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1 Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski e Jaqueline Ap. M. Zarbato ENSINAR HISTÓRIA: GÊNERO E EDUCAÇÃO 2 Reitor Mario Sérgio Alves Carneiro Chefe de Gabinete Bruno Redondo Direção Pró-reitora de Extensão e Cultura Cláudia Gonçalves de Lima Produção Obra produzida e vinculada pelo Projeto Orientalismo, Proj. Extens. UERJ Reg. 6078, coordenado pelo Prof. André Bueno [História] em associação com as Edições Especiais Sobre Ontens. Edições Especiais Sobre Ontens Comissão Editorial & Científica Dulceli Tonet Estacheski [UFMS] Everton Crema [UNESPAR] Carla Fernanda da Silva [UFPR] Carlos Eduardo Costa Campos [UFMS] Gustavo Durão [UFPI] José Maria Neto [UPE] Leandro Hecko [UFMS] Luis Filipe Bantim [Universidade de Vassouras] Maytê R. Vieira [UFPR] Nathália Junqueira [UFMS] Rodrigo Otávio dos Santos [UNINTER] Thiago Zardini [Saberes] Rede www.revistasobreontens.blogspot.com Organização do Volume Ficha Catalográfica Estacheski, Dulceli de L. T.; Zarbato, Jaqueline A. M. (org.) Ensinar História: Gênero e Educação. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Proj. Ori./Ed. Esp. Sobre Ontens/UERJ, 2022. ISBN: 978-65-00-52645-5 264p. Ensino de História; Educação; Estudos de Gênero; Sexualidades 3 Sumário APRESENTAÇÃO: GÊNERO, EDUCAÇÃO E ENSINO DE HISTÓRIA por Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski e Jaqueline Aparecida Martins Zarbato ....................................................................... 6 HISTÓRIA DAS MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL por Ana Maria Lucia do Nascimento ................................................................................................................................. 10 REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS PARA UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA: A PERSPECTIVA INTERSECCIONAL EM ENSINANDO A TRANSGREDIR, DE BELL HOOKS por Ana Paula Oliveira Lima ............................................................................................................................................. 19 ENSINO DE HISTÓRIA E HOMOSSEXUALIDADE: UMA EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO por Antonio Xavier M. Neto e Jefferson G. Silva Espinoza ................................... 27 ENSINO DE HISTÓRIA E DECOLONIALIDADE: CONTRIBUIÇÕES DA INTERCULTURALIDADE E DA INTERSECCIONALIDADE NOS ESTUDOS DE GÊNERO por Caroline Machado Costa e Giovanna Santana ........................................................................................................................................ 34 ENSINO DE HISTÓRIA E GÊNERO: ANÁLISE POR MEIO DA TRAGÉDIA GREGA por Darcylene Pereira Domingues ...................................................................................................................... 42 RELATO DE EXPERIÊNCIA – PROJETO DIREITO DAS MULHERES: UMA TRAJETÓRIA DE LUTAS por Edivaldo Rafael de Souza............................................................................................................. 50 O SALTO ALTO NO PODER: AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA COMO REFLEXO DAS AÇÃOS AFIRMATIVAS DE GÊNERO NO BRASIL NA CAMARA DOS DEPUTADOS por Everlly Silva Bezerra de Lima ....................................................................................................... 58 QUEERBAITING: ESTRATÉGIAS MIDIÁTICAS E REPRESENTATIVIDADE LGBTQIA+ EM SÉRIES TELEVISIVAS por Fernanda dos Anjos da Nóbrega ...................................................................... 66 PEREGRINAÇÕES DE UMA PÁTRIA: FLORA TRISTA E A FIGURA FEMININA NA SOCIEDADE PERUANA (1838) por Gabrielle Legnaghi de Almeida ................................................................. 72 MULHERES APRESENTAM MULHERES: EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM DIÁLOGO COM OS ESTUDOS DE GÊNERO por Georgiane G. Heil Vázquez e Angela Ribeiro Ferreira ...................... 78 MANIFESTAÇÕES DO ÚTERO: CONCEPÇÕES MÉDICAS ACERCA DA MENSTRUAÇÃO E ANOMALIAS NO SÉCULO XVIII EM ERÁRIO MINERAL (1735) DE LUÍS GOMES FERREIRA por Gessica de Brito Bueno e Christian F. M. dos Santos .................................................................. 85 A REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES NEGRAS EM MUSEUS AFRO-BRASILEIROS por Heidi Ester Oliveira Barbosa .......................................................................................................................... 93 A SITUAÇÃO FEMININA NO INÍCIO DO MEDIEVO: A REGRA PARA AS VIRGENS DE CESÁRIO DE ARLES (c. 470-542) E SUA UTILIZAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES por Luciano José Vianna e Ianca Ferreira Soares .................................................................................................. 101 A HAGIOGRAFIA DE SANTA BÁRBARA EM SALA: REFLETINDO QUESTÕES DE GÊNERO PARA O CONHECIMENTO HISTÓRICO NO AMBIENTE ESCOLAR por Jacqueline Ferreira Dias e Marcos de Araújo Oliveira ........................................................................................................................... 108 4 AS LEIS DOS FRANCOS SÁLIOS (SÉCULO VI): DIVERSIDADE SOCIAL FEMININA NA FORMAÇÃO DOCENTE EM HISTÓRIA por Luciano José Vianna e Jefferson David Fonseca Alves ................. 117 UM OLHAR SOBRE AS NARRATIVAS HISTORIOGRÁFICAS DA MULHER MEDIEVAL NA LITERATURA INFANTIL E O CONTEXTO ESCOLAR por Joelândia Nunes Ulisses de Oliveira ...... 124 A REPRESENTAÇÃO FEMININA NO LIVRO O DECAMERÃO (1348-1353) DE GIOVANI BOCCACCIO (1313-1375)por José Carlos da Silva Ferreira ............................................................................ 133 O OLHAR FEMININO NOBRE NO TRATADO DO AMOR CORTÊS (C.1186) DE ANDRÉ CAPELÃO (1150-1220) por Juliana Caroline de Souza Araújo ................................................................... 140 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BBB 20: UM REFLEXO DA SOCIEDADE por Ketherine Acosta dos Santos e Felipe Lucas Fagundes.......................................................................................... 146 MEMÓRIAS E MULHERES NEGRAS E EDUCAÇÃO por Leila Carla Antunes Novaes e Jaqueline Ap. M. Zarbato ................................................................................................................................. 154 REFLEXÕES SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA MEDIEVAL PÓS BNCC: COMO A MULHER É VISTA NA BASE E NOS LIVROS DIDÁTICOS? por Lorene Rose Ribeiro dos Santos..................................... 160 GÊNERO E ENSINO DE HISTÓRIA: NECESSIDADES E CONTEXTOS por Lorenna Rochinski ........ 166 CIRCULANDO AS AULAS DE HISTÓRIA: O CÍRCULO DE DIÁLOGO NA EDUCAÇÃO DE GÊNERO por Luciane Corrêa........................................................................................................................... 173 DITADURA, FEMINILIDADES E MASCULINIDADES EM FAZENDA MODELO DE CHICO BUARQUE por Marcos Antonio Leite Junior ............................................................................................... 182 CARTOGRAFIA DAS PRODUÇÕES SOBRE POPULAÇÃO LGBTQIAPN+ EM HISTÓRIA NO BRASIL (1987-2018) por Mariana B. de Souza e Georgiane G. Heil Vázquez ........................................ 189 TRAJETÓRIAS DE VIDA E DE LUTA DE MULHERES DO ASSENTAMENTO BELA MANHÃ por Mariani Xisto de Souza .............................................................................................................. 198 CORPO TORTURADO. VIOLÊNCIA E OPRESSÃO INQUISITORIAL CONTRA FILIPA NUNES (1597) por Marize Helena de Campos .................................................................................................. 207 MÃOS FEMININAS QUE ALIMENTAM : UM ESTUDO SOBRE A IMPORTÂNCIA DAS MULHERES NA ALIMENTAÇÃO NATIVA DA AMÉRICA PORTUGUESA DO SÉCULO XVI por Nathália Moro e Anelisa Mota Gregoleti ............................................................................................................. 215 GÊNERO E MASCULINIDADES NA SALA DE AULA: O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DAS PERFORMANCES DOS HOMENS PÚBLICOS NO MARANHÃO REPUBLICANO por Pâmela Queres Bezerra e Jakson dos Santos Ribeiro ......................................................................................... 222 DOS TRAJES DE CRIOULA AOS SÍMBOLOS DAS MULHERES NEGRAS: APRENDIZAGEM HISTÓRICA E MEMÓRIA (1990 - 2019) por Renata Teodoro Pereira........................................................... 230 TROTULA DI RUGGIERO (1050-1097) E O ENSINO MEDICINAL: O ZELO DA MÉDICA DE SALERNO PARA O CONTEXTO FEMININO MEDIEVAL por Rita de Cássia Rodrigues ................................. 236 GÊNERO E DECOLONIALIDADE DO SABER: NOTAS PARA OUTRAS PRÁTICAS EM HISTÓRIA por Silvia Ayabe ............................................................................................................................... 243 5 HQ “O CONTO DA AIA” E SUA POTENCIALIDADE NO ENSINO DE HISTÓRIA por Tayane Ferreira de Almeida ................................................................................................................................ 251 RELATO DE EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA: PALESTRA EDUCATIVA SOBRE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL E SUAS NUANCES por Wagner Pereira de Souza....................................................................... 