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HISTÓRIA DO BRASIL REPÚBLICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Explicar a composição do governo provisório de Vargas. > Identificar as relações econômicas e sociais do governo constitucional. > Descrever a instituição do Estado Novo e as crises na política varguista. Introdução Com a Revolução de 1930, teve início um período de 15 anos de governo de Getúlio Vargas. Esse governo começou como um governo “provisório”, que se estendeu por quatro anos, sendo substituído por um governo constitucional, mas sem eleições diretas, em 1934. Por fim, em 1937, com o golpe do Estado Novo, inaugurou-se o regime ditatorial, deposto por meio de um golpe, em 1945. Os pesquisadores do período são unânimes em assinalar que a chamada “Era Vargas” não se tratou de um período homogêneo, mesmo entre as costumeiras divisões “provisório”, “constitucional” e “Estado Novo”. Neste capítulo, vamos explorar as especificidades desses períodos e as mu- danças que ocorreram dentro de tais marcos cronológicos. Inicialmente, você poderá estudar o governo provisório de Vargas, a sua composição e as resistências provenientes da oligarquia cafeeira paulista. Em um segundo momento, você vai poder compreender o processo de elaboração da Constituição de 1934, as suas principais medidas e a condução de Vargas ao governo constitucional. Por fim, poderão ser analisados o golpe do Estado Novo, a vigência da ditadura e o seu término a partir das contradições entre a política varguista externa e a interna. A Era Vargas Caroline Silveira Bauer O governo provisório de Vargas Chamamos “governo provisório” a gestão de Getúlio Vargas que se inicia com a Revolução de 1930 e se estende até a promulgação da Constituição de 1934. Após a deposição de Washington Luís, em 24 de outubro de 1930, o poder foi assumido por uma junta militar, que, em 3 de novembro de 1930, entregou o cargo de presidente da República, na condição de um governo provisório, ao líder da Revolução de 1930, Getúlio Vargas. Vargas dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores, além de depor os governadores dos estados, nomeando interventores para esses cargos. Ademais, ele teve de lidar com problemas do campo econômico oriundos da crise mundial: “[...] uma produção agrícola sem mercado, a ruína de fazendeiros, o desemprego nas grandes cidades. As dificuldades financeiras cresciam: caía a receita das exportações e a moeda conversível evaporara” (FAUSTO, 2001, p. 185). Durante o governo provisório, Vargas criou dois importantes ministérios: o Ministério da Educação, chefiado por Francisco Campos, e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, chefiado por Lindolfo Collor. Francisco Campos foi responsável pela reforma educacional de 1931, que teve como uma de suas medidas a autorização do ensino religioso nas escolas públicas (FAUSTO, 2001). Lindolfo Collor elaborou as leis trabalhistas, que, posteriormente, seriam ampliadas e reunidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Havia, por parte do governo, um interesse em cooptar as classes trabalha- doras e desmobilizá-las, o que não ocorreu. De acordo com Vianna (2020, p. 480), “Tão ou mais importante do que a Legislação Trabalhista foi a retórica valorização do trabalho e do trabalhador da Era Vargas. Desde o início de seu governo, Vargas colocou o trabalhador, a legislação trabalhista e a dignidade (submissa) do trabalho como fundamentais”. Foi também durante o governo provisório que foi promulgado, em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral, que estabeleceu o voto secreto, o direito de voto à mulher, a redução da idade eleitoral para 18 anos e a criação da Justiça Eleitoral (FAUSTO, 2001). No âmbito econômico, com o redirecionamento para uma política de intervenção do Estado na economia a fim de superar a crise econômica, Vargas criou, em 1931, o Conselho Nacional do Café, que foi substituído pelo Departamento Nacional do Café em 1933. Esses órgãos efetuavam compras periódicas do produto e realizava sua queima, para reduzir a oferta de café e manter seu preço. Além disso, foram criadas instituições congêneres para o açúcar e para o álcool em 1933 (FAUSTO, 2001). A Era Vargas2 Foi um