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3 - Bioética

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Bioética 1
24. BIOÉTICA
Volnei Garrafa
A bioética completou 35 anos de existência como um novo território
do conhecimento, como uma disciplina autônoma. No princípio, seu foco
de preocupação foi direcionado preferencialmente para os campos da
relação profissional-paciente e da pesquisa com seres humanos. Com o
passar dos anos, esse horizonte de atuação foi gradualmente ampliado.
Neste início do século XXI, justificando sua inclusão na temática de um
livro que trata de políticas e sistema de saúde, alcançou uma relação formal
e concreta com as áreas social e sanitária. O objeto deste capítulo é analisar,
a partir de um breve histórico da bioética e de sua fundamentação
epistemológica redesenhada nos últimos anos, pontos de possível relação,
apoio e diálogo entre o atual quadro de desenvolvimento sanitário
brasileiro e esta nova disciplina.
BREVE HISTÓRICO DA BIOÉTICA
A compreensão do conceito de bioética pode variar de um contexto
para outro, de uma nação para outra e até entre diferentes estudiosos do
assunto dentro de um mesmo país. No início dos anos 70, no seu alvorecer,
foi concebida como uma nova maneira de perceber e encarar o mundo e
a vida a partir da ética. Incorporava conceitos mais amplos na
interpretação de ‘qualidade da vida humana’, incluindo, além das questões
biomédicas propriamente ditas, temas como o respeito ao meio ambiente
e ao próprio ecossistema como um todo (Potter, 1971).
Epistemologia
Teoria da ciência ou,
melhor dizendo, estudo
crítico de princípios,
hipóteses e resultados
das ciências já
constituídas, cujo valor e
alcance dos objetivos se
pretende alcançar.
 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL2
Adotada imediatamente por alguns institutos estadunidenses,
a bioética sofreu, já em 1971, uma significativa redução da sua
concepção original no âmbito biomédico (Durand, 2003). Foi com esta
roupagem que ela acabou difundida pelo mundo a partir dos Estados
Unidos: uma bioética anglo-saxônica, com preferencial conotação
individualista, cuja base principal de sustentação repousava sobre a
autonomia dos sujeitos sociais. Esta foi, fundamentalmente, a concepção
que acabou divulgando a bioética no cenário internacional a partir dos
anos 70 e durante década seguinte, tornando-a conhecida e consolidada
por todo o mundo nos anos 90.
A bioética incorpora a ética biomédica, mas não se limita a ela,
estendendo seu conceito além dos limites tradicionais que tratam dos
problemas deontológicos decorrentes das relações entre os profissionais
da saúde e seus pacientes. Apesar de a conceitualização da jovem bioética
estar em constante evolução até hoje, ela não significa apenas uma
moral do bem e do mal ou um saber universitário a ser transmitido e
aplicado diretamente na real idade concreta, como as ciências
biomédicas, jurídicas ou sociais, por exemplo. Tendo como uma de
suas bases de sustentação conceitual o respeito ao pluralismo moral,
incorpora a legitimidade das tomadas de posição frente a conflitos
éticos, em detrimento de posturas jurídico-legalistas ou decisões
ancoradas em absolutos morais religiosos.
O desenvolvimento histórico da bioética pode ser estabelecido com
base em quatro etapas ou momentos bem determinados:
1) Etapa da fundação – relacionada com os anos 70, quando os
primeiros autores que sobre ela se debruçaram estabeleceram suas
primeiras bases conceituais.
2) Etapa da expansão e consolidação – relacionada com os anos 80,
quando se expandiu por todos os continentes por meio de eventos, livros
e revistas científicas especializadas, principalmente a partir do
estabelecimento do principialismo, a corrente bioética estadunidense
baseada em quatro princípios pretensamente universais: autonomia,
beneficência, não-maleficência e justiça.
Principialismo
É uma corrente hegemônica da bioética estadunidense, baseada em quatro princípios
pretensamente universais, oriundos do Relatório Belmont (veja mais detalhes adiante):
autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Trata-se da chamada bioética
baseada em princípios ou bioética principialista.
Ética biomédica
Também chamada
deontologia. Refere-se,
no presente contexto, à
chamada ética
profissional que pauta os
códigos éticos das
diferentes profissões
biomédicas. É
direcionada
preferencialmente para
os deveres e as
obrigações morais dos
participantes de uma
determinada
comunidade profissional
da área biomédica.
Pluralismo moral
Situação constatada nas
sociedades secularizadas
contemporâneas, com
coexistência de grupos
de pessoas de posições
morais diversas e
independentes de outros
grupos. O respeito ao
pluralismo moral
significa, nas sociedades
secularizadas, a
capacidade de ‘estranhos
morais’ conviverem
pacificamente a partir do
referencial da tolerância.
Trata-se, ainda, de
requisito indispensável
na composição de
comitês
multidisciplinares e no
próprio diálogo bioético.
Bioética 3
A corrente principialista anglo-saxônica da bioética tornou o princípio da
autonomia, na prática, uma espécie de ‘superprincípio’, hierarquicamente
superior aos demais, deixando o princípio da justiça como mero coadjuvante:
importante, mas adicional no contexto da teoria. O ‘eu’ do individualismo sufoca
o ‘nós’ do coletivismo.
3) Etapa da revisão crítica – compreende o período posterior à
década de 1990 até o início do século XXI. Caracteriza-se por dois
movimentos:
a) o surgimento de críticas ao principialismo, com conseqüente ampliação
do seu campo de atuação a partir da constatação da existência de
‘diferenças’ entre os diversos atores sociais e culturas, espaço onde
movimentos emergentes, como o feminismo e os de defesa dos negros
e homossexuais, entre outros, adquiriram grande importância;
b) a necessidade de se enfrentar de modo ético e concreto as questões
sociais e sanitárias mais básicas, como a exclusão social ou a eqüidade
no atendimento sanitário, conjuntamente à universalidade do acesso
das pessoas aos benefícios do desenvolvimento científico e
tecnológico. Esta última questão, extremamente atual, diz respeito
à ética da responsabilidade pública do Estado diante dos cidadãos,
no que se refere à priorização, à decisão, à alocação, à distribuição e
ao controle de recursos financeiros direcionados às ações de saúde.
