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O CASO DO ANTIGO HOTEL PILÃO EM OURO PRETO: uma análise sobre a problemática da reconstrução BUENO, FERNANDA A. DE B. (1); BERG, ISABELA C. DE A. (2); PEREIRA, MARÍLIA A. (3); SILVA, ANA FLÁVIA S.(4) 1. UFOP. Departamento de Arquitetura e Urbanismo – Doutoranda NPGAU Escola Arquitetura UFMG Escola de Minas (UFOP). Morro do Cruzeiro, s/n. CEP: 35.400.000. Ouro Preto (MG) arquitetafernandabueno@gmail.com 2. Universidade Federal de Minas Gerais isabela.berg@gmail.com 3. Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais marilia.andradearquitetura@gmail.com 4. Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix anaflaviasousa.arq@gmail.com RESUMO Este artigo tem como objetivo discutir a problemática da reconstrução, a partir da análise do caso do antigo Hotel Pilão, situado na cidade de Ouro Preto, e dos referenciais teóricos do restauro e seus desdobramentos contemporâneos. Implantado na Praça Tiradentes, o sobrado conhecido como “Pilão” foi instalado em 1962 em imóvel do século XVIII, onde permaneceu até 2002, quando foi vendido. Em abril de 2003 um incêndio tomou conta do imóvel e promoveu uma ruptura em sua história, levando a edificação à ruína e deixando uma lacuna na principal praça da cidade, que apresenta conjunto conciso, de matriz colonial. A FIEMG, Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, adquiriu a área com seus remanescentes em 2005, quando foi elaborado um projeto para instalação do Centro Cultural e Turístico SESI Ouro Preto. Para este trabalho se realizou uma breve pesquisa histórica, documental e iconográfica, além da investigação dos aspectos construtivos do casarão. Também foram realizadas visitas de campo na edificação, para registro fotográfico e analise “in loco” das soluções adotadas. A pesquisa apresenta a problemática da reconstrução desde o século XIX até os conceitos do Restauro Crítico de Cesare Brandi, passando também pela análise de algumas cartas internacionais. O trabalho reconhece a importância de Brandi, porém arrisca-se aqui ao questionamento da mesma, no que tange os aspectos arquitetônicos e simbólicos. A verdade se mostra relativa e não absoluta como uma ciência; assim, neste trabalho buscam-se através dos estudos do Prof. Carsalade, respostas e novas interpretações para a Reconstrução como instrumento de preservação, por meio de abordagens fenomenológicas. Palavras-chave: Hotel Pilão; Ouro Preto; Reconstrução; Teoria do Restauro; Significados. mailto:marilia.andradearquitetura@gmail.com https://pt.wikipedia.org/wiki/Federa%C3%A7%C3%A3o_das_Ind%C3%BAstrias_do_Estado_de_Minas_Gerais https://pt.wikipedia.org/wiki/Federa%C3%A7%C3%A3o_das_Ind%C3%BAstrias_do_Estado_de_Minas_Gerais 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 Introdução O presente artigo é resultado de trabalho realizado na disciplina Arquitetura, Cultura e Patrimônio Cultural, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Escola de Arquitetura da UFMG, ministrada pelo Professor Flávio de Lemos Carsalade. A pesquisa tem como objetivo discutir a problemática da reconstrução, a partir da análise do caso do antigo Hotel Pilão, situado na cidade de Ouro Preto, e dos referenciais teóricos do restauro e seus desdobramentos contemporâneos. O trabalho partiu dos seguintes questionamentos: A reconstrução pode ser considerada um instrumento de preservação?; A reconstrução seria geradora de um “falso histórico”? Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto, surgiu em 1711, pela riqueza das jazidas de ouro e desenvolvimento do comércio. Estudos já consagrados do Professor e Arquiteto Sylvio de Vasconcellos, revelam que o tecido urbano se configurou a partir do crescimento de arraiais, formando a chamada "estrada tronco". Inicialmente, houve a conformação de duas freguesias, posteriormente interligadas pela implantação de uma praça cívica e administrativa no antigo Morro de Santa Quitéria, atual Praça Tiradentes, local onde se encontra o objeto de estudo. Como forma de contextualizar e entender a importância da edificação em seu entorno, e como parte de um conjunto patrimonial em transformação, partiu-se de uma análise da Praça como Paisagem Cultural. RIBEIRO (2007, p.9) define que, embora existam outras interpretações, ”paisagem cultural é fruto do agenciamento do homem sobre o seu espaço” e reconhece ainda: A paisagem pode ser lida como um documento que expressa a relação do homem com o seu meio natural, mostrando as transformações que ocorrem ao longo do tempo. A paisagem pode ser lida como um testemunho da história dos grupos humanos que ocuparam determinado espaço. Pode ser lida, também, como um produto da sociedade que a produziu ou ainda como a base material para a produção de diferentes simbologias, locus de interação entre a materialidade e as representações simbólicas. A Figura 01 demonstra as transformações ocorridas desde o século XVIII, no antigo Morro de Santa Quitéria, até os dias atuais. Nota-se que na segunda metade do século XVIII o traçado da Praça já se encontrava consolidado e delimitado por construções, porém existia uma diferença de nível arrematada com um muro de arrimo, que servia de suporte para um chafariz na área central. No século XIX, em data indefinida, a