período de resistências ao caráter “permanente” do que deveria ser um governo “provisório”. Em julho de 1932, eclodiu um movimento armado em São Paulo, que ficou conhecido como “Revolução Constitucionalista”. A insatisfação dos paulistas deveu-se à nomeação do tenentista João Alberto como governador de São Paulo, o que não agradou ao Partido Democrático Paulista. Após uma série de pressões e a consequente renúncia de João Alberto, Vargas nomeou para o cargo o civil Lins de Barros. O cargo também era almejado por outro tenentista, Miguel Costa, que deu início à insurreição com a Legião Revolucionária, impedindo a posse de Barros. No entanto, havia outros motivos mais estruturais, como a crise econômica e a crise política, oriunda da perda da hegemonia política da oligarquia paulista (FAUSTO, 2001). Com o acirramento das posições, formou-se a Frente Única, composta pelo Partido Democrático Paulista e o Partido Republicano Paulista, exigindo uma constituinte, o fim do regime de interventores e a posse de um paulista civil no cargo de governador do Estado. Os insurgentes não tinham condições militares para enfrentar as tropas do governo federal e, desse modo, foram derrotados depois de três meses. A rendição dos paulistas ocorreu em outubro de 1932. A vitória consolidou Vargas no poder, mas o presidente se viu obri- gado a convocar uma Assembleia Constituinte, que ocorreu em maio de 1933. A Constituição de 1934 Como dito anteriormente, as eleições para a Assembleia Constituinte ocorreram em maio de 1933. Os constituintes se inspiraram na Constituição de Weimar (1919). Após meses de debates, a Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934, apresentando um teor liberal-democrático (FAUSTO, 2001). Foram mantidos o regime federalista, o sistema presidencialista e a divisão de poderes. Era relativamente progressista no que diz respeito aos direitos humanos e às garantias individuais, dando total liberdade de crença, reunião, associação política e imprensa. As mulheres já haviam conquistado o direito ao voto em 1934, mas seguiam excluídos os analfabetos, os mendigos, alguns militares e as pessoas declaradas judicialmente sem direitos políticos. A sua grande inovação foi um capítulo especialmente dedicado aos tra- balhadores. Além de proibir o trabalho de menores de 14 anos, esse capítulo estabelecia: � salário mínimo; � jornada de trabalho de 8 horas; � férias remuneradas; A Era Vargas 3 � assistência social; � sindicalização; � proibição da diferença entre salários para um mesmo trabalho por questões etárias, de gênero, de nacionalidade ou de estado civil; � indenização quando da demissão sem justa causa; e � descanso semanal. De acordo com Ângela de Castro Gomes (2005, p. 27): O valor fundamental do trabalho — como meio de ascensão social e não de sa- neamento moral — e a dignidade do trabalhador são o eixo em torno do qual se conta sua comunicação com a sociedade e com o mundo da política. O estatuto do trabalhador é o que dá identidade social e política ao homem brasileiro, fato magistralmente materializado na carteira de trabalho e pela definição da vadia- gem como crime. A cidadania, fundada no gozo dos direitos sociais do trabalhador e no reconhecimento das associações profissionais — ambos tão almejados e demandados pela classe trabalhadora durante décadas —, é sancionada com a articulação de um projeto político entre Estado e classe trabalhadora que, ao se efetuar, constrói estes dois atores que assim se conhecem e reconhecem. Como inovações de cunho social, houve a criação da Previdência Social e a introdução do ensino primário gratuito com frequência obrigatória. O ensino religioso seria de frequência facultativa e aberto a todas as confissões. Do ponto de vista econômico,a Constituição instituía a intervenção do Estado na economia e assumia um perfil de nacionalismo econômico, prevendo a nacionalização progressiva das reservas minerais e das quedas d’água. O governo constitucional de Vargas O governo constitucional de Vargas iniciou a partir de eleições indiretas, realizadas em 15 de julho de 1934, com os votos dos membros da Assembleia Constituinte, como determinava a Constituição de 1934 sobre a eleição do primeiro presidente da República após sua