259 6 APRESENTAÇÃO: GÊNERO, EDUCAÇÃO E ENSINO DE HISTÓRIA Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski e Jaqueline Aparecida Martins Zarbato O Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História foi idealizado como um espaço democrático de socialização de pesquisas históricas, educacionais e de relatos de experiências de ensino. Ao longo de suas oito edições esse objetivo foi alcançado e foram recebidos, avaliados, selecionados e publicados textos de pesquisadores/as, de docentes da educação básica e universitária e de estudantes de graduação e pós-graduação. Ricos debates aconteceram durante os eventos, aproximando autores/as e leitores/as, estimulando novas pesquisas, novas publicações, novas práticas de ensino e novos relatos de experiências. Os estudos de gênero e as experiências escolares e universitárias que os têm como temática tiveram sempre um lugar reservado nos simpósios e as edições anteriores resultaram em algumas publicações específicas sobre o tema: Aprendizagens históricas: gênero e etnicidades (2018), Aprendendo História: Gênero (2019), Ensino de História e estudos de gênero (2020) e Caminhos da Aprendizagem Histórica: Relações de Gênero e Sexualidade (2021). Todas disponibilizadas gratuitamente nas Edições Especiais da Revista Eletrônica Sobre Ontens (disponível em: http://revistasobreontens.blogspot.com/ p/livros.html) para que mais pessoas possam ter acesso aos resultados de pesquisas, aos relatos de experiências, para que possam crescer em conhecimento e inspirar-se para novas práticas. Durante a organização desta oitava edição do simpósio dialogamos sobre quais temáticas deveriam ser mantidas para as mesas de debates que seriam propostas e de forma unânime definimos a manutenção de um espaço específico para os estudos de gênero em suas relações com a educação e o ensino de História. Tal decisão parte da consideração de que é imprescindível dar continuidade às reflexões, pois, embora o avanço nas pesquisas dos estudos de gênero, nas mais diversas áreas do conhecimento, seja notório, ainda observamos que há falta de conhecimento, concepções equivocadas e pré-conceitos sendo divulgados em muitos espaços da nossa sociedade. Essa realidade influi em práticas sociais discriminatórias, violentas (e aqui pensamos nas diferentes formas de violência, física, moral, psicológica, sexual, etc.), que causam sofrimento para muitas pessoas. 7 Como pesquisadoras da área e como professoras de História, atuantes na formação docente, entendemos que devemos aproveitar todos os espaços para promover a produção e a socialização de conhecimentos, para estimular transformações sociais que contribuam para a construção de um mundo mais justo, mais digno para todas as pessoas. Com isso em mente, selecionamos os textos encaminhados para o 8º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História para a Mesa Gênero, Educação e Ensino de História que foram foco de importantes debates e que estão agora reunidos nessa publicação. Ao todo são 34 textos de pesquisadores/as que apresentam resultados de seus mais recentes estudos na área; de docentes da educação básica e de universidades que socializam diversas experiências de ensino e provocam reflexões teórico metodológicas para as abordagens do tema nas escolas e em outros espaços de formação; e de estudantes que estão iniciando suas trajetórias na pesquisa dos estudos de gênero. Entre as pesquisadoras dos estudos de gênero, destacamos o texto de Georgiane Garabely Heil Vázquez e Angela Ribeiro Ferreira que apresentam os resultados de um Projeto de Extensão Universitária desenvolvido na Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná, ‘Mulheres apresentam Mulheres’, ressaltando a relevância de ações que valorizam a produção e as narrativas de mulheres no meio universitário e também o texto de Marize Helena de Campos, professora da Universidade Federal do Maranhão que apresenta os resultados de uma pesquisa que teve como fonte um processo inquisitorial de 1597 que nos leva a refletir sobre vivências de mulheres durante a vigilância do Tribunal do Santo Ofício em Lisboa. O primeiro exemplo destaca a extensão universitária e pode estimular ações semelhantes em outros espaços e o segundo apresenta um tema de pesquisa em meio à vastidão de possibilidades que os estudos de gênero permitem. Outras pesquisadoras que desenvolvem suas pesquisas de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina, na Universidade Federal de Pelotas, na Universidade Estadual de Maringá e pesquisas de mestrado profissional ou acadêmico na Universidade Federal Rural do Pernambuco, na Universidade Federal de Brasília, na Universidade de Pernambuco, na Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, na Universidade Federal da Grande Dourados, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e na Universidade Federal de Pernambuco, tem aqui seus textos publicados. Fizemos questão de destacar todas essas instituições, pois isso demonstra a abrangência do evento que reúne pessoas de diferentes regiões brasileiras. Consideramos relevante destacar também que nas diferentes edições do evento nós contamos com docentes da graduação em História de diferentes instituições, como a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, a Universidade Estadual do Maranhão, da Universidade de Pernambuco e da Universidade Estadual de Maringá, que orientam seus/suas bolsistas de Programas de Iniciação Científica a publicarem seus artigos no evento. Essa 8 prática, que se efetivou também nessa edição, é um estímulo para eles/as e outros/as estudantes que iniciam suas trajetórias acadêmicas. Profissionais recém-formados/as em cursos de História e de outras áreas do conhecimento, aproveitam para publicizar aqui as pesquisas que desenvolveram em seus Trabalhos Finais de Conclusão de Curso e docentes da educação básica contribuem muito relatando suas profícuas experiências em sala de aula, nas escolas em que atuam. As narrativas são diversas e as temáticas também. Temos reflexões teórico metodológicas para aqueles/as que desejarem aprofundar seus estudos; temos capítulos com conteúdos específicos que podem colaborar na pesquisa e no ensino de diferentes temas e temos as narrativas sobre práticas desenvolvidas em escolas e universidades que revelam possibilidades múltiplas de ações. Desejamos uma ótima leitura a todas/os e que ela inspire novas reflexões, novas pesquisas e novas práticas sociais! 9 TEXTOS 10 HISTÓRIA DAS MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL Ana Maria Lucia do Nascimento A História das Mulheres de Perrot a Priore A antiga forma de construir a historiografia, costumeiramente chamada de positivista, dava holofote a personagens, em geral, masculinos. Esses homens foram os heróis que se responsabilizaram por construir grandes sociedades, destruir inimigos e alavancar nações. São referências e, por isso, foram homenageados em monumentos. Pertencer a esta grande narrativa significava, e ainda significa, prestígio. Elizabeth Fox Genovese (1987) chama isto de “história de governantes e de batalhas”. Nessa construção da história não existia espaço para as mulheres, mas não só elas: “também não havia lugar para quem não ocupava cargos no Estado ou não dirigia guerras, não importando se fossem homens ou mulheres” (PEDRO, 2005, p. 80). Esses teóricos eram contrários à louca visão romântica. De fato, para os historiadores de “visão romântica”, a grande cisão da História acontece justamente a partir das críticas que a Escola dos Annales proporcionou nos anos 30. Entretanto, “o que interessa primordialmente a Marc Bloch e Lucien Febvre, e mais ainda a Ernest Labrousse e Fernand Braudel, seus sucessores, são os planos econômico e social” (PERROT, 1995, p. 15). De acordo com Perrot, só a partir dos anos 70, a terceira geração da revista se mostrou mais receptiva quanto à presença da dimensão sexuada no interior da evolução histórico-temporal, ainda que espontaneamente não demonstre tal interesse. Diante dessas duas maneiras clássicas de ver e produzir a historiografia, Chartier levanta a questão da crise na História. A “crise da história” seria o resultado da quebra com as tradições “historicistas” e “positivistas”, que acreditava ser uma ciência imparcial e objetiva, sendo gerada por um choque epistemológico. Para além das questões de novos conceitos, o autor também estabelece as bases da História cultural, essa, todavia seria uma ferramenta de análise da realidade social, ou seja, de uma realidade que é dada a ler. A partir de então, a História se constitui mais uma vez como um discurso que produz enunciados científicos (CHARTIER, 2009, p. 16). Desde essa renovação, novos sujeitos, temas e conceitos foram inseridos. Para Pesavento, o termo História Cultural é também chamado de Nova História Cultural, justamente, por pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo. Com isso o que era antes visto como cultura, ou seja, criações ligadas apenas a elite, ou para a 11 elite, ou como fruto dela, agora assume outro espírito que, através dessas reformulações, quebraram com alguns dos paradigmas já pré-estabelecidos. A autora em sua análise estabelece que a antropologia cultural foi importante para o debate sobre a dimensão simbólica e para a análise das dimensões sociais (PESAVENTO, 2012, p. 30). Acrescenta-se ainda a preocupação com o estabelecimento de conceitos que até anteriormente não eram levados em consideração como o de representação, somados aos conceitos de