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Pediatria Dor Abdominal Crônica DEFINIÇÃO: - Dor abdominal crônica (DAC): quadro de dor abdominal de longa duração (usualmente mais de três meses) com padrão contínuo ou intermitente. - Dor abdominal orgânica (DAO): quando associada a uma causa anatômica, inflamatória ou dano tecidual (10% dos casos). - Dor abdominal funcional (DAF): dor abdominal que ocorre na ausência de uma causa anatômica, infeciosa, inflamatória, neoplásica, metabólica ou bioquímica para a dor. dor abdominal crônica na pediatria - Prevalência 0,9 a 19% como queixa em atendimento ambulatorial. - Faixa etária de maior ocorrência: Picos aos: 4 a 6 anos, 7 a 12 anos. Raras antes de 2 anos. classificação (Critérios de roma iv) fisiopatologia · DOENÇAS ORGÂNICAS: - Várias causas orgânicas estão relacionadas à dor abdominal. - Em muitos casos, a fisiopatologia é relacionada a processos infecciosos, inflamatórios ou distensão/obstrução de vísceras ocas. - Doenças parasitárias e constipação também devem ser consideradas. · FISIOPATOLOGIA DA DOR ABDOMINAL FUNCIONAL: - Decorrente da hipersensibilidade visceral (diminuição do limiar da dor) e alodinia (percepção de dor por estímulo que normalmente não causa dor). - Alterações na motilidade do TGI por acometimento paroxístico do eixo SNC – tubo digestivo. - Fatores como: predisposição genética, estímulos neonatais dolorosos, disbiose, infecções gastrointestinais e transtornos psicológicos (ansiedade e depressão). - Reatividade intestinal anormal a estímulos fisiológicos (refeições, alterações hormonais, distensão de alças intestinais por líquidos, gases ou sólidos), estímulos não fisiológicos (processos inflamatórios gastrointestinais) e situações psicológicas estressantes. - Estímulos nociceptivos precoces no período neonatal – como estenose hipertrófica do piloro, sucção nasogástrica, alergia à proteína do leite de vaca e outros, como púrpura de Henoch-Schönlein, colite bacteriana e doença celíaca – tem sido associados ao desenvolvimento de hiperalgesia visceral. - O estresse psicológico é considerado um fator importante na gênese da DAF, situações adversas na família e na escola, hospitalizações e abuso sexual podem ser o gatilho para o seu desenvolvimento. Além disso, transtornos de ansiedade e depressão são mais comuns em crianças portadoras de DAF. abordagem clínica - Discriminar se esse sintoma ocorre de distúrbio gastrointestinal funcional ou se resulta de patologia orgânica. - Anamnese e exame físico detalhados, no sentido de investigar a presença de sinais e sintomas que possam apontar para uma possível causa orgânica para a dor. · ANAMNESE: - Idade do início da dor, localização, fatores de alívio e agravo, hábito intestinal detalhado, história alimentar e história familiar de doenças orgânicas e funcionais. - É importante investigar se há alteração nas atividades normais da criança como brincar e ir à escola, o perfil psicológico do paciente e a dinâmica familiar. - Deve-se caracterizar se existem ou não manifestações sistêmicas e comprometimento do estado geral da criança associados à queixa de dor. - Além disso, é importante a busca pelos sinais de alarme que sugerem dor abdominal orgânica. · EXAME FÍSICO: - Peso, estatura, velocidade de crescimento, estágio puberal. - Exame abdominal detalhado: localização da dor, massas, fígado, baço, loja renal. - Avaliação perianal e toque retal. diagnóstico da dac - 1º passo: afastar doença orgânica. · INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES: - Sintomas gastrointestinais associados: Pirose, saciedade precoce, empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos, diarreia, constipação, tenesmo, sangramentos digestivos, icterícia. - Sinais/sintomas de