luana Von Linsingen Luana Von Linsingen, graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina e Mestre em Educação Científi ca e Tecnológica pela mesma Instituição. Atua nas Áreas de: Educação em Ciências e Literatura Infantojuvenil. Principais publicações: Alguns motivos para trazer a literatura infantil para a aula de ciências (Rev. Ciência e Ensino, 2008) e Mangás e sua utilização pedagógica no ensino de ciências sob a perspectiva CTS (Rev. Ciência e Ensino, nº especial, 2007), além das obras infantojuvenis O Botão Grená (Ed. Saraiva, 2000) e A Casa de Hans Kunst (Ed. Saraiva, 1997). Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 O Ensino de Ciências .............................................................. 9 CAPÍTULO 2 A Prática Pedagógica do Ensino de Ciências ................... 43 CAPÍTULO 3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Educação em Ciências Natutrais e Biologia ........................................77 CAPÍTULO 4 Aspectos Essenciais do Ensino de Ciências .................. 111 CAPÍTULO 5 Novas Perspectivas para o Ensino de Ciências e Biologia .......................................... 151 7 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): A disciplina Ciências Biológicas e os PCNs tem como objetivo principal apresentar a você aspectos históricos, pedagógicos e metodológicos do Ensino de Ciências e Biologia nos diferentes níveis de Ensino, especialmente o Nível Básico. Aliado a isso, discutimos algumas questões sobre a prática docente, principalmente do professor iniciante. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – os PCNs – são analisados e discutidos visando facilitar sua prática enquanto professor: uma demonstração sobre sua estrutura, função e orientações com o enfoque das disciplinas de Ciências (para o Ensino Fundamental) e Biologia (para o Ensino Médio). Pensando assim, no primeiro capítulo, O Ensino de Ciências, apresenta-se um breve histórico do Ensino de Ciências no Brasil, analisando-se os conceitos de Ciência, Conhecimento Científico e Conhecimento Científico Escolar. Em busca de uma compreensão acerca das dificuldades de se aprender Ciências na escola, são apresentados os obstáculos epistemológicos de Gaston Bachelard. No segundo capítulo, A prática pedagógica do Ensino de Ciências, discute-se a questão da saúde do professor e aspectos do início da carreira docente. Também apresenta-se os dois pilares da atuação em sala: o planejamento e a avaliação. No capítulo seguinte, Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Educação em Ciências Naturais e Biologia, são apresentados os PCNs em sua estrutura, objetivos e função curricular, sob o foco do ensino de Ciências e Biologia. A seguir, em Aspectos essenciais do Ensino de Ciências, são abordados elementos da prática metodológica: tipos de abordagens de ensino, objetivos de aprendizagem, estratégias de ensino e elementos da prática pedagógica (problematização, contextualização, interdisciplinaridade, pesquisa, observação, atividade em grupo, recursos instrucionais e recursos alternativos). Finalmente, no capítulo cinco, Novas perspectivas para o Ensino de Ciências e Biologia, são demonstradas algumas das diferentes ideologias e práticas referentes à Educação em Ciências, como Educação Ambiental (em suas diversas vertentes), Estudos de Ciência - Tecnologia – Sociedade, as Novas Tecnologias, e Recursos Alternativos (com enfoque na Literatura, no Cinema, na Música e nos Jogos). Bons estudos! CAPÍTULO 1 O Ensino de Ciências A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Contextualizar o ensino de ciências em sua História e atualidade. Caracterizar, de forma geral, conceitos que são essenciais para a prática do ensino de ciências, a saber: Ciência, Conhecimento Científi co e Conhecimento Científi co Escolar. Estimular a autoanálise sobre tais conceitos, a fi m de evitar a perpetuação de equívocos acerca destes. 11 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 ConteXtualiZação Ensinar Ciências, hoje, é tão necessário quanto problemático. Você saberia para que serve o suor, por exemplo, se não tivesse aprendido alguma coisa sobre pele, sistema excretor ou endócrino? Se não tivesse visto algo sobre calor e estados físicos da água? Provavelmente saberia sim alguma coisa, embora não de uma forma organizada e inserida em um sistema de abstração. Talvez pensasse que o suor serve só para chatear e deixar-nos fedidos, ou então saberia que é importante para liberar toxinas do corpo – provavelmente leria isso em uma revista sobre saúde ou boa forma física. A Ciência – sem o “s” porque se pensa em uma entidade – está tão presente no cotidiano como a nossa língua materna e a matemática. No geral, porém, percebemo-na “pelas pontas”, fragmentada, muitas vezes até enigmática. Outras tantas vezes a usamos sem sequer nos perguntar acerca dela – ou você costuma pensar sobre o mecanismo do código de barras toda vez que vai ao supermercado? Convivemos com a Ciência especialmente através de seus produtos – as “pontas” que apresentei antes: remédios, computadores, roupas, telefones, televisão, revistas, canetas, fi ação elétrica, esgoto, as paredes da casa... a lista é tão longa! Mas estamos habituados a viver usufruindo da Ciência sem, contudo, problematizá-la, questioná-la, refl etir sobre ela. O papel do ensino de Ciências – com “s” porque estamos nos referindo às diversas áreas da Ciência: Física, Química, Biologia e seus desmembramentos, como Medicina, Engenharia, etc. – é, grosso modo, estimular o pensamento refl exivo para os produtos da Ciência, seus usos, sua origem e suas consequências prováveis. Estimular a curiosidade para que mais usos, origens e desdobramentos surjam. Encorajar o resgate histórico, para que se compreenda como as coisas foram surgindo na Ciência, em quais obstáculos se esbarrou e, principalmente, os aspectos da cultura, da política, da economia que estão profundamente enraizados na atividade científi ca. Alcançar este objetivo é, contudo, bastante problemático. Temos raízes históricas na Educação que nos prendem a determinados programas que precisamos seguir. Não há como escapar, pois nos será cobrado no fi nal de cada ano. Será cobrado nos exames vestibulares. Serácobrado pelos demais professores de Ciências, quando os alunos passarem de ano. Será cobrado, enfi m, das mais variadas formas, de diferentes personagens, em diversos momentos. 12 Ciências Biológicas e os PCNs Refl etir um pouco sobre como o Ensino de Ciências foi instaurado no Brasil e sob que panorama mundial auxilia a entender a maneira como acabamos ensinando Ciências hoje, mesmo com diversas propostas metodológicas alternativas e novas propostas curriculares. Compreender o que é esta Ciência que tentamos ensinar é, também, repensar a forma como a pretendíamos ensinar. Pensar sobre como o Conhecimento Científi co é difi cultado ajuda na hora de programar as aulas e, também, na hora de frustração, quando todo o nosso esforço parece ter sido em vão. Entender a principal diferença entre o Conhecimento Científi co, o Conhecimento Científi co Escolar e o Conhecimento Comum, do cotidiano, é também entender um dos aspectos da mentalidade dos estudantes, auxiliando os processos práticos do ensino. É sobre isso que iremos tratar neste capítulo. TraJetória do Ensino de Ciências Antes de começarmos, vamos pensar um pouco. Atividade de Estudos: 1) Observe a imagem da fi gura 1 – Escola paulistana, frequentada pela elite, fi nal do século XIX – e relembre seus tempos de escola. Compare a imagem na foto e a imagem de sua memória e anote aqui as principais diferenças e semelhanças (quando houver). Então pense: como você acha que está a escola hoje em dia? Figura 1 – Escola paulistana, frequentada pela elite, fi nal do século XIX Fonte: Bossolan (2009). 13 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ O ensino tem sofrido alterações ao longo dos tempos. Com o ensino de Ciências não foi diferente. No Brasil, até o século XX não havia um ensino de Ciências formal, previsto no currículo, planejamento e grade escolar de horários, como temos hoje. Ele foi sendo inserido na realidade da escola aos poucos. Do começo do século XX até meados de 1920, o ensino de ciências fi cava restrito à escola primária. Até o fi nal da década de 1950, ele era marcadamente teórico, baseado no uso de livros estrangeiros, pouco relacionados à realidade nacional, e a Ciência era ensinada em seus moldes clássicos: estável, neutra, positivista. Neste mesmo capítulo, nos próximos tópicos, discutiremos os diversos modos de se pensar a Ciência. O importante para o ensino desta fase eram os aspectos lógicos da aprendizagem e a arte da decoreba vigorava. A qualidade era defi nida pela quantidade de conteúdos conceituais transmitidos aos alunos. Os estudantes que frequentavam essas escolas eram de uma elite privilegiada. Quase não havia vagas em escolas públicas e os jovens descendentes de imigrantes eram destinados às escolas profi ssionalizantes – voltadas para a indústria e para o comércio. A partir da década de 1950, contudo, houve um aumento na industrialização, e o crescente desenvolvimento tecnológico e científi co no mundo acabou por forçar mudanças no currículo de Ciências nos Estados Unidos e Inglaterra, o que se refl etiu nas escolas brasileiras. Especialmente após o lançamento, pela antiga União Soviética, do Sputnik, a primeira série de satélites artifi ciais, a nação norte- americana passou por intensa reformulação no ensino de Ciências A partir da década de 1950, houve um crescente desenvolvimento tecnológico e científi co no mundo acabou por forçar mudanças no currículo de Ciências nos Estados Unidos e Inglaterra, o que se refl etiu nas escolas brasileiras. 