poder simbólico, imaginário, mentalidade, narrativa, ficção e sensibilidade, consolidando a proposta central desta nova vertente (PESAVENTO, 2012, p. 45). Para os historiadores que se dispuseram a introduzir novos sujeitos como construtores da história, seguindo a tradição da historiografia dos Annales, formaram uma gama de estudos que, concentrados na Europa, tinham como objetivo estudar as massas operárias e sua forma de trabalho. Thompson (2001, p. 20), aponta como esse “campo”, qual seja, a História vista de baixo, surge na Inglaterra com o intuito de construir uma base de informações acerca da história dos sindicatos, dos operários e do trabalho. Para Perrot (1995, p.16), mulheres como Simone de Beauvoir juntamente com Andrée Michel e Christine Delphy, foram as pioneiras na discussão sobre o feminino dentro da classe operária. A própria pesquisadora francesa Michelle Perrot é um dos expoentes da História das mulheres na Europa. Em muitos dos seus escritos Michele aborda o porquê se escrever uma história que insira o feminino. Percebemos também como o corpo, a alma, a religião, a cultura e o acesso ao saber são pontos de análise da autora. Para ela, existia uma forte lacuna no que tange ao trabalho feminino tanto no campo, quanto na cidade. Além das várias categorias que essas personagens comuns preenchiam (PERROT, 2007, p. 20). Ao partir das questões das ausências, ela salienta que a história era excludente, como se existisse uma linha oficial onde elas não se encaixavam. Acerca do fator da exclusão, a autora norte americana Gerda Lerner (2019, p. 28), aponta que existiu dois polos na construção historiográfica: história versus História - “história”, o passado registrado com a inicial minúscula e “História” o passado registrado com inicial maiúscula. A diferença pode ser enfatizada da seguinte forma, para a “História”, até o passado mais recente, os historiadores eram homens, e o que registraram era o que o homem havia feito, vivenciado e considerado significativo. Chamaram de História e consideraram universal. Cabendo aos referentes femininos continuarem dentro da “história”, mesmo sendo peças centrais, e não marginais, para a criação da sociedade e a construção da civilização. Porém, embora as mulheres tenham sido subjugadas, é um erro básico tentar conceituar as mulheres essencialmente como vítimas. Agir de tal forma, impede-nos de perceber como os referentes femininos são peças essenciais e centrais para criar e manter a sociedade. De fato, através delas surgem as 12 novas pautas que as inserem como objetos de estudos. Para Joana Maria Pedro (2005, p. 80) o que influenciou a mudança de perspectiva dos pesquisadores foi o movimento feminista que, na sua primeira onda lutava a favor de direitos civis femininos, e na segunda onda, pela liberdade em geral, inclusive do corpo e do ato de gerar. Para as pesquisadoras feministas deveria existir um grupo que mostrasse a existência feminina, uma categoria que percebesse a multiplicidade do delas. Assim, dentro dos padrões de pesquisas, o termo de análise do objeto passou a ser intitulado de “mulheres”, no fim das contas. E mais para frente de “gênero”. Vale salientar que algumas características ligadas ao processo de pesquisa também adquirem fôlego nessa época. Para Pinsky (2009, p. 164), a História das Mulheres adquiriu expressão a partir da década de 1970, “dá-se ênfase em temas como família, sexualidade, representações, cotidiano, grupos “excluídos”. Seu sucesso atrelou-se aos avanços da Nouvelle Histoire, Social History, Cultural History e dos Estudos de População. A autora aponta ainda que a produção historiográfica passível da História das Mulheres é bastante diversificada em termos de assuntos e métodos. De acordo com Perrot, após essa ruptura, muitas historiadoras afastaram-se de uma história regida por um sentido, militante, movendo-se em busca da idade do ouro e de ancestrais heroicos - Matriarcado, Amazonas (PERROT, 1995, p.22). Um dos primeiros passos tomados pelos historiadores, de acordo com Pinsky (2009, p. 170), foi voltar aos métodos antigos e escrever biografias de mulheres e as evidências da participação feminina nos acontecimentos históricos e na vida pública. Assim: “Nas pesquisas sobre “pessoas comuns”, as mulheres também foram contempladas em “biografias coletivas” de diversos grupos sociais” (TILLY, 1990, p. 40). Certos trabalhos apresentaram as mulheres atuando na história da mesma forma que os homens. Enquanto outros separavam a história produzida pelas mulheres e pelos homens. Mais uma vez vê-se o isolamento da “cultura das mulheres”, conforme Lerner apontou, como se elas não fizessem parte da História geral e oficial. Após mais de cinquenta anos, consolidou-se um campo de pesquisas que evoluiu nos seus objetos, seus métodos e pontos de vista. Tratava-se inicialmente de tornar visível o que estava escondido, de reencontrar traços e de se questionar sobre as razões do silêncio que envolvia as mulheres enquanto sujeitos da história. Isso conduziu a uma reflexão em torno da história enquanto produto da dominação masculina, a qual atuava em dois níveis: nível dos próprios acontecimentos e nível da elaboração deles empreendida pelo relato (PERROT, 1994, p. 19). Ademais, com o crescimento do campo, as pesquisas sobre o feminino na história tomaram como objeto de análise as prostitutas, as domésticas, as operárias, as mulheres agredidas, as vítimas e, sobretudo, a expressão da 13 condição feminina. Na investigação de Perrot, emerge como central a questão do corpo das mulheres, suas funções, sua apropriação, sua representação. Essas perspectivas de inserção do feminino influenciou as várias pesquisas no Brasil. Mas essa porta nos foi aberta por volta dos anos de 1970. Ao apontar como os teóricos europeus inspirou os brasileiros, a escritora Heloisa Buarque de Hollanda (1994, p. 10), aponta que a partir da década de 70 o feminismo como ideologia política surge como novidade no campo acadêmico, e se impõe como uma tendência teórica inovadora e de forte potencial crítico e político. No Brasil muitas foram as historiadoras que se dedicaram a esse campo, aponta Mary Del Priore que deu voz as resistências femininas. Para a autora era importante conduzir uma produção que falasse mais do que apenas das misérias da vida feminina, pois era importante dar holofote aos poderes e estratégias de resistência que elas articulavam, para burlar o poder masculino e a imposta subordinação (PRIORE, 1994, p. 34). Assim, com os escritos de Del Priore, observa-se que as primeiras produções ficaram muito centradas no período colonial, fazendo uso de relatos de viajantes, processos civis e iconografia como fonte (SILVA, 2008, p. 227). No entanto, mesmo diante dos avanços, é importante perceber os espaços nos quais das mulheres pouco se fala. Faço menção ao espaço escolar, onde os materiais muitas vezes atrasados, acabam perpetuando uma visão de história na qual elas não são sujeitos ativos em sua construção. Por vezes é comum perceber um abismo entre os novos frutos dos trabalhos historiográficos acadêmicos e os escolares. Essa grande distância nos chama a atenção e nos leva a refletir sobre os motivos que cercam essa questão. As Mulheres no Ensino de História Mesmo diante da inserção de novas temáticas no meio acadêmico, nota-se como o feminino na educação e no Ensino de História pouca evolução teve. Ao recordar a raiz da ausência de referentes femininos somos levados a pensar na forma como a educação das mulheres foi moldada. Aqui no Brasil, o sistema educacional tornou-se mais uma expressão das dessemelhanças entre homens e mulheres. De acordo com Hahner, percebemos como a educação para as meninas permanecia atrasada em relação à dos meninos. O processo educacional foi tão difícil para elas, que quando permitido “não devia ir além dos livros de orações, porque seria inútil à mulher, nem deveriam, elas, escrever, pois como foi justamente observado, poderiam fazer mau uso desta arte” (HAHNER, 1980, p.56). O pontapé de mudança é apontado por Rosemberg como o um longo processo para a permissão legal do acesso geral e irrestrito das brasileiras à educação escolar. Vemos, por exemplo, que apenas em 1827 foi autorizada a Lei Geral do ensino de 5 de outubro, mas era restrita apenas às escolas femininas de primeiras letras. Dessa forma, a educação para as mulheres só conseguiu romper as últimas barreiras legais em 1971 com a Lei de Diretrizes e Bases da 14 Educação (LDB) que atribuiu equivalência entre os cursos secundários (ROSEMBERG, 2016, p. 334). Entretanto, o debate estabelecido por Hahner nos anos de 1980 acerca do processo educacional e de como essas mulheres recebiam uma instrução diferente, só se ampliou com o passar do tempo. Por mais que aos poucos o direito civil ao estudo e formação profissional feminina fosse ampliado, não se pode deixar de pontuar como o Ensino de História permaneceu por longos anos atrasados em suas temáticas de ensino. Por outro lado, é importante perceber que essa é uma discussão levantada até os dias de hoje, pois pouca melhora aconteceu. As últimas publicações acerca do feminino no Ensino de História nos mostram como a partir de 2015 houve um intenso interesse em elucidar essas questões. Para Souza, há uma grande relação de aprisionamento do feminino que tem sido remodelada no século XXI. Notamos que essas mudanças, de acordo com a autora, incomodam grupos