outros sistemas: Sintomas urinários, cefaleia, sonolência após as crises de dor, artralgias/artrites, tosse crônica, asma, respiração bucal. - História familiar: Parentes com doenças do TGI ou de outro sistema e que evolua com dor abdominal, enxaqueca, manifestações alérgicas, tuberculose, quadros depressivos. · CARACTERIZAÇÃO DA DOR: - Dor periumbilical ou epigástrica. - Intercalados por períodos de bem-estar. - Durante o dia. - Sintomas neurovegetativos: palidez, sudorese, náusea e vômitos. - Sintomas associados dispépticos e hábito intestinal. - Causa orgânica: dor noturna ou que interrompe atividades prazerosas. · EXAMES LABORATORIAIS: - Exames laboratoriais devem ser evitados. - Gera ansiedade e frustração às famílias, e muitas vezes aumenta o estresse e reforça o comportamento doloroso. - Exames iniciais de screening: hemograma, VHS, PCR, parcial de urina, urocultura e parasitológico de fezes. - Exames de imagem (USG, RX simples, TC) e endoscopia digestiva são raramente necessários. - Sorologia para doença celíaca e intolerância à lactose. diagnóstico diferencial - Causas orgânicas são responsáveis por apenas 5 a 10% dos casos de DAC na infância. - Desordens Gastrointestinais Funcionais (DGIF) – critérios de Roma IV. - Síndromes funcionais: Síndromes Dolorosas Dispépticas. Síndromes Dolorosas Isoladas. Síndromes Dolorosas com Alteração do Hábito Intestinal. · DISPEPSIA FUNCIONAL: - O paciente com DAF apresenta dispepsia quando tiver dor persistente ou recorrente, ou desconforto na parte superior do abdome, acima da cicatriz umbilical, sem alívio com a defecação ou associado com a mudança na forma e/ou frequência das fezes. Podem ocorrer regurgitações, vômitos, náuseas, saciedade precoce e desconforto abdominal. Tanto a dor quanto os sintomas dispépticos podem ser desencadeados pela ingestão de alimentos, surgindo no período pós-prandial imediato ou tardio. · ENXAQEUXA ABDOMINAL: - A dor abdominal é caracterizada por dor abdominal de início agudo, intensa, referida na maioria das vezes na região da linha média do abdome. Pode durar de 1h até vários dias. Os episódios iniciam-se geralmente à noite ou de manhã cedo. Outros sintomas gastrointestinais ou vasomotores podem acompanhar a dor abdominal, como anorexia, náuseas, vômitos, cefaleia, palidez e fotofobia. Normalmente, depois de um período de sono, os sintomas desaparecem, de forma semelhante aos quadros de enxaqueca, e a criança fica assintomática entre as causas. · SÍNDROMES DE ALTERAÇÃO DO HÁBITO INTESTINAL: · CONSTIPAÇÃO FUNCIONAL: - Causa comum de dor abdominal. - Dieta pobre em fibras. - Frequentemente subdiagnosticada pelos país. - Dor em cólica que melhora após evacuação. - Evacuação não satisfatória – retenção fecal. - Exame físico com palpação de massas fecais no abdome. - Toque retal com ampola de fezes endurecidas. - Teste terapêutica: tratar constipação. - Difícil diferenciação da Síndrome do Intestino Irritável. · SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL: - Dor ou desconforto no abdome inferior, geralmente do tipo cólica, que piora durante as refeições e pode ser aliviada após a evacuação e/ou eliminação de flatos. Os pacientes apresentam alteração na frequência (várias vezes ao dia nas formas diarreicas; duas ou menos por semana nas formas de constipação) e/ou consistência das evacuações (amolecidas a líquidas, ou endurecidas). Algumas vezes a criança tem a sensação de evacuação incompleta, tendo a impressão de reto cheio. · CAUSAS ORGÂNICAS: - Associada a inflamação do TGI. - Retocolite ulcerativa. - Doença de Crohn. - Doença celíaca. - Doenças infecciosas. - Infecções parasitárias. - Infecções bacterianas. - Intolerância à lactose. · DOR ABDOMINAL FUNCIONAL: - Deve ser preenchido ao menos 4x por mês e incluir todos os seguintes sintomas: 1. Dor abdominal episódica ou contínua que não ocorre exclusivamente durante eventos fisiológicos (ex: alimentação, menstruação). 