14 Ciências Biológicas e os PCNs através de projetos curriculares, conhecidos por suas siglas: BSCS (Biological Science Curriculum Study), CBA (Chemical Bond Approach), PSSC (Physical Science Study Committee), IPS (Introductory Physical Science) e SMSG (Science Mathematics Study Group). Em consequência, ocorreu uma incorporação do conhecimento científi co nos currículos escolares e a substituição dos métodos expositivos pelos “ativos” – principalmente pelo uso dos laboratórios escolares. Para um maior aprofundamento sobre as diversas reformas que o ensino de Ciências passou, leia o artigo Reformas e realidade: o caso do ensino das ciências, de Myriam Krasilchik, professora da Faculdade de Educação da USP. Foi publicado na revista São Paulo em Perspectiva, em 2000 (v. 14, n. 1). O Brasil, em refl exo, criou projetos de ensino de Ciências, com produção de textos e material experimental e com o treinamento de professores. Houve, também, uma expansão da rede pública de ensino. Os materiais produzidos pelos projetos curriculares americanos foram traduzidos e adaptados para o ensino secundário, a fi m de levar aos alunos os últimos avanços nas diferentes áreas da Ciência. No cenário escolar, as aulas continuavam expositivas: o professor transmitia o conhecimento, os alunos o recebiam. A verdade científi ca não podia ser contestada, sendo apresentada como unívoca e produto de grandes e poucas mentalidades brilhantes. O recurso mais usado, tanto de estudo quanto de avaliação, era o questionário, cujas respostas seriam encontradas no livro-texto escolhido pelo professor, e nas aulas dele. Em 1955, o Estado de São Paulo patrocinou, através da criação do IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura), uma renovação curricular do ensino de Ciências nas escolas, atualizando o conteúdo e desenvolvendo material didático para os laboratórios. Houve uma incorporação da “vivência do método científi co” no currículo. O objetivo fundamental do ensino de Ciências passou a ser o de dar condições para o aluno identifi car problemas a partir de observações sobre um fato, levantar hipóteses, testá-las, refutá-las e abandoná- las quando fosse o caso, trabalhando de forma a tirar conclusões sozinho. O aluno deveria ser capaz de “redescobrir” o já conhecido pela ciência, apropriando-se da sua forma de trabalho, compreendida, então, como “o método científi co”: uma sequência rígida de etapas preestabelecidas. É com essa perspectiva que se buscava, naquela ocasião, a democratização do conhecimento científi co, reconhecendo-se a 15 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 importância da vivência científi ca não apenas para eventuais futuros cientistas, mas também para o cidadão comum. Com isso, a partir de 1960 o aluno, de mero espectador, passou a ser convidado a participar do processo de ensino-aprendizagem, especialmente, nas práticas de laboratório. Em 1961, com a criação da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB 4024), o ensino de Ciências, que antes era ministrado apenas nas duas últimas séries do antigo ginásio, foi estendido a todas as séries, com o aumento da carga horária das disciplinas de Física, Química e Biologia. Além disso, a Lei conferia liberdade às escolas de programarem seus currículos e recomendava ênfase na postura investigativa. LDB ou LDBEN Caro(a) pós-graduando(a)! Alguns livros utilizam a sigla LDB e outros LDBEN para se referir à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Para evitar que ora utilizemos uma, ora outra, optamos por LDB – para todas as Leis e Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pois na opinião de alguns estudiosos é a mais adequada. Foram estabelecidos os chamados Centros de Ciências (de 1963 a 1965) nos Estadosde São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro, aliados a universidades e a secretarias de educação, que estimulavam o treinamento de professores em serviço e encorajavam atividades de observação e de laboratório nas escolas. Na contramão de tais medidas, o vestibular exigia conhecimentos memorizados e as próprias escolas resistiram em assimilar as novas orientações. Em 1967, surge o FUNBEC (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências), cujo objetivo principal era comercializar o material produzido pelo IBECC. A Ciência passa a ter a atenção da mídia, a ser levada para as casas através das televisões e das rádios – o que signifi ca dizer que, pouco a pouco, começa a ser popularizada. Aliado a isso, surge um movimento de democratização do ensino, quando permitem ao cidadão comum melhorar sua formação, uma vez que ele já convive com o produto da Ciência. Se antes a observação, quando ocorria, servia apenas para a constatação dos fatos e manipulação dos equipamentos, nos anos A Ciência passa a ter a atenção da mídia, a ser levada para as casas através das televisões e das rádios – o que signifi ca dizer que, pouco a pouco, começa a ser popularizada. 16 Ciências Biológicas e os PCNs 1970 o espírito da investigação científi ca passou a predominar, seguindo um roteiro específi co, descrito na sequência: • identifi car o problema; • elaborar hipóteses para resolução do problema; • analisar as variáveis; • planejar e executar experimentos para a verifi cação das hipóteses; • concluir validando ou não as hipóteses. Uma consequência desta maneira de ensinar Ciências é confundir metodologia do ensino de Ciências com metodologia científi ca e as concepções de produção do conhecimento científi co e de aprendizagem das Ciências relacionadas a essa tendência tinham cunho empirista/indutivista, ou seja: a partir da experiência direta com os fenômenos naturais, seria possível descobrir as leis da natureza. Atividade de Estudos: Lembrando o passado!!! 1) Você se lembra das suas aulas de laboratório? Elas seguiam esse padrão de investigação científi ca? O que você acha que a prática serviu à sua aprendizagem e ao seu interesse na Biologia? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 17 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Em 1971 é criada a LDB 5692, que tornava obrigatório o ensino de Ciências nas oito séries do 1º grau. Devido ao golpe militar de 1964, o estudo de Ciências deveria contribuir para a mão de obra qualifi cada, de modo que surgem disciplinas profi ssionalizantes. Há um aumento no número de vagas nas escolas primárias e secundárias, abolindo, de bônus, os exames admissionais, presentes até esta época. Os movimentos estudantis de 1968 haviam reinvidicado aumento no número de vagas nas universidades, o que foi posto em prática com esta LDB. Junto a isso, houve uma expansão das Instituições de Ensino Superior privadas. Para comportar a demanda, aumentou-se o número de cursos de formação de professores. Com a crise econômica mundial, o desenvolvimento industrial desenfreado, problemas relacionados ao desenvolvimento tecnológico e agressões ao ambiente, no período de 1970 a 1985, as implicações sociais do desenvolvimento científi co fi cam cada vez mais evidentes, divergindo da ideia da Ciência como um saber neutro, isento e inquestionável. Surge um movimento pedagógico no ensino de Ciências chamado Estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). Ainda tímido nesta época, ganhará maior expressão a partir da década de 1980. A Educação Ambiental também começa a se consolidar neste período. Na perspectiva dos estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), os fatos e artefatos científi co-tecnológicos, os conhecimentos e as inovações devem ser observados pelos aspectos técnicos e os aspectos sociais ao mesmo tempo. Em 1972, foi criado o PREMEN (Programa de Expansão e Melhoria do Ensino), que desenvolveu parcerias entre Centros de Ciências e universidades e se voltou ao treinamento de professores de Ciências (do Ensino Fundamental), Física, Química e Biologia (Ensino Médio). Também criou habilitações de professores em Licenciaturas Curtas. Nos anos 1980, a atenção passa a ser dada ao processo de construção do conhecimento científi co pelo aluno. Várias pesquisas são realizadas tentando compreender como tal processo se dava e o Modelo de Aprendizagem por Mudanças Conceituais surge como uma das propostas. De 1970 a 1985, as implicações sociais do desenvolvimento científi co fi cam cada vez mais evidentes, divergindo da ideia da Ciência como um saber neutro, isento e inquestionável. 