4) Etapa da ampliação conceitual – verificada após a homologação,
em 19 de outubro de 2005, em Paris, da Declaração Universal sobre Bioética
e Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (Unesco), a qual, além de confirmar o caráter pluralista
e multi-inter-transdisciplinar da bioética, amplia sua agenda da temática
preferencialmente biomédica-biotecnológica para os campos sanitário,
social e ambiental (Garrafa, 2005).
Multi-inter-transdisciplinar: o que é isso?
MULTIDISCIPLINARIDADE – Também chamada de pluridisciplinaridade, refere-se
ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao
mesmo tempo. Os conhecimentos de uma, no entanto, não interagem com os de
outra. É mais estática.
INTERDISCIPLINARIDADE – Intercâmbio de conhecimentos entre diferentes disciplinas.
Refere-se à transferência de métodos de uma disciplina para outra, com existência
de intercâmbio. É dinâmica.
TRANSDISCIPLINARIDADE – Todo conhecimento que está, ao mesmo tempo, entre as
disciplinas, através das disciplinas e além de qualquer disciplina. Refere-se à
unidade do conhecimento, é profundamente dinâmica e essencial à bioética.
Tem relação com o ‘salto’ que se dá para além das disciplinas, a partir de
ensinamentos das mesmas. É a síntese.
Ampliação conceitual
da bioética
Após as críticas
constatadas com relação
ao enfoque principialista
da bioética no início dos
anos 90, começa-se a
verificar uma ampliação
do horizonte de atuação
da disciplina, que passa a
incorporar, além dos
temas biomédicos e
biotecnológicos iniciais,
as questões sociais,
sanitárias e ambientais.
 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL4
Criada a partir do Relatório Belmont e explicitada no livro Principles
of Biomedical Ethics (Beauchamp & Childress, 1979), a bioética
principialistatomou como fundamento os quatro princípios básicos já
mencionados, os quais passaram a constituir uma espécie de ‘mantra’ de
encantamento, um instrumento acessível e tentadoramente prático para
a análise dos conflitos surgidos no campo bioético. Como essa teoria foi
construída a partir de uma cultura anglo-saxônica do mundo, o tema da
autonomia terminou maximizado hierarquicamente com relação aos outros
três, tornando-se uma espécie de superprincípio. Este fato contribuiu
para que a visão individual dos conflitos passasse a ser aceita como a
vertente decisiva para a resolução dos mesmos, o que nem sempre acontece
(Selleti & Garrafa, 2005).
A autonomia é um referencial indispensável na análise das questões
éticas contemporâneas. Introduzida por Kant na sua interpretação atual,
quando o filósofo substituiu Deus pela razão, sua aplicação modificou
praticamente todas as formas de relações interpessoais e o próprio trato
do Estado democrático com cidadãos e usuários de seus serviços. No
entanto, o que acontece no principialismo bioético é, muitas vezes, a
interpretação da autonomia como individualidade, que se aproxima do
individualismo – o qual, por sua vez, pode cair no egoísmo, visão
exacerbada do ‘eu’, que tende a anular o ‘nós’ mesmo em situações públicas
e coletivas. A fragilidade da utilização maximalista da autonomia está na
possibilidade de esta ser direcionada a um individualismo extremado,
que sufoca qualquer direcionamento inverso, coletivo, indispensável para
o enfrentamento dos grandes problemas sociais, constatados
especialmente nos países do hemisfério Sul.
Com a realização do IV Congresso Mundial de Bioética, da
International Association of Bioethics, em Tóquio, Japão, em 1998, a
bioética começou a percorrer outros caminhos, a partir do estabelecimento
do tema oficial do evento, que foi Bioética global. No apagar das luzes do
século XX, a disciplina passa gradativamente a expandir seu campo de
estudo e ação das questões individuais para os temas coletivos, incluindo
na discussão questões mais amplas relacionadas com a qualidade da vida
humana e outros assuntos, que até então apenas tangenciavam sua pauta.
Entre outros, passa a priorizar temas como a alocação de recursos em
saúde, a exclusão social, a eqüidade, o racismo e outras formas de
discriminação, as diferentes formas de vulnerabilidade, a finitude dos
recursos naturais planetários e o equilíbrio do ecossistema.
Assim, além dos quatro princípios tradicionais mencionados, novos
referenciais e critérios começaram a ser incorporados nos últimos anos
por bioeticistas críticos em seus estudos e pesquisas: responsabilidade,
Relatório Belmont
Documento elaborado
por um grupo
multidisciplinar de
especialistas por
solicitação do governo
dos Estados Unidos,
com o objetivo de criar
novos referenciais no
sentido de conter os
abusos verificados
naquele país com relação
às pesquisas clínicas com
seres humanos até os
anos 70.
Bioética global
Enfoque da bioética que
considera a ética da vida
em seu mais amplo
sentido, incorporando,
além das questões
biomédicas e
biotecnológicas
diretamente inerentes ao
ser humano, os temas
ambientais e os
relacionados com o
próprio ecossistema
planetário.
Bioética 5
cuidado, solidariedade, ‘empoderamento’, libertação, comprometimento,
alteridade e tolerância, entre outros, além dos quatro ‘Ps’ para o exercício
de uma prática bioética comprometida com os mais vulneráveis, com a
coisa pública e com o equilíbrio ambiental e planetário do século XXI.
São eles: ‘prevenção’ contra possíveis danos, ‘proteção’ dos mais frágeis,
‘prudência’ nos avanços e ‘precaução’ diante do desconhecido.
� Para refletir
A bioética principialista dá conta de interpretar e propor soluções para os
macroproblemas sociais e sanitários comuns aos países pobres e em desenvolvimento
do mundo? Por quê?