2. Critérios insuficientes para SII, dispepsia funcional ou enxaqueca abdominal. 3. Após avaliação adequada a dor abdominal pode não ser plenamente explicada por outra condição médica. - Esses critérios devem ocorrer por pelo menos 2 meses antes do diagnóstico. abordagem terapêutica – alinhar o discurso 1. Criar vínculo com os pais – relação médico-paciente. 2. Explicar a dificuldade diagnóstica. 3. Tentar caracterizar as queixas da criança: diferenciar sofrimento físicode estresse emocional. 4. Importância de afastar causas orgânicas. 5. Deixar claro a respeito da benignidade. 6. A falha no diagnóstico e tratamento dos sintomas funcionais é causa de sofrimento emocional contínuo e incapacitante. tratamento daf - Restaurar a normalidade da atividade do paciente, e isso não envolve necessariamente o total desaparecimento da dor. - Orientar a familiar de que a dor é real, e não uma mera simulação da criança. - Introduzir o conceito de doença funcional e do possível papel da alteração de motilidade do tubo digestivo e da sensibilidade visceral, na gênese da dor, tranquilizando a família sobre a ausência de doença orgânica grave. - Identificar e reverter possíveis fatores do comportamento da criança que desencadeiam ou pioram o quadro doloroso. - Abolir os ganhos secundários da dor recorrente como mimos, privilégios e maior atenção familiar. - Orientar quanto à manutenção das atividades diárias da criança e assiduidade escolar. - Orientar técnicas que diminuam a intensidade da dor durante as crises, desviando a atenção da percepção dolorosa, como assoviar, cantar, pular, correr, estalar os dedos, contar ou fazer cálculos matemáticos. - Não se deve rotular a criança como portadora de distúrbios psicológicos ou psiquiátricos. - Em casos de persistência dos sintomas e prejuízo da qualidade de vida das crianças e adolescentes, terapias farmacológicas e não farmacológicas podem ser consideradas. · ABORDAGEM DIETÉTICA: - Alimentos como gatilhos para quadros álgicos: carboidratos fermentáveis não absorvíveis (FOODMAPs), da sensibilidade ao glúten não celíaca e aditivos alimentares. - Diarreia: lactose. - Dispepsia: cafeína, picantes, gordurosos. - Celíaca: glúten. · ABORDAGEM FARMACOLÓGICA: - Manipulação do microbioma intestinal: probióticos. - Anticolinérgicos para dor: sem estudos controlados. - Antidepressivos tricíclicos: cautela (melhorar o limiar da dor ou exercer um efeito anticolinérgico, aliviando alguns sintomas relacionados a motilidade intestinal). - Bloqueio ácido com agonistas dos receptores de histamina (H2). - Procinéticos: domperidona. - Laxativos. · SUPORTE PSICOLÓGICO: - Suporte familiar. - Terapia cognitivo comportamental. - Psicoterapia. prognóstico - Aproximadamente 30 a 50% das crianças a adolescentes com DAC apresentam remissão da sintomatologia nos primeiros meses de acompanhamento, porém são frequentes as recidivas e o surgimento de dores recorrentes com outra localização, sobretudo cefalia e dores em membros. casos clínicos 1. Escolar de nove anos, sexo feminino, é levada ao pediatra devido a quadro de dor abdominal esporádica, mensal que a faz ausentar-se da escola. A dor é referida na região periumbilical e dura poucas horas. Não surge durante o sono, não se relaciona com alimentação, atividade física ou posição, e cede espontaneamente. A história pregressa revela cólicas nos primeiros meses de vida, sem outros comemorativos. Seu pediatra já solicitou parasitológico de fezes, pesquisa de sangue oculto nas fezes, pesquisa de elementos anormais e sedimento de urina, urinocultura, hemograma e VHS, além de