praça recebe um jardim, sendo este substituído por pavimentação no século XX. É possível perceber mudança http://www.arq.ufmg.br/pos/ http://www.arq.ufmg.br/pos/ 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 também na configuração das edificações. Trata-se de uma praça cívica e administrativa em sua origem, sendo marcada pela representação do poder local e do reino respectivamente, com a instalação da Casa de Câmara e Cadeia, atual Museu da Inconfidência e do antigo Palácio dos Governadores, atual Escola de Minas. Sendo assim, embora o local tenha passado por diversas modificações físicas, acredita-se que o mesmo tenha sido ressignificado por seus diversos agentes e atores envolvidos ao longo do tempo, e entende- se que a praça ainda mantenha seu caráter oficial, sendo local de manifestação pública e política. Figura 01: Transformações na paisagem da Praça Tiradente Fontes: Indicadas nas imagens. Embora não se saiba a data exata de construção da edificação objeto deste trabalho, pode- se notar a existência de construção no local em “Mappa de Villa Rica” de ca. 1775-1800 (REIS, 2000, p.215). O Hotel Pilão foi instalado em 1962, onde permaneceu até 2002, quando foi vendido. O incêndio ocorrido em 14 de abril de 2003 promoveu uma ruptura em sua história, levando a edificação à ruína e deixando uma lacuna na Praça Tiradentes. A FIEMG, Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, adquiriu a área com seus remanescentes em 2005, quando foi elaborado um projeto para instalação do Centro Cultural e Turístico SESI Ouro Preto (ARCHÈ & TECTUM, 2005). Para realização do trabalho partiu-se de uma breve pesquisa histórica, documental e iconográfica, além da investigação dos aspectos construtivos do casarão. De grande importância foi a análise do projeto arquitetônico e o estudo do relatório técnico final da empresa Archè & Tectum, constando de Pesquisa Histórico-Arquitetônica e Arqueológica, ambos parte de documentos consultados no escritório técnico do IPHAN em Ouro Preto. Também foram realizadas visitas de campo na edificação, para registro fotográfico e analise “in loco” das soluções adotadas. A pesquisa apresenta a problemática da reconstrução desde o século XIX, como nas abordagens de Viollet-le-Duc e John Ruskin. As cartas internacionais, como a de Veneza e https://pt.wikipedia.org/wiki/Federa%C3%A7%C3%A3o_das_Ind%C3%BAstrias_do_Estado_de_Minas_Gerais 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 de Burra, ampliam o conceito de patrimônio e reconhecem a importância da significação cultural,mas ainda se concentram na matéria. O trabalho reconhece a importância e grande relevância da teoria do Restauro Crítico de Cesare Brandi, porém arrisca-se aqui ao questionamento da mesma, considerando algumas fragilidades para responder ao complexo tema de preservação na arquitetura, por ter sido elaborada para análise de “obras de arte”, e não considerar diversas variáveis envolvidas, como o significado e o valor atribuído ao objeto pela sociedade. A verdade se mostra relativa e não absoluta como uma ciência; assim, neste trabalho buscam-se nos estudos do Professor Flávio de Lemos Carsalade, respostas e novas interpretações para a Reconstrução como instrumento de preservação, por meio de abordagens fenomenológicas. Hotel Pilão – das ruínas a reconstrução Breve histórico do Casarão As informações aqui apresentadas se baseiam no relatório técnico final da empresa Archè & Tectum, responsável pela Pesquisa Histórico-Arquitetônica e Arqueológica, datada de 2005. Cabe aqui registrar a coordenação dos trabalhos pelos arquitetos Breno Decina Filho e Deise Cavalcanti Lustosa, além da equipe técnica: Christiane Bolda, Designer Gráfico; Júlio Cesar Ferreira, historiador e pesquisador; Maria Cecília Campos Silvestre, arquiteta e urbanista; Pablo Matos Camargo, historiador e Vanessa Costa Botelho Machado Feitosa, restauradora e conservadora. Segundo registro histórico, embora tenha sido estabelecido um centro administrativo no Morro de Santa Quitéria, com o tempo as edificações de entorno se tornam residências de famílias abastadas, caso do casarão em estudo, cujos registros comprovam a existência de uso residencial desde a primeira metade do século XVIII (ARCHÈ & TECTUM, 2005). A partir de análise em mapa do século XVIII e livro de aforamento, constatou-se que o terreno de aproximadamente 480m² possuía duas casas voltadas para a praça e duas ou três casas de frente para a Rua do Ouvidor, atual Cláudio Manoel. Em registro de aforamento de 1812, foi examinado que no lote existiam três casas em nome de uma suposta mineradora Ana da Silva Teixeira Menezes, constando no mesmo lote a existência de uma ou duas edificações voltadas para a Rua do Ouvidor. As referidas três casas voltadas para a praça são herdadas pelo Padre José Joaquim Viegas de Menezes, neto da Ana de Menezes (ARCHÈ & TECTUM, 2005). 