BASES CONCEITUAIS DA BIOÉTICA LATINO-AMERICANA
A primeira reunião preparatória dos chamados ‘peritos
governamentais’, com o objetivo de construir o teor final para votação,
em assembléia, da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
Humanos, em 2005, na Unesco, gerou grande perplexidade. Depois de
três dias de intensas discussões, foi impossível para os mais de noventa
países participantes criar um consenso com relação a uma definição
universal de bioética. A conclusão a que se chegou, com um significado
de vitória para os países pobres e em desenvolvimento que defendiam o
relativismo ético, foi que há uma impossibilidade de aplicação de princípios
éticos universais, dada as diferentes visões morais de cada país ou região,
decorrentes de realidades e culturas também variadas. O que existe,
portanto, são bioéticas, no plural, e não uma única bioética. Isso, contudo,
não significa a negação da existência de uma epistemologia da bioética,
ou seja, não nega a existência de bases conceituais, teóricas, de sustentação
da disciplina.
Com base no conceito expandido que se pretende dar à disciplina,
seus verdadeiros fundamentos estão assentados em interpretações e ações
multi-inter-transdisciplinares que incluem, além das ciências biomédicas,
a filosofia, o direito e as ciências humanas.
Embora o objetivo deste capítulo seja mostrar um breve panorama
introdutório e geral da bioética para os profissionais de diferentes
carreiras que trabalham direta ou indiretamente com temas relacionados
às políticas e ao sistema de saúde no Brasil, é indispensável reforçar que
incorre em equívoco conceitual aquele que reduzir a bioética
exclusivamente aos quatro princípios mencionados. Com 35 anos de
existência, a especialidade já tem seu estatuto epistemológico assentado
Relativismo ético e
contextualização
Com variadas realidades
e culturas, é impossível
ao mundo
contemporâneo conviver
com imperialismos
éticos, ou seja, com a
imposição de
parâmetros morais
pretensamente
universais exportados
verticalmente das
culturas mais ‘fortes’
para as mais ‘frágeis’. O
respeito e a consideração
de cada contexto
específico, onde as
situações, os problemas
e os conflitos acontecem,
são indispensáveis para
o exercício de uma
bioética cidadã.
 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL6
em sólidas bases teóricas de indispensável conhecimento e domínio por
parte dos estudiosos interessados no assunto. De acordo com publicação
recente da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética (Redbioética),
da Unesco (Garrafa, Kottow & Saada, 2006), os referenciais conceituais
de uma bioética comprometida com a realidade concreta dos países
periféricos são:
1) A não-universalidade das diferentes situações, com necessidade de
contextualização dos problemas específicos sob exame, aos
respectivos referenciais culturais, religiosos, políticos, de
preferência sexual etc.
2) O respeito ao pluralismo moral, a partir das visões morais
diferenciadas sobre os mesmos assuntos e constatadas nas
sociedades plurais e democráticas do século XXI.
3) A inequívoca aptidão da bioética para constituir um novo núcleo
de conhecimento necessariamente multi-inter-transdisciplinar.
4) A característica de ser uma ética aplicada, ou seja, originária da
filosofia e comprometida em proporcionar respostas concretas aos
conflitos que se apresentam.
5) A análise dos fatos a partir dos referenciais do pensamento complexo
(Morin, 2001) ou da totalidade concreta (Kosik, 1976). Isso,
contudo, não significa o simples somatório das partes de uma
determinada questão, mas sua interpretação estruturada em rede,
onde todos os conceitos e elementos se iluminam mutuamente,
proporcionando uma noção mais harmônica e palpável de realidade
a partir da religação de diferentes saberes.
6) A necessidade de estruturação do discurso bioético, que deve ter
como base a comunicação e a linguagem (para se manifestar),
a argumentação (que deve primar pela homogeneidade e lógica), a
coerência (na exposição das idéias) e a tolerância (relativa ao
convívio pacífico diante de visões morais diferenciadas).
Pensamento complexo ou complexidade
Paradigma proposto, entre outros autores, por Edgar Morin, que corresponde
à religaçãode diferentes saberes. Segue na mesma direção da
transdisciplinaridade, a qual contempla a propriedade de distinguir
conhecimentos, respeitando os domínios disciplinares, mas impedindo o
reducionismo. Trata-se de uma vertente teórica que dialoga com a
imprevisibilidade e se sustenta no tetragrama da ordem e da desordem, da
interação e da organização, como ferramentas de intercâmbio com a realidade
sem, contudo, ambicionar conhecer o todo. Ambiciona, porém, aproximar-se
dele. Um surto de hantavirose, doença transmitida pelos ratos silvestres, em
Ética aplicada
Refere-se à necessidade
de a filosofia (e a ética)
darem respostas
concretas aos conflitos,
indo além da teoria, das
abstrações e do
maniqueísmo entre
temas como bem/mal,
certo/errado, justo/
injusto. A ética prática
ou aplicada ressurge a
partir dos anos 60, com
três campos: a ética dos
negócios, a ética
ambiental (ecologia) e a
bioética.
Bioética 7
uma cidade, poderá ser mais bem compreendido com o estudo de todas as
variáveis biológicas (o rato), ambientais (a mata destruída que expulsou os animais
para a cidade) e sociais (nível socioeducacional da população). O paradigma da
complexidade auxilia na melhor compreensão de fenômenos multifatoriais como esse.
Totalidade concreta
Não é um mero conjunto de fatos. Trata-se da própria realidade como um todo
estruturado, dinâmico e inter-relacionado, a partir do qual se pode
compreender, racionalmente, qualquer fato (classe de fatos, conjunto de fatos
etc.). Reunir simplesmente todos os fatos não significa conhecer a realidade,
assim como todos os fatos, somados, não constituem a realidade. O paradigma
da totalidade concreta permite a melhor compreensão de muitos quadros
mórbidos, principalmente quando a causalidade da doença em foco extrapola
o campo exclusivamente biológico, estendendo-se às razões sociais, econômicas,
políticas e outras.
