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YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. A definição básica de seu livro é de que a cultura é hoje um recurso que gera e atrai investimentos, cuja distribuição e utilização, seja para o desenvolvimento econômico e turístico, seja para as indústrias culturais ou novas indústrias dependentes da propriedade intelectual, mostra-se como fonte inesgotável. “ A desmaterialização característica de várias fontes de crescimento econômico - por exemplo, os direitos de propriedade intelectual segundo a definição do GATT e da OMC – e a maior distribuição de bens simbólicos no comércio mundial (filmes, programas de televisão, música, turismo etc.) deram à esfera cultural um protagonismo maior que em qualquer outro momento da história da modernidade.” p. 25-26 A concepção de “cultura como recurso” é tomada pelo autor desde a absorção da ideologia e da sociedade disciplinar pela racionalidade econômica e ecológica, na contemporaneidade. Inserida no movimento global das indústrias culturais, que discursam pela preservação das tradições como forma de manter a biodiversidade, a cultura conteria e expressaria elementos importantes para os agenciamentos da sociedade civil, visando o desenvolvimento político e econômico. E trata-se, de pensar a cultura em um mundo lançado à crise. Movimentando-se analiticamente sobre manifestações exteriorizadas basicamente nas Américas, Yúdice lança um olhar panorâmico sobre os fluxos globais dos movimentos culturais originados nesses territórios, com foco aprofundado em alguns deles, para mostrar como a globalização problematizou o uso da cultura como um expediente nacional. Essa problematização, definida historicamente na imbricação da cultura com o desenvolvimento da tecnologia, a partir do século XVIII, assume atualmente uma legitimidade baseada na utilidade que, aos poucos, deslegitima a crença na liberdade artística. “ A globalização pluralizou os contatos entre os diversos povos e facilitou as migrações, problematizando assim o uso da cultura como um expediente nacional.” p.28 “ A arte se dobrou inteiramente a um conceito expandido de cultura que pode resolver problemas, inclusive o de criação de empregos. Seu objetivo é auxiliar na redução das despesas e, ao mesmo tempo, ajudar a manter o nível da intervenção estatal para estabilidade do capitalismo.” p. 28 Nesse movimento, informou-se uma economia cultural, em razão de um conjunto de ações e produções culturais alinhadas com o crescimento econômico, em uma economia política que se fundamenta no esforço coletivo que transforma atividades sociais em propriedades, sobretudo, intelectuais. A consolidação desse processo ocorreu entre as décadas de 1960 e 1990, acompanhando o advento da concepção de capital cultural – como complementação do desenvolvimento econômico – e a consequente proliferação das diversas organizações agenciadoras de cultura, fragmentadas em milhares de projetos que se tornaram concorrenciais e se submeteram a critérios de utilidade para acessar os investimentos sociais. “ A defesa da centralidade da cultura para a solução de problemas sociais não é novidade, mas ela tomou diferentes formas no passado, como a reprodução ideológica de cidadãos dignos (tanto burgueses quanto proletários ou nacionais).” p. 28 Desenvolvimento Cultural Suas análises dão mostras de como o desenvolvimento das políticas culturais ocorrem em estreita relação com os fluxos globais, ora reforçando e firmando territorialidades e reconhecimentos que se reforçam pelo sentimento generalizado de insegurança social, ora produzindo uma “ong-ização” das culturas locais. “A cultura material e expressiva é um recurso subvalorizado nos países em desenvolvimento. Ela pode gerar renda através do turismo, do artesanato, e outros empreendimentos culturais” (Banco Mundial, 1999a: 11) Ambas as expressões se projetam na passagem da insegurança civil para a insegurança social, e se exteriorizam como denúncias, mas se apresentam na forma de produtos culturais, gerenciados em múltiplas formatações mercantis: vídeos, filmes, CDs, camisetas, imãs de geladeira e outros produtos, que expõem representações dos riscos que afetam comunidades, mas também das ações culturais que autoafirmar um devir comunitário de conquista de cidadania. Economia Cultural [...] a noção de cultura sofreu várias mutações para satisfazer as exigências do resultado final. As tendências artísticas, como o multiculturalismo, que enfatizam a justiça social (talvez compreendida como uma representação visual equitativa nas esferas públicas) e as iniciativas para promover a utilidade sociopolítica e a econômica foram fundidas numa noção daquilo que eu denomino a “economia cultural" e aquilo que a retórica New Laborite de Blair intitulou “ economia criativa”. “ A cultura é cada vez mais invocada não somente como uma propulsora do desenvolvimento do capital; repetiu-se ad nauseum que a indústria visual só perde para a indústria aeroespacial nos Estados Unidos.” p.35 “Essa culturalização da economia não aconteceu naturalmente, é claro; ela foi cuidadosamente coordenada através de acordos comerciais e de propriedade intelectual, como o GATT e a OMC, de leis que controlam o movimento do trabalho mental e físico, por exemplo, leis de imigraçãp etc. Em outras palavras, a nova fase de crescimento econômico, a economia cultural, também é uma economia política.” p.35 Cidadania Cultural “Os direitos culturais incluem a liberdade de se engajar na atividade cultual, falar a língua de sua escolha, ensinar sua língua e cultura a seus filhos, identificar-se com as comunidades culturais que compreendem o patrimônio mundial, adquirir conhecimento dos direitos humanos,ter uma educação, não deixa de representar-se sem consentimento ou ter seu espaço utilizado para publicidade, e ganhar respaldo público para salvaguardar esses direitos” (Grupo Friburgo, 1996) “ [...] mesmo se os direitos culturais se referem a coletividades, os direitos individuais dos membros destas coletividades têm prioridade, pelo menos em tratados internacionais.” p.41 A conveniência cultural “Podemos encontra essa estratégia em muitos e diferentes setores da vida contemporânea: o uso da alta cultura para os objetivos do desenvolvimento urbano; a promoção da cultura negativas e patrimônios nacionais a serem consumido no turismo; lugares históricos que são transformados em parques temáticos do tipo Disney; a criação de indústrias de cultura transnacional como complemento para integração supranacional [...]” p.47 “Seria realmente cínico qualificar políticas de identidade como uma aberração quando a conveniência da cultura é uma característica óbvia da vida contemporânea.” p.47 Cultura e globalização “Os discursos sobre a globalização, todavia, têm precedentes menos otimistas. Não faz muito tempo que o alcance global econômico e interventivo dos Estados Unidos e da Europa Ocidental foram caracterizados como imperialismo cultural.” p.50 “O argumento do imperialismo cultural foi criticado por três razões principais. Em primeiro lugar, ele desconsiderou a subordinação das minorias internas que acontece dentro do nacionalismo de países em desenvolvimento, quando essas minorias questionam a agressão simbólica do poderio imperial. Em segundo lugar, as migrações e movimentos diaspóricos gerados por processos globais complicaram a unidade que se presumia existir na nação; o pertencimento pode ser infra ou supra nacional. Em terceiro lugar, e de forma conexa, a troca de idéias, informações, conhecimento e trabalho “multiplica o número de permutações e, durante o processo, cria novos estilos de vida, novas culturas”. p.51
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