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 Ainda segundo a pesquisa apresentada pela Archè & Tectum (2005), na segunda metade do século XIX o imóvel da esquina foi adquirido por um importante comerciante Francisco Affonso Painhas e os outros dois imóveis voltados para a praça foram agrupados em um único imóvel, adquirido pelo comendador Fernando Cândido de Oliveira Carmo. Consta ainda que no início do século XX Joaquim Affonso Painhas vende o sobrado para José Dias Fernandes. Conforme a pesquisa, após 1920, o sobrado pertencia a Vicente Andrade Racioppi, que vende à Joaquim Fortes em 1953. Com a família Fortes tem início a história do Hotel Pilão, sendo instalado em 1962 no segundo pavimento do sobrado, recebendo em 1964 um restaurante no pavimento térreo, que se manteve aberto até 1985, sendo então subdividido para instalação de vários comércios. O Hotel permanece até 2002, quando o sobrado é vendido ao Sr. Omar Resende Perses Filho (ARCHÈ & TECTUM, 2005). Como se pode observar nos registros apresentados na Figura 02, em 14 de abril de 2003, a edificação conhecida por todos como “Pilão” pegou fogo, deixando uma lacuna na Praça Tiradentes. A área foi vendida ao Sistema FIEMG em 2005, que confiou o projeto arquitetônico ao arquiteto Fernando Graça, instalando no local um Centro Cultural e Turístico SESI Ouro Preto (ARCHÈ & TECTUM, 2005). A obra foi inaugurada em abril de 2006 (GRAMMONT, 2006). Segundo Grammont (2006) os laudos da Polícia Federal e da Polícia Civil apontam que a causa do incêndio foi um vazamento de gás, sendo este contestado por outro laudo da empresa Copenge, contratado pela loja de pedras. A autora aponta andamento das análises dos laudos pelo Ministério Público. Para este trabalho, não se obteve o resultado desta análise. Figura 02: O incêndio, a lacuna, a reconstrução Fontes: Indicadas nas imagens. 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 Resultado da Pesquisa Arqueológica Partindo dos dados históricos e arquitetônicos levantados, foi possível identificar os remanescentes arqueológicos de três áreas ocupadas e seus quintais. A pesquisa Histórico- Arquitetônica e Arqueológica teve como objetivo estabelecer diretrizes de preservação e subsidiar a elaboração do projeto arquitetônico (ARCHÈ & TECTUM, 2005). Na fachada voltada para a Rua Cláudio Manoel, foram encontrados remanescentes de tijolos cerâmicos, umbrais e madre em madeira, baldrame em pedra e marcação dos vãos na porta, além da existência de “pórtico composto de três vãos em cantaria de pedra e vedação superior em alvenaria em pedra e madre de madeira em estado precário de conservação” (ARCHÈ & TECTUM, 2005, p.42). Foi possível identificar os níveis do porão e primeiro pavimento. Destes elementos fizeram parte da obra a restauração do pórtico em cantaria e a recomposição da sobreverga em alvenaria de pedra. Na fachada voltada para a Praça Tiradentes identificou-se a existência de lajeado e baldrame em alvenaria de pedra, com vestígios de soleiras, antigos cunhais e esteios, além de degraus de acesso. Também foram encontrados e mantidos remanescentes em alvenaria de tijolos. A fachada do Beco do Pilão se apresentava como única parede remanescente em estrutura autônoma de madeira e vedação em pau-a-pique dos três pavimentos. Essa parede foi escorada, mas infelizmente ruiu durante a obra. Optou-se pela “preservação/conservação das alvenarias que registram o perímetro externo e as divisões internas das propriedades/imóveis que constituem o conjunto das ruínas – Sobrado Pilão”. (ARCHÈ & TECTUM, 2005, p.48). Significações para a população Anna Maria de Grammont, em seu trabalho de mestrado em Cultura e Turismo da UFBA e UESC, desenvolveu sua dissertação intitulada “Os significados do Patrimônio Histórico: uma reflexão em torno do Hotel Pilão de Ouro Preto”, discutindo os significados do Patrimônio para a população. Este trabalho resultou na publicação do livro Hotel Pilão – Um incêndio no coração de Ouro Preto (2006), sendo aqui referenciado, como fonte reveladora do sentimento da população local mediante o acontecimento. Destaca-se aqui a importância em se considerar a comunidade nos processos relacionados à preservação dos bens culturais e tomadas de decisão, principalmente em fatos de tragédia como essa. A autora aponta que para compreensão dos significados e representações projetados pela população na tragédia envolvendo o Hotel Pilão, partiu-se de conceitos de representação social. A pesquisa se baseou em relatos e depoimentos, que retratam o imaginário social, sendo possível constatar que os valores atribuídos ao patrimônio histórico, por vezes são 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 resultados de relação afetiva estabelecida entre os moradores e o espaço, perpassando significados diversos. No caso de uma igreja, por exemplo, pode-se falar em emoção, religião, além do reconhecimento do valor artístico (GRAMMONT, 2005). No caso do Hotel Pilão as análises se diferenciam por se tratar de espaço privado, diferentemente de um patrimônio público, entretanto, constata-se que o incêndio ocorrido e o sentimento de perda, gerado por uma tragédia, estabelece uma “carga dramática”. Ou seja, a ausência atribui significados e sentimentos à população, supostamente antes não identificados (GRAMMONT, 2005). Os significados e as representações associados ao Hotel Pilão são impregnados de uma carga afetiva e muitos dos entrevistadosmencionam em seus relatos que perderam algo com o incêndio, entretanto nem sempre conseguem definir de forma precisa o fato. Essa percepção se difere entre a população que reside no centro e os moradores da periferia, que por