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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO DO VALE DO IPOJUCA – UNIFAVIP Curso de Direito CARANDIRU – O QUE DEU ERRADO? UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PRISIONAL E O QUE OCASIONOU O MAIOR MASSACRE CARCERÁRIO DO BRASIL JOÃO PAULO DOS SANTOS PAIVA Caruaru 2022.2 2 JOÃO PAULO DOS SANTOS PAIVA CARANDIRU – O QUE DEU ERRADO? UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PRISIONAL E O QUE OCASIONOU O MAIOR MASSACRE CARCERÁRIO DO BRASIL Artigo Científico Jurídico apresentado ao Centro Universitário do Vale do Ipojuca UNIFAVIP, como requisito para conclusão do Curso de Direito. Orientadora: Professora Newdylande de Oliveira Ribeiro de Souza Caruaru 2022.2 3 JOÃO PAULO DOS SANTOS PAIVA CARANDIRU – O QUE DEU ERRADO? UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PRISIONAL E O QUE OCASIONOU O MAIOR MASSACRE CARCERÁRIO DO BRASIL Artigo Científico Jurídico apresentado ao Centro Universitário do Vale do Ipojuca UNIFAVIP, como requisito para conclusão do Curso de Direito. Orientadora: Professora Newdylande de Oliveira Ribeiro de Souza Banca Examinadora __________________________________________________________ Professora Newdylande de Oliveira Ribeiro de Souza __________________________________________________________ 1ª Examinadora: Professora Tatiana Costa _________________________________________________________ 2ª Examinadora: Valéria Soares Caruaru 2022.2 4 A Deus que é meu guia, a minha família que sempre me apoiou em todos os momentos e sem dúvida é a base para o meu equilíbrio e força nessa vida e a todas as 111 vítimas do Massacre do Carandiru. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, por tudo o que Ele tem feito por mim, por me proteger e guiar em todos os meus passos, me dando força e fé para superar os obstáculos durante essa árdua trajetória. A minha família, na forma de minha mãe Ana, meu pai João, minha tia Josefa e meu irmão Sávio, por todo carinho e incentivo em cada momento, sem eles imagino que não seria nada do que sou. A minha companheira, Lívia Marcelle, por me apoiar em minha trajetória acadêmica, me incentivar e ser meu alicerce em meio as adversidades. Aos meus nobres e valorosos amigos, em especial Pedro Antonino, pelos valores que sempre me encheram de inspiração e motivação para enfrentar as dificuldades cotidianas. A minha orientadora, Professora Newdylande Oliveira, por sua admirável compreensão, ensinamentos e pelo fundamental apoio a mim concedido, que me servirão por toda vida. E a tantos outros, colegas e amigos, que nos mais diversos lapsos temporais até então vividos, me inspiraram à concretização deste trabalho. O meu muito obrigado. 1 CARANDIRU – O QUE DEU ERRADO? UM ESTUDO SOBRE O SISTEMA PRISIONAL E O QUE OCASIONOU O MAIOR MASSACRE CARCERÁRIO DO BRASIL João Paulo dos Santos Paiva1 RESUMO O Brasil possui uma conjuntura normativa que serve de exemplo para diversos países, todavia, a realidade carcerária brasileira é de constantes violações de direitos e garantias. Portanto, o objetivo deste artigo foi analisar o Massacre do Carandiru, ocorrido em 02/10/1992 e que foi um marco para o cárcere brasileiro. Foram utilizados diversos meios de pesquisa, como livros, artigos científicos, notícias, relatórios, entre outras fontes que abordavam a Casa de Detenção de São Paulo, sendo, portanto, uma pesquisa essencialmente bibliográfica. Entretanto, para que fosse possível entender os principais fatores que levaram ao massacre, se fez necessário discorrer a respeito da evolução do sistema prisional e dos direitos e garantias do detento, desde os seus primeiros registros históricos até a data do massacre, e quais os impactos da chacina para o próprio sistema prisional e para a sociedade como um todo. O artigo abordou o contexto histórico e político do Carandiru, bem como as questões relacionadas ao sistema carcerário. Ademais, foi feita uma comparação entre o Carandiru e o atual sistema prisional, elencando sugestões de medidas efetivas para uma mudança na realidade penitenciária, priorizando a ressocialização do preso e em atenção a dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Carandiru. Sistema Prisional. Ressocialização. Lei de Execução Penal. Direitos Humanos. SUMÁRIO: Introdução; 1. Origem da Pena, do Sistema Prisional e da Ressocialização; 2. Aplicabilidade da Lei de Execução Penal; 3. O Carandiru; 4. Conclusão; Referências. 1 Bacharelando em Direito pela UNIFAVIP Wyden; Membro da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB Subseção Pesqueira/PE; Membro da Comissão de Direito Penal da OAB Subsecção Pesqueira/PE. 2 INTRODUÇÃO No dia 02 de outubro de 1992, no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, se inicia uma briga, segundo os detentos por uma disputa de varal, que gera uma rebelião em todo o pavilhão. Na época a Casa de Detenção, mais conhecida como Carandiru, era considerada uma das maiores da América Latina, com capacidade total para pouco mais de três mil presos, todavia, comportava em torno de sete mil presos. Objetivando conter a rebelião, a Polícia Militar foi acionada e encerrou-a depois de ceifar a vida de 111 detentos, a maior chacina dentro de um presídio da história do Brasil e que 30 anos após o ocorrido, segue impune. Portanto, a pesquisa foi norteada pelo seguinte problema: Quais os principais fatores que levaram ao Massacre do Carandiru? Partindo da hipótese que ao analisar o sistema carcerário brasileiro, abordando perspectivas históricas, jurídicas e sociais, era possível assimilar o que ocorreu no Carandiru e o que ocorre em inúmeras penitenciárias atuais, haja vista que o sistema penitenciário