promulgação. Esse período foi marcado por intensas mobilizações sociais, influenciadas tanto pela conjun- tura internacional, como os fascismos europeus, quanto pelos problemas internos, como as greves operárias. Na Europa, estavam em curso experiências fascistas, como o governo de Mussolini, na Itália, e de Hitler, na Alemanha, além da guerra civil promovida por Franco na Espanha. Esses ideais inspiraram movimentos, organizações e partidos em todo o mundo, e, no Brasil, não foi diferente. Em outubro de 1932, em São Paulo, fundou-se a Ação Integralista Brasileira (AIB), sob a liderança de A Era Vargas4 Plínio Salgado. A AIB pretendia unificar as forças de direita do País, para que o movimento adquirisse um caráter nacional. Os integralistas conseguiram certo prestígio graças à sua ligação com os órgãos da repressão e ficaram famosos por suas delações e caça aos comunistas. Vianna (2020, p. 481) afirma que: Os integralistas apoiavam o governo provisório de Getúlio, do qual queriam par- ticipar. O próprio presidente Vargas demonstrou, naquela época, simpatia pelo fascismo, rejeitando o liberalismo e cercando-se de figuras conhecidas por suas posições de direita, como os generais Góis Monteiro, João Gomes, Pantaleão Pessoa e Eurico Gaspar Dutra, e o sinistro chefe de polícia Filinto Strubing Müller. Conforme Silva (2005, p. 61): A revista Anauê! (1935-1937), uma publicação mensal de grande circulação nacional, teve como meta a divulgação dos princípios da Ação Integralista Brasileira (AIB) de maneira didática. No seu primeiro número isso surge de forma bastante clara: “Com o objetivo de divulgar, em linguagem acessível a todos, a doutrina integralis- ta”. A educação do olhar dos leitores desse periódico era algo essencial, por isso várias imagens fotográficas e desenhos estavam presentes em cada uma de suas edições. Em suas páginas, todos esses fatores confluíam na imagem redentora de Plínio Salgado, apresentado como a solução para os problemas que o Brasil vivia na década de 1930. Seus discursos e imagens buscavam uma divinização do movimento e do seu líder, além de uma reinvenção do passado histórico brasileiro. Também foi durante o governo constitucional de Vargas que surgiu a Aliança Nacional Libertadora (ANL), composta por ex-integrantes do movimento tenentista identificados com uma ideologia de esquerda e por militantes comunistas. Seu presidente era o capitão Hercolino Cascardo, e seu presi- dente de honra era Luís Carlos Prestes, cujo protagonismo político decorria da realização da Coluna Prestes, nos anos 1920. A ANL foi o maior e o mais importante movimento popular do Brasil, arregimen- tando um sem-número de organizações, e seu fechamento encerrou a etapa mais democrática que o país já viveu. [...] Com as derrotas da grande frente democrática de 1935, consolidou-se o autoritarismo no Brasil, cuja base foi o anticomunismo. Vargas já se aproveitara dos levantes de novembro de 1935 para fortalecer seu poder e intensificar a repressão. Antes do Estado Novo, no final de 1935, foram criados a Comissão de Repressão ao Comunismo e, em setembro de 1936, o Tribu- nal de Segurança Nacional, além da decretação do estado de sítio. A perseguição não só aos comunistas, mas aos considerados simpatizantes, aos liberais e aos democratas foi brutal, desde o final de 1935. Na segunda metade de 1937, os co- munistas que não foram mortos estavam presos ou dispersos e desorganizados (VIANNA, 2020, p. 482). A Era Vargas 5 A projeção conseguida pela ANL foi acompanhada pelo recrudescimento da repressão por parte do governo de Vargas. Com o apoio da elite econômica e política, o presidente decretou o fechamento da sede da ANL, em julho de 1935, e a suspensão de suas atividades. O Partido Comunista, em reação, iniciou os preparativos para uma insurreição, que resultou no movimento de novembro de 1935, que ficaria conhecido, de forma pejorativa, como “In- tentona Comunista”. Os comunistas realizaram levantes em três pontos do País — Natal, Recife e Rio de Janeiro —, que foram violentamente reprimidos (FAUSTO, 2001). Os insurretos fracassaram, e sua iniciativa serviu como justificativa para que Vargas ampliasse as medidas autoritárias e repressivas de seu governo, que precisavam ser