vezes não se reconhecem parte do centro histórico, e revelam sentimentos negativos e de indiferença. Moradores da área central manifestam tristeza e relatam sensação de vazio, reconhecendo uma lacuna no conjunto da praça, como se a parte perdida representasse um pedaço deles mesmos. Com tudo isso, a autora analisa que “prevaleceu o pensamento de que o valor do Hotel Pilão para a população determinava a necessidade de que fossem mantidas as feições externas, apesar do argumento de falso histórico” (GRAMMONT, 2005, p. 235). O Projeto e a Obra A análise aqui apresentada se baseia em levantamento de campo, além de pesquisa em documentos e projeto arquitetônico. Optou-se pela reconstrução, embora não seja recomendado pelo Restauro Crítico de Brandi e pelos indicativos da Carta de Veneza de 1964, considerada documento basilar da preservação, reconhecida pelo ICOMOS/UNESCO e adotada pelos órgãos de preservação no Brasil. A escolha pela reconstrução da edificação foi pautada na necessidade de se reestabelecer o conjunto da praça, considerando a reprodução da imagem figurada e formal do imóvel. Entretanto, não houve intenção de reproduzir técnicas do passado, sendo empregados novos materiais construtivos, como estrutura metálica e acabamentos internos. Em prefácio do livro de Grammont (2006, p.18), Benedito Tadeu de Oliveira, na época chefe do escritório técnico do Iphan de Ouro Preto, argumenta: A opção pela reconstrução, que em princípio não é recomendada pela teoria moderna da restauração, levou em conta os seguintes fatores: 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 - complexidade de uma intervenção em um espaço urbano fortemente caracterizado pela harmonia de seu conjunto arquitetônico; - caracterização da intervenção como reintegração de uma grande lacuna urbana da Praça Tiradentes, causada pela destruição do antigo Hotel Pilão; - dificuldades para se organizar um concurso público para a escolha de técnicos com sólidas formações teórica e prática no assunto para a elaboração de um projeto de intervenção em uma propriedade privada; - sentimento de que a grande maioria da população de Ouro Preto aprovaria uma reconstrução no local. A Figura 03 apresenta o registro da obra durante a montagem da estrutura, executada de forma independente e afastada das estruturas remanescentes, como: arrimos, baldrames e alvenarias de pedra, pau-a-pique e tijolos. Esse procedimento é adequado e coerente aos preceitos da restauração, não interferindo nas ruínas e mantendo sua condição física intacta. Como fechamentos foram construídas novas alvenarias. Nota-se o emprego dos preceitos de distinguibilidade na escolha do material, aspecto esse que prevalece no interior da edificação, como se pode notar na terceira imagem da Figura 04. Figura 03: Registros da obra durante a montagem da estrutura metálica. Fotografias: Deise Lustosa (2005) Em consulta aos documentos para aprovação do projeto, na sede do escritório técnico do Iphan, nota-se a preocupação com alguns aspectos importantes referentes à preservação quando se determina em ofício datado de julho de 2005: a “reformulação do projeto de reconstrução da edificação de modo a preservar as ruínas remanescentes, obedecendo ao relatório Técnico Preliminar Nº1” da Archè & Tectum, citado acima; que “deverá ser feita a diferenciação entre o moderno e o antigo, nas fachadas, por meio de textura diferenciada de materiais e da simplificação de alguns elementos arquitetônicos de modo a distinguir o novo do velho, evitando-se assim o ´falso histórico`.” O documento indica ainda a importância das ruínas do subsolo, como registro construtivo e técnico das edificações que deram origem ao 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 Hotel Pilão, enfatizando que “o projeto moderno que deve se adaptar às ruínas de valor histórico e não o contrário” (IPHAN, 2005). A Figura 04 apresenta algumas fotos atuais da edificação. A primeira imagem retrata a construção voltada para a antiga Rua do Ouvidor, atual Cláudio Manoel, onde foi mantido o portal em pedra de cantaria e trechos de tijolos, ombreiras e baldrame de pedra. Seguindo as recomendações do órgão de preservação, houve uma tentativa de diferenciação das partes remanescentes com a introdução de uma linha em baixo relevo na alvenaria, delimitando o novo e o “antigo”. Esta mesma solução foi adotada na extremidade do sobrado, onde se manteve os remanescentes de um cunhal e de parte da alvenaria, registrada na segunda imagem da Figura 04. Questiona-se o recurso utilizado, que além de não deixar claro sua intenção, mais parece uma irregularidade no reboco, além de estabelecer uma interface com os remanescentes. Outra solução adotada foi a simplificação do desenho geométrico dos novos gradis metálicos. A solução é discreta, porém um observador atento pode verificar a distinção no balcão superior da fachada voltada para a Rua Cláudio Manoel. Ainda sobre a reconstrução do casarão, vale enfatizar a postura diferenciada em relação ao exterior, quando se opta por reconstruir o casarão em seus limites volumétricos, detalhes construtivos e elementos. Já no interior, a edificação se mostra atualizada, na escolha dos materiais, novas técnicas e soluções arquitetônicas, como a inserção de elementos metálicos