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LeprosárioSãoFrancisco_Antunes_2017


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LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): 
 O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO 
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS 
LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): 
 O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2017 
 
 
 
ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): 
 O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção 
do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História. 
Área de Concentração: História e Espaços. 
Linha de Pesquisa: Cultura, poder e representações espaciais. 
Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – 
CCHLA 
 
 
 
 
 
 
 
 
Antunes, Isa Cristina Barbosa. 
 Leprosário São Francisco de Assis (1923-1941): o espaço físico e 
as práticas médicas / Isa Cristina Barbosa Antunes. - Natal, 2018. 
 195f.: il. color. 
 
 Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Pós-Graduação em 
História. 
 Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha. 
 
 
 1. Leprosário - São Francisco de Assis - Rio Grande do Norte - 
Dissertação. 2. Lepra - Dissertação. 3. História da doença - 
Dissertação. I. Rocha, Raimundo Nonato Araújo da. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 94:614.217(813.2) 
 
 
ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES 
 
 
 
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941): 
 O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS 
 
 
 
 
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada 
pelos professores: 
 
 
 
_________________________________________ 
Professor Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha (UFRN) 
Orientador 
 
 
 
_________________________________________ 
Professor Dr. Gabriel Lopes Anaya (FIOCRUZ) 
Examinador Externo à Instituição 
 
 
 
 
__________________________________________ 
Professor Dr. Iranilson Buriti de Oliveira (UFCG) 
Examinador Externo à Instituição 
 
 
 
 
________________________________________ 
Professor Dr. Helder do Nascimento Vianna (UFRN) 
Examinador Interno 
 
 
 
 
 
Natal, 28 de agosto de 2017 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 A produção deste trabalho contou com a colaboração de muitos amigos, mas quero 
iniciar agradecendo a Deus, por ter guiado os meus caminhos e ter me dado perseverança na 
conclusão dessa etapa da minha vida acadêmica. 
 Agradeço infinitamente ao meu orientador, Raimundo Nonato da Rocha, por ter 
acreditado na minha proposta de trabalho, por ter me incentivado nos momentos mais difíceis e 
por me tratar sempre de forma amigável durante as orientações. 
 Aos meus familiares, meus pais, Iris Cristina e Miguel de Albuquerque, e minha irmã 
Eve Cristina, por ter entendido minha ausência nas reuniões familiares e os momentos de 
estresse. Agradeço a compreensão e as palavras de incentivo nos momentos mais complicados. 
 Não poderia deixar de agradecer aos amigos que formam a base de pesquisa Os 
Espaços na Modernidade, Cecil Guerra, Paulo Rikardo Fonseca, Pierre Macedo, Isabel Andrade, 
Antônio Macena, Renno, e, em especial, Paulo Vitor Airaghi, por todos os momentos de conversa 
e debate sobre as questões relativas à dissertação e pela ajuda na busca das fontes necessárias 
para a produção da pesquisa. 
 Agradeço à Tainá Bandeira da Silva pela disponibilidade de ler o trabalho e contribuir 
da melhor maneira possível, como também pela disponibilidade de tempo para conversar e ouvir 
os dilemas que eu enfrentava. 
 Agradeço à Tatiana Barreto pelas conversas, pelos momentos de descontração e 
palavras de incentivo. 
 Não poderia deixar de agradecer também a Luís Felipe, que me ajudou na produção 
dos gráficos e das tabelas presentes nesta dissertação. 
 
 
 
RESUMO 
 
 
Este trabalho objetiva analisar como ocorreu a construção e o funcionamento do Leprosário São 
Francisco de Assis, entre os anos de 1923 a 1941. Construído em 1926 e inaugurado oficialmente 
no ano de 1929, em uma área distante seis quilômetros da cidade de Natal, este espaço tinha a 
função de isolar todos os leprosos notificados no Estado do Rio Grande do Norte. A lepra, 
definida atualmente como doença crônica e bacteriológica, de notificação compulsória, durante a 
década de 1920 fez parte do grupo das endemias que eram vistas como problema nacional. O 
combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi 
realizado através do isolamento compulsório dos doentes em leprosário ou colônias agrícolas. 
Seguindo a Diretriz Nacional de Combate à Lepra, o Rio Grande do Norte edificou o Leprosário 
São Francisco de Assis. Dirigido pelo Médico Varella Santiago, o leprosário foi construído para 
oferecer aos doentes uma vida plena, com atividades de trabalho, de lazer e tratamento adequado. 
Diante desses apontamentos, questiono: quais as razões para a construção desse isolamento? 
Como esse espaço foi estruturado fisicamente? Quem foram os seus internos? Quais as práticas 
desenvolvidas nesse espaço? O presente trabalho está baseado na articulação da História da 
Doença e da história do Espaço, assim, meu objetivo é investigar as mudanças e permanências 
ocorridas no espaço concreto, o Leprosário São Francisco de Assis, desenvolvidas no combate à 
lepra. Para responder aos questionamentos propostos, utilizei como fonte: jornais publicados no 
período de 1920 a 1950, publicados em diferentes cidades como: Rio de Janeiro, São Paulo, 
Recife e Maranhão; documentos oficiais, como Decretos, Resoluções e Mensagem dos 
Presidentes do Estado apresentadas na Assembleia Legislativa e documentos clínicos presentes 
no arquivo do Leprosário São Francisco de Assis. 
 
Palavras-chave: Leprosário São Francisco de Assis. Lepra. História da doença. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This work aims to analyze how the construction and operation of the Leprosário São Francisco de 
Assis, occurred between the years 1923 to 1941. Built in 1926 and officially inaugurated in 1929, 
in an area distant six kilometers from the city, this space had the purpose of isolate all lepers 
notified in the state of Rio Grande do Norte. Leprosy, currently defined as a chronic and 
bacteriological disease, during the 1920’s, part of the group of endemic diseases that were viewed 
as a national problem and should be compulsorily notificated. The fight against leprosy, regulated 
by Decree No. 16,300, on December 31, 1923, was carried out through the compulsory isolation 
of patients in leprosarium or agricultural colonies. Following the national guideline, against the 
leprosy, Rio Grande do Norte built the leprosário São Francisco de Assis. Directed by Doctor 
Varela Santiago, this Leprosarium was built to offer patients a full life, with activities of work, 
leisure and proper treatment. In view of these points I asked what are the reasons for the 
construction of this isolation? How was this space structured physically? Who were your 
inmates? What are thepractices developed in this space? The present work is based on the 
articulation of the History of Disease and the history of Space, so my objective is to investigate 
the changes and permanences that occurred in the concrete space, the Leprosário São Francisco 
de Assis, developed in the fight against leprosy. In order to respond to the proposed questions, I 
used as a source: newspapers from 1920 to 1950, published in different cities such as: Rio de 
Janeiro, São Paulo, Recife and Maranhão; Official documents, such as Decrees, Resolutions and 
Message of Governors presented at the Legislative Assembly; Clinical documents present in the 
archive of the Leprosário São Francisco de Assis. 
 
 
Keywords: Leprosário São Francisco de Assis. Leprosy. History of the disease. 
 
 
 
 
LISTA DE IMAGENS 
 
 
 
Imagem 1: Fotos do Lazarópolis do Prata, primeiro Leprosário do Brasil, 165 
inaugurado em junho de 1924 
Imagem 2: Fotos da construção de Leprosário São Roque, situado 166 
 no município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926. 
Imagem 3: Foto da vista panorâmica do conjunto hospitalar do Leprosário 167 
São Roque, situado no município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926. 
Imagem 4: Foto da central telefônica do Leprosário Santo Ângelo, situado 168 
 no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo. 
Imagem 5: Foto das casas destinadas aos casais do Leprosário Santo 169 
Ângelo, situado no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo. 
Imagem 6: Fotografia do Leprosário São Francisco de Assis, construído 170 
no ano de 1925, em Natal. 
Imagem 7: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1920 171 
Imagem 8: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1930 172 
Imagem 9: Ficha clínica de revisão dos pacientes da década de 1940 174 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE QUADROS 
 
 
 
