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SINTOMAS NÃO MOTOTRES DA DOENÇA DE PARKINSON - DR FILIPE MILAGRES -

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A IMPORTÂNCIA DE RECONHECER E TRATAR OS SINTOMAS NÃO MOTOTRES DA 
DOENÇA DE PARKINSON 
Dr. Filipe Milagres, MD 
Universidade de São Paulo – USP 
HCRP-USP / Setor de Distúrbios do Movimento e Neurologia Comportamental 
2019 
 
Por muitos anos, a doença de Parkinson (DP) foi clinicamente definida como um distúrbio 
eminentemente motor, se manifestando com lentidão e redução da amplitude dos movimentos, 
tremor de repouso, e rigidez muscular. Ao longo do tempo, esse tradicional conceito teve 
alterações significativas, e hoje, a DP é amplamente reconhecida como um distúrbio complexo 
com diversas características clínicas. 
Entende-se por sintomas não motores, uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e clínicos, 
reconhecidos como sendo próprios da doença, que se tornam cada vez mais presentes com a 
progressão da DP. A interferência dos sintomas não motores na qualidade de vida é tão 
relevante quanto o comprometimento motor e, em muitas vezes, incapacitantes. 
 
Apesar do conhecimento atual sobre a DP ter sido melhor delineado somente nas últimas 
décadas, a descrição da doença por James Parkinson, há 203 anos, já mencionava sintomas não 
motores, como constipação intestinal, sialorreia (produção excessiva de saliva), disfunção do 
sistema urinário, e distúrbios do sono. O neurologista e psiquiatra francês Jean Martin Charcot, 
descreveu ainda no século XIX, sintomas como prostração, fadiga e alterações da memória, 
presentes na DP. Vários outros estudiosos como Gowers W, Oppenheim H, e Braak H, 
contribuíram para um maior entendimento dos sintomas não motores, e hoje, já está bem 
estabelecido que a causa desses sintomas está diretamente relacionada ao processo 
degenerativo próprio da DP, aos medicamentos utilizados para o tratamento, e às reações 
emocionais frente à doença crônica. 
 
Os principais sintomas não motores relacionados à doença de Parkinson são, a redução ou perda 
do olfato, o transtorno comportamental do sono REM, a depressão, e a constipação intestinal. 
Admite-se atualmente que esses sintomas podem estar presentes anos a décadas antes das 
dificuldades motoras. Porém, a constelação de sintomas não motores reconhecidos como 
próprios da DP envolve uma extensa variedade de outros sintomas, embora isso não signifique 
que todos os indivíduos portadores da doença irão manifestar todos estes problemas. 
 
Apesar desse novo entendimento da DP, a abordagem multissistêmica ainda é difícil para muitos 
médicos, permanecendo variavelmente sub-reconhecida e sub-tratada. Esse problema é 
agravado pelo fato de que a maioria dos pacientes não referem espontaneamente tais sintomas, 
enquanto em muitos casos, o que mais incomoda e interfere nas atividades de vida diária dos 
parkinsonianos são os sintomas não motores. 
 
Para cada sintoma não motor existem formas de manejo e tratamento, no qual o envoltório 
médico-paciente-cuidador deve estar inteirado, objetivando alcançar a melhor terapêutica, 
individualizando cada caso. Idealmente, é aconselhado uma abordagem multidisciplinar, 
envolvendo cuidados de fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, e terapia ocupacional. Nas 
últimas décadas, foram desenvolvidos questionários simples e objetivos para triagem dos 
sintomas não motores, que podem ser preenchidos antes da consulta médica e facilitar o 
reconhecimento destes sintomas. 
Reconhecer e tratar os sintomas não motores da DP é de fundamental importância para 
estabelecer uma boa qualidade de vida, visando sobretudo, garantir uma maior independência 
ao paciente, e menor sobrecarga ao cuidador. 
 