atual continua sendo omisso em garantir assistência ao preso, seja na esfera administrativa, jurídica ou social e impossibilitando a ressocialização. Portanto, entender os elementos que geraram a transição de uma prisão modelo de ressocialização mundial a um sinônimo de fracasso do sistema carcerário era de suma importância para que o ocorrido de 1992 não se repita. Deste modo, o objetivo geral da pesquisa foi investigar os fatores que ocasionaram o massacre. Para tanto, o primeiro objetivo específico foi abordar a ótica histórica do sistema prisional internacional e brasileiro, bem como a ressocialização do apenado ao longo dos anos, discorrendo a respeito das fases da pena e da ressocialização, além da introdução e evolução no Brasil, desde as Ordenações Afonsinas até a Lei de Execução Penal de 1984. O segundo objetivo foi analisar os direitos fundamentais inerentes ao preso e a aplicabilidade da Lei de Execução Penal dentro do sistema prisional, para que fosse possível entender o impacto da falta de políticas públicas que visem ressocializar o detento. 3 Por fim, o terceiro objetivo foi analisar o Carandiru, desde o início de suas atividades em 1920, até o ocorrido de 1992, comparando com o sistema carcerário atual. Objetivando identificar as consequências desse atentado no atual sistema penitenciário brasileiro e buscar soluções para a crise carcerária no Brasil. Para o desenvolvimento do artigo, foi usada uma abordagem qualitativa, sendo uma metodologia de estudo de caso, por meio de pesquisa bibliográfica e documental. 1. ORIGEM DA PENA, DO SISTEMA PENITENCIÁRIO E DA RESSOCIALIZAÇÃO É impreciso afirmar quando houve o surgimento das sanções penais, entretanto, os primeiros registros de normas penais remontam ao Código de Ur- Nammu, criado por volta do século XXI a.C., trazendo o entendimento que as leis eram divinas e o rei era descendente dos deuses, portanto, não havia uma necessidade de punições severas, tendo emvista que a população respeitava as normas e entendia que uma prestação pecuniária era suficiente para sanar o dano causado. Dando assim, uma visão muito mais patrimonial a pena, sendo as únicas penas mais severas o homicídio, roubo, estupro de mulher virgem dum gurus2 e adultério cometido por mulher virgem dum gurus, punidos com a morte, e o sequestro, previsto com encarceramento, onde o indivíduo, além de preso, deveria pagar uma quantia de quinze gin3 de prata. No século XVIII a.C., mais precisamente entre 1792 e 1750 a.C., há a criação do Código de Hamurabi, baseado na Lei de Talião4, onde se verifica que os crimes eram penalizados com atos recíprocos ao praticado, por conta disso, surge a famosa frase “olho por olho, dente por dente”. Todavia, apesar de penas severas, as punições variavam de acordo com o status social do indivíduo, sendo os “awelum” a classe mais alta, homens livres e portadores das punições mais brandas; logo em seguida haviam 2 O termo gurus se refere a homens que costumeiramente mantinham relações de dependência e prestavam serviços das mais variadas espécies a corte imperial em troca de retribuições. 3 Unidade de medida usada durante a III Dinastia de Ur que era equivalente a 8.3 gramas. 4 Talião se origina do latim talionis ius, onde ius significa direito e talionis vem do grego talis, que significa aquilo que tudo reflete. 4 os “mushkenum”, fidalgos com menor status social e por último os “wardum”, escravos que podiam ter propriedades. À época, a codificação se propunha a implantar a justiça na terra, destruir o mal, prevenir a opressão do fraco pelo forte, propiciar o bem-estar social e iluminar o mundo. In verbis alguns exemplos da codificação: 196º - Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá arrancar o olho; 229º - Se um arquiteto constrói para alguém e não o faz solidamente e a casa que ele construiu cai e fere de morte o proprietário, esse arquiteto deverá ser morto; 230º - Se fere de morte o filho do proprietário, deverá ser morto o filho do arquiteto. O Código de Hamurabi foi um marco para o direito penal, alastrando-se por todo o reino babilônico, sendo que a Lei de Talião, citada pela primeira vez em seu código, serviu de inspiração e foi extensamente usada em diversas outras civilizações na antiguidade e em outras épocas, aparecendo inclusive no antigo testamento bíblico. A Grécia Antiga é o berço do direito ocidental e isso inclui o direito penal, iniciando-se na passagem do período homérico para o arcaico, pois, com a mudança das Óikos5 para as Pólis6, há um grande aumento demográfico, influenciando na desigualdade e nos conflitos entre a aristocracia e a população de tal modo que os aristocratas nomeiam primeiramente Dracón e posteriormente Solón legisladores atenienses, para pôr fim aos conflitos sociais. Dracón foi equiparado a um ditador, favorecendo os eupátridas, haja vista que pertencia a classe, e aplicando penas extremamente ríspidas aos infratores. Haja vista o fracasso na tentativa de resolução dos conflitos por Dracón, seu código foi substituído pelas leis de Solón. Já na Roma Antiga, é criada a Lei das XII Tábuas, primeira codificação escrita romana e que traz expressões e conceitos como o dolo, delito, citação e furto. O direito penal no Império Romano se dividia em duas vertentes, a dos delitos públicos, em que o Estado, na figura do magistrado, era encarregado de repreender o indivíduo e os delitos privados, que vigorava sob o sistema de vingança privada, onde cabia aos familiares da vítima aplicar a punição, com o Estado apenas regulamentando a aplicabilidade. Vale citar que antes do Cristianismo, o fundamento para a instituição das penas era a vingança, mas após a instauração do Cristianismo na Legislação 5 Organizações políticas ligadas a família, muito semelhante a tribos, que detinham o poder local. 