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Antropologia da Educação Solange M enezes da Silva D em eterco Código Logístico 57327 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6429-8 9 788538 764298 Antropologia da Educação IESDE BRASIL S/A 2018 Solange Menezes da Silva Demeterco Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ D448a Demeterco, Solange Menezes da Silva Antropologia da educação / Solange Menezes da Silva Demeterco. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018. 160 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6429-8 1. Educação. 2. Cultura. 3. Antropologia educacional. I. Título. 18-50457 CDD: 306.43 CDU: 37.015.2 © 2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Annasunny/iStockphoto Solange Menezes da Silva Demeterco Doutora e mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Currículo e Prática (Tutoria a Distância) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Graduada em Ciências Sociais pela UFPR. Professora de Ensino Médio e Superior nas áreas de Sociologia, História, Geografia e Geopolítica. Sumário Apresentação 7 1 A Antropologia e a alteridade 9 1.1 O objeto de estudo da Antropologia 9 1.2 A questão da alteridade: percepção do outro 13 1.3 A Antropologia como atitude 18 2 O conceito de cultura 25 2.1 O conceito de cultura na Antropologia 25 2.2 Cultura e relativismo cultural 30 2.3 Pensar antropologicamente 35 3 O diálogo entre a Antropologia e a educação 41 3.1 Etnocentrismo, relativismo cultural e educação 41 3.2 Escola, cotidiano e educação na atualidade 45 3.3 A Antropologia para pensar o processo educativo 49 4 Os múltiplos olhares na educação 55 4.1 A diversidade cultural em espaços escolares e não escolares 55 4.2 A formação docente na perspectiva da Antropologia 60 4.3 Educação, relações étnico-raciais e formação de professores 65 5 Antropologia e diversidade cultural 75 5.1 Estudos culturais e educação 75 5.2 O currículo e as diferenças: um olhar antropológico 81 5.3 Preconceito, intolerância, discriminação e exclusão 85 6 Pluralidades e diversidade cultural 93 6.1 Temas transversais na visão da Antropologia da Educação 93 6.2 As diferenças religiosas, de gênero, da sexualidade e das relações étnico-raciais 98 6.3 Xenofobia e preconceito: o papel da educação 104 7 O multiculturalismo 111 7.1 A Antropologia e a globalização 111 7.2 Assimilação e aculturação: novos rumos 116 7.3 A multidisciplinaridade na educação contemporânea 121 8 A educação inclusiva: novos modelos educacionais 129 8.1 Racismo e outras formas de violência 129 8.2 O conceito de direitos humanos 135 8.3 Os desafios atuais da carreira docente na visão antropológica: educação indí- gena, quilombola, do campo e de pessoas com necessidades especiais 140 Gabarito 153 Apresentação Uma das questões mais importantes quando se pensa a educação na atualidade diz respeito à formação dos professores. Isso porque fica cada vez mais claro o inestimável papel que exerce o professor dentro e fora da sala de aula. Em sala de aula, ele deve ser o orientador da produção do conhecimento dos estudantes, colaborando para a formação de indivíduos autônomos, críti- cos, responsáveis e colaborativos. Fora dela, deve ser o primeiro a compreender que cidadania é uma construção social, histórica e cultural. Assim, para que a educação cumpra seu papel social é fundamental a percepção do outro, da diversidade social, religiosa, política, socioeconômica, de gênero e étnico-racial. Somente com a compreensão de que somos todos diferentes, mas que temos direitos iguais, é que podemos combater preconceitos e construir uma sociedade mais justa e igualitária, na qual todos têm direitos e deveres que devem ser respeitados. Uma sociedade na qual todos tenham as mesmas oportunidades. A Antropologia da Educação é um dos caminhos para se promover reflexões sobre diver- sas questões fundamentais para a compreensão do homem por inteiro, da cultura e da alteridade. Esperamos que as provocações aqui apresentadas despertem em você o desejo de lutar pelo fim da intolerância e da exclusão. Boa caminhada! 