A bioética, como foi mencionado, é ‘ética prática’, ‘aplicada’.
Atualmente, este campo específico da filosofia, apesar de ainda contestado
por muitos filósofos, tem sua utilização mais aperfeiçoada, mais acabada,
exatamente com a bioética. Isso é, até certo ponto, natural, uma vez que os
grandes dilemas que passaram a se apresentar às pessoas e coletividades,
na vida cotidiana e na prática, principalmente nas últimas décadas,
começaram a exigir respostas ou decisões geralmente imediatas e sempre
concretas. Ao lado de questões historicamente persistentes relacionadas
com a pobreza e a exclusão social, entre outras, passaram a ser comuns os
conflitos éticos ligados a temas de fronteiras do conhecimento. Podem-se
citar as novas tecnologias reprodutivas, os transplantes de órgãos e tecidos
humanos, as terapias gênicas e tantas outras situações que atingem, de certo
modo, os limites, os confins da vida, e que dizem respeito ao mais íntimo
da espécie humana e ao seu bem-estar e desenvolvimento futuro.
A rapidez dos avanços científicos e tecnológicos exigiu que as
diversas áreas de saber envolvidas com os fenômenos direta ou
indiretamente relacionados com o nascimento, a vida e a morte das pessoas
se adequassem à nova realidade. A filosofia viu-se repentinamente obrigada
a caminhar com agilidade compatível à evolução de conceitos e descobertas
e com as conseqüentes mudanças que passaram a se verificar no cotidiano
das pessoas e coletividades. Parâmetros morais secularmente estagnados
começaram a ser questionados e transformados, gerando a necessidade
de estabelecimento de novos referenciais éticos que, por sua vez, requerem
da sociedade ordenamentos jurídicos também pertinentes à nova
realidade. Ou seja, algumas referências morais intocáveis por muitos
 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL8
séculos – principalmente as de cunho conservador e/ou religioso, como
as questões relacionadas com o início e o final da vida (o aborto e a
eutanásia, por exemplo) – foram praticamente ‘atropeladas’ pela realidade
dos fatos a partir dos anos 70.
A velocidade das descobertas, de certa forma, ‘roubou’ das
sociedades humanas contemporâneas o tempo necessário e indispensável
para o amadurecimento moral das respostas frente às ‘novidades’. E é aí
que surge a bioética, como uma nova ferramenta, um novo instrumento
teórico e metodológico capacitado a proporcionar reflexões e respostas
possíveis diante desses novos (e também dos antigos) dilemas morais.
� Para refletir
Quais as diferenças entre a teoria principialista da bioética estadunidense e a
proposta conceitual latino-americana da Redbioética/Unesco, no sentido do
enfrentamento dos macroconflitos e dilemas relacionados com as políticas e o sistema
de saúde em curso no Brasil?
BIOÉTICA E SAÚDE PÚBLICA
Estão se tornando a cada dia mais freqüentes e delicados os conflitos
gerados entre a evolução do mundo, o progresso biomédico e os direitos
humanos. Em alguns momentos, já tem sido rompido, muitas vezes de
forma inescrupulosa, o frágil limite que separa essas situações. Cria-se,
assim, uma série de distorções, como nas questões relacionadas com a
inacessibilidade das camadas mais pobres da população tanto aos benefícios
do desenvolvimento científico e tecnológico, como a bens básicos de
consumo sanitário indispensáveis para uma vida digna. Incontáveis
exemplos também acontecem no campo específico da saúde pública, em
que recursos financeiros imprescindíveis para projetos que visam à
sobrevivência de milhares de pessoas são freqüentemente desviados, por
políticos ou técnicos, para atividades de importância secundária, que não
guardam qualquer relação com as finalidades originais dos referidos
projetos (Berlinguer & Garrafa, 2001).
Todos estes variados temas, portanto, que vão desde os dilemas
éticos enfrentados pelo administrador de saúde com relação à
repartição de verbas insuficientes para atividades impostergáveis até
problemas gerados pela aplicação universalizada de tecnologias de
ponta, fazem parte do campo de estudo da bioética. E esta, em poucos
anos de existência, ampliou substancialmente seu campo de estudo,
ação e influência.
Bioética 9
A discussão bioética surge para contribuir na procura por respostas
equilibradas frente aos conflitos atuais e os das próximas décadas. Já tendo
sido sepultado o mito da neutralidade da ciência, requer abordagens
pluralistas e transdisciplinares a partir de interpretações complexas, no
sentido anteriormente exposto, da totalidade concreta que nos cerca, onde
vivemos e onde os conflitos morais acontecem.
De acordo com esse contexto e objetivando melhor sistematização
e compreensão de sua área de estudo e abrangência, a bioética pode ser
em dois grandes campos de atuação, de acordo com sua historicidade: a
bioética das situações emergentes e a bioética das situações persistentes
(Garrafa & Porto, 2003).
Com relação à bioética das situações emergentes, estão relacionados,
principalmente, os temas surgidos mais recentemente e que se referem às
questões derivadas do grande desenvolvimento científico e tecnológico
experimentado nos últimos cinqüenta anos. Entre estas questões, podem
ser mencionados: 1) o projeto genoma humano e todas as situações
relacionadas com a engenharia genética, incluindo a medicina preditiva
(que atua de modo interventivo e corretivo/preventivo diretamente no
embrião, em nível ainda intra-uterino) e o uso terapêutico de células-
tronco; 2) as doações e os transplantes de órgãos e tecidos humanos, com
todas as suas inferências que se refletem na vida e na morte das pessoas
na sociedade e a relação disso tudo com as ‘listas de espera’ e o papel
controlador e moralizador do Estado; 3) o tema da saúde reprodutiva,
que passa por diversos capítulos, como a fecundação assist ida
propriamente dita, a seleção e o descarte de embriões, a eugenia (escolha
de sexo e determinadas características físicas do futuro bebê), as ‘mães
de aluguel’, a clonagem etc.; 4) as questões relacionadas com a
biossegurança, cada dia mais importantes e complexas; 5) as pesquisas
científicas envolvendo seres humanos e seu controle ético.