com desenhos inovadores e contemporâneos nas escadas, passarelas e claraboia. Figura 04: A edificação e seus detalhes Fotografias: Fernanda Bueno (2015) 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 Abordagens teóricas do tema da reconstrução De Viollet-le-Duc a Cesare Brandi Ao analisar a obra dos principais teóricos que tratam da questão da restauração, o tema da reconstrução, inserido neste universo, figura, portanto, entre suas discussões. Para Viollet-le-Duc (1814-1879), responsável pelo estabelecimento da primeira metodologia de intervenção em monumentos, “a reconstrução era vista como uma ferramenta importantíssima para a prática da restauração” (COSTA E RIBEIRO, 2010), muito embora ele se distanciasse da noção de reconstrução como simples cópia e entendesse que restaurar um edifício não necessariamente implicaria sua manutenção, reparação ou refazimento, mas a possibilidade de “restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento.” (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p. 29). As edificações podiam ser concebidas como sistemas, admitindo-se, portanto, alterações que visassem o estabelecimento de seu estado ideal. O arquiteto francês aconselhava, porém, que não se deveria prescindir da investigação sobre os aspectos do objeto a fim de que nenhuma intervenção adentrasse o campo da hipótese, pois considerava que nada seria tão perigoso quanto esta em trabalhos de restauração. (Ibidem, p. 69). É assim quando se trata, por exemplo, de completar um edifício em parte arruinado: é necessário, antes de começar, tudo buscar, tudo examinar, reunir os menores fragmentos tendo o cuidado de constatar o ponto de onde foram descobertos, e somente iniciar a obra quando todos esses remanescentes tiverem encontrado logicamente sua destinação e seu lugar, como os pedaços de um jogo de paciência. [...] O arquiteto, nesses casos arriscados de reconstrução de partes de edifícios demolidos, deve, pois, estar presente nas escavações e confiá-las a empreiteiros de terraplenagem conscientes. Ao reerguer as construções novas, ele deve, tanto quanto possível, recolocar os antigos fragmentos, mesmo que alterados: é uma garantia que oferece da sinceridade e da exatidão de suas pesquisas.(Ibidem, p. 69-70). John Ruskin (1819-1900), cujo pensamento opunha-se diametralmente ao de Viollet-le-Duc, condenava as práticas de restauração defendendo, por outro lado, a ação do tempo sobre as obras. Adepto das ideias do Romantismo, Ruskin destacava a importância de valores como o Sublime e o Pitoresco, ambos vinculados à questão temporal. Em relação ao Sublime, Ruskin entendia que O elemento-chave para a Sublimidade, no sentido abordado na Lâmpada da Memória, [...] é o tempo - o que vale dizer, a história. É na longa duração, com a passagem do tempo, que a arquitetura vai se impregnando da vida e dos valores 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 humanos [...]. (RUSKIN, 2008, p. 24). Em se tratando do Pitoresco, Ruskin define o pitoresco, genericamente, como o Sublime Parasitário, isto é, um aspecto intrínseco ao Sublime, ainda que secundário. Daí a importância que confere à pátina - a “mancha dourada do tempo”, em suas palavras -, elemento acessório que condensa, por assim dizer, os sinais da passagem do tempo, possibilitando à obra arquitetônica comunicar às levas sucessivas da humanidade as ligações entre os períodos da história”. (Ibidem, p. 28). Nesse sentido, as ruínas tinham um valor especial para Ruskin, assim como para os demais românticos, à medida que nelas se encontrava tanto o Sublime quanto o Pitoresco. Restaurar ou reconstruir edifícios arruinados equivalia, portanto, a um tipo de destruição. [...] aquele espírito que só pode ser dado pela mão ou pelo olhar do artífice, não pode ser restituído nunca. Uma outra alma pode ser-lhe dada por um outro tempo, e será então um novo edifício; mas o espírito do artífice morto não pode ser invocado, e intimado a dirigir outras mãos e outros pensamentos. E quanto à cópia direta e simples, ela é materialmente impossível. [...] como pode a nova obra ser melhor do que a antiga? Havia ainda na antiga alguma vida, alguma sugestão misteriosa do que ela fora e do que ela perdera; alguma doçura nas linhas suaves que a chuva e o sol lavraram. (Ibidem, p. 29-30). Alois Riegl (1858-1905) partilhava do pensamento ruskiniano. Para o autor de “O culto moderno dos monumentos”, dever-se-ia impedir de modo categórico a “intervenção arbitrária da mão humana” sobre o objeto, considerando-se como referencial seu valor de antiguidade. Segundo Riegl, a obra não deveria sofrer adições ou subtrações, nem a “restituição do que as forças naturais destruíram no decorrer do tempo, nem eliminação do que pelos mesmos motivos se incorporou ao monumento, alterando assim sua forma fechada originária.” (RIEGL, 1999, p. 52-53). Cesare Brandi (1906-1988), fundador do “restauro crítico”, oferece duas possibilidades de tratar o tema da reconstrução - tendo em vista o caso específico do antigo Hotel Pilão - , seja através de suas considerações sobre a questão das ruínas, seja através daquelas referentes às “lacunas”. Ao refletir sobre a ruína, Brandi entende, diferentemente de Violllet- le-Duc, que “não basta saber como, mesmo se com a mais vasta e minuciosa documentação, a obra era antes de se tornar uma ruína.” A restauração a ela aplicada apenas pode compreender a consolidação e conservação, dado que “devemo-nos limitar a aceitar na ruína o resíduo de um monumento histórico ou artístico que só pode permanecer aquilo que é.” (BRANDI, 2004, p. 66-68). 