políticos da sociedade que ao não concordam com o estudo de gênero nas escolas, lutam contra a reformulação dos materiais didáticos (SOUZA, 2020, p. 20). Por outro lado, fazendo uso de uma metodologia muito comum no campo do ensino, ela analisa doze livros didáticos de História que foram escritos em função das orientações da BNCC, na busca de estudar como os materiais abordavam a História das Mulheres e as questões de gênero. Com base nisso, foi constatado que as mulheres e suas histórias ainda são marginalizadas nos livros, todavia, algumas obras apresentam informações que possibilitam aos educandos refletirem sobre como o gênero é atravessado pelas questões de classe e étnico-raciais, e como os desígnios de gênero podem mudar de uma sociedade para a outra. Ademias, nos debates acerca das ausências de sujeitos históricos, algumas se indagam sobre o que ocasiona o efeito “falta de comunicação” na História, ou seja, por que os avanços no campo da História, por exemplo, não refletem nos materiais didáticos que essas mulheres têm acesso nas escolas? Se as pesquisas estão sendo produzidas, onde está a falha? Duas questões foram elencadas para responder a essa problemática. Ferreira (2006, p. 100) aponta como a história das mulheres fica à mercê da mediação que o livro didático faz entre o conhecimento produzido dentro das universidades e o saber escolar. Para a autora, é notável que muito pouco do que foi produzido pelos historiadores a respeito das mulheres no ensino de história, foi incluído nos textos didáticos, logo, fica evidente as incongruências entre as demandas sociais de representação de personagens para o estímulo de uma cidadania ativa, pois nessa relação os referentes femininos não aparecem devidamente a disposição dos alunos. Além das questões que cercam o debate acerca da falha da mediação que o livro didático faz com o conhecimento produzido, outros autores discutem ainda 15 as questões de identidade que cercam os professores. Para Viana, no processo de escrita dos historiadores acerca da inserção de novos sujeitos no ensino de história, deve-se pensar a respeito da prática da escrita sendo conduzida pelas novas condições de produção, elencando também a necessidade de repensar durante essa ação o “novo perfil do professor” na pós-modernidade (VIANA, 2017, p. 19-20). Para a autora quando bem analisado o espaço acadêmico contribui de forma efetiva para a formação do professor de história e consequentemente para a formação da identidade do pesquisador. Soma-se a isso o fato de que enquanto sujeito pesquisador fruto do seu tempo e, consequentemente, a mercê das mudanças da identidade cultural na pós-modernidade, o docente recai dentro de uma dualidade ao perceber que a sua identidade não é fixa e sim plural. Para Pacheco (2020, p. 222-223) o debate sobre identidades pode direcionar as respostas acerca da ausência do feminino em sala de aula. O autor percebe que a discussão que cerca o tema da formação das identidades dentro do espaço temporal em que os nossos alunos estão, onde os debates sobre o feminino se encontram tão presente, é de suma importância para entender não só como esse discente pode vir a construir sua identidade nesse meio social, como também, salienta a perspectiva de uma “crise identitária” nos docentes. Assim, ao debater os princípios que contribuem para formar as identidades sociais e, particularmente, a identidade do indivíduo através da subjetividade que ele incorpora da sociedade em que vive, ele nos leva a pensar sobre as práticas sociais de um grupo e a incorporação de hábitos que contribuem para a formação da sua própria identidade. Portanto, o historiador se mantém como sujeito que forma e difunde a memória. Cabendo ainda ao mesmo a capacidade de denunciar o que o autor intitula de “historicidade das identidades sociais”, ou melhor, trazer luz os elementos simbólicos constitutivos de cada identidade social e de como eles são construções históricas carregadas de interesses e compromissos de poder (PACHECO, 2020, p. 225). E, enquanto cumpre esse papel, passa a conceber a sua própria memória individual. A respeito da memória individual, a entendemos da seguinte forma: “Na experiência vivida, a memória individual é formada pela coexistência, tensional e nem sempre pacífica, de várias memórias (pessoais, familiares, grupais, regionais, nacionais etc.) em permanente construção, devido à incessante mudança do presente em passado e às alterações ocorridas no campo das re-presentações (ou re-presentificações) do pretérito (CATROGA, 2015, 43).” Para Catroga é importante perceber que as memórias individuais, fator importante no processo da construção da subjetividade do indivíduo, se forma a partir de uma coexistência com grupos sociais e da escolha daquilo que se sobrepõe ao passado. Podemos perceber também como “a consciência do eu 16 se matura em correlação com camadas memoriais adquiridas, tem de se ter presente que estas, para além das de origem pessoal, só se formam a partir de narrações contadas por outros, ou lidas e vistas em outros: o que prova que a memória é um processo relacional e intersubjetivo.” (CATROGA, 2015, 113). Nota-se que no processo de formação da constituição das memórias e identidades do historiador, por exemplo, há uma seleção do que será ou não esquecido. Dessa forma, o historiador se encontra nesse fogo cruzado, afinal de contas, ele é o formulador de pesquisas históricas responsáveis por contribuir para a formação da memória e identidade coletiva das pessoas, mas se encontra também formando a sua própria identidade e memória. E aqui entra uma das questões importantes discutidas anteriormente: o historiador diante da formação da sua própria identidade individual entra numa grande polarização, o historiador professor versus o historiador pesquisador. Logo, uma das respostas para o questionamento do porquê pesquisas do campo histórico não estão sendo discutidas em sala de aula, pode ser respondida da seguinte forma: há a possibilidade de o professor não ter uma identidade individual que se importe com uma prática pedagógica que propague pesquisas, como as sobre o feminino, por exemplo. Assim, percebe- se que a lacuna do feminino no ensino pode ser apontada fazendo menção a falta de denúncia do professor, ou da inexistência de diálogo com as pesquisas estabelecidas dentro do campo historiográfico. Referência biográfica Ana Maria Lucia do Nascimento: Mestranda em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Formada em História pela universidade de Pernambuco (UPE). Pesquisadora da FACEPE. Pesquisadora do grupo de pesquisa Leitorado Antigo da Universidade de Pernambuco. Trabalho financiado pela FACEPE. Contato: anamarialuciadonascimento@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8045117367096627 Referências bibliográficas CATROGA, Fernando. Memória, História e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2015. CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. FOX-GENOVESE, Elizabeth. Cultura e consciência na história intelectual das mulheres européias. The journal of Women in culture and society, v.12, n.31, Printed by the University of Chicago, p.529-547, 1987. HAHNER, E. J. A mulher no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. mailto:anamarialuciadonascimento@gmail.com https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?f_cod=20655BEF7E3B27DF8C65D9C7AC380644 17 HOLLANDA, H. H. O. B. Feminismo em tempos pós-modernos. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 7-19 LERNER, Gerda. 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Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Rural de Pernambuco, Programa de pós-graduação em História, Pernambuco, 2017. 19 REFLEXÕES E ESTRATÉGIAS PARA UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA: A PERSPECTIVA INTERSECCIONAL EM ENSINANDO A TRANSGREDIR, DE BELL HOOKS Ana Paula Oliveira Lima Introdução Ao longo das últimas décadas, o debate sobre educação e liberdade tem apresentado cada vez mais ideias e práticas originárias do Sul Global. As intelectuais negras se destacam na reivindicação de uma educação não opressora que desafie, em conjunto, cada fundamento de desigualdade presente nas respectivas sociedades em que estão inseridas. Nesse sentido, esta análise centra-se na discussão de reflexões e estratégias para uma prática pedagógica crítica a partir de bell hooks e dos fundamentos elencados na obra Ensinando a Transgredir: a educação como prática da liberdade, difundido ao público pela primeira vez em 1994 (no Brasil, quase duas décadas depois, em 2013, com a publicação pela Editora WMF). A literatura de hooks sobre hierarquias de gênero, como a de perspectiva pedagógica, conclama ao engajamento e à criticidade na interpretação de incidências estruturais nas relações humanas. Ao longo dos escritos, é possível capturar a transversalidade que atravessa as análises. Os eixos de subordinação são dinâmicos e não atuam isoladamente. Assim, sobrelevar classe em detrimento de outros construtos históricos como raça e gênero não implica em saída capaz de solucionar a longa exclusão de direitos sociais, políticos e civis que atinge, em graus distintos, a população negra, cuja vivência de desigualdade não pode ser resumida a um fator supra, independente, e outros secundários, acessórios. Ter tal perspectiva como ponto de partida é importante para fundamentar práticas que assegurem, como espelha Célia Xakriabá, “uma educação do jeito que a gente quer, sem matar o que a gente é” (XAKRIABÁ, 2018, p. 196). A retomada do território escola/academia deve ser proteção que assegure o bem estar como possibilidade. Interseccionalidade e feminismos negros: radicalizando o debate sobre educação É necessária a “coragem de transgredir as fronteiras que fecham cada aluno numa abordagem do aprendizado como uma rotina de linha de produção” (HOOKS, 2013, p. 25). O ato educativo se contrapõe absolutamente aos ditames da subordinação capitalista, que inclui desumanização pela alienação. 