contextualizadas no desenvolvimento do anticomunismo. Getúlio decretou estado de sítio e desencadeou perseguições e prisões aos seus opositores. Luís Carlos Prestes e Olga Benário seriam presos em 1936, e Olga, posteriormente, seria deportada à Alemanha nazista, morrendo em um campo de concentração. Para Vianna (2020, p. 485): A entrega de Olga Benário, grávida de sete meses, aos nazistas, para ser assassinada, foi de responsabilidade de Vargas, de Filinto Müller e também e principalmente da última instância a que se recorreu para evitar sua extradição, os ministros do Superior Tribunal Federal. Dos onze ministros, apenas três votaram contra a en- trega de Olga à Gestapo: Carlos Maximiliano, Eduardo Espínola e Carvalho Mourão. De acordo com Carvalho (2002), as divergências entre a ANL e a AIB, no Brasil, refletiam os conflitos ideológicos que ocorriam entre o comunismo e o fascismo na Europa dos anos 1930. Muitas vezes, esses grupos chegaram a se enfrentar em combates diretos, nas ruas. Ainda que seus projetos fossem radicalmente opostos, podemos afirmar que ambos surgiram como forma de resposta às consequências das transformações sociais e políticas oriundas dos processos de industrialização e urbanização das grandes cidades na década de 1920. Segundo Carvalho (2002, p. 103): Apesar das diferenças ideológicas, ambos se chocavam com o velho Brasil das oligarquias. Nesse sentido, eram continuação das forças que desde a década de 20 pediam maior poder para o governo federal e a definição de um projeto de construção nacional. A ANL e a AIB aproximavam-se ainda no que se refere a sua composição social. Ambas atraíam setores de classe média urbana, exatamente os que se sentiam mais prejudicados pelo domínio oligárquico. Os integralistas tinham ainda forte apoio no sul do país entre os descendentes dos imigrantes alemães e italianos, sem dúvida por causa da proximidade da AIB com o fascismo e, em menor escala, com o nazismo. A Era Vargas6 Além disso, havia algumas semelhanças do ponto de vista da estratégia: “[...] eram mobilizadores de massa, combatiam o localismo, pregavam o fortalecimento do governo central, defendiam um Estado intervencionista, desprezavam o liberalismo, propunham reformas econômicas e sociais” (CARVALHO, 2002, p. 102-103). As semelhanças, no entanto, terminam por aqui. Além das diferenças de ideologia e de projetos para o País, esses grupos angariaram simpatias diferentes nas Forças Armadas. Enquanto os integra- listas influenciaram os oficiais da Marinha, que recrutava seus oficiais nas classes mais abastadas da população, a ANL tinha um maior apoio no Exército, notadamente entre o baixo oficialato. Ademais, os integralistas também conquistaram o apoio de setores da Igreja Católica (CARVALHO, 2002). A ocorrência de novas eleições presidenciais estava prevista para janeiro de 1938, e os presidenciáveis anunciaram suas candidaturas, como Plínio Salgado. Entretanto, em setembro de 1937, o governo de Vargas noticiou que as Forças Armadas haviam descoberto um plano de insurreição comunista, “[...] um minucioso programa secreto de tomada do poder” (SCHWARCZ, STARLING, 2015, p. 374), o Plano Cohen, o que era uma farsa. Tratava-se de um golpede Estado para que Vargas permanecesse no poder. Com o apoio de seu Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Góis Monteiro, e do Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, Vargas montou uma estratégia para continuar no poder: o militar integralista Olímpio Mourão Filho elaborou esse “plano” de tomada do poder pelos comunistas (SKIDMORE, 2010). Vargas atingiu seu objetivo, conseguindo que o Congresso aprovasse o estado de guerra. Então, em 10 de novembro de 1937, tropas cercaram o Congresso Nacional, impondo o fechamento do Poder Legislativo, e Vargas outorgou uma nova Constituição, instituindo o Estado Novo. De acordo com Bresciani (2005) apud Luciano Aronne de Abreu (2008, p. 49): O golpe de 10 de novembro de 1937 significou a implantação, no Brasil, de um projeto político autoritário que, desde a década anterior, era defendido por uma elite intelectual conservadora, em nome de um suposto realismo político nacional. Entre esses intelectuais, era lugar-comum a ideia de que, ao contrário da tradicional