Quadro 1: Número de doentes notificados de lepra durante os anos de 1923 e 1929 46 
Quadro 2: Movimento dos internos no Leprosário São Francisco de 70 
Assis entre os anos de 1926 a 1930 
Quadro 3: Faixa etária dos pacientes isolados no Leprosário São Francisco 88 
de Assis entre os anos de 1926 a 1929 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 11 
CAPÍTULO 1 A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS ....... 32 
1.1 O Governo brasileiro e a construção dos leprosários .......................................................... 32 
1.2 A atuação do Serviço de Saneamento Rural nos registros da lepra no Rio Grande do Norte.
 ................................................................................................................................................... 41 
1.3 A lepra e a construção do Leprosário São Francisco de Assis nos jornais e nas ações das 
políticas públicas ....................................................................................................................... 46 
1.4 Os leprosários construídos no Brasil na década de 1920..................................................... 55 
1.5 Construção e financiamento do Leprosário São Francisco de Assis. .................................. 60 
1.6 Abertura do canteiro de obras do Leprosário São Francisco e Assis e a movimentação dos 
seus internos. ............................................................................................................................. 68 
1.7 Vila, leprosário ou colônia? ................................................................................................. 75 
CAPÍTULO 2 O LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS E OS SEUS INTERNOS 80 
2.1 Perfil dos pacientes .............................................................................................................. 81 
2.2 Situação social e profissional dos internos ........................................................................ 100 
2.3 As famílias isoladas do Rio Grande do Norte. .................................................................. 106 
CAPÍTULO 3 AS PRÁTICAS MÉDICAS DESENVOLVIDAS NO LEPROSÁRIO SÃO 
FRANCISCO DE ASSIS ........................................................................................................... 113 
3.1 O doutor da ciência: Manoel Varella Santiago Sobrinho .................................................. 114 
3.2 A entrada dos internos no Leprosário São Francisco de Assis. ......................................... 133 
3.3 A prática profilática implantada no combate à lepra no isolamento potiguar. .................. 141 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 151 
FONTES ..................................................................................................................................... 158 
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 160 
ANEXOS .................................................................................................................................... 164 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
INTRODUÇÃO 
 
O objetivo deste trabalho é analisar como foi criado e mantido, na cidade de Natal, o 
Leprosário São Francisco de Assis. Construído em julho de 1926 e inaugurado oficialmente no 
ano de 1929, a área que abrigou esse leprosário estava distante seis quilômetros da cidade e tinha 
a função de isolar os doentes acometidos pelo mal de Hansen que habitavam o estado do Rio 
Grande do Norte. A meta é analisar essa instituição, respondendo as seguintes questões: quais as 
razões para a sua construção? Quais as transformações ocorridas no espaço antes e depois da 
construção? Quem eram os pacientes que moravam nessa instituição? Quem eram os médicos que 
atendiam os pacientes? Quais as práticas desenvolvidas pelos médicos? Quais as bases científicas 
para atuação dos médicos? Qual a relação mantida entre médicos e pacientes? 
Ao tratar de um tema que, contemporaneamente, ainda é alvo de estereótipos e 
preconceitos, torna-se importante ressaltar que, a partir da década de 1970, tem-se usado os 
termos “hanseníase” e “hansenianos” para designar a doença e os portadores do Mycobacterium 
leprae
1
. Essa terminologia, que tem sido usada a partir das últimas décadas do século XX, 
resultou de uma proposta apresentada por médicos que tinham o objetivo de remover o estigma 
que pesava sobre os portadores da doença. Entretanto, ao longo deste trabalho, usarei os termos 
“lepra” e “leproso”, por serem mais apropriados ao recorte temporal por mim definido. 
O estudo proposto está delimitado ao período compreendido entre 1923 e 1941. A 
escolha por 1923 está relacionada ao fato de que nesse ano foi sancionado o Decreto nº 16.300, 
de 31 de dezembro de 1923 
2
. Esse decreto – comumente denominado nos trabalhos acadêmicos 
de Regulamento Sanitário – estabeleceu, entre outras diretrizes, a criação nos diversos estados de 
leprosários ou colônias agrícolas, com o intuito de isolar os pacientes com lepra. A opção por 
1941 ocorreu em razão de nesse ano ter sido aprovado o Decreto nº 3.171, de dois de abril de 
1941. Por meio desse decreto, foi criado o Serviço Nacional da Lepra, órgão responsável pela 
profilaxia da doença no território brasileiro, e pelo estabelecimento de novas diretrizes para o 
combate da lepra. 
 
1
 Bactéria causadora da lepra, descoberta em 1874 pelo médico norueguês Gerhard Henrick Armauer Hansen. 
2
 Esse decreto aprovou o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, que, entre outrasmedidas, 
definiu as regras para a construção dos leprosários e das colônias agrícolas em território brasileiro. 
12 
 
Em 2013, fui convidada, pelo professor Raimundo Nonato Araújo da Rocha, a 
trabalhar como bolsista em um acervo que havia chegado do Leprosário São Francisco de Assis. 
Após iniciar esse trabalho de organização da documentação da instituição, alguns 
questionamentos surgiram, a saber: quem eram os seus internos, quais os indivíduos escolhidos 
para o isolamento, a origem dos doentes; as práticas médicas desenvolvidas – como ocorria o 
tratamento, as substâncias químicas utilizadas, os médicos que atuavam na instituição; e a 
trajetória do Leprosário São Francisco de Assis – como ocorreu a sua fundação, a sua construção, 
e como foi desativado. 
Essas questões me inquietaram e me levaram a pesquisar sobre essa instituição 
médica. No decorrer da pesquisa e da organização do acervo do Leprosário edificado em Natal, 
poucos subsídios surgiram, observei que existia uma escassez de estudos que abarcavam o 
processo de profilaxia da lepra, bem como sobre a construção e o funcionamento do Leprosário 
São Francisco de Assis. 
De um conjunto de questões formuladas, optei por estudar especificamente como 
aconteceu a construção do Leprosário São Francisco de Assis, quais as especificidades do prédio 
construído, quem eram e como viviam os internos isolados e quais as práticas médicas 
desenvolvidas no seio daquela instituição. 
Para entender o que levou à construção do Leprosário São Francisco de Assis, se faz 
necessário compreender que a lepra era um problema mundial e sua profilaxia seguiu algumas 
particularidades no Brasil. A lepra pode ser definida como uma doença crônica, 
infectocontagiosa, causada pelo mycobacterium leprae. Durante o século XX, o isolamento em 
leprosários ou colônias foi a principal forma de tratamento, apenas com a descoberta da sulfona, 
na metade do século XX, o quadro clínico, antes incurável, passou a ser revertido. O isolamento 
no Brasil deixou de ser obrigatório apenas em 1987, com a poliquimioterapia
3
. Devido à 
trajetória da doença, o nome lepra foi substituído na década de 1970 por Hanseníase, com o 
objetivo de reduzir o estigma causado aos portadores da doença. 
Estudar a lepra e os leprosos exigiu uma delimitação da minha investigação em torno 
do objeto formulado. Assim, optei por estudar meu objeto a partir do conceito de espaço. Um 
aspecto que favoreceu essa decisão foi a minha vinculação ao Mestrado em História da UFRN, 
 
3
 A poliquimioterapia consiste na utilização de um conjunto de compostos químicos (Rifampicina, Dapsona e 
Clofazimina) voltados para o tratamento da Hanseníase. 
13 
 
que tem o espaço, em sua dimensão histórica, como área de concentração. Todavia, é necessário 
explicitar o sentido que esse conceito ganhará neste trabalho. Considero o espaço como produção 
cultural, que ganha significado a partir das práticas instituídas e das simbologias construídas 
pelos indivíduos. 
Quatro dissertações vinculadas ao Mestrado em História da UFRN se dedicaram a 
estudar a relação espaço e saúde: A construção da natureza saudável: Natal, 1900-1930; Maus 
ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano; Sair curado para a vida 
e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no complexo nosoespacial do hospital da 
caridade Juvino Barreto (1909-1927); Curar, fiscalizar e sanear: as ações médico-sanitárias no 
espaço público da cidade do Natal (1850/1889). O trabalho A construção da natureza saudável: 
Natal, 1900-1930, tem por objetivo compreender as práticas e as representações construídas pelo 
saber médico sobre a natureza, em Natal, durante as primeiras décadas do século XX. Em linhas 
gerais, pode-se afirmar que Vieira analisa as principais transformações ocorridas no espaço da 
cidade a partir dos discursos dos profissionais da saúde. A dissertação de Anaya
4
 – que tem como 
título Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano – apresenta 
uma investigação baseada na relação entre epidemias e espaço, especificamente a epidemia da 
malária e os pântanos de Natal entre o ano de 1892 e 1932. Seu estudo utiliza a ideia de espaço 
epidemiológico, para o autor, as práticas de epidemiológicas definem e ressignificam os espaços. 
A dissertação de Silva
5
 – Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões 
de força no complexo nosoespacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto (1909-1927) – 
aborda o deslocamento espacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto para o monte Petrópolis, 
reconstruindo as visões sobre o hospital e as transformações ocorridas nesse espaço hospitalar a 
partir das ideias da ciência médica. A dissertação de Araújo
6
 – Curar, fiscalizar e sanear: as 
ações médico-sanitárias no espaço público da cidade do Natal (1850/1889) – investiga como os 
saberes científicos e as ações médicas e sanitárias transformaram o espaço público da cidade do 
 
4
 ANAYA, Gabriel Lopes. Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano. 2011. 214f. 
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011. 
5
 SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no 
complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em 
História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Natal, 2012. 
6
 ARAÚJO, Avohanne Isabelle Costa de Araújo. Curar, fiscalizar e sanear: as ações médico-sanitárias no espaço 
público da cidade do Natal (1850/1889). 2015. 137f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte, Natal, 2015. 
 