6 Cidades-estados 5 Romana, a pena passou a ter caráter de caridade e em defesa da segurança e harmonia social. Como cita Santo Tomás de Aquino: “é louvável e salutar, para a conservação do bem comum, pôr à morte aquele que se tornar perigoso para a comunidade e causa a perdição para ela; pois, como diz o Apóstolo, um pouco de fermento corrompe toda a massa”7 Na Idade Média há um caráter exibicionista e sádico na prática de sanções, tendo em vista que a figura do rei era juiz, júri e executor, como cita bem Danielle Magnabosco: As sanções na Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que as impunham em função do status social a que pertencia o réu. A amputação dos braços, a forca, a roda e guilhotina constituem o espetáculo favorito das multidões deste período histórico. Penas em que se promovia o espetáculo e a dor, como por exemplo a que o condenado era arrastado, seu ventre aberto, as entranhas arrancadas às pressas para que tivesse tempo de vê-las sendo lançadas ao fogo. Passaram a uma execução capital, a um novo tipo de mecanismo punitivo.8 Ainda na Idade Média a prisão se torna um meio mais comum de punibilidade, com a Igreja Católica criando o Tribunal de Inquisição, castigando hereges e quem fosse contrário aos dogmas cristãos com o desterro e a prisão. Ademais, monges e clérigos eram punidos por não cumprirem com suas obrigações, sendo coagidos a ficarem em celas meditando em busca do perdão divino. Na Antiguidade o cárcere tinha como único objetivo torturar os delinquentes ou mantê-los em custódia, seja até a data de sua execução ou para que os escravos não fugissem. Todavia, foi apenas entre 1550 e 1552, vindo da ideia dos monges da Idade Média que surgiu a primeira penitenciária do mundo destinada a reclusão de criminosos, a House of Correction of Londres9. Logo em seguida, em Roma, o Hospício San Michel, foi a primeira instituição penal, destinada ao encarceramento de “meninos incorrigíveis”10. Mas foi apenas em 1595 que a pena de privação de 7 AQUINO, Santo Tomás de. Summa Theológica 2ª Parte – Da Justiça Questão LXIV, Artigo II Tradução de Alexandre Correia Ed. Instituto Sedes Sapientiae, 1956- p. 442 8 MAGNABOSCO, Danielle. SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO: Aspectos sociológicos. Jus Navigandi, 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1010/sistema-penitenciario-brasileiro-aspectos-sociologicos. 9 LASTE, Geórgia. Breve resgate histórico da pena. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72978/breve- resgate-historico-da-pena/2 Acesso em: 25/09/2022 10 EDUARDO, Vinícius. História do Sistema Prisional. 2012. Disponível em: https://pordentrodasgrades.blogspot.com/2012/05/historia-do-sistema-prisional.html Acesso em: 25/09/2022 https://jus.com.br/artigos/72978/breve-resgate-historico-da-pena/2 https://jus.com.br/artigos/72978/breve-resgate-historico-da-pena/2 https://pordentrodasgrades.blogspot.com/2012/05/historia-do-sistema-prisional.html 6 liberdade começou a ser aplicada, no Rasphuis de Amsterdã, que no passado era um convento e passou a ser uma prisão. Na Europa, a partir do século XVII, fomentada pela crescente da burguesia e pelo Iluminismo, surgiram diversas escolas de direito, dentre elas a Escola Clássica e a Escola do Direito Natural. Através de grandes pensadores como Montesquieu, Voltaire, Locke, Rousseau, Hobbes, Kant, Spinoza e entre outros, foi se formando cada vez mais um clamor pelo fim das barbáries no panorama penal da época. Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria, publica em 1764 a obra “Dos Delitos e das Penas”, obra essa que virou um alicerce dos Direitos Humanos e teve diversos princípios usados na “Declaração dos Direitos e dos Homens”. A Revolução Francesa de 1789 é o estopim que a população europeia precisava, sendo um marco do direito moderno. A Declaração dos Direitos e dos Homens extinguiu as fases de vinganças do direito penal, sejam elas vingança divina, privada ou pública e trouxe à tona pensamentos humanitários, bem como princípiosnorteadores do direito penal até os dias de hoje, como o princípio da presunção de inocência, da reserva legal e da dignidade da pessoa humana. Após a Primeira Guerra Mundial, surgiu na Inglaterra o sistema de progressão de regime, que ainda é usado pela estrutura penal contemporânea. A época o sistema era dividido em três fases, inicialmente o recluso era mantido em isolamento celular durante o dia e a noite, posteriormente ele era mantido trabalhando em comum, mas em total silêncio e por último era concedido o livramento condicional. Na Irlanda também surgiu um interessante sistema, que consistia em, além das três fases do sistema inglês, uma quarta fase antes da liberdade condicional que o preso ficava em um regime semelhante ao semiaberto dos dias atuais, onde ele podia trabalhar ao ar livre e em estabelecimentos próprios. No Brasil, vale frisar que não há registros de como as tribos indígenas aplicavam sanções punitivas, portanto, apenas é possível abordar após a colonização. O Brasil Colônia no início usou como legislação penal as Ordenações Afonsinas, mesmas leis usadas no Reino de Portugal. Em 1512, Dom Manuel I decidiu por criar as Ordenações Manuelinas, que constavam as mesmas previsões legais das Ordenações Afonsinas com a adição de leis extravagantes. Em 1603, Rei Felipe III na Espanha e II em Portugal revogou as Ordenações Manuelinas e vigorou o Código Filipino, que previa penas muito mais severas em relação a legislação anterior. A 7 legislação brasileira seguia as fases vingativas da pena vista na Europa, com exceção