20 Desta feita, uma das principais acusações à ferramenta interseccional reelaborada pelos feminismos negros – a de que não apresentaria validade por diluir classe social em raça, como querem fazer crer algumas leituras de viés marxista – não se sustenta, de modo que, não excluindo o pensamento de classe social ou reiterando estruturas de dominação, se introduz no panorama dos estudos sobre povos subalternizados uma leitura de “instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado” (AKOTIRENE, 2019, p. 14). Embora haja diversas críticas ao conceito de interseccionalidade e também um esvaziamento significativo quanto ao seu teor político, é importante demarcar que isso não faz com que ele seja ineficiente em diagnosticar aquilo a que se propõe. Como hooks (2013) observa, professores/as parecem “fascinados pelo exercício do poder e da autoridade dentro do seu reininho – a sala de aula. [...] Uma coisa que me decepcionou muito foi conhecer professores brancos, homens, que afirmavam seguir o modelo de [Paulo] Freire ao mesmo tempo em que suas práticas pedagógicas estavam afundadas nas estruturas de dominação, espelhando os estilos dos professores conservadores embora os temas fossem abordados de um ponto de vista mais progressista” (HOOKS, 2013, p. 30-31). Uma pedagogia que faça sentido traz bem estar a todos os agentes do processo educativo, mas confere algumas exigências. Como seres humanos em integralidade, isto é, dotados de corpo, mente e espírito, estudantes requerem cada vez mais serem reconhecidas/os dessa forma, o que leva a uma tensão, como acredita a filósofa e educadora, entre elas/es e as/os professoras/es. Isso ocorreria porque, além de poucos/as docentes buscarem se autoatualizar, receiam perder a autoridade na classe ou entre os pares caso se relacionem de forma horizontal e afetuosa com os/as discentes. Para Vera Candau (2008), a “consciência do caráter homogeneizador e monocultural da escola é cada vez mais forte, assim como a consciência da necessidade de romper com esta e construir práticas educativas em que a questão da diferença e do multiculturalismo se façam cada vez mais presentes” (CANDAU, 2008, p. 15). A educação se insere, dessa maneira, em um contexto sociocultural mais amplo, por isso, dado o cruzamento de culturas possível nas instituições, os ambientes de escolarização também se configuram como uma arena de conflitos. Para efetivar a educação como prática de liberdade, pensada a partir da pedagogia engajada, bell hooks (2013) sugere a aproximação por meio da partilha, já que “quando os professores levam narrativas de sua própria experiência para a discussão em sala de aula, elimina-se a possibilidade de atuarem como inquisidores oniscientes e silenciosos” (HOOKS, 2013, p. 35). Assim, a medida que discentes se sentem encorajados e fortalecidos, docentes, por sua vez, melhor se capacitam e fortalecem ao passo que promovem o entusiasmo como instrumento pedagógico. 21 Sabe-se que “é profundo o medo de que qualquer descentralização das civilizações ocidentais, do cânone do homem branco, seja na realidade um ato de genocídio cultural” (HOOKS, 2013, p. 49), quando, porém, se observa outra operação: “a existência de um dispositivo de racialidade/biopoder operando na sociedade brasileira, que, articulando múltiplos elementos, dentre eles o epistemicídio, configura a racialidade como um domínio que produz saberes, poderes e subjetividades com repercussões sobre a educação” (CARNEIRO, 2005, p. 11). É fundamental compreender essa perversa articulação entre dispositivos que se desdobra em silenciamento e políticas de morte porque, no respeito às identidades de resistência, é possível estabelecer uma mediação crítica que ofereça reorientação quanto a práticas aparentemente transgressoras, mas que, no fundo, apenas simulam mudança. As ideologias hegemônicas, tidas como naturais, normais e inevitáveis, servem somente ao controle social, sobretudo de mulheres negras e racializadas, como defende Collins (2019). Em compreensão semelhante a Ailton Krenak (2019), hooks (2013) enfatiza a urgência de construir uma sociedade fundamentada na solidariedade entre pessoas, onde seres humanos tenham mais valor do que os bens impostos pelas necessidades capitalistas. No sistema predatório do capital, a desinformação cumpre o papel de diminuir nossa capacidade de intervenção na realidade injusta. Nesse quadro, os movimentos sociais se insurgem como importantes atores (re)educadores. A vontade política em reeducar a sociedade brasileira foi tarefa assumida pelo movimento negro, conquanto lidemos, conforme problematiza Nilma Gomes (2017), com uma “construção de ausências” relativa à essa atuação organizativa. A desinformação, sendo parte constitutiva da cultura de dominação, revela, na arena dos antagonismos sociais, que, mais do que vencer a apologia à desinformação, nas escolas, a luta inclui oposição a desmontes, precarização salarial, cortes orçamentários, perseguição a professores com base em mecanismos ilegais e escusos, além de carga horária excessiva e adoecedora. E para ressignificar uma academia “moribunda e corrupta”, nos dizeres de hooks (2013), se requer a união de múltiplas forças pela onipresença do conservadorismo e a retomada intensificada de concepções violentas ligadas à xenofobia, ao isolacionismo e ao nacionalismo cingido. Transformar “o como” e “o que ensinar” corrobora à consolidação de uma prática de interculturalidade (CANDAU, 2008, p. 22) na qual pode-se materializar uma democracia radicalizada, uma sociedade justa fundada na emancipação, solidariedade, pluralidade e desierarquização (CARNEIRO, 2005; HOOKS, 2019; COLLINS, 2019). A implementação de estratégias modificadoras da realidade social envolve conhecimento e preparo disponíveis através de atividades formativas, pois 22 esses momentos permitem que “professores tenham a oportunidade de expressar seus temores e ao mesmo tempo aprender a criar estratégias para abordar a sala de aula e o currículo multiculturais” (HOOKS, 2013, p. 52). Nesse sentido, como ensinam os feminismos negros, a consciência crítica pode ser estimulada a qualquer tempo. Desafios e possibilidades para uma prática de ensino-aprendizagem anticolonialista: interlocuções entre pedagogias Comprometer-se com uma prática de ensino-aprendizagem anticolonial é premissa para o que hooks denominou pedagogia revolucionária de resistência. Um dos relatos mais exemplares da ausência como um paradigma e dos desafios que atravessam a sala de aula feminista em Ensinando a Transgredir é a constatação, pela autora, de que, ao contestar as turmas sobre as referências delas sobre autorias negras, os nomes que ecoam são masculinos e, se acaso se lembram das obras de mulheres negras, conhecem, em geral, apenas a escrita literária ou ficcional delas. Enquanto concebermos a ideia de comunidade negra unicentrada na figura masculina e de mulheres unificada em mulheres brancas, o sexismo e o sexismo institucional, o racismo e o racismo institucional, respectivamente, prevalecem. Um dos ensinamentos mais significativos de Paulo Freire, cuja defesa é expressa também no conjunto de textos de bell hooks, é o de que não devemos entrar nas batalhas como objetos esperando tornarmo-nos sujeitos só depois. Este é um ponto em que pedagogias convergem: efetivando uma “confrontação construtiva”, haverá lugar para o entusiasmo e a realização pessoal em aprender, ouvir, falar, um ambiente no qual professores/as verdadeiramente ensinem e discentes se interessem em aprender, cada qual reconhecendo sua função e exercendo suas capacidades para fazer o processo ocorrer. As investigações cujo seio é a pedagogia feminista podem auxiliar a transformar as aulas nessa comunidade de aprendizado. Entender as lutas de libertação como um fenômeno global (FREIRE, 2018; DAVIS, 2018) suscita o debate sobre ética e autonomia. Em bell hooks, práxis é ação e reflexão. Uma aplicação interessante desse axioma ocorre quando a própria hooks acentua ao também educador e filósofo Paulo Freire sobre o fato de as obras com as quais tivera contato deixarem entrever certo sexismo – ao não distinguir a materialidade das opressões segundo o sexo (ao menos as primeiras obras que ele havia escrito). Acerca de tal observação, acrescento: faz-se notar, ainda, que na coletânea também não há reflexões contundentes sobre a questão racial, ainda que o autor esteja inserido em um país de maioria sociorracial negra, o Brasil. As divergências, longe de apagarem as possibilidades contributivas de um pensamento, são, em si mesmas, aprendizado em transformação. É Freire (1987) quem diz: 23 “Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos [...]. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental, é que esta [...] esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis. O diálogo crítico e libertador [...] tem de ser feito com os oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja a luta por sua libertação. [...] O que pode e deve variar [...] é o conteúdo do diálogo. Substituí-lo pelo antidiálogo, pela sloganização, pela verticalidade, pelos comunicados, é pretender a libertarão dos oprimidos com instrumentos da “domesticação”. Pretender a libertação deles sem a sua reflexão [...] é transformá-los em objeto [...] e em massa de manobra” (FREIRE, 1987, p. 33). Só um “sério empenho de reflexão” fornece a criticidade e horizontalidade essenciais para que nenhum discurso salvacionista interfira na construção de práticas subversivas para o livre viver. A teoria descontrói a conformidade de uma sociedade aparentemente homogênea. Se a teoria se enreda em sacudir o jugo opressivo, não admite a pretensão do saber absoluto; teorias reacionárias, narcisistas e complacentes, que apenas solidificam o elitismo classista (HOOKS, 2013) retiram a autonomia dos sujeitos revolucionários, capazes de autonomia e planos de ação coletiva. Tornar a teoria um lugar de resfôlego é lembrar a humanidade inerente a cada ser diante das inúmeras adversidades que interceptam as vidas de povos subalternizados. Tal compromisso é ético. Conforme enaltece István Mészáros (2006) educadores precisam entender amplamente as teias que cercam a educação para, com isso, conquistarem a mudança essencial, ou seja, radical, da arena social. Em uma comunidade de aprendizado, “Quando nossa experiência vivida da teorização está fundamentalmente ligada a processos de autorrecuperação, de libertação coletiva, não existe brecha entre a teoria e a prática. Com efeito, o que essa experiência mais evidencia é o elo entre as duas – um processo que, em última análise, é recíproco, onde uma capacita a outra” (HOOKS, 2013, p. 85-86). Ainda que rejeitar a educação bancária seja uma dificuldade para professores por muitos motivos, a luta com enraizamento teórico informa, molda e possibilita a prática (HOOKS, 2013) de problematizar classe, regime de autorização discursiva e imposição do silenciamento. “Quem fala? Quem ouve? E por quê?” (HOOKS, 2013, p. 57). Os mecanismos referidos se manifestam sob falsa naturalidade nos ambientes de educação, onde as vozes mais facilmente ouvidas são as mesmas legitimadas no transcurso histórico, isto é, a de homens brancos heterossexuais. É importante evidenciar que, na interação, de acordo com bell hooks (2013), professores devem dimensionar o significado da fala de cada discente para que alguns não incorram no erro de pressupor que tenham uma experiência mais 24 válida que os demais ou que aquilo que tenham para dizer deva ser o centro das atenções. Segundo sintetiza Lourenço Cardoso (2014), “no conflito racial, o branco, no primeiro momento, possui a força para construir-SE e construir o OUTRO. Ele como superior; o Outro como inferior. Ele como ser desejável; o Outro como ser repulsivo” (CARDOSO, 2014, p. 82, grifo do autor), e assim, educadores brancos devem estudar e ensinar sobre branquitude para entender as questões que a cercam e saberem se autocriticar, além de criar formas autênticas e seguras de se expressar para o corpo estudantil. No entanto, reações ao modo de conduzir a aula podem vir sob forma de críticas. Se a resposta for essa, agir respeitosamente e ponderar sobre como se sente a turma ou as conclusões que obtiveram sobre as discussões é uma opção, de acordo, certamente, com aquilo que se questiona, pois “a combinação do analítico com o experimental constitui um modo de conhecimento mais rico” (HOOKS, 2013, p. 121). Ao se deparar com a noção de autoridade da experiência conferida pelas pesquisas na área do feminismo, a filósofa explica que há um conhecimento particular advindo do sofrimento. Manifesto no corpo, ele habilita a experiência que permite acessar o conhecimento. No entanto, no caso de a experiência pessoal ser um peso e mais atrapalhar do que auxiliar a acessar diversos pontos de vista, ela deve ser posta de lado. Essas ocasiões, quer aconteçam na escola ou outros lugares, imprimem uma ideia positiva aos desafios tido como intransponíveis com os quais nos deparamos e decidimos não resolver. Aventar a hipótese de serem raça, gênero e classe marcadores importantes nas relações sociais implica em reposicionamentos importantes, porque é marcante nas sociedades o entendimento de que corpo e mente são instâncias apartadas. Afirmar o oposto disso representa um risco. A educadora estadunidense exemplifica o exposto ao apontar o tratamento desigual para com meninas e mulheres provindo de abusos de poder dispensados em coerção, punição e assédio verbal (e, acrescento, sexual), enquanto docentes, em maior medida, são tidos apenas como intelecto. A importância de romper tal tradição reside no que, ao perceber o/a professor/a como corpo e mente, entendemos seu efeito de responsabilidade sobre o desenvolvimento integral dos estudantes e a forma de perceber a realidade por eles/as (HOOKS, 2013, p. 183). Nesse sentido, o corpo, sobretudo o das mulheres, aparece associado ao legado da repressão. Importa assinalar que punitivismo e recompensa são faces do mesmo sistema burguês e autoritário que, infiltrado nos ambientes educacionais, insinua a miopia do não reconhecimento da presença e das potencialidades de cada pessoa, ferindo o valor do respeito, do “significado originário da palavra [respeito], ‘olham para’ uns aos outros” (HOOKS, 2013, p. 247). Uma das formas utilizadas para exercer controle e emanar obediência é a língua do opressor, aquela pela qual nos comunicamos e que não possui todas as palavras de que necessitamos (LORDE, 2019). Lancemo-nos, pois, na empreitada de combate ao silenciamento. Eros, como pulsão de vida, pode expandir nossa capacidade de autoatualização e inventividade na busca ou 25 renovação de práticas de liberdade que engendrem o fim da falsa dicotomia exterior/interior em relação à escola/academia. Considerações finais A educação constitui um campo cujas reflexões são inúmeras dado mesmo à necessidade que o avançar das décadas suscita. Ainda que os desafios que vivemos há quase três décadas não sejam exatamente idênticos aos que enfrentamos hoje, a necessidade de transformar a escola e os ambientes de educação em espaços de crítica, autocrítica, acolhimento e liberdade permanece. A interseccionalidade proposta e abrigada nas análises das feministas negras revela a operacionalidade de uma ferramenta que conecta eixos de opressão sem subordiná-los à hierarquia do mais importante. Aplicada ao contexto das relações educacionais, o resultado pode ser uma densa construção de ideias e problemas como observado em Ensinando a Transgredir. Ao apontar com acuidade as teias da internalização dos parâmetros do capital (MÉSZÁROS, 2006), a obra indica os abismos entre capitalismo e liberdade e discute estratégias para fazer com que o entusiasmo crítico e a práxis retornem à educação, que torna admissível a (falsa) dicotomia mundo exterior/mundo exterior. Quando insiste na viabilidade de estratégias como autoatualização docente, conjugação de diversas pedagogias – por meio da qual uma dialoga conscientemente com ao outra –, autocrítica e autonomia, a filósofa demonstra que, sem a (dádiva?) da onisciência, “Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser” (FREIRE, 2002, p. 15). Estar sendo é a condição para quem deseja não tornar a sala de aula um “local de asilo”, mas de crescimento e troca dialética (HOOKS, 2013, p. 222). Como a liberdade é uma luta constante (DAVIS, 2018), inspirar o conhecimento também é uma luta constante. Referências biográficas Ana Paula Oliveira Lima, mestranda em História na Universidade de Brasília (UnB). Referências bibliográficas CANDAU, Vera. “Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica”. In: MOREIRA, Antonio; CANDAU, Vera (Orgs.). MULTICULTURALISMO. Diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. CARDOSO, Lourenço. O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo sobre a branquitude no Brasil. 290 p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Araraquara, 2014. 26 CARNEIRO, Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 339 p. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2005. COLLINS, Patricia H. Pensamento feminista negro. Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Trad. Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo Editorial, 2019. DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. ____________. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ____________. Política e educação. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018. GOMES, Nilma L. 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Dissertação (Mestrado Profissional em Sustentabilidade Junto a Povos e Terras Tradicionais) – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2018. 