18 Ciências Biológicas e os PCNs Para compreender o conceito de Mudança Conceitual, voltado ao ensino de Ciências, leia o artigo de Sergio Arruda e Alberto Villani, Mudança conceitual no ensino de Ciências, de 1994, publicado no Caderno Catarinense do Ensino de Física (v. 11, n. 2, p. 88 - 99). Bem aceito pelas correntes construtivistas, também foi alvo de críticas por não levar em consideração que a construção do conhecimento científi co tem exigências relativas a valores humanos, à construção de uma visão de Ciência e suas relações com a Tecnologia e a Sociedade (infl uência do pensamento dos Estudos CTS) e ao papel dos métodos das diferentes ciências. Da década de 1980 aos dias atuais, temas relativos ao meio ambiente, saúde, relações entre indústria e agricultura, ciência e tecnologia, foram sendo incluídos nos currículos. A interdisciplinaridade e o construtivismo são tendências marcantes que até hoje têm aplicação pretendida nas escolas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sugerem fortemente a participação ativa do professor, com o suporte de livros e materiais didáticos. Atividade de Estudos: 1) Você consegue notar a relação estreita que há entre a sociedade e o ensino de Ciências? Anote aqui o que você percebeu dessa relação, ao longo da leitura do texto. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Em 1996, a LDBE 9394 estabeleceu que a educação escolar deveria vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Os currículos do Ensino Da década de 1980 aos dias atuais, a interdisciplinaridade e o construtivismo são tendências marcantes que até hoje têm aplicação pretendida nas escolas. 19 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Fundamental e Médio deveriam ter base nacional comum, mas cada escola poderia complementar com suas características regionais e locais sociais, culturais e econômicas. As ciências naturais e físicas têm obrigatoriedade reforçada nos currículos, preferencialmente dentro da realidade social e política brasileira. Um dos objetivos do Ensino Fundamental (que passou a ser obrigatório e com duração de nove anos) é fazer com que os estudantes tenham compreensão do ambiente natural e social; no Ensino Médio, é a compreensão dosfundamerntos científi co-tecnológicos dos processos produtivos. Em suma, de um conhecimento elitizado e circunscrito, alienado das esferas sócio-políticas, a Ciência passa, gradativamente, a ocupar aspecto central na vida de todos os cidadãos, permeado no cotidiano, dos utensílios utilizados aos argumentos éticos e políticos, passando pelo consumo na mídia; e esta realidade se refl ete, embora com certo tardar, no ensino de Ciências. Atualmente, a formação de professores visa a novos perfi s profi ssionais, cuja capacidade de trabalhar com uma visão interdisciplinar da Ciência, própria das múltiplas formas de se conhecer e interagir na sociedade, orienta o ensino para uma refl exão mais crítica sobre os processos de produção do conhecimento científi co-tecnológico e suas implicações sociais na vida cotidiana. Ensinar Ciências Para que ensinar Ciências? Melhor dizendo: para que aprender Ciências? Esta é uma boa pergunta para fazer a si mesmo, pois é a mesma que muitos alunos se fazem, junto a um desanimado suspiro a caminho da sala de aula. Existem vantagens em aprender Ciências? Pelo menos três podem ser pontuadas (WERTHEIN, 2006): • envolve um tipo de exercício de raciocínio, distinto dos outros estimulados pelas demais disciplinas, que desperta o espírito investigativo e, com ele, um modo diferente de criatividade, o que melhora a aprendizagem em todas as disciplinas; • atrai talentos para as carreiras científi cas, necessárias ao mundo que temos hoje, marcadamente tecnológico e científi co; De um conhecimento elitizado e circunscrito, alienado das esferas sócio-políticas, a Ciência passa, gradativamente, a ocupar aspecto central na vida de todos os cidadãos 20 Ciências Biológicas e os PCNs • permite o posicionamento frente a processos e inovações (por exemplo, o uso de alimentos geneticamente modifi cados, a energia nuclear, e a clonagem biológica) sobre os quais é preciso ter uma opinião para que se possa legitimá-los. Em outras palavras, o domínio do conhecimento científi co faz parte do exercício da cidadania. Contudo, a principal meta do ensino de Ciências, como atualmente vem sendo executado, é a de dar condições para o aluno vivenciar determinadas técnicas científi cas, ministradas, no geral, nos moldes de uma concepção tradicional de ensino, cuja fi nalidade é a memorização de conceitos previamente estabelecidos. O resultado é o que Fourez (2003) chama de “crise no ensino de Ciências”, que pode ser resumida na colocação de um aluno que é, infelizmente, possível de ser estendida a grande parte de seus colegas, nas mais diversas escolas: “aquela disciplina [Ciências] é chata, um monte de dados, um monte de nomes, sem ter nenhuma relação com o atual, com o século 21”. (OAIGEN et al., 2005, p. 29). Atividade de estudos: Investigação rápida Pergunte a seus familiares e amigos se eles gostavam de Ciências quando estavam na escola. Pergunte: 1) aspectos que não gostaram na disciplina, e por quê; 2) aspectos que gostaram, e por quê. Agora refl ita: como você aplicaria em sala os aspectos positivos? E como contornaria os negativos? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ O domínio do conhecimento científi co faz parte do exercício da cidadania. 21 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Em torno da crise no ensino de Ciências, existem “atores” com interesses que são, às vezes, confl itantes e que alimentam controvérsias sobre os objetivos e os meios da educação em Ciências. Esses “atores”, conforme Fourez (2003), são, entre outros, os alunos, seus pais e os professores de Ciências. Para os alunos, apesar de concordarem com a importância da Ciência e de admirarem os cientistas, não querem saber de praticar a Ciência. Para eles, os professores têm querido forçá-los a enxergar o mundo com os olhos de cientistas, ao invés de ajudá-los a compreender o mundo com os seus próprios olhos. Além disso, “Os jovens de hoje parece que não aceitam mais se engajar em um processo que se lhes quer impor sem que tenham sido antes convencidos de que esta via é interessante para eles ou para a sociedade”. (FOUREZ, 2003, p. 110). Em um pensamento próximo ao de Gaston Bachelard (que veremos com mais detalhes nos próximos tópicos), Fourez está dizendo que é preciso “seduzir” os alunos para a Ciência, através de um convencimento prévio, mostrando que o que será apresentado é importante sob o ponto de vista cultural, social, econômico, entre outros. Os pais desses alunos se preocupam com o emprego dos fi lhos e creditam a situação ao mal preparo dos professores de Ciências. Os professores de Ciências têm sofrido pressões e problemas, tanto com a perda de poder e de consideração por sua profi ssão quanto pelo fato de serem cada vez mais obrigados a mostrar sentido no estudo de Ciências para os alunos – sem a formação adequada para tal. Veremos com maiores detalhes a situação e as exigências em ser professor de Ciências no próximo capítulo. Vale muito a pena ler na íntegra o artigo de Gérard Fourez, Crise no Ensino de Ciências?, de 2003. Você pode encontrar uma versão on-line da revista em que ele fez a publicação, Investigações em Ensino de Ciências (IENCI), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – aliás, excelente fonte para você sempre fazer suas pesquisas: http://www.if.ufrgs.br/ienci/ É preciso “seduzir” os alunos para a Ciência, através de um convencimento prévio, mostrando que o que será apresentado é importante sob o ponto de vista cultural, social, econômico, entre outros. 22 Ciências Biológicas e os PCNs Atividade de Estudos: 1) Quais as principais vantagens do Ensino de Ciências? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) O que caracteriza a chamada “crise” no Ensino de Ciências? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ O ensino de Ciências na Educação Básica não deve se centrar nos conteúdos específi cos, mas no processo de desenvolvimento do estudante. Não é interesse da Ciência escolar formar projetos de cientistas, mas cidadãos críticos e autônomos para buscar, eles mesmos, as respostas. O papel da Ciência na escola é provocar os alunos para que investiguem os caminhos, e não que fi quem à espera das respostas – que é o modo como ensinamos Ciência hoje, apesar de todos os avanços teóricos e metodológicos na área. É preciso que se priorizem as habilidades que possam vir a ser estimuladas e desenvolvidas pelos alunos: observação, questionamento, negociação de ideias, experimentação, criatividade, entre outras. Os elementos específi cos de Ciência são necessários – e não devem, de forma alguma, ser deixados de lado. Não se pode nem priorizar os conteúdos, nem abandoná-los: é preciso inseri-losno Não é interesse da Ciência escolar formar projetos de cientistas, mas cidadãos críticos e autônomos para buscar, eles mesmos, as respostas. Os elementos específi cos de Ciência são necessários – e não devem, de forma alguma, ser deixados de lado. 23 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 cotidiano do aluno de modo que façam sentido. Apenas desse jeito é que eles verão a importância de se aprender Ciências, e mais importante: desenvolverão um olhar investigativo e questionador para o mundo à volta deles. Além disso, o ensino de Ciências não pode fi car direcionado apenas para os conhecimentos que já foram produzidos e publicados (embora também seja importante conhecê-los). É preciso criar nos alunos, em todas as fases da Educação Básica, a necessidade de eles mesmos buscarem sempre pelo novo, despertando o gosto pela pesquisa e pela produção individual, que deve ser socializada em benefício do coletivo. Atividade de Estudos: Pense um pouco!!! 1) De que maneira você instigaria seus alunos a criarem gosto pela pesquisa e pela produção individual? Escreva aqui suas ideias. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ No último capítulo, Novas perspectivas para o Ensino de Ciências e Biologia, você encontrará diversas sugestões metodológicas para incentivar seus alunos. Que tal dar uma olhada lá e ver se as suas metodologias estão entre as apresentadas? 24 Ciências Biológicas e os PCNs O Conceito de Ciência O que é Ciência? Esta é uma pergunta tão importante quanto “para que ensinar/aprender Ciências”. Sua resposta não é tão clara quanto possa parecer em um primeiro momento. Atividade de Estudos: Pense um pouco!!! 1) O que é Ciência para você? Anote suas refl exões e guarde, pois iremos retomar esta atividade mais adiante. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Veja o que uma turma de sexta série (em 2009) respondeu à pergunta: • é a disciplina Ciências; • é aquilo que gera a Natureza; • é vida; • é o corpo humano; • ensina como cuidar do meio ambiente; • existe em tudo; • é uma descoberta; 25 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 • é tudo aquilo que existe entre humanos e animais; • estuda animais, vegetais, plantas, mas não células, bactérias e fungos; • é o que estuda o planeta; • é o que dá valor ao mundo; • é para quem se esforça; • um monte de coisas; • o estudo do mundo em feitos. Atividade de Estudos: 1) Compare sua resposta com as dessas crianças: existe similaridade com alguma delas? Guarde essa resposta também! Voltaremos com a atividade! ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Para muitos autores, o conceito de Ciência não é claro para grande parte das pessoas. É comum pensá-la relacionando-a quase exclusivamente a desenvolvimentos científi cos notáveis ou a nomes de cientistas conhecidos (mal recordando o que eles exatamente faziam ou para quê). Esta visão é conhecida como concepção herdada (ou tradicional), na qual a Ciência é objetiva, neutra e baseada na aplicação de um código de racionalidade que não sofre nenhum tipo de interferência (como falta de tempo, falta de dinheiro, pressão política, esquecimentos, etc.) e que segue um único e rígido padrão de pesquisa: o método científi co. Herança do positivismo, que vigorava entre os estudiosos e pesquisadores até os anos 1960. Positivismo: conceito ideológico que consiste na premissa de que a experiência é a única capaz de produzir a verdadeira ciência, a partir de dados concretos de um mundo apenas físico e material, sem imaginação ou quaisquer atributos que não sejam exclusivamente 26 Ciências Biológicas e os PCNs racionais. O Positivismo também defende que o conhecimento científi co é a única forma de conhecimento verdadeiro, de modo que desconsidera todas as outras formas de conhecimento que não possam ser comprovadas cientifi camente. A partir da década de 1960, porém, começaram a surgir novas propostas para se ver a Ciência. Vamos dar uma olhada nelas: a) A observação é carregada teoricamente O cientista, como qualquer indivíduo, percebe as informações por meio de seus sentidos (a visão, a audição, o tato, o paladar, o olfato e até outros, mais subjetivos e sujeitos a discussões) e da mesma forma como acontece com todos, cai em erros e ilusões, oriundos de suas interpretações. Essas interpretações são geradas conforme uma redoma de pré-leituras e preconceitos que o cientista, enquanto observador e/ ou manipulador de fenômenos, irá inferir na apuração dos dados que obtiver. Ele tem suas ideologias, suas preferências teóricas, suas pressões políticas, seus bons e maus dias, tudo isso interfere na análise dos dados. b) As evidências empíricas são escolhidas Na atividade científi ca sempre é possível produzir mais de uma teoria ou hipótese, com valor empírico equivalente, mas cujas explicações para um fenômeno em comum são incompatíveis. Qual será a mais válida? E quem decide isso? Frequentemente, a chamada “evidência empírica relevante” ou aquela teoria ou hipótese escolhida como a explicação dominante é aquela cuja carga teórica de observação é a do contexto ideológico vigente. Quem decide? A comunidade científi ca, que, como qualquer outra comunidade, associação e afi ns, é política, com interesses que vão dos econômicos aos ideológicos. c) A ciência é dinâmica Passa por momentos de estabilidade e de instabilidade, que Thomas Frequentemente, a chamada “evidência empírica relevante” ou aquela teoria ou hipótese escolhida como a explicação dominante é aquela cuja carga teórica de observação é a do contexto ideológico vigente. O cientista, como qualquer indivíduo, cai em erros e ilusões, oriundos de suas interpretações. A ciência é dinâmica passa por momentos de estabilidade e de instabilidade 27 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Kuhn, em 1962, denominou de períodos de Ciência Normal – os de estabilidade – e outros de Ciência Revolucionária – quando há ruptura com o paradigma dominante. Thomas Kuhn: Pós-doutor em física pela Universidade de Harvard em 1949 desenvolveu estudos sobre a História da Ciência e Filosofi a da Ciência, tornando-se um dos mais importantesestudiosos do desenvolvimento científi co. Paradigma: Do grego parádeigma, signifi ca modelo ou a representação do padrão a ser seguido. Existe um paradigma para tudo, desde o conhecimento científi co até o comportamento alimentar, por exemplo. Paradigmas se apóiam em preconceitos e estereótipos, são construídos ao longo da História Cultural dos povos, e, por isso, são muito difíceis de serem alterados, embora tal não seja impossível. Durante a Ciência Normal, os cientistas trabalham dentro de uma rotina conhecida, buscando e aprimorando detalhes de problemas teóricos e experimentais que não divergem do paradigma. Ao mesmo tempo, contudo, pequenos problemas sem solução vão surgindo e sendo deixados “na gaveta”, até que, em certo momento, o acúmulo deles é tal que se torna impossível ignorar a realidade: a lógica dominante tem falhas, anomalias e não está sendo capaz de explicar tudo. Esta crise é caracterizada pelo surgimento de paradigmas alternativos e por polarizações dentro da comunidade científi ca que passam a disputar entre si. Esta rivalidade gera uma mudança na produção dos problemas disponíveis, nas metáforas usadas e nos valores da comunidade, induzindo a uma alteração na imaginação científi ca. Velhas questões são revisitadas, novas descobertas são feitas em cima de velhos axiomas e ocorre uma verdadeira revolução científi ca – daí o termo Ciência Revolucionária. Aos poucos, o paradigma revolucionário se torna o vigente e a Ciência retorna a seu período de estabilidade. 