No que se refere à bioética das situaçõespersistentes, que são aquelas
que persistem teimosamente desde a Antigüidade, estão listadas todas as que
dizem respeito à exclusão social; às discriminações de gênero, raça,
sexualidade e outras; aos temas da eqüidade, da universalidade e da alocação,
distribuição e controle de recursos econômicos em saúde; à atenção a crianças
e idosos; aos direitos humanos e à democracia, de modo geral, e suas
repercussões na saúde e na vida das pessoas e das comunidades; ao aborto; à
eutanásia. Enquanto outros autores preferem colocar estas duas últimas
situações entre os temas ‘emergentes’ ou de ‘limites’, parece ser mais adequado
classificá-las como persistentes, a partir de sua conotação histórica, uma vez
que se enquadram entre as situações que se mantêm teimosamente na pauta
da comédia humana desde os tempos do Antigo Testamento.
Bioética das situações
emergentes
É o campo da bioética
temática que trata das
situações que emergiram
historicamente nas
últimas décadas, como
produto do
desenvolvimento
científico e tecnológico.
Também chamada de
bioética das situações
relacionadas aos limites
ou às fronteiras do
desenvolvimento.
Bioética das situações
persistentes
É o campo da bioética
temática que trata das
situações historicamente
persistentes no processo
evolutivo da
humanidade e que
continuam se repetindo,
apesar do atual estágio
de desenvolvimento do
mundo. Também
chamada de bioética das
situações cotidianas: que
acontecem todos os dias
e não mais deveriam
estar ocorrendo.
 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL10
Para que se enfrente de modo mais adequado toda esta gama de
questões, ao invés de simplesmente importar referenciais éticos
provenientes de outras realidades, é mais adequado que cada país ou
região do mundo interprete e atue junto a seus problemas ou situações
moralmente conflitivas de acordo com seus próprios contextos sociais,
culturais, econômicos e biológicos. Alguns movimentos políticos e sociais
– como aqueles relacionados com as mulheres e os negros – têm
conseguido mostrar de forma clara ao mundo a importância de se
compreender e respeitar as diferenças.
O conceito de diferença nas questões de gênero, do mesmo modo
que nas questões raciais ou de preferência sexual, não significa
desigualdade (ou inferioridade). Pelo contrário, resgata a necessidade
democrática de que cada situação seja contextualizada exatamente a partir
desses parâmetros diferenciais para que, assim, se dê a verdadeira
igualdade. Desde aspectos mais simples e diretos, como aqueles referentes
aos direitos de uma gestante, até os que dizem respeito à igualdade de
acesso para todas as pessoas indistintamente na disputa por postos de trabalho
– conquistas consideradas longínquas para alguns grupos sociais há
algumas décadas –, apesar das dificuldades ainda enfrentadas, ganharam
novo impulso com os avanços destes movimentos democráticos.
Em praticamente todos os temas relacionados com a bioética,
independentemente de serem emergentes ou persistentes, existe uma
questão que atravessa longitudinalmente os temas a serem abordados e
estudados: a ética da responsabilidade. Com relação a ela, três aspectos
podem ser considerados e analisados: 1) a ética da responsabilidade
individual, que se refere ao papel e aos compromissos que cada cidadão
ou cidadã deve assumir frente a si mesmo(a) e aos seus semelhantes, seja
em ações privadas ou públicas, singulares ou coletivas; 2) a ética da
responsabilidade pública, que diz respeito ao papel e aos deveres dos
Estados democráticos frente não somente a temas universais, mas também
à cidadania e aos direitos humanos, bem como ao cumprimento das cartas
constitucionais de cada nação e, no caso do Brasil, especialmente dos
capítulos que se referem diretamente à saúde e vida das pessoas; 3) a
ética da responsabilidade planetária, que significa o compromisso de cada
cidadão ou cidadã do mundo, de cada país e do próprio conjunto de todas
as nações diante do desafio da preservação do planeta, em respeito àqueles
que virão depois de nós (Jonas, 1990).
Outro aspecto a ser analisado e relacionado ao contexto aqui
desenvolvido é a proteção necessária – e até mesmo indispensável – às
pessoas mais frágeis, mais vulneráveis, especialmente aquelas que vivem
nos países periféricos. Essa linha de pensamento bioético com base na
Ética da
responsabilidade
individual
Trata-se do
compromisso moral e da
responsabilidade pessoal
e intransferível de cada
cidadão para com a
alteridade. É a visão do
semelhante, do outro,
principalmente aquele
mais vulnerável e
desassistido. Resgata,
também, a
responsabilidade e a
ética no trato das
questões públicas de
parte dos servidores
governamentais do setor
saúde.
Ética da
responsabilidade
pública
Refere-se ao compromisso
e da responsabilidade do
Estado diante dos cidadãos
e de toda a sociedade, a
partir do cumprimento
rigoroso das normas
constitucionais e das
legislações
complementares no
campo da saúde, no caso
deste livro.
Ética da
responsabilidade
planetária
Diz respeito ao
compromisso e à
responsabilidade de
todos os cidadãos,
empresas, governos e
Estado diante da
preservação dos
ambientes naturais, da
biodiversidade e do
próprio ecossistema.
Trata-se, principalmente,
de considerar a finitude
dos recursos naturais e
de assumir um papel
protetor e fiscalizador
desses recursos não
renováveis, além de
estimular o chamado
desenvolvimento
sustentável.
Bioética 11
proteção, diferenciada do simples paternalismo estatal, tem como objetivo
dar conta dos conflitos e dilemas morais enfrentados pela saúde pública,
que muitas vezes não podem ser resolvidos concretamente por outras
ferramentas da bioética mundial, em particular o principialismo
(Schramm & Kottow, 2001).