14 
 
Natal a partir da análise de três aspectos principais: o exercício médico e farmacêutico, a 
fiscalização desenvolvida nos gêneros alimentícios e o ordenamento urbano da cidade. 
A construção do Leprosário São Francisco de Assis, em Natal, começou a ser 
idealizada no ano de 1925, com o Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros, após 
os óbitos registrados entre os anos de 1923 e 1925 e o aumento significativo das notificações 
compulsórias. Diante dos dados registrados, o então Diretor do Departamento de Saúde Pública, 
Manoel Varella Santiago, ordenou a construção de um espaço médico especializado para receber 
os leprosos de acordo com os preceitos médicos modernos. 
A partir de um estudo inicial, observei que esse espaço ganhou diferentes nomes e 
vários significados durante a sua trajetória institucional. Recebeu o nome de Leprosário, colônia, 
colônia agrícola e Hospital Dermatológico José Maciel. No final dos anos 1980, o Leprosário foi 
totalmente desativado e algumas dependências foram destruídas. Atualmente, o prédio abriga o 
almoxarifado da secretaria de saúde do Estado, sendo uma espécie de depósito. Antes entendido 
como símbolo da modernidade, do progresso médico, espaço de diferentes histórias, atualmente 
não exerce mais nenhuma simbologia na organização médica e espacial da cidade. 
Esse estudo inicial foi realizado a partir da organização do arquivo da instituição 
médica. O arquivo do Leprosário São Francisco de Assis conta com um vasto corpo documental 
distribuído entre os anos de 1926 a 1998. Os documentos se dividem em dois grupos principais: o 
primeiro deles compreende as fichas clínicas dos pacientes, histórico da doença, ficha de 
evolução da enfermagem. Já o segundo grupo é composto por uma série de documentos 
administrativos do hospital dos anos de 1980 e 1990. A partir da organização desse arquivo, 
observei que era importante desenvolver um estudo sobre essa instituição, que marcou as práticas 
médicas de combate a uma epidemia e demonstrou o pensamento médico de uma época. 
A transformação deum espaço da cidade de Natal em leprosário teve a contribuição 
de parcela da sociedade. A primeira ação para a materialização do isolamento foi a formação da 
Comissão Central Pró-Leprosário, que se encarregou de angariar recursos para a construção do 
edifício. Esses recursos foram obtidos por meio de doações e de festas organizadas por 
associações beneméritas da capital, sobretudo as organizações religiosas. Todo o trabalho da 
comissão teve o forte apoio dos jornais locais, que apresentavam esse espaço como primordial 
para a manutenção da saúde potiguar. Esses elementos demonstravam que o Leprosário São 
Francisco de Assis adquiriu significado entre a população como um espaço indispensável para a 
15 
 
manutenção da saúde da cidade. Dessa forma, o leprosário ganhou significado a partir dos 
elementos construídos em torno da sua função, primeiramente como um espaço desejado pela 
população, espaço necessário para a manutenção da saúde da sociedade. E espaço significado por 
membros da classe médica e da classe política potiguar, como espaço que representava a 
materialidade das ideias modernas e inseria o Estado no projeto político de construção de uma 
sociedade saudável. 
O leprosário foi construído fora dos muros da cidade, com o objetivo de isolar todos 
os doentes e proteger a população saudável do terrível mal de Hansen. Esse espaço deveria ficar 
fora do cotidiano da cidade e, consequentemente, os seus internos deveriam se manter longe de 
qualquer contato com o mundo externo. Os leprosos ficavam restritos ao espaço determinado 
pelos muros da instituição e seu cotidiano passava a ser regido pelas regras e práticas 
desenvolvidas no interior do isolamento. Com isso, posso afirmar que os internos do Leprosário 
São Francisco de Assis vivenciaram e praticaram o espaço do leprosário de diferentes maneiras. 
O Leprosário São Francisco de Assis ganhou significado a partir das práticas 
desenvolvidas dentro da instituição de forma individual – médicos e internos –, e de forma 
coletiva, a partir da construção do discurso de uma sociedade saudável e ideal proclamado nos 
jornais e pelas políticas públicas. 
Ao conceber o espaço como produção cultural que ganha significado a partir de 
práticas instituídas, valho-me das ideias de Michel de Certeau
7
, para quem o espaço é praticado a 
partir das vivências de cada indivíduo. Partindo dessa lógica, procurei identificar no Leprosário 
São Francisco de Assis como o espaço foi praticado pelos diferentes sujeitos. 
Ao mapear as teses e dissertações sobre a lepra que foram produzidas no Brasil, 
percebi que alguns estudos estavam circunscritos a duas grandes abordagens historiográficas: 
uma que analisa o estigma causado pela doença nos seus portadores e a outra que discute as 
políticas públicas implantadas no combate a essa epidemia. Meu estudo foge a essa dicotomia e 
procura investigar a relação entre a História da Doença e a História do Espaço. Nesse sentido, 
procurei investigar as mudanças e permanências identificadas em um espaço concreto – o 
Leprosário São Francisco de Assis – em razão de práticas nele desenvolvidas com o intuito de 
combater uma doença. 
 
 
7
 CERTEAU, Michael. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008 
16 
 
A saúde, a doença e a lepra na historiografia 
 
Desde os tempos mais antigos, a lepra esteve presente entre a humanidade, sempre 
ligada às conotações religiosas. Para entender o estigma dessa doença, analisei a obra de Curi
8
 
que retrata a construção desse estigma. No período medieval, as manchas e as feridas no corpo do 
doente eram a concretização do pecado, as marcas da doença eram entendidas como castigos 
divinos. Os primeiros registros sobre a lepra são encontrados na Bíblia. Nessas escrituras a 
doença apresenta grande ligação com o pecado e com a cura divina, como demonstram as 
passagens religiosas. Nesses trechos a salvação é narrada como um ato de misericórdia. O autor 
demonstra como essa ligação histórica da lepra com a religiosidade embasou intensamente o 
estigma da doença consolidado durante a Idade Média. Esse estudo contribui para entender a 
historicidade da doença e o estigma que a lepra causou sobre os seus portadores no Brasil. É 
importante ressaltar que durante o período medieval a lepra englobava todas as doenças 
dermatológicas, não havia distinção entre as doenças que ocorriam na pele, todas eram 
identificadas como lepra. 
No Brasil, a lepra foi uma doença que ganhou importância, sendo entendida como um 
mal nacional durante o século XX. Devido a isso, foi tema de diversas ações do poder público e 
médico. A tese de Costa
9
 apresenta as primeiras intervenções propostas pelo governo no combate 
à lepra através do aparato institucional das leis e dos regulamentos. A autora analisa essa 
regulamentação entre os anos de 1894, momento de criação do Laboratório Bacteriológico no 
Hospital dos Lázaros, no Rio de Janeiro, e o ano de 1934, quando a Inspetoria de Profilaxia da 
Lepra foi desativada. Através desse trabalho, entrei em contato com as primeiras intervenções 
governamentais na profilaxia da lepra no Brasil. 
Outro trabalho basilar para compreender as políticas públicas de profilaxia da lepra 
foi a dissertação de Cunha
10
. A autora demonstra como ocorreu a organização das políticas 
públicas voltadas ao combate à lepra durante os anos de 1920 a 1945 e retrata como essa 
 
8
 CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976). 2002. 
231f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Uberlândia, 
Uberlândia, 2002. 
9
 COSTA, Dilma Fátima Avellar Cabral da. Entre ideias e ações: medicina, lepra e políticas públicas de saúde no 
Brasil (1894-1934). 2007. 410f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal 
Fluminense, Niterói, 2007. 
10
 CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920 e 
1945). 2005. 151. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, 
Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005. 
17 
 