da fase da vingança privada, que vigorou durante a Antiguidade. Um caso que tomou proporções imensas é do mártir Tiradentes, líder do movimento separatista que visava a independência de Minas Gerais, também chamada de Inconfidência Mineira, que foi morto e mutilado, tendo suas partes expostas em várias partes do estado de Minas Gerais, in verbis um trecho da sentença trazido por René Ariel Dotti: Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas publicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde em lugar mais publico dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde o Réu teve as suas infames práticas e os mais nos sitios (sic) de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infamia deste abominavel Réu.11 Durante o Império, o Brasil sofreu forte influência do Iluminismo na elaboração de sua legislação penal, sendo sancionado em 1830 o primeiro Código Penal Brasileiro. Esse Código estipulou a pena de privação de liberdade e a ressocialização do apenado, substituindo as penas infames da época e extinguindo a pena de morte do ordenamento brasileiro. Foi ainda no período do Império que começaram as construções das primeiras penitenciárias brasileiras, sendo a primeira a Casa de Correção da Corte da capital, na época Rio de Janeiro, planejada em 1830 e inaugurada em 1850. Comportando presos antes da inauguração, tinha por objetivo transformar criminosos em “cidadãos probos e laboriosos”, entretanto, não possuía nem regulamento para disciplinar os detentos, ficando à mercê das determinações do administrador. Segundo registros da época, durante a construção, a prisão se assemelhava mais a um canteiro de obras do que a um local de cumprimento de sentença. Sendo registrado alguns incidentes, como o de 1845, onde ocorreu uma invasão e uma intensa troca de tiros dentro da 11 DOTTI, René Ariel. Casos criminais célebres. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 27. 8 prisão ainda em construção. Ao longo dos anos, a Casa de Correção foi transformada no Complexo Penitenciário Frei Caneca, e por fim, demolida em 2010. A realidade do cárcere no período imperial é de precariedade, com penitenciárias sem qualquer infraestrutura para abarcar os detentos. Já no período do Brasil República, foi promulgado um novo Código Penal em 1890, com penas mais leves e com caráter muito mais corretivo que o anterior. Foi apenas em 1932, após um grande montante de leis extravagantes, que o governo decidiu por realizar uma consolidação das leis penais. No decurso do Estado Novo, apesar do autoritarismo, fechamento do congresso e forte influência militar, inclusive com a volta da pena de morte, é sancionado o Código Penal de 1940 que vigora até hoje, sofrendo mudanças ao longo dos anos. Sendo outorgado um novo em 1969, que nunca chegou a ser sancionado. Em 1984 é criada a Lei de Execução Penal, reformulando por completo a parte geral do Código. René Ariel Dotti leciona que o projeto da lei foi desenvolvido com base em cinco pilares, são eles: o repúdio à pena de morte, a manutenção da prisão, as novas penas patrimoniais, a extinção das penas acessórias e a revisão das medidas de segurança (1998, p. 93)12. Após a promulgação da CF/88, se fazia necessário uma atualização no ordenamento penal, surgindo assim a lei 9.714/98, que altera os requisitos das penas privativas de direito. Ao longo dos anos, o direito penal e processual penal sofreu incontáveis modificações, sendo influenciado pela época e sociedade em que era atribuído, todavia, é visível a evolução normativista para com o detento, saindo de penas exclusivamente corporais para normas que, teoricamente, visam garantir o bem-estar social do apenado. 2. APLICABILIDADE DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Inicialmente, é de suma importância destacar que o direito tem como centro o ser humano, pois, no fim tudo deve objetivar o bem-estar e proteção da humanidade, 12 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 9 como alude Protagoras: “o homem é a medida de todas as coisas”. Deste modo, o indivíduo, apenas pelo fato de ser humano, intrinsicamente já é detentor de dignidade. A dignidade é muito mais que um direito, está ligada ao indivíduo pelo simples fato de ser do gênero humano, sem distinção de classe social, etnia ou quaisquer outras diferenças, e deve ser sempre princípio basilar de todo o ordenamento jurídico, pois, como já foi visto no capítulo anterior, direitos são mutáveis de acordo com a época e local, enquanto a dignidade deve ser imutável e inerente a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, “mesmo entre aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade, merece tê-la considerada e respeitada”13. Para podermos falar da Lei de Execução Penal, primeiro precisamos abordar os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que devem, sempre que possível, serem aplicados dentro do ordenamento penal brasileiro, sendo de extrema importância para a humanização das penas. Discorreremos sobre as resoluções editadas pelas Nações Unidas acerca da justiça criminal e da prevenção de crimes, que durante anos servem como guia para diversos Estados, também chamadas de Regras de Mandela, de Tóquio, de Bangkok e de Pequim. As Regras de Mandela são diretrizes mínimas a serem estipuladas para a tratamento do recluso, visando garantir um tratamento digno aos apenados em situação de privação de liberdade, todavia, sem estipular um modelo padrão de sistema prisional14. As Regras de Tóquio são um conjunto de recomendações acerca da aplicabilidadede medidas alternativas e têm como objetivos fundamentais diminuir a superlotação em presídios, colaborar para a ressocialização do apenado e prevenir possíveis novos delitos, estimulando a aplicação de medidas não privativas de liberdade15. Além do mais, estipula meios de supervisionar os indivíduos, visando identificar descumprimentos que acarretariam a aplicação de uma pena privativa de liberdade. As Regras de Bangkok versam sobre o tratamento de mulheres encarceradas e medidas que possibilitem a aplicação de penas não privativas de 13 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais da Constituição Federal de 1988. 