 
A seguir, estarão alguns destes sintomas e forma de lidar: 
 
SINTOMAS NEUROPSIQUIÁTRICOS: 
 
• DEPRESSÃO: é o distúrbio psiquiátrico mais comum visto na DP, e está associado a um 
impacto negativo na qualidade de vida do paciente. Os principais sintomas manifestados 
são, tristeza, anedonia, e diminuição do interesse pelas atividades. Pacientes com 
depressão devem receber medicação antidepressiva, e/ou terapia cognitivo-
comportamental. O tratamento pode também envolver ajustes de doses das 
medicações dopaminérgicas. 
 
 
• ANSIEDADE: estima-se que ocorra em aproximadamente 30% dos pacientes. Todos os 
tipos de transtornos de ansiedade foram relatados na DP, embora o transtorno de 
ansiedade generalizada e a fobia social pareçam ser os mais comuns. O tratamento 
dependerá de como a ansiedade interfere nas atividades e bem-estar do paciente, e 
envolve uso de medicamentos antidepressivos. 
 
 
• APATIA: a apatia é definida como uma perda de motivação, caracterizada pela 
diminuição da fala, atividade motora, e expressão emocional, geralmente atribuída à 
disfunção do lobo frontal e do sistema límbico. O tratamento ainda não está bem 
estabelecido para esta população. Rotineiramente, alguns medicamentos estimulantes 
do sistema nervoso central, e antidepressivos são tentados. 
 
 
ALTERAÇÕES DO SONO 
 
• TRANSTORNO COMPORTAMENTAL DO SONO REM: é o sintoma não motor mais 
específico da doença de Parkinson. Caracterizado pela presença de sonhos vívidos, e 
presença de movimentos complexos durante o sono REM, fase do sono em que o normal 
é a atonia/paralisia muscular. Os acometidos podem cair da cama, fazer movimentos 
bruscos, vocalizar. O tratamento inicia-se com orientações sobre os cuidados 
necessários no momento de dormir. Deve-se evitar objetos perfuro-cortantes ou 
contundentes próximo da cama, incluindo a proteção de janelas e o uso de leitos mais 
baixos. Muitas vezes é necessário tratamento medicamentoso. 
 
• SONOLÊNCIA EXCESSIVA DIURNA: a sonolência excessiva diurna caracteriza-se por 
incapacidade de permanecer acordado e alerta durante o periodo da vigília diurna, 
resultando em períodos irresistíveis de sono. Ocorre em até 50% dos pacientes. As 
causas são multifatoriais, envolvendo comprometimento das vias sinápticas e dos 
neurotransmissores (hipocretina, dopamina, acetilcolina e noradrenalina), efeitos dos 
medicamentos usados no tratamento da DP, ou ainda, dos distúrbios primários do sono, 
como apneia do sono e insônia. Muitas vezes, a polissonografia contribui para o 
diagnóstico. O tratamento envolve suspeitar e tratar os distúrbios primários do sono, 
retirada de medicamentos sedativos, e/ou redução das medicações dopaminérgicas, 
usadas para a melhora motora da doença. Alguns medicamentos estimulantes do SNC 
podem ser usados. 
 
• SÍNDROME DA APNEIA E HIPOPNEIA OBSTRUTIVA DO SONO (SAHOS): a SAHOS 
caracteriza-se por episódios obstrutivos recorrentes nas vias aéreas superiores, 
associados a dessaturação de oxigênio, despertares e fragmentação do sono. O 
diagnóstico é suspeitado em consulta médica, e confirmado com a polissonografia. O 
tratamento envolve o uso de aparelhos de pressão positiva nas vias aéreas, para as 
formas moderadas e graves. Medidas de higiene do sono, redução de peso, e restrição 
de medicamentos sedativos devem ser implementadas. 
 
 
DISFUNÇÃO COGNITIVA 
 
• DEMÊNCIA: embora a DP possa coexistir com outras causas comuns de demência, como 
a doença de Alzheimer e a demência vascular, o comprometimento cognitivo e a 
demência são cada vez mais reconhecidas como uma característica comum da própria 
DP. Geralmente ocorre nos estágios finais da doença. É classicamente considerada uma 
demência subcortical, com lentificação psicomotora, dificuldade de memória e 
alteração da personalidade. Os déficits no funcionamento executivo (tomada de decisão 
ou multitarefa), costumam ser os primeiros sintomas manifestados. O tratamento 
envolve uso de medicamentos, e objetiva controlar os sintomas, não modificando o 
curso da doença. 
 