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 Ao abordar a questão das lacunas no ambiente dos monumentos, todavia, diz que [...] é necessário distinguir de pronto se os elementos desaparecidos, com cuja supressão se veio a alterar a espacialidade do ambiente originário, sejam em si monumentos ou não. Se não constituem monumentos em si, poderá até ser admitida uma reconstituição, pois, mesmo que sejam falsos, não sendo obras de arte, reconstituem, no entanto, os dados espaciais; mas exatamente porque não são obras de arte, não degradam a qualidade artística do meio ambiente em que se inserem só como limites espaciais genericamente qualificados. (Ibidem, p. 136). Na seção seguinte abordar-se-á o raciocínio contido nas cartas patrimoniais a fim de que sejam novamente ampliadas as perspectivas de análise do tema do presente artigo. Cartas Patrimoniais: Veneza, Burra, Cracóvia e Washington As cartas patrimoniais, documentos indicativos e prescritivos para o cuidado com os variados tipos de bens culturais, permitem conhecer, pelo modo como são abordados os respectivos temas, o pensamento de cada época e a ampliação de conceitos. No caso das reconstruções, quatro desses documentos indicam posturas diferenciadas e são importantes para se pensar a questão a partir de perspectivas distintas. A Carta de Veneza, datada de 1964 e dedicada à conservação e restauração de monumentos e sítios, indica, conforme o texto de seu artigo 15º, posição contrária a todo trabalho de reconstrução, que deve ser “excluído a priori, admitindo-se apenas a ‘anastilose’.” (ICOMOS, 1964) Nesta, Os elementos de integração deverão ser sempre reconhecidos e reduzir-se ao mínimo necessário, para assegurar as condições de conservação do monumento e restabelecer a continuidade de suas formas. (Idem). A Carta de Burra de 1999, no Artigo 01 – das Definições, apresenta o conceito de reconstrução definindo-a como “a reversão de um sítio a um estado anterior conhecido e distingue-se do restauro pela introdução de material novo na fábrica” (ICOMOS, 1999, p.6). A mesma Carta estabelece no Artigo 20 que 20.1 A reconstrução só é apropriada quando um sítio estiver incompleto em consequência de danos ou de alterações, e apenas quando existir evidência suficiente de um anterior estado da fábrica. Em casos raros, a reconstrução pode ser apropriada como parte de um uso ou de uma prática que retenha o significado cultural de um sítio (ICOMOS, 1999, p. 13) 20.2 A reconstrução deve ser identificável por observação próxima ou através de interpretação adicional. (ICOMOS, 1999, p. 14) 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 O Artigo 01 - das Definições, define que “Significado cultural significa valor estético, histórico, científico, social ou espiritual para as gerações passadas, actual ou futuras”. (Carta de Burra, 1999, p. 5). Tem-se, portanto, na Carta de Burra uma abertura para reconstrução quando o “sítio estiver incompleto em consequência de danos”, caso do Hotel Pilão, que atende a condição estabelecida de “evidência suficiente de um anterior estado da fábrica”, podendo ser considerada um processo de conservação ou mesmo de manutenção. Outra questão que merece ser comentada é o avanço da carta ao reconhecer e definir a importância do significado cultural, de certa forma incorporando valores intangíveis. Na Carta de Washington de 1986, relativa à salvaguarda das cidades históricas, a questão da reconstrução aparece relacionada à noção de ambiente, segundo indica diretriz contida na seção de “métodos e instrumentos”: No caso de ser necessário efetuar transformações dos imóveis ou construir novos, todo acréscimo deverá respeitar a organização espacial existente [...] e o impõem a qualidade e o valor do conjunto de construções existentes. (ICOMOS, 1986). A Carta de Cracóvia, por fim, elaborada no ano 2000, insere outro importante fator de análise na abordagem do tema: as razões sociais que, conforme identificado por Grammont (2006), associam-se direta e expressivamente à questão patrimonial. A reconstrução, então, é vista como possibilidade de resposta às destruições ocasionadas por conflitos armados, desastres, cujos impactos incidem não somente na materialidade perdida, mas também em valores intangíveis que são atribuídos aos bens por cada comunidade. Assim, portanto, o documento considera que A reconstrução total de um edifício, que tenha sido destruídopor um conflito armado ou por uma catástrofe natural, só é aceitável se existirem motivos sociais ou culturais excepcionais, que estejam relacionados com a própria identidade da comunidade local. (CARTA DE CRACÓVIA, 2000). Uma abordagem fenomenológica A teoria do restauro, embora atente também à arquitetura, é construída por princípios relacionados às artes plásticas, arqueologia e história, pois, se atem à imagem e à conservação da matéria; portanto, ao objeto. Segundo Carsalade (2014), a questão da arquitetura no seu modo patrimônio e a aplicação das consagradas teorias de restauro apresentam contradições e paradoxos na aplicação dos métodos tradicionalmente utilizados, nesse sentido, acredita-se que a abordagem fenomenológica do problema possa abrir um campo para novas interpretações. 