radiografia e ultrassonografia de abdome, todos normais. O exame físico é normal. A hipótese diagnóstica mais provável é: (A) intolerância à lactose. (B) divertículo de Meckel. (C) enxaqueca abdominal. (D) doença inflamatória intestinal. (E) dor abdominal recorrente funcional. A = 0,38% B = 2,14% C = 11,21% D = 0,88% E = 85,26% Comentários: A dor abdominal é um dos sintomas mais frequentes e de mais difícil diagnóstico por abrigar tanto doenças graves e agudas quanto doenças psicossomáticas e de ocorrência crônica. O caráter benigno é destacado pelo fato de não comprometer fisicamente o paciente, não interferir com o seu crescimento e desenvolvimento somático, não ter nenhuma evidência de doença por exames especializados e não interferir com o sono. 1. Escolar de nove anos apresenta quadro de emagrecimento e dor abdominal há oito meses. A mãe refere episódios ocasionais de diarréia neste período. Exame físico: emagrecido; hipocorado ++/4; abdome globoso, hipertimpânico e difusamente doloroso à palpação profunda; presença de abscesso perianal. A principal hipótese diagnóstica é: (A) doença de Hirschsprung. (B) doença de Crohn. (C) doença celíaca. (D) fibrose cística. (E) maus-tratos. A = 5,74% B = 76,11% C = 8,48% D = 1,03% E = 8,56% Comentários: A presença de emagrecimento, dor abdominal e episódios ocasionais de diarréia no escolar é fortemente sugestiva de síndrome disabsortiva e levanta a hipótese diagnóstica de doença intestinal inflamatória. A alteração do crescimento é mais evidente na doença de Crohn do que na colite ulcerativa e por vezes pode ser a única manifestação clínica da doença. O acometimento perianal sob a forma de fístulas ou abscessos, como o descrito no caso, reforça a hipótese de doença de Crohn. 3. Escolar de oito anos é trazido à consulta devido a crises recorrentes de dor abdominal periumbilical, de grande intensidade, acompanhadas de palidez e sudorese e que duram alguns minutos. O quadro tem evolução de três meses e neste período houve emagrecimento de dois quilos. Não há vômitos, e a mãe refere que o paciente é constipado e evacua apenas com o uso de supositório de glicerina. O dado de história clínica que neste caso sugere etiologia orgânica para o quadro é: (A) constipação. (B) emagrecimento. (C) idade do paciente. (D) intensidade da dor. (E) presença de palidez e sudorese. A = 17,91% B = 68,98% C = 0,93% D = 2,44% E = 9,67% Comentários: A dor abdominal recorrente ocorre em cerca de 10% de todas as crianças pré-escolares e escolares de uma população. Em menores de dois anos é frequentemente de causa orgânica, mas, nas crianças acima desta idade a causa não orgânica responde por 90% dos casos. A investigação clínica deve ser cuidadosa e revestida de muito critério, pois a família e o próprio paciente têm dificuldade de aceitar sintomas tão frequentes e intensos, além de comprometedores de um cotidiano normal, sem que uma causa seja encontrada. É frequente nestes pacientes e em suas famílias haver distúrbios psicológicos. Exageros na solicitação de exames complementares ou de pareceres de diversos especialistas pode induzir a família a imaginar que o médico procura por uma doença rara, difícil ou de mau prognóstico. A dor abdominal recorrente na infância também é conhecida como dor abdominal funcional. O emagrecimento não é um sinal desta nososlogia que tem poucas alterações somáticas: faz–se obrigatório a investigação detalhada e ampla que de termine a causa orgânica que certamente existirá. Dor abdominal funcional Dispesia funcional Síndrome do intestino irritável Dor abdominal orgânica Doença inflamatória intestinal Doença péptica Enxaqueca abdominal Dor abdominal funcional Doença celíaca Intolerância à lactose
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