elite pensante do país, que teria seus olhos voltados para o exterior, deveríamos conhecer nossa própria sociedade, seus usos e costumes e, então, propor e executar as mudanças necessárias à nossa ordem política e social. A Era Vargas 7 A ditadura do Estado Novo A ditadura do Estado Novo foi regida pela Constituição de 1937, elaborada por Francisco Campos, inspirada em textos constitucionais europeus. De acordo com Maria Celina Soares D’Araújo (2000), outras ditaduras da mesma época também receberam o nome “Estado Novo”, como, por exemplo, a de Franco, na Espanha, e a de Salazar, em Portugal. O “novo” aqui representava o ideal político de encontrar uma “via” que se afastasse tanto do capitalismo liberal quanto do comunismo, duas doutrinas políticas que, desde meados do século XIX e mais intensamente a partir da revolução soviéti- ca, competiam entre si no sentido de oferecer uma nova alternativa política e econômica para o mundo. Havia em ambas a ambição de corrigir os problemas capitalistas: desigualdade social, crises, inseguranças econômicas, conflitos de classes e de interesses (ARAÚJO, 2000, p. 8). Segundo Dulce Pandolfi (1999), a implantação do Estado Novo possibilitou que Vargas se cercasse de poderes excepcionais: � as liberdades civis foram suspensas; � o Parlamento foi dissolvido; � os partidos políticos foram extintos; � o comunismo se transformou no inimigo público número um do regime; e � a repressão policial se instalou por toda parte. No entanto, “[...] ao lado da violenta repressão, o regime adotou uma série de medidas que iriam provocar modificações substantivas no país” (PANDOLFI, 1999, p. 10). Os integralistas, que haviam apoiado o golpe de Getúlio Vargas com o objetivo de conquistar espaço na política, não tiveram seus interesses aten- didos, ainda mais quando Vargas decretou a dissolução dos partidos e não promoveu a reforma ministerial prometida. Como resposta, articularam um golpe em 1938, que ficou conhecido como “Intentona Integralista”. Com o fracasso do movimento insurrecional, Plínio Salgado se exilou (FAUSTO, 2001). Durante o Estado Novo, foram desenvolvidas políticas específicas para cada uma das esferas do Estado. No plano econômico, teve continuidade o incentivo à industrialização por meio da política de substituição das impor- tações, estimulando a produção interna e o desenvolvimento da indústria de base. Datam do período do Estado Novo as construções e as criações da Companhia Siderúrgica Nacional, da Companhia Vale do Rio Doce, da Hidrelétrica de Paulo Afonso e da Usina de Volta Redonda (FAUSTO, 2001). Na A Era Vargas8 educação, houve uma nova reforma do ensino, liderada pelo então Ministro da Educação, Eduardo Capanema. Entre outras medidas, organizou-se o “ensino industrial”, cujo objetivo era preparar mão de obra qualificada para o trabalho nas indústrias. No âmbito da política trabalhista, o Estado procurou cooptar os trabalhadores e os sindicatos. Além disso, houve a ampliação e a sistematização das leis trabalhistas com a CLT, em junho de 1943. No que diz respeito à política externa, para compreender as medidas adotadas por Vargas durante o Estado Novo, é necessário levar em con- sideração o contexto internacional europeu do período, principalmente a criação do III Reich, na Alemanha dos anos 1930, e a deflagração da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Durante os anos 1930, o Brasil estabeleceu fortes relações comerciais com a Alemanha, o que não foi bem visto pelos Estados Unidos, que aumentaram sua presença no Brasil e na América Latina como um todo, estabelecendo programas de cooperação e solidariedade de modo a garantir sua zona de influência ideológica. Vargas, com o objetivo de obter vantagens tanto da relação econômica com a Alemanha quanto da relação diplomático-militar com os Estados Unidos, oscilou na tomada de posição. O processo de aproximação e alinhamento com os aliados se deu apenas no primeiro semestre de 1942, quando o governo brasileiro rompeu relações com o Eixo, assinando um acordo político-militar secreto com os Estados Unidos (FAUSTO, 2001). Então, em agosto de 1942, navios brasileiros são bom- bardeados por submarinos alemães, e o Brasil declara guerra à Alemanha. Entretanto, a