28 Ciências Biológicas e os PCNs Você conhece a Teoria dos Campos Mórfi cos? Proposta pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake e alvo de intensa controvérsia, esta teoria explicaria o que os antropólogos chamam de “o inconsciente coletivo” – quando povos assumem atitudes semelhantes mesmo sem comunicação direta. Os campos mórfi cos, de acordo com Sheldrake, seriam estruturas que se estendem no espaço-tempo e moldam a forma e o comportamento de todos os sistemas do mundo material. De átomos a galáxias, cada entidade estaria associada a um campo mórfi co específi co e o conjunto faz com que um sistema seja um sistema, isto é, uma totalidade articulada e não um mero ajuntamento de partes. Com base na mesma teoria, Sheldrake defendeu, no livro Cães sabem quando seus donos estão chegando, que animais domésticos são donos de uma percepção que, por vezes, a Ciência em seu estágio atual não pode explicar, por conta desses mesmos campos. Atividade de Estudos: 1) Na sequência são relacionadas algumas teorias científi cas, junto a determinados períodos da História da Ciência. Prestando atenção na relação entre teoria-período, identifi que cada uma como Ciência Normal, Ciência Revolucionária ou Ciência de Transição (para identifi car aquelas explicações que foram “engavetadas”, ignoradas ou motivo de grande controvérsia em sua época). TEORIA / PERÍODO FASE (Normal/ Revolucionária/Transição) Geração Espontânea ou Abiogênese / séc. XVI Biogênese/ séc. XVII Biogênese/ séc. XIX Experimento de Mendel/ séc. XIX Experimento de Mendel/ séc. XX Teoria da Evolução de Darwin/ séc. XIX Teoria da Evolução de Darwin/ séc. XXI Teoria dos Campos Mórfi cos/ séc. XXI 29 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Considere que: • A Abiogênese (hipótese que pressupõe que a vida surge da matéria inanimada) foi amplamente aceita do século XIII ao século XIX, mesmo tendo sido contestada de maneira contundente por Francesco Redi no século XVII. • A Biogênese (que defende que a vida surge de outra preexistente) desafi ou a Abiogênese por pelo menos duzentos anos, até Louis Pasteur, em 1860 (século XIX), provar, com seu experimento dos frascos “pescoços de cisne”, que não era possível criar vida a partir da matéria inanimada. • Os experimentos de Gregor Mendel com ervilhas aconteceram durante o século XIX (em 1866), mas obtiveram pouco impacto na comunidade científi ca na época. Seu trabalho foi “redescoberto” em 1900 (século XX), servindo para a propulsão da Genética e como “peça que faltava” para a explicação da Evolução por Seleção Natural, de Darwin. • A Teoria da Evolução foi proposta por Darwin e outros no século XIX, causando intensa comoção e controvérsia na comunidade científi ca e na vida pública. Ciência, do latim scientia, equivale a “saber”, “conhecimento”. Porém, há saberes que não podem ser enquadrados como científi cos e o próprio conhecimento científi co pode seguir até cinco estilos diferentes de raciocínio. Por isso, é difícil falar de Ciência como algo inserido ou orientado por um método ou estrutura específi ca. Os cinco estilos de raciocínio científi co (BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003) são: • a exploração e a medição experimental específi cas da Física, da Química e da Biologia; • a elaboração de modelos hipotéticos comum em Ciências Cosmológicas ou Cognitivas; • a classifi cação e a reconstrução histórica presente na Filologia (estudo da língua) e na Biologia Evolutiva; 30 Ciências Biológicas e os PCNs • a elaboração de postulados e provas em Lógica e Matemática; • a análise estatística de populações da Economia e partes da Genética. Contudo, ainda se pode falar em atitude científi ca ou em saber científi co, porque existe uma credibilidade quase universal em seu entorno. Credibilidade conquistada por conta do êxito em resolver muitos dos problemas que surgiram na história da humanidade, como os avanços medicinais, as melhorias da engenharia, a descoberta e o uso da eletricidade. Tal êxito foi angariado devido ao uso da matemática, de procedimentos padronizados por provas e refutações, à generalidade de suas afi rmações e conhecimentos (como a Teoria da Evolução, a Lei da Gravitação Universal, a Teoria da Relatividade), à instrumentação e às práticas experimentais. Atividade de Estudos: 1) Lembra de suas anotações sobre o conceito de Ciência? Você vai usá-las agora. O quadro que segue oferece uma listagem de possíveis visões acerca da Ciência. Será que a sua está entre os itens? Procure. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Ainda se pode falar em atitude científi ca ou em saber científi co, porque existe uma credibilidade conquistada por conta do êxito em resolver muitos dos problemas que surgiram na história da humanidade. 31 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Quadro 1 - Possíveis visões deformadas acerca da Ciência (que incidem sobre os processos de ensino) Visão empirista e ateórica Ressalta-se o papel da observação e da experimentação “neutras”, não contaminadas por ideias, esquecendo o papel essencial das hipóteses; no entanto, a educação em geral é puramente livresca, sem trabalho experimen- tal. A aprendizagem é uma questão de “descobrimento” ou se reduz à prática “dos processos”, com omissão dos conteúdos. Visão rígida Apresenta-se o “Método Científi co” como um conjunto de etapas que se deve seguir mecanicamente. No ensino se ressalta o que se supõe ser um tra- tamento quantitativo, um controle rigoroso, etc., esquecendo – ou inclusive re- chaçando – tudo o que implica invenção, criatividade, dúvida… No polo opos- to desta visão rígida e dogmática da ciência como descobridora da “verdadecontida nos fatos”, apresenta-se um relativismo extremo, tanto metodológico (“tudo vale”, não existem estratégias específi cas no trabalho científi co) como conceitual (não há uma realidade objetiva que permita contrastar a validade das construções científi cas: a única base na qual se apoia o conhecimento é o consenso da comunidade de pesquisadores nesse campo). Visão aproblemática e aistórica Transmitem-se conhecimentos já elaborados sem mostrar quais foram os pro- blemas que geraram sua construção, qual foi sua evolução, as difi culdades, etc., e menos ainda as limitações do conhecimento atual ou as perspectivas futuras. Visão exclusivamente analítica Ressalta a necessária parcialização dos estudos, seu caráter simplifi cativo e esquece os esforços posteriores de unifi cação e de construção de corpos co- erentes de conhecimentos cada vez mais amplos, o tratamento de problemas de fronteira entre distintos domínios que podem chegar a unir-se, etc. Contra essa visão parcializada têm sido elaboradas propostas de educação integra- da das ciências, que tomam a unidade da matéria como ponto de partida, esquecendo que o estabelecimento de tal unidade constitui uma conquista recente e nada fácil da ciência. Visão acumulativa linear Os conhecimentos aparecem como frutos de um conhecimento linear, ignorando as crises, as remodelações profundas. Ignora-se, em particular, a descontinuidade radical entre o tratamento científi co dos problemas e o pensamento ordinário. Visão individualista Os conhecimentos científi cos aparecem como obras de gênios isolados, desconhecendo-se o papel do trabalho coletivo, dos intercâmbios entre equipes… Esta visão individualista se apresenta associada, algumas vezes, a concepções elitistas. 32 Ciências Biológicas e os PCNs Visão “velada”, elitista Apresenta-se o trabalho científi co como um domínio reservado a minorias especialmente dotadas, transmitindo expectativas negativas para a maioria dos alunos, com claras discriminações de natureza social e sexual (a ciência é apresentada como uma atividade eminentemente “masculina”). Contribui-se para este elitismo escondendo a signifi cação dos conhecimentos após o apa- rato matemático. Não são realizados esforços para tornar a ciência acessível (começando com tratamentos qualitativos, signifi cativos), nem por mostrar seu caráter de construção humana, no que não faltam confusões nem erros, como os erros dos próprios alunos. Visão de “senti- do comum” Os conhecimentos são apresentados como claros, óbvios, “de sentido comum”, esquecendo-se que a construção científi ca parte, precisamente, do questionamento sistemático do óbvio. Visão descon- textualizada, socialmente neutra São esquecidas as complexas relações CTS e são proporcionadas imagens dos cientistas como se fossem seres “acima do bem e do mal”, enclausura- dos em torres de marfi m e distantes das necessárias tomadas de decisão. Como reação, pode-se cair em uma visão excessivamente sociológica da ciência que dilui por completo sua especifi cidade. Fonte: Bazzo; Linsingen; Pereira (2003, p. 19-20). O ConHecimento CientÍFico Diante do mundo, os primeiros conhecimentos que construímos são baseados em situações concretas: o que vemos, o que tocamos, o que ouvimos, o que sentimos pela gustação e pelo olfato. As impressões que obtivemos dessas experiências variam de muito palpáveis a muito difusas. Porém são concretas, porque vêm do mundo imediato, físico. O conhecimento científi co tem por diferencial a abstração das impressões concretas. Ele exige uma inversão no modo como interpretamos o que nossos sentidos capturam da realidade. E esta inversão deve se dar, para Gaston Bachelard (1996), através de uma ruptura, e ela deve ser drástica, pois não adianta simplesmente adquirir o conhecimento científi co. Ele não deve coabitar o indivíduo com o conhecimento comum. Ele deve assumir seu lugar. Uma vez que o conhecimento científi co vai contra o conhecimento sensível, Bachelard afi rma que, para substitui-lo, é necessário passar por obstáculos, que chama de epistemológicos (conjunto de conhecimentos que têm como foco o próprio conhecimento, incluindo o científi co), mas que podemos, neste contexto, associar aos obstáculos de aprendizagem. O conhecimento científi co não deve coabitar o indivíduo com o conhecimento comum. Ele deve assumir seu lugar. 