inspetoria atuou. A principal medida profilática de combate a essa doença, segundo o 
Regulamento Sanitário de 1923, era o isolamento compulsório dos doentes em colônias ou 
leprosários e o acompanhamento médico dos seus familiares. Sem um tratamento específico para 
combater o bacilo causador, o isolamento dos doentes foi a principal medida profilática utilizada 
no combate à lepra, perdurando até o ano de 1962. 
A autora também retrata que várias medidas e acordos foram realizados entre União e 
Estado para combater a lepra. Um dos primeiros acordos estabelecidos foi com o estado do Pará, 
que inaugurou a primeira colônia agrícola do país, chamada Lazarópolis do Prata, no ano de 
1924. Além dessa colônia, outros isolamentos foram construídos no Paraná (O Leprosário São 
Roque), e no Rio de Janeiro (o Hospital Colônia Curupaiti). Outros espaços hospitalares 
destinados ao isolamento de doentes já existiam no país, construídos ainda durante o século 
XVIII, como o Lazareto da Piedade, no Rio de Janeiro, e o Hospital dos Lázaros, na Bahia. É 
importante destacar que os lazaretos eram locais de isolamento de diferentes doenças, não existia 
uma especialidade médica nesses locais, somente com o Regulamento Sanitário de 1923 a 
profilaxia da lepra ganhou instituições específicas. 
O Leprosário São Roque foi um dos primeiros isolamentos de leprosos construído 
segundo as novas ideias de profilaxia da lepra. Castro
11
, em sua dissertação de mestrado, 
apresenta a relação estabelecida entre as ideias de modernidade presentes na Primeira República 
brasileira e a construção do Leprosário São Roque no Paraná. Este espaço hospitalar, construídono ano de 1926, tinha como principal característica tornar o isolamento dos doentes prazeroso, 
como explicava o Regulamento de 1923. Segundo as ideias presentes nesse regulamento, o 
espaço destinado ao isolamento dos leprosos deveria oferecer o tratamento médico aos internos, 
mas deveria ser também um espaço apropriado para a realização de diversas atividades. A ideia 
era construir uma cidade dentro da cidade. O leprosário contava com oficinas, áreas para a 
agricultura, igreja, cinema e outras dependências. Dessa forma, a autora analisa em quais 
aspectos esse espaço hospitalar se enquadrava na política modernizadora presente no Brasil nesse 
período, observando especialmente a arquitetura do isolamento e os seus espaços. Assim como o 
Leprosário São Roque, o Leprosário São Francisco de Assis baseou a sua construção nas novas 
ideias científicas que circulavam no Brasil. Esse trabalho contribuiu, entre outros aspectos, para 
 
11
 CASTRO. Elizabeth Amorim de. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da Hanseníase na 
perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em 
Geografia, Universidade Federal de Curitiba, Curitiba, 2005. 
18 
 
realizar associações sobre os diferentes espaços de isolamento edificados no país. 
Ainda sobre as políticas públicas de combate à lepra implantadas no território 
brasileiro, o trabalho de doutorado de Maciel
12
 aborda tais políticas durante os anos de 1941 a 
1962. A autora realiza uma extensa análise das políticas sanitárias de combate à lepra implantadas 
a partir dos anos 1930 e enfoca as principais transformações ocorridas nos regulamentos, como a 
criação do Serviço Nacional de Lepra e o fim da política isolacionista no ano 1962. Ela afirma 
que, desde a desativação das inspetorias de profilaxia, instituída com o decreto de 1934, o 
combate à lepra deixou de ser prioridade nacional, já que as Diretorias dos Serviços Sanitários 
tinham diferentes atribuições nos Estados. O objetivo principal desse órgão era intervir na saúde 
como um todo e não atuar exclusivamente no combate a uma doença específica como a lepra. 
Somente com a implantação do Plano Nacional de Combate à Lepra a profilaxia contra essa 
doença foi novamente direcionada. Esse plano objetivava centralizar e uniformizar as ações de 
profilaxia e criar novos leprosários em todo o Brasil. 
 Outro trabalho importante no entendimento das políticas públicas de combate à lepra, 
foi a dissertação de Santos
13
. Ele aborda o combate à epidemia da lepra durante o período de 
1934 a 1941, a partir da relação estabelecida entre filantropia e profilaxia da lepra muito presente 
no Brasil. As ações filantrópicas foram de grande importância para a edificação de isolamentos e 
a manutenção destes. Ao analisar a construção do Leprosário São Francisco de Assis, observei a 
intensa participação de grupos filantrópicos na edificação do isolamento e na organização de 
ações festivas destinadas ao leprosário potiguar. 
 Os trabalhos expostos até o presente momento, de maneira geral, abordaram as 
políticas públicas de combate à lepra instaurada no Brasil a partir do século XX. Esses estudos 
construíram o aparato institucional que alicerçou a edificação do Leprosário São Francisco de 
Assis e as práticas médicas desenvolvidas nesse espaço médico. 
É importante ressaltar que as políticas públicas sanitárias eram baseadas no discurso 
científico do período. Oliveira
14
 apresenta uma análise das ideias e dos discursos higienistas 
 
12
 MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas 
de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, 
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. 
13
 SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra: 
Ministério Gustavo Capanema (1934-1935). 2006. 163 f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da 
Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2006. 
14
 OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Fora da higiene não há salvação: a disciplinarização do corpo pelo discurso 
médico no Brasil Republicano. Revista de Humanidades, Natal, MNEME, v. 4, n. 7, p. 14-29, fev./mar. 2003. 
19 
 
presentes no Brasil nas duas primeiras décadas da República brasileira. Objetivo dos que seguiam 
as ideias higienistas era construir cidadãos “ideais” para a sociedade republicana que se 
consolidava. Esses discursos estiveram presentes em várias instituições, como Igreja, escolas, 
hospitais, e para a sua consolidação foram utilizados diversos dispositivos de poder para 
disciplinar o corpo familiar durante as primeiras décadas da República brasileira, entre eles o 
discurso médico. Essas ideias sanitaristas também estiveram presentes no espaço doméstico, a 
família carecia ser ordenada e higienizada, tanto no intelecto como nos hábitos físicos. Era 
necessário “civilizar” a família para “civilizar” a pátria. O higienismo tinha como objeto de 
atuação tanto o espaço físico da cidade como os hábitos desenvolvidos pelos seus habitantes. 
Segundo esse pensamento científico: 
 
A questão da doença ou de sua reprodução encontrava sempre como chave 
explicativa o “meio-ambiente”. Nesta perspectiva, o “meio- 
ambiente” era portador e o reprodutor das doenças. A única forma de eliminá-
la era atingindo e transformando este meio. O “meio- 
ambiente” era a cidade, que precisava ser trabalhada para sobreviver aos males 
que nela se reproduziam
15
. 
 
Era necessário controlar o meio ambiente, estabelecer novos serviços sanitários e 
instaurar novos padrões de civilidade. As ideias higienistas que nortearam as interferências no 
meio ambiente e na estrutura da cidade também foram visualizadas nos espaços hospitalares, 
racionalizando o espaço físico e especializando as suas práticas médicas. O combate à lepra no 
Brasil seguiu o discurso sanitário e médico de limpar e civilizar a sociedade. Criaram-se espaços 
médicos especializados e diretrizes públicas específicas para a profilaxia da lepra. 
Ao analisar a trajetória das políticas públicas sanitárias, observei que no período 
colonial brasileiro a saúde pública nunca foi tema das ações da corte portuguesa. Nunes
16
 retrata 
em seu trabalho que nesse período já ocorria o combate à lepra, à peste e o controle sanitário em 
alguns espaços, como os portos, as ruas, as casas e as praias, mas estas ações tinham como base 
controlar apenas o corpo infectado do doente. Somente no século XIX a preocupação do poder 
governamental deixou de ter como eixo norteador o corpo do doente e se dedicou a promoção da 
saúde, iniciando o processo de medicalização das instituições e dos espaços da cidade. Hospitais, 
 
15
 LUZ, Madel. Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituições de saúde (1850-1930). Rio de Janeiro: 
Graal, 1982. p. 70. 
16
 NUNES, Everaldo Duarte. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Revista Ciências e Saúde 
Coletiva [on-line], Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 251-264, 2000. 
20 
 
cemitérios, escolas, quartéis, fábricas e prostíbulos passam a ser objeto da ação do poder 
governamental. 
Em seu trabalho, Silva
17
 apresenta que São Paulo e Rio de Janeiro foram as primeiras 
cidades a construir um modelo de atenção à saúde pública. Essa preocupação com a saúde da 
cidade pode ser verificada na atuação da Santa Casa de Misericórdia, sobretudo na cidade de São 
Paulo. A atenção à saúde observada por Silva foi verificada nas transformações realizadas no 
atendimento, nos relatórios e nos recursos financeiros destinados à Santa Casa de Misericórdia. 
Com o crescimento da cidade de São Paulo, tanto populacionalcomo econômico, as avaliações 
de atendimento realizadas pela Santa Casa apontavam um crescimento de enfermos, sendo estes 
provenientes de duas classes principais: estrangeiros e pobres. Esses dados significavam um risco 
para a saúde da cidade. A presença da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo nos relatórios da 
cidade, bem como a verba destinada pela assistência pública do governo a ela, colocava essa 
instituição como central no atendimento da assistência pública. Para a autora, a assistência à 
saúde realizada nesse espaço hospitalar evidenciava a importância das questões da saúde na 
organização das questões da cidade antes que os temas do sanitarismo e da urbanização fossem 
vistos como centrais na organização política. A atuação das instituições religiosas no campo da 
saúde esteve presente em todas as partes do Brasil, realizando o trabalho que era para ser 
desenvolvido pelo Estado. 
Diferentemente de São Paulo, Natal não tinha na sua estrutura sanitária a presença da 
Santa Casa de Misericórdia, o que permite concluir que o início da atenção à saúde pública foi 
mais tardio na cidade potiguar. Estiveram presentes aqui as irmãs de caridade que atuaram em 
diferentes espaços médicos, sendo de grande importância no funcionamento do Leprosário São 
Francisco de Assis. 
Além da presença das instituições religiosas na implantação das políticas de saúde, a 
atuação dos médicos sanitaristas foi importante no trabalho de medicalização dos hábitos de 
higiene da população. O trabalho de Fonseca
18
 reconstrói a visão de alguns profissionais que 
atuaram no serviço de profilaxia das doenças venéreas no interior dos estados a partir dos anos 
1930. Segundo a autora, as reformas na saúde pública influenciaram de forma ativa a formação 
 