Em seu sentido estrito, a bioética que trata da proteção se refere
especificamente às medidas que devem ser tomadas “para proteger a
indivíduos e populações que não dispõem de outras medidas que lhes
garantam as condições indispensáveis para levar adiante uma vida digna
e não somente dispor de uma sobrevida (...) e que são, portanto, excluídos
da ‘comunidade política’ e das políticas dos direitos humanos” (Schramm,
2005: 21-22 – Tradução livre). Considerando que a bioética tem pelo
menos duas funções reconhecidas – a analítica, que é teórica e crítica, e a
normativa, que, por sua vez, é prática –, parece razoável a proposta de
agregar a essas funções tradicionais uma adicional: a de instrumento
protetor, que objetiva ‘dar amparo’ e defender a vida no seu mais amplo
sentido, seja humana ou não humana.
Com a homologação da Declaração Universal sobre Bioética e
Direitos Humanos, a agenda bioética do século XXI foi definitivamente
ampliada. Projeta-se para além das questões exclusivamente biomédicas e
biotecnológicas, as quais foram reduzidas nos anos 80 e 90 com base nos
interesses unilaterais dos países desenvolvidos. A nova referência
conceitual da disciplina, como foi dito, proporciona um vasto leque de
possibilidades de atuação, incorporando os campos sanitário e social, fator
indispensável para a consecução de uma bioética realmente empenhada
com a ética das diferentes situações relacionadas com a qualidade da vida
humana. O novo conceito de bioética ampliou substancialmente o campo
de atuação da disciplina, oxigenando-a e politizando-a ao incorporar no
seu escopo temas de interesse direto das nações periféricas do hemisfério
Sul, como a inclusão social, a universalidade do acesso das pessoas a
cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, a proteção
da biodiversidade, o compartilhamento dos benefícios decorrentes do
avanço científico-tecnológico, entre outros (Unesco, 2005).
A ampliação conceitual da bioética permitiu incorporar ao seu
campo de estudo e ação as diferentes situações relacionadas com a saúde
pública, as políticas e o sistema de saúde em vigor no Brasil. Não há dúvidas
de que o país avançou com relação às questões sanitárias, especialmente
nas duas últimas décadas. Esses avanços, no entanto, sob a ótica da ética
da responsabilidade pública, são relativos. Para o filósofoHans Jonas
(1990), diante das profundas contradições que a humanidade (e os
países...) se vê obrigada a enfrentar, é necessário que a racionalidade ética
 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL12
caminhe com a mesma velocidade do progresso técnico-científico, o que
por aqui infelizmente, não vem acontecendo. Apesar de não usar a
expressão ‘ética prática’, Jonas afirma que a filosofia pode dizer várias
coisas concretas: que tipos de vida são melhores que outros, que coisas
trazem benefícios ou danos. Segundo ele, o progresso moral coletivo pode
ser evidenciado de três formas: nas legislações dos Estados modernos,
em certos valores incorporados nos códigos das leis e nos comportamentos
públicos.
O Brasil evoluiu significativamente nos últimos anos com relação
aos dois primeiros pontos citados. Nossa Constituição está entre as mais
avançadas do mundo no que se refere ao capítulo da saúde e das questões
médico-sanitárias, assim como a Lei Orgânica que operacionaliza o Sistema
Único de Saúde (SUS) está assentada sobre modernos conceitos teóricos
relacionados com a descentralização administrativa, universalização,
eqüidade e outros. Depois de diversos avanços e retrocessos políticos
relativos à efetiva implementação do SUS, a maior dificuldade continua
incidindo na implementação prática das conquistas legais; ou seja, de
acordo com o terceiro item mencionado, significa, definitivamente,
adicionar aos comportamentos públicos o progresso moral já presente
na legislação.
Procurando sintetizar o que foi dito, encontramo-nos frente à
necessidade de algumas mudanças no campo sanitário com relação aos
compromissos públicos e às responsabilidades sociais, o que não significa
obrigatoriamente a dissolução dos valores já existentes, mas sua
transformação. Há uma tradição na sociedade brasileira, no entanto, de
que certos segmentos hegemônicos têm estabelecido e determinado
unilateralmente os direitos do indivíduo e os rumos a serem seguidos
pela sociedade. Esta tradição – que tem mudado, mas em proporção ainda
insuficiente – não só é geradora de desigualdades profundas, mas também
limita e condiciona o exercício dos próprios direitos (individuais e
coletivos). O direito, que é elemento fundante da ordem da cidadania,
não deve ser atribuído; ao contrário, o princípio ético-político que rege a
noção mais elementar de direito é aquele decorrente da própria existência
humana, pois, na medida em que a pessoa nasce, já se configuram seus
direitos. Mais do que configurados, portanto, esses direitos precisam ser
acessíveis e materializáveis, para o alcance da verdadeira cidadania. No
caso brasileiro, é necessário que cada vez mais, por meio de um controle
social realmente participativo e atuante, a sociedade passe a exigir o
cumprimento das conquistas legais já verificadas.
Neste sentido, a bioética tem a oferecer de seu rico instrumental
teórico-prático a proposta de criação de comitês de bioética institucionais,
Para conhecer a
legislação geral do SUS,
consulte o capítulo 12.
Comitês de bioética
Conjunto de pessoas
com moralidades
diversas e formações
profissionais
diferenciadas, que se
reúnem periódica ou
excepcionalmente para
fornecer pareceres sobre
questões éticas, dirimir
dúvidas morais e
resolver conflitos éticos
no campo biomédico-
sanitário.