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 Para a análise da questão utilizou-se o Desenho Contextual proposto por Carsalade (2014), método fenomenológico fundamentado em referenciais teóricos como o existencialismo nas teorias de Martin Heidegger, que visa à procura da verdade, e a hermenêutica trabalhada por Hans – Georg Gadamer, que aborda a consciência histórica como relatividade do pensamento e a consciência estética como compreensão a partir do seu próprio centro. Portanto, a abordagem da arquitetura neste artigo é através do conceito da arquitetura existencial, assim como em Carsalade (2014) fundamentado por Christian Norberg Schulz, na condição psicofísica do ser humano: eu vejo o mundo a partir de mim como centralidade do Eu-Ego, ordem aposta pelo sujeito a um mundo de “acontecimentos e ações” e derivada das relações vitais significativas que ele cria com o ambiente que o rodeia. Para o estudo do caso proposto, é importante analisar: a ideia de lugar do ponto de vista existencial – a Praça enquanto Paisagem Cultural. O sujeito se insere na Praça, o casarão Hotel Pilão existe antes do incêndio, assim como a sua relação com a praça e com o sujeito. Segundo Carsalade, na abordagem do espaço existencial “O homem deve instituir o seu lugar, para se situar na terra, criando seu ponto de partida para sua identificação e orientação”. (CARSALADE, 2014, p. 65). Desse modo, a estrutura do lugar é verificada pela maneira como o lugar se coloca, como se eleva e como recebe a luz. Isto é, como este lugar se articula e como essa articulação propõe significados (articulação realizada pela forma e pela matéria do casarão e da praça); como o lugar se coloca criando a relação com a Terra (no sentido heideggeriano) e sua concretização pelo embasamento e caixa murária (Praça e Edificações que a conformam – paisagem cultural ordenando o espaço); e como se eleva criando sua relação com o céu, com a verticalidade aérea, seu tratamento plástico (CARSALADE, 2014). Observa-se que, tanto a praça quanto o casarão e sua articulação, instituem, materializam e concretizam uma cultura, ou seja, a arquitetura e a praça impregnam significados no espaço, tornando-se “centro condensador de significados”. Segundo Carsalade (2014), para Suzane Langer, a arquitetura guarda, entre si, uma profunda relação de significância, pois, seria a materialização de uma visão de mundo; e como analisa Norberg-Schulz, a arquitetura compreendida como correspondência da postura existencial do homem e da cultura que o criou. De tal forma, observa-se na obra de Carsalade (2014) que a preocupação da sobrevivência da cultura pode explicar a prática das reconstruções através da necessidade de recuperar a autoestima e de se “retornar” a história do ponto em que ela foi interrompida; da tradição de celebração do lugar, cuja imagem coletiva apropriada pela 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 cultura e pelo imaginário popular, pode explicar porque as comunidades resistem a mudanças na paisagem como no caso do casarão incendiado em 2003. Essa vertente cultural de reflexão traz à luz o significado do bem e abre um campo de interferência decisiva nos métodos e processos de restauração. No caso do antigo Hotel Pilão, a preservação simbólica se apresenta como caráter do sinedóquio, ou seja, o casarão é o elemento particular que representa o todo, de tal maneira, a preservação depende mais da sobrevivência do bem, seja de que maneira for, do que da estrita preservação da matéria. Para melhor entendimento, estabeleceu-se o seguinte ponto de partida: nenhuma restauração pode ser considerada neutra, pois, remete à nova criação dotada de pesos e valores, o que permite crítica do restauro como produto da cultura. “Cada época reconstrói seu passado histórico segundo seus próprios valores” (CARSALADE, 2014, p.397). O segundo ponto parte da reflexão de Odete Dourado e Carsalade (2014), que distinguem o restauro como “obra aberta” e, portanto, o identificam como produto da cultura e como intervenção física, que converge para a recriação da própria obra e envolve dimensões individuais e coletivas. O ultimo ponto considerado na reflexão do estudo de caso é a questão do significado, capaz de superar a mensagem da imagem. Assim, a força simbólica do Hotel Pilão apresentou-se maior que a estética, há autonomia do significado em relação à própria matéria, uma espécie de “descolamento” entre a imagem e a obra física, na qual o contexto do objeto histórico evoca a necessidade de sua presença independente do suporte existir ou não. De tal forma, admite-se que, neste caso, a conservação da obra necessitou compreensão e apreciação do mundo dos significados, e não apenas da matéria. Segundo as ideias dos autores que fundamentam o método de Carsalade (2014, p.401), respectivamente La Regina e Gadamer: (..) objeto de conservação não é o “tipo”, o “estilo”, a “imagem”, a “unidade figurativa”. Objeto de conservação integral é a testemunha material que tem valor de