33 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Esses obstáculos, manifestos na forma de lentidões e confl itos da compreensão científi ca, são gerados pelo ato de conhecer em si, podendo levar à estagnação, à inércia, até mesmo à regressão do conhecimento. Por isso, é absolutamente vital destruí-los, caso se pretenda ensinar Ciência. Ou pelo menos desestabilizá-los. Gaston Bachelard explica em detalhes como o ato de conhecer pode ser um obstáculo para o conhecimento científi co em sua obra A formação do espírito científi co, de 1938. Reeditado contínuas vezes devido à atualidade de muitas de suas pontuações e até provocações ao modo como a educação científi ca levava e leva alguns aspectos de sua prática, é uma leitura instigante e válida a educadores em formação e em atuação. Para desestabilizar os obstáculos de aprendizagem, é interessante saber quais são eles e de que modo são formados. a) A experiência primeira (ou imediata) Pelo modo como Bachelard enxerga a aprendizagem em Ciências, o primeiro grande obstáculo é a experiência imediata, ligada aos sentidos. Esta experiência primeira gera um conhecimento ligado às sensações, como foi a experiência que o originou. São os conhecimento prévios que os estudantes levam para a sua sala de aula e que você mesmo, enquanto estudante de graduação, também tem (embora em níveis diferentes). Esse tipo de conhecimento tem um fator de “naturalidade” que leva a uma sensação falsa de compreensão do fenômeno. Assim mesmo, a explicação frágil se torna sinônimo da realidade. Cria-se, então, um conceito, uma explicação a esta realidade falsa, que nada fundamenta, mas que assim mesmo acaba supervalorizada. É o que o autor denominou de coefi ciente de realidade. Tomemos como exemplo o Modelo Geocentrista: ver o Sol “nascendo” e “morrendo” no horizonte é uma experiência imediata, baseada fundamentalmente nas sensações, especialmente a visão. Esta observação gera um conhecimento sensível, que é: o Sol gira em torno da Terra. Esse tipo de conhecimento tem um fator de “naturalidade” que leva a uma sensação falsa de compreensão do fenômeno. 34 Ciências Biológicas e os PCNs Esta aparente circulação solar pela atmosfera terrestre se torna um coefi ciente de realidade que, por sua vez, valoriza ao extremo o conceito associado, que é: a Terra é fi xa no centro do universo. b) A generalização Ao valorizar demais um conceito gerado pelo coefi ciente de realidade, temos o segundo obstáculo: a generalização. Generalizar é estender uma explicação (na forma de princípio ou conceito) a todo e qualquer caso possível, tendo ou não sido observado por nós. A Ciência usa muito a generalização. A Lei da Gravidade é uma delas. Estamos absolutamente certos de que qualquer coisa que se largue na Terra irá para o chão. Nós mesmos estamos no chão por causa desta Lei. A diferença entre a generalização da Gravidade e, por exemplo, a generalização do Geocentrismo é que esta não aguentou os experimentos, enquanto que aquela continua funcionando. Em outras palavras, a generalização advinda de um coefi ciente de realidade é frágil e não resiste a refutações bem fundamentadas. c) O obstáculo verbal e o obstáculo substancialista A generalização se manifesta também na forma de obstáculo verbal, ou seja, quando há palavras sendo usadas para expressar fenômenos variados, sem explicá-los de fato. Cria-se uma associação imediata entre palavra e fenômeno, a ponto de reconhecê-lo na palavra sem tê-lo conhecido antes.O obstáculo verbal leva ao obstáculo substancialista. Neste, uma palavra ou uma imagem ou uma metáfora, uma analogia, assume o lugar da explicação do fenômeno, tornando-se sua substância, sua essência. Não se consegue mais explicar o fenômeno sem usar a palavra, a metáfora, etc. Deste modo, a palavra generaliza o fenômeno, torna-se uma evidência clara e distinta, sem necessidade de ser explicada. Exemplos deste tipo de obstáculo é a comparação do órgão cardíaco a uma Generalizar é estender uma explicação (na forma de princípio ou conceito) a todo e qualquer caso possível, tendo ou não sido observado por nós. Cria-se uma associação imediata entre palavra e fenômeno, a ponto de reconhecê-lo na palavra sem tê-lo conhecido antes. 35 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 bomba; o sistema nervoso a uma rede elétrica ou telefônica; o cérebro a uma noz; um computador a um cérebro; e por aí vai. A Biologia é permeada por manifestações metafóricas e analógicas, além de ser extremamente visual. É praticamente impossível a qualquer professor, seja de graduação, seja de Ensino Fundamental e Médio, explicar fenômenos e sistemas biológicos sem o uso das imagens, metáforas, analogias e outras formas de comparação e explicação. A solução não é abdicar desses modos explicativos, porém deixar claro, a si mesmo e aos alunos, que se trata de uma representação e que não se encontrará na natureza cópia exata dela. A propósito, é bom saber que imagens, mesmo as fotográfi cas, não têm assimilação nem signifi cação imediata, pronta: é preciso aprender a enxergá-las de acordo com o olhar do biólogo. Este olhar não nasce pronto; ele é apreendido ao longo do curso, com as diversas disciplinas, os livros, os manuais, os atlas e os próprios organismos utilizados em atividades práticas. Atividade de Estudos: Pense um pouco: 1) Refl ita sobre sua trajetória no curso, pense sobre como as imagens foram apresentadas a você e por quanto tempo. Então responda: o que fazer quando alunos dos anos fi nais do Ensino Fundamental não compreendem os componentes de uma célula, mesmo que você a mostre de diferentes formas (ao microscópio, por esquema colorido, fazendo-os montar uma maquete, etc.)? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ É bom saber que imagens, mesmo as fotográfi cas, não têm assimilação nem signifi cação imediata, pronta: é preciso aprender a enxergá-las. 36 Ciências Biológicas e os PCNs d) O obstáculo do conhecimento unitário Quando a generalização conduz a explicações que refl etem a unidade da natureza, conduz a um obstáculo tido como obstáculo do conhecimento unitário, avesso ao pensamento complexo. No entender de Bachelard, este obstáculo leva à formulação de falsos problemas ou falsas explicações porque transforma a variação natural em variedades de uma só Natureza. Por exemplo: em zoologia há diversas características que unifi cam os animais em classes. O que fazer com aqueles animais que parecem ter um pouco de cada classe, como o ornitorrinco? Para Bachelard, fi car afl ito atrás de um “lugar” defi nitivo para o ornitorrinco na taxonomia é um falso problema, que demanda tempo, inteligência, investimento pessoal que poderia ser aplicado com mais sucesso em pesquisas de maior validade. e) O obstáculo do conhecimento pragmático Este obstáculo pressupõe que a não existência de uma razão útil para determinado fenômeno é praticamente o mesmo que não ter razão para este existir. Assim, se não houver utilidade, não há princípio explicativo; se não houver princípio explicativo, não há razão de ser; se não houver razão de ser, não pode ser verdadeiro. A isso Bachelard chama de indução utilitária. É absolutamente vital que haja utilidade no fenômeno, caso contrário, é quase como se ele não fosse real. Um exemplo disso são as partes do DNA que ainda estão sem explicação, porque não se encontrou ainda uma utilidade para elas. Imagina-se que tenham utilidade, senão não haveria motivos para que estivessem ali. Buscar utilidade para as coisas naturais é também bastante recorrente na Biologia. Tudo o que se conhece bem tem uma funcionalidade; aquilo que não tem é porque ainda não sabemos o sufi ciente a respeito. f) O inconsciente do espírito científi co É para onde levam todos esses obstáculos. O inconsciente do espírito científi co (ou do conhecimento científi co) é um conhecimento que não questiona de fato, não investiga, que se mascara sob falsa racionalidade científi ca. Um conhecimento inconsciente de si mesmo. Quando a generalização conduz a explicações que refl etem a unidade da natureza, conduz a um obstáculo tido como obstáculo do conhecimento unitário. Este obstáculo pressupõe que a não existência de uma razão útil para determinado fenômeno é praticamente o mesmo que não ter razão para este existir. Conhecimento que não questiona de fato, não investiga, que se mascara sob falsa racionalidade científi ca. 37 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Bachelard propõe, então, enfrentar esta inconsciência – razão, entre outros fatores, da conhecida “preguiça de pensar” - forçando um contato com as experiências prévias. Ao fazer este contato, a intenção é reavivar a crítica, racionalizar a experiência: revirar os problemas, variá-los, ligá-los. Esse tipo de ação, contudo, vai contra a necessidade das certezas imediatas que as convicções primárias oferecem, gerando mau humor e resistência. Esta resposta emocional a um desafi o intelectual pode ser manifestada de variadas formas: desorientação, fracasso na avaliação, desdém (pelo professor, pela disciplina ou pelo assunto), dispersão da concentração, indução à desordem, desleixo para com atividades individuais e em grupo, entre diversos outros problemas. Atividade de Estudos: 1) Com base nas noções bachelardianas de obstáculos de aprendizagem, relacione a primeira coluna com a segunda: 1) experiência imediata ( ) necessidade de se conferir utilidade aos fenômenos. 