 
SINTOMAS URINÁRIOS 
 
• O descontrole urinário é um grande problema para muitos pacientes. Os sintomas mais 
comuns são, vontade de urinar várias vezes durante à noite, e urgência para urinar. É 
importante abordar como esses sintomas afetam o quotidiano dos pacientes e como os 
sintomas de bexiga hiperativa podem ser particularmente desagradáveis. Existem 
medicamentos capazesde controlarem estes sintomas. Em alguns casos, é 
recomendado avaliação urológica. 
 
SINTOMAS GASTRINTESTINAIS 
• Disfagia (dificuldade para engolir): a maioria dos pacientes não se queixa 
espontaneamente de dificuldade de deglutição, e individualmente restringe 
seletivamente a dieta para alimentos pastosos. Engasgos são frequentes, condicionando 
risco de aspiração. Muitas vezes, a perca de peso se deve adicionalmente à esses 
sintomas. Além de ajustes medicamentosos, o acompanhamento fonoaudiológico é 
primordial. 
 
• Sialorreia (produção excessiva de saliva): pode ser consequência da dificuldade de 
deglutição. Novamente, a fonoaudiologia tem papel central no tratamento, e 
adicionalmente, poderá desenvolver um trabalho para fortificar a voz, que nestes 
pacientes normalmente está enfraquecida. Existem boas opções de tratamento 
medicamentoso, dentre eles, a aplicação de toxina botulínica. 
 
• Constipação intestinal: presente em cerca de 80% dos pacientes, é habitualmente o 
sintoma mais precoce, podendo anteceder as manifestações motoras em até 20 anos. 
Ocorre devido ao processo neurodegenerativo, e posteriormente, agravado devido ao 
uso de algumas medicações. O tratamento envolve medidas não farmacológicas, com 
uma dieta rica em fibras (40 a 70g/dia), aumento da ingesta hídrica, exercícios físicos 
regulares, e massagens abdominais. Em muitos casos é necessário o uso de laxativos. 
 
 
SINTOMAS AUTONÔMICOS 
• HIPOTENSÃO ORTOSTÁTICA: é a queda da pressão arterial ao se levantar, podendo 
preceder ou até mesmo levar à síncope (“desmaio”). É um sintoma muito comum, 
porém, pouco referido aos médicos. O tratamento envolve a prática regular de exercício 
físico, e uso de meias de compressão nas pernas. Se orientação médica, pode-se 
aumentar ingesta de sal e água, e programar a suspensão de possíveis medicamentos 
que podem estar contribuindo para o problema. Se mesmo assim os sintomas 
persistirem, medicamentos específicos podem ser indicados. 
 
 
DISFUNÇÕES SENSITIVAS 
 
• HIPOSMIA (REDUÇÃO DO OLFATO): é o sintoma não motor mais sensível da DP, pois 
ocorre em até 90% dos acometidos pela doença, e podem estar presentes anos antes 
dos primeiros sinais motores. 
 
• DOR: é uma queixa comum nos pacientes com DP, e também pode estar presentes anos 
antes da fase motora. Porém, ocorre mais comumente na fase em que os sintomas 
motores estão avançados. A causa é multifatorial. As principais queixas são, dor lombar, 
cãibras, e dor articular. O tratamento em geral envolve otimização das doses dos 
medicamentos antiparkinsonianos, e fisioterapia. Medicamentos analgésicos e anti-
inflamatórios podem ser usados quando indicados. Um ponto essencial a abordar, é a 
conhecida e associação entre dor e sintomas depressivos. 
 
 
OUTROS SINTOMAS NÃO MOTORES: 
 
• Psicose, fadiga, dermatite seborreica, parestesias 
 
 
*Esse é um conteúdo de caráter informativo. Qualquer terapia deve ser modificada ou 
implementada sob a indicação do seu médico 
 
Dr. Filipe Miranda Milagres Araujo 
Neurologista especializado em Distúrbios do Movimento pela USP-RP 
CRMMG 57153 / RQE 42850 
filipeneuro@usp.br

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