27 ENSINO DE HISTÓRIA E HOMOSSEXUALIDADE: UMA EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO Antonio Xavier M. Neto e Jefferson G. Silva Espinoza Este estudo se propõe analisar o ensino de História tendo como objeto para nossa reflexão acerca da homossexualidade. A pertinência desse conteúdo para o ensino se verifica na necessidade de promoção da cidadania e da identidade homoafetiva e no que se refere as possibilidades do ensino, apresentar elementos para a constituição da historicidade da homossexualidade em sala de aula. Tendo em vista a conjuntura de crimes contra as minorias sexuais e a restrição da cidadania LGBTQIA+ no Brasil, além da necessidade de fazer das aulas de história um “local da aprendizagem de que as regras do espaço público democrático garantem a igualdade, do ponto de vista da cidadania, e ao mesmo tempo a diversidade, como direito” (BRASIL, 1998c, p. 69), apresentamos nas páginas que se seguem algumas considerações sobre a inclusão do tema transversal da diversidade sexual e de gênero nas aulas de história. Altmann (2013) destaca a importância da escola na construção de uma educação democrática. Para o autor: “a importância da escola diante destas questões está relacionada ao caráter democrático de tal instituição, tanto no que se refere à democratização do acesso e às condições de permanência, quanto às relações que ali se estabelecem. A escola é uma forma fundamental de promoção da igualdade de direitos. Para que cumpra esta função, o respeito à diversidade sexual é ali imprescindível, caso contrário, ela instaura práticas discriminatórias e heteronormativas que excluem ou invisibilizam diferenças.” (ALTMANN, 2013, p. 77). Apesar disso, o mais habitual é que os educadores considerem essa pauta muito específica e particular, excluindo-a da estrutura curricular da escola e invisibilizando as concepções de mundo e sofrimentos pelos quais passa o alunado LGBTQIA+. Mesmo quando o assunto acaba surgindo nas aulas, ele seria marcado pelos preconceitos e estereótipos típicos da LGBTfobia. Dessa forma, educadores se somariam a diversos outros sujeitos sociais na condição de responsáveis por fazer circular uma série de discursos, textos, modos de viver e pensar repletos de ideias e valores homofóbicos que sujeitam gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e transgêneros a uma condição de 28 vulnerabilidade social e de risco de violência. “Esse cenário de exclusão apela para que o tema da diversidade sexual e de gênero seja incluído no currículo de formação de novas professoras e professores para que possam futuramente desenvolver estratégias de resistência ao currículo heteronormativo. A omissão e o silenciamento significam pactuar com a violência exercida contra estudantes gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. A escola deve ser também um espaço de formação de cidadania e respeito aos direitos humanos, assim as (os) docentes devem ser encorajadas a assumir sua responsabilidade no combate a todas as formas de preconceitos e discriminação que permeiam o espaço escolar.” (DINIS, 2011, p. 48-49) É perceptível a ausência do tema da diversidade sexual e de gênero nas salas de aula. Pode-se verificar que os diversos livros didáticos de História elaborados, especificamente aqueles para os anos finais do ensino fundamental, os quais tratam sobre a temática Nazista, não contemplam o assunto de forma consistente, reservando uma ou duas linhas para expressarem frases como ''nos campos de concentração também tinham homossexuais''. Assim se encerra a presença dos LGBTQIA+ nos livros didáticos, após essa frase vem o ponto final, o qual não apenas reproduz um final para o conteúdo escrito, mas principalmente o sufocamento do reconhecimento e o melhor entendimento acerca dessas experiências, que são únicas a esses indivíduos prisioneiros do nazismo. Diversas pesquisas na área de História e Ensino enfatizam a necessidade de se pensar a escola como lugar de produção de saber histórico, pensando que o processo de ensino e aprendizagem se dá pela orientação do pensamento histórico em sentido restrito, e que tal sentido é fundamental na elaboração de narrativas originais pelos educandos e educadores. Em pesquisa de grande impacto realizada em parceira entre o Ministério da Educação (MEC), a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), constatou-se que a homofobia continua sendo um dos principais tipos de preconceito nas escolas. “Homossexuais, transexuais, transgêneros e travestis são indicados como pessoas que não se queria ter como colega de classe por 19,3% dos alunos, sendo os jovens do EM [Ensino Médio] os que mais rejeitam essas pessoas. Existem diferenças na predisposição com os colegas quando separamos os alunos por sexo. (...) Enquanto 31,3% dos rapazes dizem não querer ter como colegas de classe homossexuais, transexuais, transgêneros e travestis, baixa para 8% a proporção de meninas que assim se expressam” (ABRAMOVAY; CASTRO; WAISELFISZ, 2015, p. 94). Paulo Freire (2001), afirma que a escola não pode ser apenas um depositário de pessoas e conhecimentos empacotados. Nesta perspectiva acerca dos espaços de produção saber, relembraram as pesquisas que a escola deve ser 29 um espaço de reinvenção do conhecimento e não apenas o seu reprodutor. Como já indicado anteriormente, não faltam dados e justificativas que atestam a necessidade de que esse debate seja acolhido pelas escolas. É compreensível que muitos professores tenham receio em abordar esse conteúdo, seja por falta de preparação ou, principalmente, pelos desafios que um tema envolto por tantos preconceitos e tabus impõe. É preciso, assim, que, uma vez convencidos da importância da inclusão dessa discussão, os educadores tenham consciência de que não podem ser constrangidos por abordar esse tema, pois ele está previsto em diversas diretrizes e parâmetros curriculares. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos (BRASIL, 1998a) afirmam, em seu artigo 16, que "os componentes curriculares e as áreas de conhecimento devem articular em seus conteúdos (...) a abordagem de temas abrangentes e contemporâneos” – e lista sexualidade e gênero entre eles. Já as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 1998b), também em seu artigo 16, determinam que "o projeto político-pedagógico das unidades escolares que ofertam o Ensino Médio deve considerar: (...) XV – valorização e promoção dos direitos humanos mediante temas relativos a gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outros, bem como práticas que contribuam para a igualdade e para o enfrentamento de todas as formas de preconceito, discriminação e violência sob todas as formas”. Contudo, o que se observa é que mesmo com todo esse respaldo legal, muitos educadores preferem passar longe desse assunto, invisibilizando esses sujeitos, as opressões e a restrição de direitos de que são vítimas. Esse diagnóstico contribui na elaboração de argumentos que fundamentam o trabalho pedagógico com esse tema, com especial atenção ao aparato legal que o respalda, regulamenta e orienta. Para Silva & Vieira (2009, p. 190), em uma breve análise histórica sobre a homossexualidade, percebemos associações com as ideias de crime, pecado, patologia, ao contrário da heterossexualidade “apresentada como norma, como sendo a sexualidade inerente à menina e ao menino”. Nessa lógica, o ver e o dizer sobre as práticas homossexuais são constituídos historicamente a partir de mecanismos de força que organizam e delimitam conceitos e significados a partir de influências ideológicas, culturais, sociais, políticas e, da mesma forma, demarcando funções variadas de um mesmo conceito ou uma mesma prática. A temática acerca da diversidade sexual e de gênero, do combate à homofobia e da ampliação da cidadania LGBTQIA+ apresenta-se, como um relevante desafio para o ensino de história. Propor esse diálogo no espaço escolar, permite que se confronte o currículo da disciplina com narrativas históricas de grupos sociais até então invisibilizados. Acões nesse sentido são essênciais no desenvolvimento de experiências com vistas a “identificar e repensar tabus e preconceitos referentes à sexualidade, evitando comportamentos 30 discriminatórios e intolerantes e analisando criticamente os estereótipos” (BRASIL, 1998d, p. 311), tornando possível fazer da escola um ambiente verdadeiramente formador para a cidadania e a diversidade Nossas inquietações acerca da homossexualidade, entendida aqui como uma das expressões da sexualidade humana, partem das observações do cotidiano escolar que vivenciamos como docentes. Não é difícil perceber que a escola, lugar de entrecruzamentos da diversidade cultural, possui ainda muita dificuldade em trabalhar com a pluralidade, sobretudo em relação à temática de gênero e sexualidade. Como afirma Louro (2014): “Diferenças, distinções, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade, a escola produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela se incumbiu de separar sujeitos – tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também, internamente, os que estavam lá, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização. A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes. Ela também se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela imediatamente separou meninos de meninas”. (LOURO, 2014, p. 61). Os diversos problemas que encontramos em sociedade, e principalmente em sala de aula, para discutir o tema da diversidade de orientação sexual está justamente ligado na apreensão sobre funções e papéis sociais dos sexos individualmente, ou seja, na afirmação frequente da ideia de “linha de chegada”. Espera-se das mulheres que tenham determinadas ações e inclusive determinadas reações a situações do cotidiano, da mesma forma que espera- se dos homens um determinado tipo de conduta que, supostamente, seja condizente com o “ser homem”. Para Bourdieu (2002), essas relações sociais entre os gêneros são fruto de construções, e elas também demonstram a maneira pela qual nossa sociedade concebe os corpos femininos e os corpos masculinos. Sentar e cruzar as pernas não seria uma conduta masculina, ou sentar e abri-las não seria uma conduta feminina. Estas ações, aparentemente simples do cotidiano, estão permeadas por relações de poder que instituem nos corpos códigos de conduta que, somente a partir destes, aqueles corpos poderiam ser reconhecidos como sendo homem ou como sendo mulher em um padrão social inventado de normalidade e adequação. A homofobia é uma das violências mais recorrentes no espaço escolar, e não se constitui apenas de violência física ou mesmo explícita, muitas são veladas, através de pequenas formas de segregação e exclusão. A importância do debate sobre a Homossexualidade no ensino, se centra na constatação de que o não reconhecimento da possibilidade da diversidade de orientação sexual e afirmação perene da ideia de “linha de chegada” sobre os corpos e determinação desta “linha de chegada” dentro de pressupostos 31 heteronormativos, levou a sociedade ao que o antropólogo Luiz Mott chamou de Homocausto. A diversidade sexual e de gênero não costuma ser um tema comumente contemplado no ensino de história, tampouco é constituinte de conteúdos convencionais do currículo dessa disciplina. Essa ausência por si só já representa um obstáculo significativo, pois demanda uma grande mobilização por parte dos professores que se dispõe a trabalhar com o assunto. Essa constatação vai de encontro à hipótese de que os professores nunca agiriam sozinhos no processo de mediação didática, uma vez que haveria uma transposição externa realizada na noosfera (agências governamentais, autores de livros didáticos, formuladores de currículos) que necessariamente se anteciparia à transposição interna operada pelos professores em sua atividade docente. Como se observa, o trabalho com a diversidade sexual e de gênero demonstra a magnitude que a participação ativa dos professores nos processos de mediação didática pode alcançar. A metodologia proposta para integrar essa dimensão da realidade social aos currículos é justamente a dos temas transversais, definidos como questões sociais eleitas para o trabalho escolar por seu potencial pedagógico na construção da cidadania e da democracia e por envolverem diversos aspectos da vida social. Assim, os temas transversais teriam uma natureza distinta das áreas convencionais e disciplinares. Enquanto processos vividos intensamente pelos mais diversos grupos sociais e que integram múltiplas dimensões do cotidiano, esses temas atravessam as diversas áreas do conhecimento. Levando em conta essas características, é mais do que razoável considerar “a necessidade de que tais questões sejam trabalhadas de forma contínua, sistemática, abrangente e integrada e não como áreas ou disciplinas” (BRASIL, 1998d, p. 25-27). Portanto, conclui-se que um dos grandes desafios a se enfrentar é justamente a tentativa de encontrar interseções e relações possíveis entre a área de ensino de história e os estudos em torno do tema da transversalidade. A educação para a diversidade sexual e de gênero, embora respaldada por uma série de documentos da legislação educacional que regulamenta os mais diversos sistemas de ensino no país, continua sendo um campo pouco visitado nas escolas. Isso se deve não somente para a falta de formação dos professores em relação ao tema, mas principalmente à resistência social que essa questão ainda enfrenta. Acolher esse compromisso exige, ainda, do docente uma ampla preparação que envolve dominar a legislação acerca da temática, conhecer minimamente a bibliografia e as pesquisas sobre sexualidade humana, LGBTfobia e restrição de direitos da comunidade LGBTQIA+, além de muita sensibilidade na condução de atividades acerca de um assunto que envolve muitas polêmicas, tabus e resistências. 32 O silenciamento da estrutura currícular é um dos principais problemas que possuímos no repertório do drama que tem se caracterizado a vida de estudantes homossexuais em sala de aula. E a homofobia possui, nesse quadro, amplo campo de desenvolvimento, uma vez que necessita justamente do silêncio daqueles responsáveis pela organização escolar, silêncio que em muitos casos pode ser interpretado como conivência. Referências biográficas Antonio Xavier Miranda Neto, licenciado em História pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Jefferson Giovani Silva Espinoza, licenciado em História pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Referências bibliográficas ABRAMOVAY, M; CASTRO, M; WAISELFISZ, J. Juventudes na escola, sentidos e buscas: Por que frequentam? Brasília-DF: Flacso - Brasil, OEI, MEC, 2015. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer CEB n. 4/98. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Brasília, DF: MEC/CNE, 1998a. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Resolução CEB no 3/1998. Brasília, DF: MEC/CNE, 1998b. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais, Brasília: MEC/SEF, 1998c. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais, Brasília: MEC/SEF, 1998d. DINIS, Nilson Fernandes. Homofobia e educação: quando a omissão também é signo de violência. Educar em Revista (Impresso), v. 39, p. 39-50, 2011. FREIRE, P. Aprendendo com a própria história. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Paz e 33 Terra, 2001. LOURO Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma abordagem pós-estruturalista. 16. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. SILVA, Aline Ferraz da; VIEIRA, Jarbas Santos. Pelo sentido da vista: um olhar gay na escola. Currículo sem Fronteiras, v.9, n.2, pp. 185-200, Jul/Dez 2009. 34 ENSINO DE HISTÓRIA E DECOLONIALIDADE: CONTRIBUIÇÕES DA INTERCULTURALIDADE E DA INTERSECCIONALIDADE NOS ESTUDOS DE GÊNERO Caroline Machado Costa e Giovanna Santana Este trabalho apresenta as categorias de interculturalidade e interseccionalidade como possibilidades para pensar o ensino de História a partir de uma perspectiva decolonial. Dialoga com as produções de autoras e autores latino-americanos/as com o objetivo de entender a construção histórica das relações de poder, problematizando as diferenças culturais historicamente estabelecidas enquanto desigualdades sociais. Nesse aspecto, gênero, sexualidade, etnia/raça, classe social, religiosidade, entre outros, tornam-se elementos fundamentais para a compreensão da proposta decolonial na disputa pela narrativa histórica. Nesta comunicação com recorte nos estudos de gênero, trazemos as contribuições de pensadoras ativistas como María Lugones (2014), Catherine Walsh (2020), Vera Maria Candau (2017) com o propósito de sistematizar as discussões teórico-metodológicas das categorias supracitadas, assim como refletir sobre suas potencialidades para se pensar a disciplina de História vinculada à proposta decolonial. As categorias de interculturalidade e interseccionalidade são categorias estruturais mobilizadas pelo movimento feminista e pedagógico da decolonialidade que visam uma mudança da Colonialidade do poder, da natureza, do ser e do gênero. A decolonialidade podemos definir a como o amadurecimento do conceito de pensamento fronteiriço, inicialmente desenvolvido por Walter Mignolo (BALLESTRIN, 2013). Com essa definição, o filósofo argentino defende que o paradigma da modernidade e de racismos na produção de conhecimentos não pode ser ignorado ou subestimado. No caso dos/das latinoamerianos/as trata-se de pensar a condição dos povos e grupos subjugados no continente, sobretudo pelos projetos de explorações espanhóis e portugueses, a partir de um referencial teórico próprio, não construído por uma análise da modernidade explicitada somente por eventos endógenos à Europa. Assim, a decolonialidade se constituí a partir daradicalização do argumento pós-colonial, promovido pelos Estudos Subalternos Indianos e Latino-americanos. Vale acrescentar que nesse conjunto de pesquisas precedentes, o colonialismo e o nacionalismo, especialmente britânicos, foram assuntos chaves para o estudo dos processos de dominação europeia na sua articulação com as elites da Índia e do mundo “oriental” (MIRANDA, 2017). 35 A decolonialidade como proposta teórico-metodológica surge na década de 1990, com a reunião do Grupo Modernidade/Colonialidade em torno da tese, na qual a inserção da Abya Yala (o continente americano) no sistema-mundo demarca o início da modernidade capitalista, bem como inicia a construção da ideia de raça como elemento fundante da hierarquia no novo sistema econômico global. Em distinção ao colonialismo, como sistema de submissão econômica e cultural das colônias às metrópoles, a definição de colonialidade evidencia a continuidade de determinadas relações de poder oriundas do período colonial, mesmo após os movimentos de independência, mantendo-se como aspectos inerentes das opressões e violências vividas no tempo presente. É nesse contexto que María Lugones (2014) amplifica a noção de colonialidade do poder de Aníbal Quijano para refletir sobre o papel da colonialidade do gênero nos processos civilizatórios. A colonialidade do poder diz respeito à classificação das diferentes populações em raças, configurando a cisão colonizador/colonizado em um sistema de exploração mundialmente
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