2001, p. 50. 14 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Mandela: regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento de presos. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/a9426e51735a4d0d8501f06a4ba8b4de.pdf Acesso em: 26/09/2022. 15 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Tóquio: regras mínimas padrão das Nações Unidas para a elaboração de medidas não privativas de liberdade. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/6ab7922434499259ffca0729122b2d38-2.pdf Acesso em: 26/09/2022. 10 liberdade para as detentas. Tendo em vista que a mulher presa demanda necessidades específicas em razão de suas particularidades16. As Regras de Pequim, que originalmente seriam uma Carta de Direito aos Menores Infratores, foi promulgada em 1985 sob a ótica de proteger o bem-estar do menor infrator e de sua família, objetivando o desenvolvimento pessoal e educacional do menor e afastando-o da criminalidade e da delinquência17. A Lei de Execução Penal, promulgada em 1984, é um conjunto de normas e princípios que em seu art. 1° já traz a finalidade de sua criação: efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (Brasil, 1984).18 De acordo com a doutrina, é regida pelos seguintes princípios: humanidade das penas; legalidade; personalização da pena; proporcionalidade da pena; isonomia; jurisdicionalidade; vedação ao excesso da execução e da ressocialização. Busca também garantir a dignidade da pessoa humana através de assistências elencadas no art. 11, incisos I ao VI. A Assistência Material é formada pela garantia de fornecimento de alimento, roupas, instalações sanitárias e de higiene pessoal, além de compra e uso de objetos permitidos pela administração penitenciária. A Assistência à Saúde abarca o direito a atendimento médico em caráter preventivo e curativo dentro do sistema prisional, caso não haja condições, deve o detento ou internado ser transferido para unidade hospitalar capaz, ademais, com a inclusão da Lei nº 14.326/2022, ficou garantido também o direito da gestante de receber tratamento pré-natal, no trabalho de parto e pós-parto, bem como o recém- nascido. A Assistência Jurídica disserta que o indivíduo deve ter constituído um advogado ou defensor público, visando garantir a devida aplicabilidade da pena. A Assistência Educacional refere-se a garantia de ensino fundamental obrigatório, ensino profissionalizante opcional e biblioteca dentro da penitenciária. A Assistência Social busca amparar o detento e prepará-lo para o retorno a sociedade por meio de 16 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Bangkok: regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/cd8bc11ffdcbc397c32eecdc40afbb74.pdf Acesso em: 26/09/2022. 17 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Regras de Pequim: regras mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça de menores. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/2166fd6e650e326d77608a013a6081f6.pdf Acesso em: 26/09/2022. 18 LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. 11 acompanhamento durante o cumprimento da pena e logo após a saída do recinto prisional. Por último, a Assistência Religiosa garante a possibilidade de participar de cultos, ter a liberdade de crença, além do direito de possuir livros religiosos, encontrando amparo no art. 5°, VI, da CF/8819 Destarte, é responsabilidade do Estado garantir a aplicabilidade desses princípios e assistências, visando a ressocialização do apenado. Todavia, não é o que se verifica na prática, onde o condenado sofre uma pena quase que exclusivamente punitiva, com inúmeras violações de direitos básicos. O sistema carcerário brasileiro como um todo é atualmente de uma precariedade absurda, segundo relatório do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em dezembro de 2021, juntando todas as 1.549 unidades prisionais no território nacional, havia uma capacidade carcerária de 573.330 detentos, todavia, o total de presos no país era de 833.176 pessoas, ou seja, 45,32% acima da capacidade total20. O local que deveria ser de reeducação, se tornou o local que intensifica a prática criminosa, tendo em vista que o condenado é completamente esquecido pela Administração Pública e encontra dentro do presídio o amparo de facções criminosas. Na ADPF 347, o STF reconheceu em sede de decisão liminar, o Estado de Coisa Inconstitucional (ECI)21 do sistema penitenciário brasileiro, na decisão, o ministro Edson Fachin pontuou: Os estabelecimentos prisionais funcionam como instituições segregacionistas de grupos em situação de vulnerabilidade social. Encontram-se separados da sociedade os negros, as pessoas com deficiência, os analfabetos. E não há mostras de que essa segregação objetive – um dia – reintegrá-los à sociedade, mas sim, mantê-los indefinidamente apartados, a partir da contribuição que a precariedade dos estabelecimentos oferece à reincidência.22 Mais adiante completou falando: 19 VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; 20 DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. 11º Ciclo – INFOPEN. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios-e-manuais/relatorios/relatorios- analiticos/br/brasil-dez-2021.pdf Acesso em: 26/09/2022 21 É uma técnica, usada pela primeira vez na Corte Constitucional da Colômbia, que visa enfrentar situações de violação grave e sistemática dos direitos fundamentais, cuja causas sejam decorrentes de falhas estruturais em políticas públicas adotadas pelo Estado. 22 Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da ADPF 347. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false Acesso em: 26/09/2022 https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios-e-manuais/relatorios/relatorios-analiticos/br/brasil-dez-2021.pdf https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios-e-manuais/relatorios/relatorios-analiticos/br/brasil-dez-2021.pdf https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false 12 Avista-se um estado em que os direitos fundamentais dos presos, definitivos ou provisórios, padecem de proteção efetiva por parte do Estado23. Ainda, o ministro Marco Aurélio dissertou que: No sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se ‘lixo digno do pior tratamento possível’, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existênciaminimamente segura e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as ‘masmorras medievais’.24 Apesar do reconhecimento do ECI, possibilitando que o Judiciário promova a aplicabilidade dos Direitos Fundamentais, é necessário cautela para que a Separação dos Poderes não sofra danos irreparáveis, haja vista que a atuação do Judiciário é de competência atípica e deve ser respeitado esse limite. 3. O CARANDIRU A Casa de Detenção de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru, teve suas atividades iniciadas em 1920, com a ousada proposta à época de ser, além de uma simples penitenciária, um local de reeducação para os detentos. Inicialmente cumpriu com êxito essa proposta, possuindo códigos que objetivavam a disciplina, trabalho, educação e salubridade, além da própria arquitetura da estrutura prisional, concebida sob a ideia do modelo panóptico25 e baseada no Centre Pénitentiaire de Fresnes26, que na época era uma das prisões mais seguras do mundo. Foi 23 Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da ADPF 347. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false Acesso em: 26/09/2022 24 Supremo Tribunal Federal. Petição inicial da ADPF 347. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false Acesso em: 26/09/2022 25 Termo usado para se referir a “penitenciária ideal” pensada por Jeremy Bentham em 1785, que consistia em manter todos os presos sob vigilância total e silenciosa, sem ter contato com os carcereiros. No Carandiru, as janelas localizadas nas portas tinham esse propósito. 26 Inaugurada em 1898, na cidade de Fresnes, França, é atualmente o segundo maior estabelecimento prisional da França, com capacidade para 1.651 detentos, segundo dados do Ministère de la Justice https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur339101/false 13 reconhecido como um sinônimo de ressocialização e competência no cumprimento da pena, se tornando um cartão postal da cidade e sendo inclusive visitado por autoridades nacionais e internacionais com certa frequência. Todavia, a partir de década de 40, com o exponencial aumento populacional da cidade de São Paulo, a casa de detenção atingiu seu limite ocupacional (1200 detentos) e nunca mais saiu da rotina de superlotação. Em 1956, o então governador Jânio Quadros decidiu por aumentar a Penitenciária e criou os pavilhões 2, 5 e 8, passando a comportar 3.250 detentos. Com o passar dos anos, os governadores cada vez mais tentam encobrir os erros administrativos cometidos no Carandiru e o que um dia foi exemplo mundial de penitenciária, citado inclusive por Stefan Zweig, que expressou seu sentimento de admiração pelo sentimento humano com que era tratado a penitenciária, ressaltando que “a limpeza e a higiene exemplares faziam com que o presídio se transformasse em uma fábrica de trabalho. Eram os presos que faziam o pão, preparavam os medicamentos, prestavam os serviços na clínica e no hospital, plantavam legumes, lavavam a roupa, faziam pinturas e desenhos e tinham aulas”27, foi se tornando um exemplo de fracasso da administração pública. O auge deste fracasso tem início por volta das 13h30 de 02 de outubro de 1992, um dia antes das eleições municipais. No pavilhão 9, se inicia uma briga entre 2 detentos que toma grandes proporções, eclodindo assim uma rebelião. Na data do ocorrido, a capacidade do presídio era de pouco mais de 3 mil presos, todavia, comportava 7.257 detentos. Segundo dados apresentados a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, apenas no pavilhão 9 havia 2.069 presos e 15 guardas28, o que tornava completamente inviável a possibilidade de interrupção do motim pela guarda carcerária e ocasionou no acionamento da Polícia Militar. Às 14h45 as guarnições chegam, entre as quais as da tropa de choque especial ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), fundada durante o período militar para combater guerrilhas urbanas e com extenso histórico de matanças, com aproximadamente 325 policiais, comandados pelo Coronel Ubiratan, juntamente com 3 juízes que foram completamente dissuadidos de intervir e persuadidos da impossibilidade de adentrar no pavilhão 9. Uma hora após o início do protesto, o Secretário de Segurança da época, Cláudio Alvarenga avisa o Governador Luis 27 ZWEIG, Stefan. Encontros com homens livros e países. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara. 1936. 28 Relatório nº 34/00, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CDIH, que faz parte da Organização dos Estados Americanos. 