2) conhecimento prévio ( ) quando não é possível dissociar o fenômeno da palavra, metáfora, imagem, analogia, etc. 3) coefi ciente de realidade ( ) estender a explicação de um aspecto espe- cífi co para todo e qualquer caso possível. 4) generalização ( ) ligada aos sentidos, estimula a criação dos conhecimento espontâneos, também chamados de conhecimentos prévios. 5) obstáculo verbal ( ) quando não se sente necessidade de explicar dado fenômeno por este ser “natural” (no sentido de óbvio). 6) obstáculo substancialista ( ) conhecimento acrítico ou falsamente crítico. 7) obstáculo do conhecimento unitário ( ) tipo de conhecimento sem abstração científi - ca, preso à realidade concreta dos sentidos. 8) obstáculo do conhecimento pragmático ( ) quando uma palavra, imagem, metáfora, analogia, etc., assume o lugar da explicação do fenômeno. 9) inconsciente do espírito científi co ( ) necessidade de se explicar a variação da natureza sob uma explicação generalista. 38 Ciências Biológicas e os PCNs O ConHecimento CientÍFico Escolar Este é o conhecimento produzido pela Ciência que sofreu adequação conceitual e de linguagem para o ensino, na forma de conteúdos escolares. Não se deve confundi-lo com o conhecimento prévio (também chamado de alternativo ou cotidiano). O conhecimento científi co escolar não é o conhecimento cotidianoampliado. Este é alterado, substituído pelo conhecimento científi co escolar. A apropriação do conhecimento científi co pelo estudante implica necessariamente, como já vimos, a superação dos obstáculos conceituais. Para isso, é preciso que se conheça quais são esses obstáculos, manifestos, em maioria, nos conhecimentos prévios. Eis porque é importante valorizar os conhecimentos que os alunos já têm: para conhecê-los, desestabilizá-los e, então, superá-los. Nem sempre o conhecimento cotidiano é incoerente com o conhecimento científi co, sendo útil na vida prática e no desenvolvimento de novas concepções. Esse tipo de situação – um conhecimento alternativo coerente com o científi co – é frequente devido à banalização da divulgação científi ca pela mídia, de um lado, e pelo uso de linguagem simplifi cada do conhecimento científi co, inclusive nos livros didáticos, por outro. Para maior aprofundamento sobre a interação entre conhecimento científi co escolar e conhecimento cotidiano, leia o interessante artigo de Geilsa Baptista, Eraldo Costa Neto e Maria Celeste Valverde colaboradores (2008), Diálogo entre concepções prévias dos estudantes e conhecimento científi co escolar: relações sobre os Amphisbaenia. Você pode encontrar este artigo, em português, na versão eletrônica da Revista Iberoamericana de Educación: http://www.rieoei.org/deloslectores/2394Baptista.pdf. Atividade de Estudos: Pense um pouco!!! 1) Você, licenciando em Ciências Biológicas, aplica o conhecimento científi co em todas as suas explicações no cotidiano? Em que O conhecimento científi co escolar não é o conhecimento cotidiano ampliado. 39 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 situações você usa o conhecimento biológico e em quais se pega usando o conhecimento comum? Elabore um quadro comparativo, conforme o modelo: CONHECIMENTO BIOLÓGICO (CIENTÍFICO) CONHECIMENTO COMUM (COTIDIANO) Algumas ConsideraçÕes Um dos objetivos deste capítulo girou em torno da contextualização do ensino de Ciências, tanto pelo resgate abreviado de sua história no Brasil, em consonância com o mundo, quanto pela discussão de alguns aspectos em sua atualidade que terão maior aprofundamento nos capítulos adiante. Vimos como o ensino de Ciências se expressa, desenvolve-se e se reforma como um espelho dos acontecimentos na sociedade, embora, muitas vezes, com algum atraso. Esse atraso se dá porque são pessoas os envolvidos no processo, e pessoas não são movidas por botõezinhos que regulam os programas. Elas precisam de tempo para saber das mudanças, tempo para adaptar-se às mudanças e ainda mais tempo para efetuar as mudanças. A anedota que diz que os alunos são do século XXI, os professores são do século XX e a educação é do século XIX faz, na verdade, uma síntese desse quadro de adaptações. Os alunos que nasceram no mundo como está hoje e que estão apressados e impacientes com a “lentidão” dos mais velhos, mais adiante também enfrentarão a complexa arte de se adaptar: saber o que é e o que não é possível ser mudado e o que deve ser mantido. Outra meta era caracterizar, de forma geral, conceitos que são essenciais para a prática do ensino de Ciências: o conceito de Ciência, o conceito de Conhecimento Científi co e o conceito de Conhecimento Científi co Escolar. Vimos, daí, as implicações múltiples do pensamento e da atividade científi ca, 40 Ciências Biológicas e os PCNs de modo que não é mais possível creditar a ela neutralidade, imparcialidade e mesmo indiscutibilidade. Compreendemos as diferenças entre conhecimento científi co e conhecimento científi co escolar, em termos de espaço de circulação, linguagem e objetivos e a importância dos conhecimentos cotidianos que os alunos levam ao espaço escolar. Ensinar Ciências é um dos caminhos para o exercício da cidadania, especialmente em uma sociedade cada vez mais dependente da Ciência e da Tecnologia. Uma sociedade que até se assusta com essa realidade. Um exemplo são os escritores, muitos dos quais têm demonstrado preocupação crescente diante da era da virtualização do livro, com a ascenção do e-book e dos downloads. A agilidade, a praticidade, a gratuidade são aspectos que agradam os usuários e novos leitores de tela, mas preocupa aqueles que vivem da venda dos livros de papel. Este dilema é apenas um dos muitos inseridos em uma realidade muito maior e complexa, alinhavada pela Ciência. Ainda que de importância indiscutível, o ensino de Ciências esbarra em muitos obstáculos. É considerado difícil e chato por muitos alunos, devido ao teor de distanciamento do cotidiano deles. Como algo tão presente no cotidiano pode ser tão distante e incompreensível? Falta convencê-los da importância, da proximidade, para isso, os professores precisam explicitar isso, reduzir esta distância, aumentar a compreensibilidade, seduzir os estudantes para as lentes da Ciência e ajudá-los a rever o mundo que conhecem. Não se pode esquecer, contudo, que o objetivo do ensino de Ciências na Educação Básica não é formar uma legião de cientistas, e sim cidadãos críticos e autônomos, capazes de investigar, criando suas perguntas e buscando pelas respostas. Ninguém está dizendo que se deve desmerecer os conteúdos específi cos, pelo contrário. É mais uma questão de estabelecimento de objetivos e de programar e organizar um cronograma que observe as metas e as obrigações inferidas – assunto que discutiremos mais nos próximos capítulos. Ter uma base teórica ajuda a organizar e a executar a prática, em princípio, através da refl exão e autoanálise, em seguida, como inspiração de modelos metodológicos. Eis a razão de muitas das atividades propostas ao longo do capítulo: para que você pudesse parar para voltar a si mesmo e pensar no modo como você, futuro professor de Ciências (talvez até já em atuação), encara essa profi ssão ou alguns de seus aspectos. 41 O ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 1 Voltaremos a essas autoanálises em diversos momentos deste Caderno e elas não deverão parar quando você fi nalizar o curso. Uma das atribuições de um professor que deseja estimular o senso crítico em seus alunos é que ele mesmo seja crítico. Para sê-lo, é preciso refl etir. E para ser coerente com sua crítica, é preciso refl etir sobre suas próprias ações, seu próprio modo de ver e estar no mundo. Não ser somente um vocalizador de discursos ideais, mas um modelo atuante desses discursos. ReFerências BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científi co: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BAPTISTA, Geilsa C. S.; COSTA NETO, Eraldo M.; VALVERDE, Maria Celeste C. Diálogo entre concepções prévias dos estudantes e conhecimento científi co escolar: relações sobre os Amphisbaenia. Revista Iberoamericana de Educación, OEI, n. 47/2, out. 2008. Disponível em: <http://www.rieoei.org/ deloslectores/2394Baptista.