17
 SILVA, Márcia Regina Barros da. O processo de urbanização paulista: a medicina e o crescimento da cidade 
moderna. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 53, p. 243-266, 2007. 
18
 FONSECA, Cristina M. Oliveira. Trabalhando em saúde pública pelo interior do Brasil: lembranças de uma 
geração de sanitaristas (1930-1970). Revista Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 393- 411, 2000. 
21 
 
dos médicos na década de 1930 e essa geração contribuiu para a construção do aparato 
institucional do período republicano. Assim, ela entende que o processo de institucionalização da 
saúde pública nesse período possuiu ampla relação com a trajetória pessoal e profissional desse 
grupo médico. Compreender o pensamento médico desse período foi importante para 
dimensionar o papel desses profissionais na implantação das políticas sanitaristas e na atuação do 
combate à lepra. 
Outro trabalho importante para compreender a atuação dos médicos, em especial no 
combate à lepra, foi a tese de Andrade
19
. O autor analisa a trajetória e a atuação de Souza-Araújo, 
antes de se tornar um dos grandes leprologistas do Brasil. A análise abarca o início de sua 
carreira, as suas nuances dentro da sociedade e as suas possibilidades profissionais, contrariando 
a imagem que se construiu sobre esse médico. Souza Araújo foi um dos responsáveis pela 
edificação do Lazarópolis do Prata, no Pará, primeira colônia agrícola fundada no Brasil. Assim, 
entender o médico Souza Araújo, sua carreira, suas ideias médicas, contribuiu para compreender 
o pensamento que embasou a construção dos leprosários do Brasil e em especial o Leprosário São 
Francisco de Assis. Neste trabalho, esse espaço de isolamento é entendido como uma instituição 
total, como classifica Erving Goffman
20
. 
Para esse autor, as instituições totais são espaços que impõem uma barreira entre os 
internos e o mundo externo, que apresentam um mesmo espaço para todos os aspectos da vida, 
com horários fixos e padrões a serem seguidos. Essa característica define as instituições de 
isolamento, sejam leprosários, colônias, manicômios ou prisões. Essas instituições também 
realizam o que Goffman chamou de mortificação do eu, como descreve no momento da admissão 
dos internos. 
 
Obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais, 
atribuir números, procurar e enumerar bens pessoas para que sejam guardados, 
despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos, distribuir roupas da instituição, 
dar instruções quanto a regras [...]
21
. 
 
Ao entrar no Leprosário São Francisco de Assis, podemos afirmar que o interno 
deixava de ser um membro da sociedade para se transformar em um número, uma porcentagem 
 
19
 ANDRADE, Marcio Magalhães de. Capítulos da história sanitária no Brasil: a atuação profissional de Souza 
Araújo entre os anos 1910 e 1920. 2011, 210f. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação 
Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011. 
20
 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. 
21
 Idem, 1974. p. 25. 
22 
 
negativa nos dados de epidemiologia. As instituições hospitalares são entendidas como 
instituições totais, já que os internos passam a seguir normas e condutas, eles sofrem diferentes 
tipos de enquadramento e mortificação do eu. São instituições onde existe uma rede complexa de 
relações sociais, regras e linguagem próprias. Assim, O leprosário é analisado como espaço 
complexo de intensa relação entre os internos e entre internos e equipe dirigente, com códigos e 
ajustamentos secundários próprios. 
 
Modernidade e cultura política na construção do Leprosário São Francisco de Assis 
 
A República brasileira se estabeleceu em meio a grandes transformações no campo 
econômico, político e cultural, advindos da Revolução Industrial e da Revolução Científico-
Tecnológica. Surgiram novos potenciais enérgicos e novas áreas de estudos, sobretudo ligadas à 
medicina, como farmacologia, microbiologia e bacteriologia. Os novos processos científicos e as 
novas ideias modernizadoras estiveram presentes no discurso da elite política e intelectual 
brasileira, desejosa de acabar com qualquer elemento que a conectasse com o antigo regime 
político. Durante toda a primeira República brasileira, a elite política interferiu no processo de 
organização da cidade, na formação de novos sistemas culturais e da medicalização das doenças e 
dos doentes baseada nas ideias de modernização da sociedade brasileira
22
. A construção e as 
práticas médicas desenvolvidas no Leprosário São Francisco de Assis se inscrevem dentro das 
ideias de modernidade implantadas no Brasil. Os discursos médicos colocaram o combate à lepra 
como uma das principais ações modernizadoras do período. Dessa forma, o conceito de 
modernidade é central para compreender os discursos e práticas realizadas na idealização e na 
construção desse espaço médico em Natal durante os anos 1920. 
A modernidade tinha como base a transformação das antigas estruturas, políticas, 
econômicas e culturais, e a instalação de uma sociedade calcada nas novas ideias científicas, 
inspiradas no Darwinismo social, no Positivismo de Augusto Comte e no determinismo de 
Lombroso. Essas ideias da modernidade ressignificaram os espaços da cidade e estabeleceram 
novas relações entre poder institucional e saber médico. Elas deram o tom do discurso de 
 
22
 SEVCENKO, Nicoloau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: SEVCENKO, 
Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3. 
23 
 
formação de uma cidade saudável, limpa, isolando o louco, vacinando o doente e expulsando os 
desviantes. 
O discurso proferido pelo saber médico a partir dos ideais de modernidade foi 
incorporado pelo poder político, se fazendo presente em diferentes instituições, como escolas, 
portos, feiras, matadouros e espaços hospitalares. Ele interferiu na organizaçãoda sociedade, nos 
hábitos e nos costumes da população brasileira. O processo de modernização da sociedade, 
derivado dos novos saberes médicos e da presença da cientificidade na organização da cidade 
contribuíram para a emergência, de diferentes instituições médicas especializadas, como os 
leprosários e as colônias. Entendemos esses espaços médicos como intervenção do poder público 
no processo de organização da cidade saudável e no estabelecimento de uma nova cultura política 
sanitária, baseada nas ideias higienistas e modernizantes. 
A aliança entre o poder político e o saber médico ressignificou as práticas médicas, 
estabelecendo novas relações entre a doença e a saúde, entre a ciência e a feitiçaria, contribuiu na 
construção de espaços especializados e discursos que normatizaram as atividades da vida 
cotidiana, as políticas públicas sanitárias e, consequentemente, o combate à lepra. Novas relações 
foram instituídas entre saber médico, poder governamental e sociedade, novas práticas foram 
estabelecidas nas escolas, nos hospitais, na limpeza pública, no papel das mães e da família. 
Estabeleceram-se novas práticas culturais na sociedade brasileira, uma nova cultura, médica, 
sanitária e política, foi implantada. 
O termo cultura utilizado neste trabalho ganhou diferentes significados nas 
abordagens historiográficas. Inicialmente, esteve ligado ao cultivo de vegetais e à criação de 
animais e, por extensão, ao cultivo da mente humana. A partir da introdução do termo cultura nos 
estudos da antropologia comparada, seu conceito foi ampliado no sentido de entender que não 
existe uma única cultura na sociedade, mas culturas que coexistem no mesmo espaço e na mesma 
temporalidade. 
Segundo Raymond Williams, o termo cultura pode ser entendido como “[...] modo de 
vida global distinto, dentro do qual se percebe, hoje, um sistema de significações bem definido 
não só como essencial, mas como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade 
social”
23
. Dessa forma, entendemos que durante o processo de implantação da modernidade 
 
23
 WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 13. 
24 
 
brasileira, uma nova maneira de se relacionar com a doença e com o doente foi implantada a 
partir do discurso médico, criando novos espaços, novos estigmas, novas práticas médicas. 
Para alguns teóricos da história cultural, as produções realizadas na década de 1970 e 
1980 podem ser demarcadas pelo que se intitula de Nova História Cultural. Para Burke
24
, essa 
Nova História Cultural teve influência da sociologia e da antropologia, das confluências dos 
estudos produzidos na Europa e nos Estados Unidos. Essas produções culturais surgiram como 
resposta à expansão do sentido de cultura, sendo caracterizada pelo zelo com a teoria. Diferente 
de Burke, Roger Chartier afirma que a produção da História Cultural foi desenvolvida a partir da 
oposição às abordagens produzidas pela história das mentalidades. Esse seria um termo muito 
ambíguo para retratar os elementos psicológicos e os elementos sociais de um determinado 
espaço. Além dessa crítica ao termo história das mentalidades, ele também questiona a forma 
linear como as produções culturais eram retratadas
25
. Para o autor, as produções realizadas antes 
dos anos 1980 não tinham unidade, como também não apresentavam elementos metodológicos 
suficientes para o embasamento das produções culturais. 
Diferentemente de Chartier, Pesavento
26
 afirma que a Nova História Cultural é um 
desmembramento da história social e as suas investigações vêm somar com as abordagens já 
presentes, tendo como um dos campos teóricos a representação. Ela entende que a própria 
produção da história cultural não passaria de representações de uma determinada sociedade. 
Dois conceitos são importantes ao retratar a História Cultural: práticas e 
representações. Segundo Barros
27
, as práticas culturais são as formas como as diferentes 
sociedades reagem a diferentes ações, seja do ponto de vista do aspecto político, econômico ou 
social. As práticas seriam 
 
[...] não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade 
de ensino, mas também os modos como, em uma dada sociedade, os homens 
falam e se calam, e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, 
solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou 
recebem os estrangeiros
28
. 
 