14 Antônio Fleury, que preocupado com a repercussão da rebelião nas eleições, ordena que ela seja cessada o mais rápido possível, todavia, não dá nenhuma ordem expressa de invasão. Segundo Fleury, a ordem de invasão veio do Secretário de Segurança às 16h15 e durou 20 minutos, os policiais obrigaram os presos sobreviventes a ficarem nus no pátio interno e posteriormente carregarem os mortos para a galeria do pavilhão 9. Inicialmente foi noticiado 8 mortos, entretanto, faltando 30 minutos para o encerramento das eleições no dia seguinte é noticiado o saldo real da chacina: 111 mortos, todos detentos. A perícia deixou claro que 75% dos presos mortos estavam dentro das celas e foram alvejados de fora para dentro, derrubando a tese que houve confronto entre detentos e policiais. O Coronel Ubiratan, que assumiu total comando e responsabilidade pela operação, aproveitou-se da fama do ocorrido e lançou candidatura em 1997 para deputado estadual com o número 14.111 (alusão ao número de mortos), sendo eleito suplente. Foi condenado em 2001 a 632 anos pela morte de 102 dos 111 detentos e em 2002 se elegeu em definitivo com pouco mais de 50 mil votos, onde fez uso do benefício do foro privilegiado para não ser preso. Em 2006 foi absolvido pelo órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o argumento de estrito cumprimento do dever legal, todavia, poucos meses depois foi assassinado a tiros. 73 policiais envolvidos no massacre foram a júri popular entre 2013 e 2014, com penas que variaram entre 48 e 624 anos, todavia, em 2018 o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou todos os julgamentos sob o argumento que a decisão foi contraria as provas apresentadas e que os agentes agiram no estrito cumprimento do dever legal, bem como em legítima defesa. Ademais, em 2021 o Superior Tribunal de Justiça restabeleceu as condenações, a defesa então recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que em agosto deste ano decidiu por negar o recurso e manter a decisão do Superior Tribunal de Justiça, haja vista a ausência de repercussão geral. O Carandiru, implodido em 2002, se tornou um atrativo para a população paulista. Diário de um detento, obra de Racionais MC’s, retrata o cotidiano da penitenciária, abordando temas como a rua 10, local de acerto de contas; o metrô que passava todos os dias ao lado da prisão e possibilitava a sociedade paulista visualizar o cotidiano dos presos, fazendo assimilação a um zoológico; a superlotação das celas, 15 sua precariedade e insalubridade. Segundo Mauricio Monteiro, sobrevivente do episódio, o Carandiru “era um país, e cada pavilhão era um estado”29. Uma série de fatores levaram ao massacre, dentre os principais estão a pressão política e administrativa, a falta de preparo e agressividade dos agentes e policiais (um dos sobreviventes, Marco Antônio de Moura, depôs que a ROTA, ao retirar os detentos do pavilhão gritava 'Deus cria, a Rota mata. Viva o choque'), a situação precária dos detentos e a ausência de apoio do Estado. Todavia, esses aspectos não se limitaram apenas ao momento do massacre, o Carandiru como sistema prisional se tornou fadado ao fracasso por incompetência do Estado e virou um marco do colapso do sistema prisional brasileiro, bem como o estopim parao surgimento das organizações criminosas, com ênfase no Primeiro Comando da Capital (PCC), que surgiu para evitar que massacres semelhantes ao do Carandiru ocorressem e hoje é a maior e mais poderosa organização criminosa da história do Brasil. Após 30 anos do ocorrido, não é possível verificar nenhuma mudança significativa por parte do Estado nos presídios brasileiros. A superlotação, precariedade, insalubridade e a falta de garantia de direitos básicos torna quase que inviável a ressocialização dentro do ordenamento brasileiro, salvo raras exceções, como a da Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão, localizada em Curitiba, onde, por meio de uma parceria entre o governo e o Tribunal de Justiça, busca-se garantir todos os direitos e garantias previstos na Lei de Execução Penal, ofertando a 100% dos presos estudo e trabalho, bem como boas condições de cumprimento da pena, o que resulta, segundo o diretor geral do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná, Luiz Alberto Cartaxo Moura, em um índice de reincidência criminal de 0%.30 Entretanto, a grande maioria das penitenciárias brasileiras abarca apenas o caráter punitivo, recebendo o detento que após entrar no presídio perde seu nome e se torna apenas um número para o Estado, sendo largado ao léu depois de anos. Se assemelhando muito com as penas corporais aplicadas antes do século XIX, onde os 29 ARAÚJO, Mateus. 'Carandiru era um país': sobreviventes lembram massacre, que faz 30 anos. Tab UOL. 2022. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/10/02/um-numero-para-o-estado-sobreviventes- relembram-o-massacre-do-carandiru.htm Acesso em: 24/10/2022. 30 MARONI, João Rodrigo. Prisão onde 100% dos detentos trabalham e estudam? Existe, e fica no Brasil. Gazeta do Povo. 2018. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/justica/prisao-onde-100-dos-detentos- trabalham-e-estudam-existe-e-fica-no-brasil-0h3sil0asliz2bgm0tuzrtnf2/ Acesso em: 24/10/2022. https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/10/02/um-numero-para-o-estado-sobreviventes-relembram-o-massacre-do-carandiru.htm https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/10/02/um-numero-para-o-estado-sobreviventes-relembram-o-massacre-do-carandiru.htm https://www.gazetadopovo.com.br/justica/prisao-onde-100-dos-detentos-trabalham-e-estudam-existe-e-fica-no-brasil-0h3sil0asliz2bgm0tuzrtnf2/ https://www.gazetadopovo.com.br/justica/prisao-onde-100-dos-detentos-trabalham-e-estudam-existe-e-fica-no-brasil-0h3sil0asliz2bgm0tuzrtnf2/ 16 detentos eram jogados em depósitos temporários enquanto aguardavam a execução de suas verdadeiras penas. Os presídios atuais, apesar de inúmeras leis que visam garantir o devido cumprimento da pena com integridade física e moral, são “bombas-relógios”, assim como um dia foi o Carandiru, em razão do descaso do Estado e da sociedade que julga o detento como um cidadão que não pode mais ser inserido no meio social e faz vista grossa para o que ocorre dentro das prisões, bem como por conta da corrupção dentro do próprio sistema prisional. A necessidade de mudança e modernização de todo o sistema prisional urge, construindo novas cadeias para descentralizar e desobstruir o governo, dando autonomia municipal para a gestão e manutenção das estruturas prisionais, bem como uma maior assistência jurídica, social, médica, psicológica e melhor preparo dos agentes penitenciários. O reconhecimento do ECI já foi um grande passo, onde foram formulados oito pedidos de medidas cautelares para os Tribunais, Conselho Nacional de Justiça e União, sendo dois pedidos aprovados, os das alíneas “b” e “h”: Obrigações aos Juízes e Tribunais: b) Implementem, no prazo máximo de 90 dias, as audiências de custódia; Obrigação à União: h) Libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos. Ademais, não se pode deixar de pontuar a falta de apoio social que o indivíduo recebe após o cumprimento da pena, sob a acunha de ex-presidiário, o indivíduo sofre uma forte represália do mercado de trabalho motivada pelo ódio e preconceito. É corriqueiro o apenado receber como ônus da prisão, a rejeição e exclusão por parte do meio social, mesmo que já tenha cumprido sua pena. Tem-se em nossa sociedade um receio em permitir a participação de ex-detentos em ambientes de lazer, trabalho e educação, não restando nenhuma alternativa senão a reincidência. Destarte, deveria ser de responsabilidade do Estado aplicar políticas públicas que visassem a educação e qualificação dos detentos ainda dentro do presídio, para que quando livres, não ficassem eternamente atrelados ao crime cometido. Isto posto, é correto afirmar que há meios que se bem implementados pelo governo, podem evitar que massacres como o da Casa de Detenção do Carandiru ocorram novamente. 17 CONCLUSÃO O presente artigo teve por objetivo discorrer sobre o massacre do Carandiru, buscando entender as motivações e o papel do Estado dentro do sistema prisional brasileiro. Através das informações obtidas ao longo desse trabalho, foi possível responder à pergunta que norteou esse trabalho: Quais os principais fatores que levaram ao Massacre do Carandiru? É importante salientar que as autoridades ignoram as inúmeras violações que ocorrem dentro do sistema prisional desde a sua fundação, com pouquíssimos casos de penitenciárias que cumpriram com êxito a função ressocializadora por longos anos, o Carandiru cumpriu essa função entre 1920 e 1940, todavia, se tornou um depósito de detentos com o passar dos anos. O que é observado no cenário atual não se difere daquela época, penitenciárias superlotadas, insalubres e precárias, falta de dignidade e inúmeras garantias violadas por omissão do Estado para com os detentos. A ressocialização, que deveria ser um dos alicerces principais da pena privativa de liberdade, é deixada de lado e não raras as vezes é substituída dentro da penitenciária por penas “privativas de direitos fundamentais”, assimilando-se com a fase da vingança pública praticada na idade média, onde o detento era punido pelo Estado para saciar o desejo da sociedade, restringindo a figura do apenado apenas ao crime praticado. Em síntese, crenças como “bandido bom é bandido morto” reafirmam que o pensamento em face do apenado permanece intransigente durante 30 anos. É necessário que governantes e a sociedade entendam que o preso, apesar de cometedor de um crime, possui direitos e não é merecedor de toda segregação. Se faz necessária a implementação de políticas públicas sérias que visem qualificar e preparar o detento para o retorno ao meio social de forma digna, bem como a aplicação e fiscalização dentro das penitenciárias de penas humanitárias. Todavia, há um ciclo vicioso de ódio e violência estrutural gerado pela impunidade de autores de crimes como o do massacre do Carandiru que se não passarem a ser 18 responsabilizados, gerarão mais episódios como o que foi visto em 02 de outubro de 1992. Por todo o exposto, retomando ao problema de pesquisa: “Quais os principais fatores que levaram ao massacre do Carandiru?”, concluiu-se que dentre os principais fatores estavam a má administração, tendo em vista o pouquíssimo número de guardas penitenciários que estavam no pavilhão 9 (15), a falta de direitos e garantias básicas, muito em decorrência da precária estrutura que o presídio tinha, bem como a superlotação, a insalubridade e a falta de dignidade, além da pressão política no momento da rebelião em decorrência das eleições municipais que ocorreriam no dia seguinte, e por fim, a violência policial respaldada e alicerçada pelo Estado que perpetuava desde o regime militar de 1964. REFERÊNCIAS ARAÚJO, CarlosEduardo Moreira de. Cárceres Imperiais: A Casa de Correção do Rio De Janeiro. Seus detentos e o sistema prisional no Império, 1830 – 1861. Tese de Doutorado – História, Campinas/SP. 2009. ARAÚJO, Mateus. 'Carandiru era um país': sobreviventes lembram massacre, que faz 30 anos. 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Caruaru, _____ de _______________ de 2022. __________________________________________ Assinatura do (a) Aluno(a) 25
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