Bioética 13
hospitalares e outros – pluralistas, no que se refere à moralidade de seus
membros; multidisciplinares, quanto às formações profissionais dos mesmos,
incluindo representantes populares. Estes comitês têm o papel de analisar
diferentes situações de conflito, interpretar questões biomédico-sanitárias
das mais diversas origens, discutir moralmente a definição de prioridades,
assim contribuindo com seu caráter democrático para o encaminhamento
mais satisfatório dos diferentes problemas a eles confiados.
� Para refletir
Quais problemas relacionados com a ética da responsabilidade pública poderiam
ser elencados no Brasil com relação ao funcionamento do SUS e o bem-estar e os
direitos da população?
A BIOÉTICA, AS POLÍTICAS E O SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO
Até 1998, a bioética trilhou caminhos que apontavam muito mais
para temas e/ou problemas/conflitos individuais do que coletivos. A
maximização e a superexposição do princípio da autonomia tornaram o
princípio da justiça um mero coadjuvante da teoria principialista. O
individual sufocou o coletivo. O ‘eu’ deixou o ‘nós’ em posição secundária.
A teoria principialista mostrou-se incapaz ou impotente de desvendar,
entender e intervir nas macroquestões socioeconômicas e sanitárias coletivas,
persistentes na parte sul do mundo. O principio da justiça significa para o
principialismo clássico, proporcionalmente, o que a promoção de saúde
representava nos seus primórdios para a então chamada ‘medicina social’:
algo teórico, coadjuvante, pouco palpável, onde cabiam todos os demais
problemas não contidos nos itens considerados principais.
Com o VI Congresso Mundial de Bioética, realizado em Brasília,
em 2002, a voz daqueles que não concordavam com o desequilíbrio
verificado na balança tornou-se mais forte, a partir da definição da temática
do evento: Bioética, Poder e Injustiça. As discussões desenvolvidas
trouxeram à tona a necessidade de a bioética incorporar aos seus campos
de reflexão e de ação aplicada temas sociopolíticos da atualidade, como as
agudas discrepâncias sociais e econômicas existentes entre as nações dos
hemisférios Norte e Sul do planeta e, principalmente, a interpretação do
acesso universal à atenção sanitária e dos medicamentos como um direito
de cidadania.
A bioética brasileira, que observou um desenvolvimento tardio
por ter surgido de modo orgânico apenas nos anos 90, recuperou o
tempo perdido com um vigor inusitado. Sua maioridade foi atingida no
Maximização da
autonomia
A bioética principialista
de origem anglo-
saxônica, culturalmente,
coloca a autonomia em
escala preferencial com
relação às questões
coletivas. Essa distorção
faz com que o ‘nós’ – das
questões coletivas e
relacionadas ao princípio
da justiça – fique em
segundo plano, em favor
do ‘eu’ das questões
individuais.
Bioética, Poder e
Injustiça
Tema oficial do VI
Congresso Mundial de
Bioética, que teve papel
importante na
transformação da
agenda bioética do
século XXI,
contribuindo para a
construção de uma
bioética conceitualmente
mais próxima dos
problemas dos países
pobres e em
desenvolvimento. Ética e
poder, à ótica da lógica
formal, poderiam gerar,
naturalmente, justiça. A
lógica dialética, contudo,
vê a realidade inversa e
contraditória: ética e
poder têm gerado
injustiça no mundo
contemporâneo.
 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL14
VI Congresso Mundial de Bioética, que contou com o apoio decisivo da
Sociedade Brasileira de Bioética. Se até o final dos anos 90 a bioética
brasileira ainda era uma cópia colonizada dos conceitos vindos dos países
anglo-saxônicos do hemisfério Norte, a partir do surgimento e da
consolidação de vários grupos de estudo, pesquisa e pós-graduação que
foram criados pelo país, sua história começou a mudar.
A teoria dos quatro princípios – de certo modo já revisada em seu
‘núcleo duro’ e pretensamente universalista pelos seus próprios
proponentes na quinta edição do livro Principles of Biomedical Ethics
(Beauchamp & Childress, 2001), apesar da reconhecida praticidade e
utilidade para análise de situações práticas clínicas e em pesquisas – é
sabidamente insuficiente para a análise contextualizada de conflitos que
exijam flexibilidade para uma determinada adequação cultural, bem como
para o enfrentamento de macroproblemas bioéticos persistentes ou
cotidianos enfrentados por grande parte da população de países com
significativos índices de exclusão social, como o Brasil e seus vizinhos da
América Latina. Apesar de algumas críticas pontuais provenientes de
setores acomodados com a praticidade do check list principialista, sua
adequação ao estudo dos conflitos e das situações que ocorrem nos países
pobres da parte sul do mundo é indispensável.
A bioética sanitária, com um marco conceitualampliado como
apresentado neste capítulo, defende como moralmente justificável, entre
outros aspectos: 1) no campo público e coletivo, a priorização de políticas
e tomadas de decisão que privilegiem o maior número de pessoas, pelo
maior espaço de tempo e que resultem nas melhores conseqüências,
mesmo que em prejuízo de certas situações individuais, com exceções
pontuais a serem discutidas; 2) no campo privado e individual, a busca
de soluções viáveis e práticas para conflitos identificados com o próprio
contexto onde os mesmos acontecem. Inclui a reanálise de diferentes
dilemas, entre os quais: autonomia versus justiça/eqüidade, benefícios
individuais versus benefícios coletivos, individualismo versus solidariedade,
omissão versus participação e mudanças superficiais versus transformações
concretas e permanentes.
As últimas décadas do século passado passaram a conviver com o
ressurgimento da ética. A pluralidade cultural e a evolução dos costumes,
em conjunto com novos referenciais morais que foram construídos no
dia-a-dia, levaram grande parte das sociedades humanas a abandonar
paulatinamente os princípios e valores que vinham norteando suas decisões
e comportamentos, tanto na esfera individual como na coletiva. E foi neste
contexto que a ética passou a crescer de importância, influindo direta ou
indiretamente na transformação de questões como o posicionamento dos
Macroproblemas
bioéticos
Problemas éticos
persistentes comuns aos
países periféricos,
impossíveis de serem
solucionados com a
proposta principialista e
individualista da bioética
de origem
estadunidense.