 
24
 BURKE. Peter. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 
25
 BURKE. Peter. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 
26
 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. Revista Estudos 
históricos, Rio de Janeiro, v .8, n. 16, p. 279-290, 1995. 
27
 BARROS, José D’Assunção. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual e seus 
diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n. 16, p. 6-38, 2011. 
28
 Idem, 2011. p. 47. 
25 
 
Com base na definição de práticas culturais, analisar o processo de isolamento dos 
leprosos em espaços delimitados e construídos para esse fim a partir da História Cultural consiste 
em indagar além dos aspectos relativos à arquitetura, ou ao processo de construção, mas 
compreender o discurso proferido sobre esse isolamento, sobre a doença, compreender as práticas 
médicas instauradas e quem eram os sujeitos que o integravam e como viviam os doentes. 
O segundo conceito, as representações, está estreitamente ligado às práticas. As 
representações geram práticas, assim como as práticas geram representações, ou seja, não existem 
práticas que não sejam produzidas pelas representações. 
A consolidação da classe médica como os grandes salvadores da pátria no século XX, 
como formadora da nova sociedade brasileira, foi essencial na consolidação das ideias de 
modernização do país e, consequentemente, nas representações construídas em torno da lepra e 
da sua profilaxia (baseada no isolamento compulsório dos doentes em leprosários e colônias). 
Nesse sentido, podemos dizer que o grupo médico se consolidava na sociedade como um 
importante grupo social, com local de fala e atuação bem determinados. 
Os discursos médicos, proferidos sobre a necessidade de construção de um leprosário, 
a necessidade de exclusão dos leprosos do convívio com o saudável, a presença do saber médico 
nas diversas instituições, como escolas e entidades filantrópicas, demarcaram o poder das novas 
ideias higiênicas e o poder médico na sociedade, demonstrando a participação dessas instituições 
na construção do isolamento em Natal. 
O discurso produzido por diferentes grupos e atores sociais durante o combate à 
lepra, nas primeiras décadas do século XX, é entendido neste trabalho como uma narrativa 
cultural. O combate à doença e a busca pela saúde criaram novas práticas médicas profiláticas e 
novos espaços hospitalares, como o Leprosário São Francisco de Assis. Para entender o processo 
de edificação do isolamento em Natal, bem como as práticas médicas realizadas nessa instituição, 
utilizei o conceito de cultura política. O estudo do político do ponto de vista cultural é importante 
porque possibilita compreender os atos dos homens, os sistemas de valores, as crenças, as 
normas, as representações da sociedade. O combate à lepra no Brasil fazia parte de um conjunto 
de ações políticas que envolvia diferentes atores sociais. 
O termo Cultura Política surgiu da aproximação entre os elementos culturais e os 
elementos políticos. O alargamento do conceito de cultura possibilitou novas análises baseadas na 
abordagem cultural, como as análises políticas. Esse termo foi utilizado pela primeira vez nos 
26 
 
anos 1960, com os trabalhos de Gabriel Almond e Sidney Verba, os estudos tinham como 
objetivo compreender os aspectossubjetivos ligados aos ideais políticos presentes nas sociedades 
contemporâneas
29
. 
Jean-François Sirinelli
30
 define cultura política como um conjunto de símbolos e 
códigos, seja em uma tradição política ou um partido. Assim, existem várias culturas políticas em 
um mesmo espaço, se relacionando entre si e criando novas culturas e novas ideias. Berstein
31
 
retrata que a cultura política permite adaptar as diferentes complexidades dos comportamentos 
humanos dentro da sociedade, já que existe uma pluralidade de culturas políticas convivendo no 
mesmo tempo e espaço. A República brasileira, especificamente entre os anos de 1910 a 1930, 
pode ser caracterizada pela pluralidade de grupos políticos que atuavam em diferentes espaços, 
grupos com culturas políticas diversas que se mesclavam e se adaptavam entre si. O processo de 
implantação do leprosário, bem como as práticas de combate à lepra, tornou-se parte do plano de 
governo, no qual o saber médico e o poder político se entrecruzavam em Natal. O combate à 
epidemia da lepra tornou-se um elemento indispensável para a efetivação das políticas sanitárias 
e símbolo da preocupação política do período. 
O conceito de cultura política é utilizado neste trabalho para defender a ideia de que a 
ação do poder público e o discurso médico, através dos seus agentes, presente nas primeiras 
décadas do século XX, possuía uma cultura política própria, proveniente do grupo político que 
fazia parte, do conceito de modernidade que defendiam e do local de fala. 
As culturas políticas surgem de uma necessidade da social, uma resposta aos 
problemas enfrentados. Nas primeiras décadas do século XX, as estruturas sociais brasileira 
sofreram transformações importantes na sua forma política, na concepção do que seria uma 
sociedade ideal, da relação entre saúde e poder político. Esses elementos propiciaram a 
construção de novos elementos culturais, em especial o fortalecimento do poder médico nas 
estruturas políticas e o desenvolvimento do conceito de saúde. 
As culturas se materializam por meio dos discursos e dos símbolos. O discurso, 
como portadores das ideias, da materialização da sua identidade, e os símbolos, no nível dos 
gestos e das representações visuais das ideias. Portanto, se faz de grande importância analisar as 
 
29
 BARROS, José D’Assunção. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual e seus 
diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 12, n. 16, 2011. 
30
 BERSTEIN, Sérgio. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma história 
cultural. Lisboa: Estampa, 1998. 
31
 Idem, 1998. 
27 
 
práticas e os discursos presentes nas primeiras décadas na cidade do Natal no processo de 
construção e no funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis. 
Esse isolamento tornou-se um importante espaço médico da cidade, local de 
simbologias e de práticas. O espaço é uma instância que recebe diferentes significados nos 
trabalhos científicos, aqui utilizaremos a ideia de espaço como produção cultural, que ganha 
significado a partir das práticas instituídas e das simbologias construídas pela sociedade e pelos 
seus praticantes. Para Certeau, o espaço é praticado e experenciado pelos indivíduos de diferentes 
formas
32
. Utilizo a sua ideia de espaço praticado no sentido de afirmar que cada interno vivenciou 
o isolamento e experenciou os diferentes espaços da instituição de forma singular. Médicos, 
pacientes e funcionários praticaram o espaço e criaram simbologias próprias sobre a instituição 
de isolamento. 
As cidades são organizadas segundo o discurso dos não praticantes do seu espaço, a 
partir da visão dos planejadores, seguindo um plano racional, excluindo do campo de visão 
qualquer poluição ou mal que pudesse prejudicar a cidade ideal e a formação de um sujeito único, 
modelar. A cidade republicana, baseada nas ideias de modernidade, foi planejada para se 
transformar na cidade ideal, limpa, moderna, racional, com indivíduos civilizados. Ela instaurou 
uma nova ordem simbólica, uma cidade conceito, com novos espaços. Natal sofreu o processo de 
organização do seu espaço, sendo exaltado o que era tido como saudável e excluindo-se o que era 
impuro e doente. O Leprosário São Francisco de Assis inseriu-se nessa organização, sendo o 
espaço da exclusão dos impuros, dos leprosos. 
 
O Leprosário São Francisco de Assis e as suas fontes 
 
O trabalho de investigação da História situa-se entre o tempo do objeto e o tempo do 
investigador
33
. Essa afirmação da historiadora Carla Boto leva-me a pensar sobre a produção 
histórica e as interferências que essa escrita sofre no tempo e no espaço em que está inserida. 
Dessa forma, não é intenção deste trabalho abarcar todos os aspectos relativos ao combate à lepra 
no Rio Grande do Norte, mas trata-se de uma produção pertencente ao seu tempo. 
 