Força Expedicionária Brasileira (FEB), composta por mais de 20 mil homens, somente seria enviada à Europa para a luta na frente aliada, na Itália, em junho de 1944. Por fim, mas não menos importante, é preciso destacar que o Estado Novo, como um regime ditatorial, baseou-se não apenas no apoio recebido de setores da sociedade, mas também na propaganda e na repressão. De acordo com Vianna (2020, p. 484): Queimaram-se livros às centenas, ao mesmo tempo em que se falava da criação de um Brasil moderno e de um novo homem. As prisões e as torturas não só aniquilaram centenas de militantes democratas como geraram um medo que se entranhava no cotidiano das pessoas — era nisso que o governo apostava para domesticar o povo. Combinada a esse medo, a propaganda manipuladora. Além da censura do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP (dirigido por Lourival Fontes), havia toda a propaganda, típica do nazismo, dirigida à juventude e exaltando-a. A Era Vargas 9 O fim do regime do Estado Novo se deu a partir de uma contradição entre, de um lado, a postura e a atuação internacional do Brasil no combate ao fascismo e, de outro, a manutenção de uma ditadura no plano interno, contrária às concepções democráticas defendidas no âmbito externo. Com a fortalecimento de protestos organizados pelos estudantes e por trabalhadores, Vargas tomou uma série de medidas para o retorno das prá- ticas democráticas. A partir da recuperação das mobilizações populares que tomaram as ruas con- testando a ordem ditatorial, acreditamos que é possível distinguir dois grandes momentos do processo de redemocratização: um período que em estas mobili- zações ousaram iniciar a contestação pública da ditadura varguista, desde 1942, a princípio cautelosamente e enfrentando a repressão armada, e progressivamente com grandes mobilizações, passeatas, greves e manifestações públicas, ascenden- tes até o golpe militar de outubro de 1945; e o período seguinte, quando setores da classe dominante (liberais ou autoritários, oligarcas, burgueses ou militares) assumiram o controle da “redemocratização”, através de um golpe militar, revi- gorando os mecanismos repressivos e revertendo as expectativas populares de uma efetiva democratização (CALIL, 2001, p. 117). Em fevereiro de 1945, com adições à Constituição de 1937, foi determinada a convocação de eleições diretas para 2 de dezembro de 1945, bem como a reorganização dos partidos políticos. Formaram-se, então, as seguintes agremiações partidárias: � União Democrática Nacional (UDN); � Partido Social Democrático (PSD); � Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); e � Partido Comunista do Brasil (PCB). Getúlio Vargas convocou eleições para 1945, lançando-se comocandidato, apoiado pelo “movimento queremista”, um grupo de adeptos de Vargas, e por alguns comunistas que defendiam uma constituinte com Getúlio. Entretanto, seus opositores, temendo que as eleições não se concretizassem e Vargas permanecesse no poder, articularam, em 29 de outubro de 1945, um golpe de Estado, que depôs Getúlio Vargas e encerrou um governo de 15 anos. Com a deposição de Vargas, a presidência passou a José Linhares, então presidente do Supremo Tribunal Federal. Linhares ficou responsável pela convocação de novas eleições, que seriam realizadas no dia 2 de dezembro daquele ano. Entre os candidatos, estavam Eurico Gaspar Dutra, da coligação do PSD com o PTB, e o ex-Ministro da Guerra de Vargas, Eduardo Gomes, A Era Vargas10 concorrendo pela UDN. O general Dutra foi vitorioso no pleito, assumindo a presidência da República. Referências ABREU, L. A. Estado Novo, realismo e autoritarismo político. Política & Sociedade, v. 7, n. 12, p. 49-66, 2008. Disponível em: http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/ bdtse/3632. Acesso em: 13 out. 2020. ARAÚJO, M. C. S. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. CALIL, G. G. Reflexões sobre a historiografia da redemocratização brasileira de 1945. Tempos Históricos, v. 3, n. 1, p. 91-120, 2001. Disponível em: http://e-revista.unioeste. br/index.php/temposhistoricos/article/view/6904. Acesso em: 13 out. 2020. CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 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