civilização, colhida no seu repertório finito de elementos constitutivos (formais, estruturais, distributivos, matéricos, cromáticos, simbólicos etc.), assim como foram sobrepostos no tempo. (...) por esta razão cada intervenção de restauro deve necessariamente apontar ao respeito com o monumento na unidade e globalidade dos dados constitutivos de sua estrutura e de seu significado. (...) na medida em que o verdadeiro objeto da compreensão histórica não são os eventos mas seu “significado”, esta compreensão não estará descrita corretamente, 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 se se fala de um objeto existente em si e do modo como é abordado pelo sujeito. Na verdade, em toda compreensão histórica já está sempre implícito que a tradição que nos alcança dirige sua palavra ao presente e deve ser compreendida nessa mediação – mais ainda: como mediação. Portanto, o restauro quanto à fenomenologia nos ajuda a pensar o que se deve restaurar. Na “matriz de relacionamento”, Carsalade (2014) aponta vários cruzamentos existentes na prática da restauração, onde se observa a impossibilidade de atuação em todas as dimensões. O autor apresenta como exemplo uma matriz de cruzamento entre as instâncias histórica, estética e cultural, com as seguintes variáveis: política, recursos disponíveis, novo uso e identidade com a comunidade, concluindo ser impossível equacionar todos os aspectos, ou seja, naturalmente há de se privilegiar uma instância em detrimento de outra. O que demonstra que nem sempre temos objetividade nas escolhas, sendo estas por vezes relativas. Figura 05 – Matriz de relacionamento apresentada por Carsalade Fonte: CARSALADE, 2014, p.410. Cumpre ressaltar que, para este estudo de caso, o conceito de restauro trabalhado prevê a compreensão da restauração de forma mais abrangente, ou seja, aplicada a todos os tipos de bens de patrimônio, mesmo aqueles que não sejam necessariamente arte, como os bensda memória, culturais, fragmentos da história, etc. Além disso, a análise fenomenológica procura ater à questão da verdade restaurada, ou seja, ao restabelecimento da ordem derivada de relações significativas vitais do sujeito, que ele cria com o ambiente que o rodeia – paisagem cultural, ou seja, o espaço existencial. A dimensão do uso, existente na 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 matriz apresentada, propicia a cotidianidade e reforça a presentificação da arquitetura como patrimônio, ou seja, atualiza a arquitetura para a vida presente. No caso do antigo Hotel Pilão, o novo uso propiciou sua ressignificação cultural; na verdade, houve uma adaptação da “obra” aos novos tempos. E como no caso da arquitetura o significado não remete necessariamente e completamente à integridade da forma, levanta-se a principal questão: O QUE SE RESTAURA no casarão? Considerações Finais A resposta à questão anterior pode ser apreendida, segundo Carsalade, nas reflexões de Heidegger e nesse caso seria, A VERDADE, ou seja, “ALETHEIA DA ALETHEIA”, o “Desvelamento daquilo que é e que sempre foi e que se encontra encoberto pelo tempo” (CARSALADE, 2014, p.413). Nesse sentido, o estudo de caso, analisado pelo método do restauro existencial entende que o restauro do Antigo Hotel Pilão recompõe, não no sentido formal que é aqui o de menor significado, a sua capacidade de transmissão por que restitui a matéria como fio condutor de re-ligação do homem com o lugar e com a articulação que o mesmo propicia. E, portanto, não é um falso histórico, pois se considera que não foi realizado no sentido doloso de enganar o expectador. A disciplina do Restauro hoje tem como base ao menos dois séculos de reflexão teórica que não podemos descartar. A problemática da reconstrução como forma de preservação existe desde o século XIX, tendo sido abordada por Viollet-le-Duc e John Ruskin, e ganhado força no pós-guerra diante do quadro de devastação de muitas cidades europeias. A teoria do restauro de Brandi, embora de grande relevância, não incorpora questões importantes como o significado. As Cartas Internacionais, em geral concentradas na questão do objeto, começam a ampliar o conceito de patrimônio e a reconhecer a importância do meio social e da significação cultural, como a Carta de Burra e Cracóvia. Pelas contradições e diversas variáveis existentes, coloca-se em cheque uma questão: a verdade nos parece relativa e não absoluta como uma ciência, entendendo não ser possível equacionar todas as questões, havendo o predomínio de uma instância em detrimento da outra. Neste sentido, as bases fenomenológicas introduzem uma possibilidade de interpretação das questões levantadas, trazendo respostas para além da matéria, ao introduzir conceitos de simbologia e significados. Sob esta ótica a reconstrução pode ser considerada um instrumento de preservação. 1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017 Referências Bibliográficas ARCHÈ & TECTUM. Relatório Técnico Final. Pesquisa Histórico-Arquitetônica e Arqueológica. Ruínas do Sobrado Pilão. Coordenações técnicas: Breno Decina Filho e Deise Cavalcanti Lustosa. Dez.2005. BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. São Paulo: Atelier Editorial, 2004. CARSALADE, Flávio de Lemos. 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