32
 CERTEAU, Michael. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008. 
33
 Para mais informações, ler: BOTO, Carla. Nova história e seus velhos dilemas. Revista USP, São Paulo, n. 24, p. 
23-33, 1994. 
28 
 
O campo de investigação da história da saúde e da doença é bastante amplo, com 
diferentes abordagens e enfoques, no entanto, as pesquisas referentes à História da Saúde e da 
Doença sobre o Rio Grande do Norte ainda se encontram em menor número. Diante das questões 
propostas, foi necessário realizar uma pesquisa bibliográfica ampla sobre as trajetórias médicas 
no início da República, conhecer outros leprosários construídos no Brasil, se debruçar sobre as 
políticas de combate à lepra instauradas em diferentes temporalidades. Essas informações, 
obtidas a partir da leitura sistematizada desses temas, foram de grande importância, pois 
possibilitaram fechar algumas lacunas deixadas pela documentação a que tive acesso e também 
compreender a organização institucional à qual o Leprosário São Francisco de Assis estava 
subordinada. 
O combate à lepra fez parte da política sanitária nacional, estando presente em todo o 
território brasileiro. Assim, a lepra, como outras doenças entendidas como problema nacional, 
ganharam uma atenção especial das políticas públicas em diferentes temporalidades, com 
inspetoria própria, congressos, notificação compulsória e tratamento específico. Dessa forma, é 
importante compreender a construção do aparato institucional elaborado para combater o grande 
mal que assolava o país. Diante dessa questão indago: quais eram os órgãos institucionais 
presentes nesse período? Quais os regulamentos e leis que organizavam o serviço de combate à 
lepra e a instalação do Leprosário São Francisco de Assis? Quais os dados oficiais sobre os 
doentes? 
Para responder a esses questionamentos, utilizamos um conjunto documental de 
natureza administrativa que engloba discursos médicos – participantes da Comissão Pró-
leprosário, principais leprologistas e participantes dos congressos médicos durante os anos de 
1923 a 1941; fala dos principais agentes políticos, presidentes do Estado, diretor do 
Departamento Nacional de Saúde, diretor do Leprosário São Francisco de Assis e de outras 
instituições médicas; leis, decretos e resoluções que demarcaram e regulamentaram o isolamento 
dos doentes; mensagem dos Presidentes do Estado do Rio Grande do Norte. 
Além do aparato institucional, foi importante compreender os discursos presentes na 
construção do Leprosário São Francisco de Assis, observando: quem idealizou; quais os recursos 
utilizados; como a sociedade participou dessa construção. Dessa forma, utilizamos os jornais de 
diferentes localidades publicados no período entre os anos de 1910 e os de 1950, para 
compreender as falas e os discursos retratados pelos médicos e pelo poder público e entender 
29 
 
como a construçãoe o funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis foram demonstrados 
e enfatizados nesses períodos. 
Outro conjunto documental utilizado foram os documentos presentes no arquivo do 
leprosário. Esse arquivo conta com uma vasta documentação que compreende um recorte 
temporal de 1926 até 1998. A partir do estudo dessa vasta documentação, pude compreender, de 
forma mais ampla e aprofundada, funcionamento do hospital e quem eram seus internos. 
Esse arquivo apresenta dois tipos de documentos principais: o primeiro deles 
corresponde aos documentos administrativos, como dados dos funcionários, transações 
financeiras, dieta alimentar dos internos e projetos sociais implantados na instituição. O segundo 
grupo de documentos corresponde aos prontuários médicos dos pacientes, que denominei de 
prontuários médicos. Esse corpo documental foi objeto de análise deste trabalho. Ele é formado 
por uma série de documentos de distintas temporalidades e com diferentes nomenclaturas: ficha 
clínica dos pacientes dos anos de 1926 a 1930, que corresponde aos primeiros internos da 
instituição. Ela apresenta nome do paciente, idade, local de origem, como contraiu a doença, os 
primeiros sintomas, profissão e o resultado do exame da mucosa nasal com o tipo de bactéria que 
o indivíduo estava contaminado; fichas clínicas de 1930 a 1960, fichas dos pacientes que foram 
internados nesses anos, registram as principais características do doente, nome, idade, altura, 
estado civil, situação da doença. Diferente das primeiras fichas, essas possuem a preocupação de 
registrar a situação social do indivíduo, o tipo de casa, profissão que exercia e todo o antecedente 
familiar do doente. 
Além desses documentos, também estão presentes dois tipos de fichas de avaliações 
médicas dos doentes produzidas entre os anos 1930 a 1960: O primeiro grupo é formado por um 
conjunto de fotografias, o qual demonstra as principais deformidades físicas causadas pela 
bactéria e o tipo de tratamento a que o paciente foi submetido. O segundo tipo corresponde às 
avaliações realizadas pelos médicos no corpo dos doentes através de desenhos e símbolos que 
demonstram o grau e a evolução da incapacidade do corpo. 
Por meio do estudo desse corpo documental, pude identificar quem foram os internos 
dessa instituição, qual a situação econômica, quem eram os seus familiares, qual o período de 
entrada e de saída, quantas fugas foram registradas. Também foi possível investigar as práticas 
médicas desenvolvidas no interior do isolamento, observando alguns aspectos como: os 
procedimentos para a elaboração do diagnóstico do doente, os exames realizados, os médicos 
30 
 
presentes nessa instituição, o tratamento desenvolvido, a forma como os enfermos contraíam a 
bactéria, os níveis de infecção, os níveis de incapacidade física, o período de permanência na 
instituição, altas hospitalares. 
Entre os documentos que englobam o que denominei de prontuário médico, também 
há fichas de notificação compulsória dos anos de 1920 e 1930. Apesar de ser formada por um 
grupo reduzido de fichas, a análise desses documentos possibilitou compreender como ocorria a 
notificação dos leprosos no Estado, quais os dados registrados, quem foram os doentes 
notificados e quem realizava a notificação dos casos de lepra denunciados. 
O arquivo ainda conta com fotografias do período da inauguração das dependências 
do Leprosário São Francisco de Assis e das casas ocupadas por alguns internos. A planta baixa do 
isolamento datada da década de 1970 apresenta o modelo arquitetônico do leprosário e as várias 
interferências arquitetônicas realizadas em suas dependências. Esses documentos foram 
utilizados para compreender os elementos físicos presentes no seu edifício, as partes que 
formavam o isolamento, como eram as dependências e as suas estruturas. 
A análise desse corpo documental também nos apresenta outra questão, as diferentes 
nomeclaturas que essa instituição adquiriu durante a sua trajetória. No primeiro momento, foi 
chamada de Leprosário, logo após Colônia São Francisco, Colônia Agrícola e Vila São 
Francisco. É importante investigar a relação dessas denominações com o tipo de tratamento 
realizado, a política nacional de combate à lepra implantada e o conceito médico do isolamento. 
Entendemos que todas as fontes utilizadas neste trabalho possuem um local de fala e 
uma intencionalidade ao ser produzida. Não existe trabalho de História sem a análise das fontes e 
sem as perguntas que o historiador realiza. No processo de análise do material, respeitamos o 
local de produção e a sua intencionalidade, já que os documentos históricos são fruto da prática 
social da sociedade que o produziu. 
 O presente trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo, A construção 
do Leprosário São Francisco de Assis, aborda a construção do Leprosário São Francisco de 
Assis, procurando responder as seguintes questões: qual o local escolhido para instalação do 
leprosário? Por quê? Quem financiou a construção? Qual o modelo arquitetônico empregado? 
Quais as suas dependências e como foram construídas? Existiam semelhanças entre o Leprosário 
São Francisco de Assis e os demais leprosários no Brasil? 
31 
 
O segundo capítulo, Os internos do Leprosário São Francisco de Assis, discute quem 
foram os sujeitos que vivenciaram o isolamento compulsório no Leprosário São Francisco de 
Assis. Dessa forma, buscamos compreender quem eram os internos, qual a sua origem, a situação 
econômica, a profissão que exercia, quantos anos permaneceram na instituição, quem era a 
família, qual o tipo de acomodação tinha no leprosário. 
O terceiro e último capítulo, As práticas médicas desenvolvidas no Leprosário São 
Francisco de Assis, busca compreender quem foram os profissionais que atuaram no isolamento, 
qual o pensamento desses médicos, quais as práticas médicas utilizadas, como ocorria a 
identificação dos doentes, de que forma eram realizados os exames, o diagnóstico e a evolução 
dos enfermos. 
 