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2010. BAZZO, Walter A.; LINSINGEN, Irlan; PEREIRA, Luis T. V. (Ed.). Introdução aos estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). Madrid: OEI, 2003. BOSSOLAN, Nelma R. S. Breve histórico do ensino de ciências no Brasil. São Paulo: IFSC/USP, 2009. 20 slides, color. 29,7 x 21 cm. FOUREZ, Gérard. Crise no ensino de Ciências?. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p 109-123, 2003. OAIGEN, Edson R. et al. Educação em Ciências? Ensino de Ciências? Entendemos o signifi cado de Ciências? Ideias para uma refl exão sobre nossa práxis. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. São Paulo: ABRAPEC, 2005. WERTHEIN, Jorge. O ensino de Ciências e a qualidade da educação. Ciência Hoje. Portugal, ago. 2006. Disponível em: <http://www.cienciahoje.pt/index. php?oid=3985&op=all>. Acesso em: 22 abr. 2010. CAPÍTULO 2 A Prática Pedagógica do Ensino de Ciências A partir da concepção do saber fazer,neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer algumas das difi culdades e obrigações da docência na área de Ciências, inclusive em seus meandros de saúde, a fi m de estabelecer parâmetros para contornar futuros confl itos e evitar ou amenizar problemas decorrentes da profi ssão. Projetar modelos de planejamento e avaliação, tendo em vista o equilíbrio entre o currículo exigido pelas diferentes instâncias educacionais e o ideal pretendido da aprendizagem signifi cativa. 45 A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 2 ConteXtualiZação Todos nós construímos nossas compreensões sobre o que é um professor (o chato, o “pai” / “mãe”, o durão, o legal), o que deve fazer, que papel deve exercer, a função social da escola. Essa construção não se dá somente no contato com a escola, mas também por meio de fi lmes, livros, propagandas, até mesmo em anedotas. Essas compreensões fazem parte da construção de nossa identidade profi ssional. Tomamos como modelo de professor, ou de uma “boa” e uma “má” aula, os exemplos que tivemos ao longo de nossas experiências sociais, especialmente enquanto alunos, mesmo de forma não intencional. Assim, confrontar nossas próprias fantasias sobre ser professor, e saber mais sobre o que é ser um professor de Ciências e Biologia, pode ser um primeiro passo para desnaturalizar algumas compreensões e práticas docentes, renovando-as e inovando-as. Além da questão do imaginário construído por nós sobre o papel do professor, também entram em cena a forma como vemos a própria escola e, dentro dela, as disciplinas de Ciências e Biologia. Algumas vezes, é esperado que sejam apresentadas metodologias específi cas para o trabalho com conteúdos de Ciências e Biologia escolar. Até dá para fazer isso – é o que se pretende nos capítulos 3 e 5 deste caderno de estudos – mas é fundamental ter em vista que o trabalho pedagógico é complexo e construído por um conjunto de pessoas (professores, educandos, equipe pedagógica) mergulhado em contextos culturais socialmente diferenciados, de modo que se torna impossível e até irresponsável tratarmos a questão metodológica como uma “receita” a ser reproduzida em salas de aula. As metodologias e os possíveis arranjos pedagógicos sugeridos aqui devem ser encarados como dicas ou como uma base para modelagem de aulas que você, na hora de encarar na prática uma sala de aula, irá organizar. Eis por que a combinação da teoria (geralmente considerada uma perda de tempo) com a prática (tida como mais útil) é crucial: a teoria ajuda a construir as bases e dá orientações para uma prática mais segura e consciente, além de ser ponto de retorno para a melhoria da mesma prática. Por isso, não desdenhe do montante de assuntos para leitura e o aparente “blábláblá”: alguma coisa sempre servirá no momento de aplicar os conteúdos. Você verá que a construção dessa identidade profi ssional não é algo natural, um “dom” recebido, e muito menos fácil; mas resultado de muita transpiração, dedicação e paciência. 46 Ciências Biológicas e os PCNs Ser ProFessor de Ciências Ser professor, qualquer que seja a área, é uma profi ssão que exige constante modelação, desde ajustes até checagem radical no sistema de crenças educacionais. Um professor nunca está pronto, nunca chega ao ápice de sua carreira; sempre haverá algo novo para ser enfrentado, já que o conhecimento está em constante evolução e a realidade é uma mutante. Desde a década de 1980 tem sido cada vez mais difundida a ideia de que o conhecimento profi ssional dos professores envolve saberes de diversas naturezas e que são apreendidos de formas diferentes. Isso, porém, não signifi ca que o processo de tornar-se professor envolve apenas elementos provenientes de sua ação pedagógica ou de sua prática. Não podemos deixar de lado a dimensão teórica. O conhecimento se constrói na relação entre as práticas e as leituras, as teorias e suas interpretações. É o estabelecimento dessas relações que irá permitir ao professor avaliar, analisar, pensar suas práticas e ter a possibilidade de promover intervenções e mudanças. A autorrefl exão, neste contexto, é importante na abertura de caminhos para a autocrítica e para a busca de uma melhoria das práticas pedagógicas. Atividade de Estudos: Polêmica!!! “Acho surpreendente que os professores de ciências, mais do que os outros se possível fosse, não compreendam que alguém não compreenda.” (BACHELARD, 2006, p. 23). 1) Você acha que a frase tem fundamento? Por quê? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Ser professor, qualquer que seja a área, é uma profi ssão que exige constante modelação. O conhecimento se constrói na relação entre as práticas e as leituras, as teorias e suas interpretações. 47 A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO ENSINO DE CIÊNCIAS Capítulo 2 Os objetivos atuais do ensino de Ciências envolvem debate e, para isso, é preciso que os educadores sejam abertos e dispostos a questionar com os alunos o lugar da Ciência no mundo, sua relação com o bem-estar humano e não- humano, e com outros valores da sociedade. Parece simples. A maioria dos professores de Ciências, porém, não se sente à vontade para discutir temas que tenham relação com valores, como opiniões políticas, valores familiares, preconceitos ideológicos e religiosos, polêmicas no geral, etc. São temas complicados para se sustentar em sala. É muito mais confortável e seguro se refugiar no cronograma, no planejamento proposto. É muito mais confortável para o professor, mas alienante para o aluno. Sem a discussão de temas sociais – os transgênicos, as células-tronco, o superaquecimento do planeta, o uso exploratório de animais – em relação a outros, como a miséria e a fome (que estão relacionados com o desenvolvimento social prometido pela ideia de progresso da Ciência), o aluno não consegue ver relação entre o que é veiculado pela mídia (revistas, televisão, jornais, fi lmes, etc.) e o que ele aprende na escola. Atividade de Estudos: E se fosse com você? 1) No quadro que segue estão algumas das perguntas mais comuns realizadas por estudantes das diversas etapas de ensino. Escreva no espaço ao lado da pergunta qual seria o seu posicionamento, enquanto professor de Ciências, caso ela fosse feita em sua aula. PERGUNTA SUA RESPOSTA POSSÍVEL Como eu nasci? Em quem você vai votar? Deus existe? Você é a favor da legalização das drogas? Existe vida depois da morte? Depois de imaginar suas saídas para essas saias justas, consulte o site indicado na sequência e compare suas respostas com os conselhos fornecidos pela psicóloga! A maioria dos professores de Ciências não se sente à vontade para discutir temas que tenham relação com valores. 48 Ciências Biológicas e os PCNs No site da revista Nova Escola são dadas algumas sugestões para lidar com essas perguntas. Também é possível participar de um fórum sobre o tema, com a orientação de uma psicóloga da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Visite! http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/ como-responder-perguntas-indiscretas-alunos-fazem-respostas- professor-546796.shtml?page=0 a) O professor iniciante O professor que está em início de carreira passa por três estágios ou fases, nos quais enfrenta difi culdades e tem posturas diferenciadas. São elas (BEJARANO; CARVALHO, 2003): Fase 1: Pré-ensino – quando o professor
Compartilhar