Requerem soluções mais
amplas, a partir da
interpretação correta da
realidade onde esses
problemas ocorrem e a
utilização de referenciais
éticos também mais
adequados.
Bioética sanitária
Interpretação da bioética
que prioriza os temas
públicos e coletivos em
detrimento de questões
específicas, privadas e
individuais.
Ressurgimento da ética
As discussões éticas, que
estavam abandonadas
desde o final do século
XIX e principalmente
nas primeiras décadas
do século XX, retornam
com todo vigor a partir
dos anos 90. O
surgimento da bioética,
como ética aplicada, é
prova disso.
Bioética 15
países com relação ao respeito às chamadas ‘minorias’ ou no direito ao
acesso universal a sistemas de saúde adequados, por exemplo, até posturas
que redefiniram as relações interpessoais, intersexos, interetnias etc.
Como conseqüência de todas estas mudanças de ordem geral
detectadas no campo da ética, os temas relacionados com a área da saúde
também passaram a exigir novas abordagens, muitas delas aqui já tratadas.
O paciente/cidadão e a comunidade, como sujeitos legítimos da discussão
ética em saúde pública, eram lembrados apenas tangencial ou
complementarmente. Até então, as atenções no campo da ética estavam
insistentemente dirigidas aos códigos de conduta das diferentes profissões
do setor sanitário, gerando, em decorrência, uma visão unilateral,
paternalista e socialmente distorcida da relação profissional-paciente ou
na relação entre os programas e serviços com os respectivos usuários.
Com as transformações e o novo ritmo que começaram a ser
verificados no contexto internacional, os aspectos éticos anteriormente
referidos deixaram de ser considerados como de índole supra-estrutural
para, ao contrário, passarem a exigir consideração direta nas discussões
e na construção e no acompanhamento de propostas de trabalho,
objetivando o bem-estar futuro e melhores condições de vida das pessoas
e comunidades. No caso brasileiro, é imprescindível que essa discussão
(ética e aplicada) comece a ser incorporada objetivamente na construção
das políticas sanitárias do país e no próprio funcionamento do SUS, no
que diz respeito: à responsabilidade social do Estado; ao gerenciamento
do sistema como um todo e em suas diversas partes; à definição de
prioridades na análise, na decisão, na alocação, na distribuição e no
controle dos recursos; ao envolvimento responsável da população em todo
o processo; à preparação mais adequada dos recursos humanos; à revisão
e atualização dos códigos de ética das diferentes categorias profissionais
envolvidas; às indispensáveis adaptações curriculares nas universidades.
Enfim, contribuindo diretamente para a melhoria do funcionamento do
setor como um todo.
A questão ética, portanto, adquiriu identidade pública. Deixou de
ser considerada uma simples questão de consciência a ser resolvida na
esfera privada, de foro exclusivamente individual ou íntimo (Garrafa,
1999). Hoje, ela cresce de importância no que diz respeito à análise das
responsabilidades frente às diferentes situações sanitárias e à interpretação
histórico-social mais precisa dos quadros epidemiológicos, como também
é essencial na determinação das formas de intervenção a serem
programadas, na formação de pessoal, na responsabilidade do Estado
junto aos cidadãos mais necessitados. Em resumo, a ética aplicada, por
meio da bioética, conquistou uma nova forma concreta de ser percebida e
 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL16
utilizada. Sua aplicação e utilização na elaboração e consecução das políticas
sanitárias públicas no país, assim como no próprio contexto do SUS em
suas diferentes instâncias, são de uma riqueza que não pode ser
desconhecida e desrespeitada.
� Para refletir
A partir do que foi discutido neste capítulo, acredita-se que seria aconselhável que
os membros dos conselhos de saúde (municipais, estaduais e nacional) tivessem
alguma formação em bioética. Em que situações concretas essa formação poderia
ser útil?
LEITURAS RECOMENDADAS
BEAUCHAMP, T. L. & CHILDRESS, J. F. Principles of Biomedical Ethics. 5. ed.
Nova York, Oxford: Oxford University Press, 2001.
BERLINGUER, G. Bioética Cotidiana. Brasília: Editora UnB, 2004.
FORTES, P. A. C. & ZOBOLI, E. L. C. P. Z. (Orgs.) Bioética e Saúde Pública. São
Paulo: Loyola, 2003.
GARRAFA, V.; KOTTOW, M. & SAADA, A. (Orgs.) Bases Conceituais da Bioética:
enfoque latino-americano. São Paulo: Gaia, Unesco, 2006.
GARRAFA, V. & PESSINI, L. (Orgs.) Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Loyola,
Sociedade Brasileira de Bioética, 2003.
SCHRAMM, F. R. et al. (Orgs.) Bioética: riscos e proteção. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, Editora Fiocruz, 2005.
REFERÊNCIAS
BEAUCHAMP, T. L. & CHILDRESS, J. F. Principles of Biomedical Ethics. Nova
York: Oxford University Press, 1979.
BEAUCHAMP, T. L. & CHILDRESS, J. F. Principles of Biomedical Ethics. 5. ed.
Nova York, Oxford: Oxford University Press, 2001.
BERLINGUER, G. & GARRAFA, V. O Mercado Humano: estudo bioético da compra e
venda de partes do corpo. 2. ed. Brasília: Editora UnB, 2001.
DURAND, G. Introdução Geral à Bioética. São Paulo: Loyola, 2003.
GARRAFA, V. Ciência, poder e ética. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
BIODIVERSIDADE E TRANSGÊNICOS, Brasília. Anais... Brasília: Senado Federal,
1999.
GARRAFA, V. Inclusão social no contexto político da bioética. Revista Brasileira de
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Bioética 17
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Disponível em: <www.bioetica.catedraunesco.unb.br> e <www.sbbioetica.org.br>.
Acesso em: 22 fev. 2007.
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