 
32 
 
CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS 
 
 Durante a década de 1920, a profilaxia da lepra esteve no centro da política de saúde 
nacional, o combate a essa doença baseava-se no isolamento dos doentes em leprosários e 
colônias agrícolas. Assim, em vários estados do Brasil, teve inicio o processo de notificação 
compulsória dos doentes e a edificação de espaços destinados a isolar os leprosos presentes entre 
a população. Diante das diretrizes nacionais de combate ao mal de Hansen, o estado do Rio 
Grande do Norte necessitou organizar políticas públicas que o inserisse nas novas ideias 
sanitárias, entre elas ações que visassem combater a lepra. 
 Ao investigar as condições sanitárias e higiênicas do Rio Grande do Norte, verifiquei 
que a lepra não estava entre as moléstias historiadas que atingiam fortemente a população. Os 
problemas sanitários mais corriqueiros eram as doenças do aparelho digestivo, febre tifoide, febre 
amarela, a mortalidade infantil, entre outras. Apesar dessa ausência de um elevado registro de 
pessoas contaminadas com o bacilo de Hansen, existiu no Rio Grande do Norte, ainda durante a 
década de 1920, um conjunto de ações direcionadas para o combate à lepra, entre elas a 
edificação do Leprosário São Francisco de Assis. Diante disso, algumas questões surgiram: como 
a política nacional de saúde influenciou as ações e as ideias da política estadual? Quantos 
leprosos existiam no Rio Grande do Norte? Como os jornais noticiaram a presença da lepra no 
Estado? Como iniciou o processo de edificação do leprosário? Qual o local escolhido para a 
prática do isolamento? Quais os recursos financeiros utilizados? 
 Dessa forma, o capítulo apresenta como objetivo analisar a implantação da política 
nacional de combate à lepra, quais os mecanismos utilizados pelo Estado para conhecer e 
combater os doentes de lepra. Além disso,analisa o percurso de construção do Leprosário São 
Francisco de Assis no Rio Grande do Norte, enfatizando os discursos dos Presidentes de Estado, 
o discurso da classe médica potiguar, os estágios da edificação do isolamento e a movimentação 
dos seus internos. 
 
1.1 O governo brasileiro e a construção dos leprosários 
 
A lepra começou a ser objeto da atenção sistemática por parte de médicos e do Estado 
brasileiro a partir dos anos 1920. Um marco importante desse processo foi a publicação do 
33 
 
Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 1920
34
, que criou o Departamento Nacional de Saúde 
Pública. Vinculada a esse departamento, foi criada a Inspetoria de Profilaxia da Lepra
35
, que 
intensificou a campanha contra a doença em todos os estados brasileiros. A construção dos 
leprosários nos estados fez parte de um projeto modernizador que vislumbrava a saúde como 
essencial na construção de uma sociedade saudável e civilizada. No Rio Grande do Norte, 
especificamente, uma das medidas tomadas para o combate à lepra foi a construção, em 1926, do 
Leprosário São Francisco de Assis. 
No Brasil, desde o século XIX, podem ser identificadas medidas sanitárias, tais 
como: a criação de espaços médicos (hospitais e isolamentos); de regulamentos (que 
determinaram, por exemplo, a notificação compulsória das doenças transmissíveis (1902) e a 
instituição da obrigatoriedade da vacina contra a varíola (1904)); e de alguns órgãos públicos 
(tais como a Diretoria Geral de Saúde Pública (1897) e o instituto soroterapêutico Municipal 
(1900)
36
. Esses órgãos públicos funcionavam sobretudo nas grandes cidades, como o Rio de 
Janeiro, e controlavam estaticamente os pacientes e as doenças, além de notificar os enfermos nos 
casos de doenças contagiosas. Já nas áreas mais distantes dos centros políticos, como o nordeste 
do Brasil, como afirmou Oliveira, as reformas sanitárias tonaram-se mais efetivas durante a 
década de 1920. 
 
Comparativamente, os Estados do Nordeste ficariam muito aquém da referência 
sanitária que vivenciaram Rio de Janeiro e São Paulo. Mesmo a Bahia, um dos 
mais populosos Estados do Nordeste, e visto como um locus tradicional em 
educação médica, em virtude da Faculdade de Medicina aí instalada, não teve 
uma reforma sanitária expressiva até a década de 20 [...]
37
. 
 
 Em Natal, particularmente, a adoção dessas medidas era tímida. A precariedade das 
condições de saúde estava expressa tanto na ausência de hospitais adequados, quanto na 
 
34
 BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920. 
35
 Inicialmente, essa divisão foi denominada Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas. 
Posteriormente, foi transformada em Inspetoria de Profilaxia da Lepra. 
36
SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no 
complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em 
História) – Departamento de História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012, p. 47. 
37
 OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Fora da higiene não há salvação: a disciplinarização do corpo pelo discurso 
médico no Brasil Republicano. Revista de Humanidades, v. 4, n. 7, p. 14-29, fev./mar. 2003. 
34 
 
inexistência de órgãos que controlassem os dados numéricos sobre as doenças e os enfermos, 
desrespeitando o que determinava o Decreto Federal de 1904
38
. 
Por essa linha de pensamento, pode-se inferir que, se nesse período não havia uma 
política sistematizada de saúde para o país, não havia também medidas de monitoramento e de 
profilaxia para controlar uma doença específica como a lepra. No que concerne especificamente à 
lepra, não havia um acompanhamento sistemático da doença, sobretudo, nas pequenas cidades, 
como era o caso de Natal. Por essa lógica, que a ausência de registros médicos e de órgãos que 
acompanhassem os dados acerca dos doentes pode ter gerado a informação de que não havia 
casos de lepra no Rio Grande do Norte antes da década de 1920
39
. 
Há notícias da presença da lepra no território brasileiro desde o período colonial, 
sobretudo em São Paulo e Minas Gerais
40
. Todavia, até os primeiros anos do século XX, quando 
se tornou um problema sanitário nacional, a lepra não era vista como uma grande epidemia, 
outras doenças – como a sífilis, a varíola e a tuberculose – causavam mais preocupação às 
autoridades. Apesar de haver registros em 1904
41
 de discursos médicos, como o de Osvaldo Cruz, 
que defendiam a construção de lugares apropriados para o isolamento e o abrigo dos leprosos, 
não existia uma regulamentação que responsabilizasse o Estado por essa ação. Em geral, o que os 
médicos defendiam era que os leprosos deveriam ser atendidos pelos setores caridosos da 
sociedade. Nesse sentido, é importante afirmar que até a década de 1910 o Movimento Sanitário
42
 
ainda não havia inserido essa epidemia como problema nacional a ser enfrentado pelo Estado
43
. 
Segundo Cabral, somente com o crescimento alarmante de casos de lepra nos 
diversos estados brasileiros, a partir da década de 1920, a epidemia passou a exigir uma política 
 
38
 Decreto Federal nº 1.151, de 5 de janeiro de 1904. Esse Decreto Reorganiza os serviços da hygiene administrativa 
da União. 
39
 Os primeiros casos de lepra no Rio Grande do Norte são notificados em 1923. 
40
 Vários autores se referem à presença dessa doença em diferentes períodos históricos. Entre eles, pode-se citar 
CUNHA, Vivian da Silva. Isolados “como nós” ou isolados “entre nós”?. História, Ciências, Saúde – 
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 939-954, out./dez. 2010. 
41
 O Regulamento Sanitário de 1904 previa o isolamento e a notificação compulsória dos doentes. Entretanto, não 
havia nenhuma diretriz sobre quem seria o responsável por tal isolamento. Na prática, a diretriz era letra morta na lei. 
42
 Por Movimento Sanitário, compreende-se uma série de ações desenvolvidas tanto em âmbito nacional, como em 
âmbito estadual, em prol da saúde pública. Sobre o tema, consultar: SANTOS, Luiz A. de Castro. As origens da 
reforma sanitária e da modernização conservadora na Bahia durante a Primeira República. Disponível em: 
<http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581998000300004>. 
43
 MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas 
de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, 
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. 
35 
 
para o seu combate
44
. A partir de então, alguns grupos da sociedade brasileira passaram a debater 
sobre a necessidade de cada estado da União criar instituições (leprosários), para evitar a 
convivência dos doentes com as pessoas saudáveis, revelando a falta de um consenso sobre a 
necessidade de isolar os pacientes. Esse debate perdurou até a década de 1930 e contou, 
basicamente, com duas posições diferentes acerca do isolamento dos doentes. 
A primeira posição argumentava em favor do tratamento em pequenas colônias e em 
residências, contrapondo-se à ideia de internamento compulsório. Esse posicionamento permitiu 
a criação de diretrizes para o combate à lepra e às doenças venéreas na década de 1920. A 
segunda interpretação argumentava em favor do isolamento amplo do doente em colônias e 
realizado por intermédio da internação compulsória dos doentes. Foi a proposta da segunda 
interpretação que se tornou hegemônica no Brasil. 
Somente a partir do ano de 1915, diante do aumento dos casos de lepra no território 
nacional e a ineficácia do isolamento realizado nos lazaretos
45
, o saber médico passou a interferir 
na política estatal e a defender a implantação de políticas públicas para combater a lepra. Nesse 
período