1 A Antropologia e a alteridade Vamos começar aqui uma jornada de autoconhecimento. Você pode estar se perguntando: o que significa isso? Isso quer dizer que procuraremos entender o que nos constitui e como sa- bemos quem somos. Complicado? Não. Buscaremos nossa identidade para entendermos melhor o que nos define como humanos. A Antropologia é uma das Ciências Sociais e, com a Sociologia e a ciência política, objeti- va estudar o ser humano em interação com os outros, isto é, seu comportamento em sociedade. Mas cada uma dessas áreas do conhecimento tem seu modo único de tratar esse objeto de análise, com instrumental teórico e metodológico próprio. A Antropologia objetiva investigar e analisar os aspectos culturais e simbólicos das relações humanas e como isso define identidades de indivíduos, grupos e sociedades. Precisaremos entender a ideia de alteridade e suas implicações na construção do pensamen- to antropológico, compreendendo a importância da percepção e do respeito ao outro. Preparado? 1.1 O objeto de estudo da Antropologia De modo geral, as pessoas não sabem muito sobre a Antropologia e qual seu objeto de estudo. Isso porque, entre outras coisas, é uma ciência relativamente nova e que recentemente passou a fazer parte dos currículos de alguns cursos de gradua- ção, particularmente nas licenciaturas. Em cursos de formação de professores, ela é essencial. Sabe por quê? Porque trata da nossa constituição como seres humanos, e de que forma construímos nossa identidade e cultura. O homem é o único animal que, usando a razão, interfere e modifica seu meio ambiente e produz sistemas simbólicos que o definem. Somos o que somos em virtude de nossa cultura. Mais à frente discutiremos melhor a ideia de cultura. Antes, vamos saber mais sobre a pró- pria Antropologia. A palavra Antropologia significa estudo do homem. Mas outras ciências, como a Sociologia, a Psicologia e a Biologia, também estudam o ser humano. Portanto, qual a diferença? A distinção reside na abordagem e na forma como esse estudo é realizado e com que objetivo. A Antropologia se propõe a entender o homem como um ser sociável, buscando sua história e tudo aquilo que fundamenta seu modo de vida e condiciona sua visão de mundo (valores, leis, regras, tradições, ritos, mitos, comportamentos etc.). Além disso, procura compreender como evoluímos ao longo do tempo sob o ponto de vista biológico. Assim, essa área do conhecimento tem uma dimensão bastante ampla, sendo vista por alguns autores como a ciência da humanidade e do ser humano como produtor de cultura. Você consegue perceber como ela é abrangente? Vídeo Antropologia da educação10 Vamos entender aqui qual o objeto de estudo, seu método de trabalho e os instrumentos teóri- cos para que, apropriando-se desse conhecimento, possamos conhecer o campo e a abordagem dessa ciência. Discutiremos também a ideia de alteridade e suas implicações na construção do pensamento antropológico, de modo a compreender a importância da percepção e do respeito ao outro. Um dos traços mais fortes de nós, humanos, é que podemos pensar sobre nossa existência e fazermos inúmeras perguntas sobre a vida. Queremos saber de onde viemos e o que é cada um dos fenômenos naturais. Questionamo-nos por que estamos aqui e por qual motivo agimos como agimos. Enfim, fazemos diversos questionamentos sobre o viver em sociedade. E na ciência temos encontrado muitas dessas respostas. Cada uma das áreas do conhecimento, sejam as ciências naturais ou sociais,busca fornecer as respostas para que possamos entender melhor nossa existência e a nós mesmos. Ao longo do tempo, os indivíduos tiveram contato com povos com valores, costumes, regras e tradições diferentes dos seus. Isso provocou (e ainda provoca) reações positivas e nega- tivas. Os contatos muitas vezes foram/são difíceis, hostis ou mesmo violentos. Mas, de qualquer forma, esse contato com o diferente promoveu mudanças em todos os lados envolvidos, ainda que nem sempre transformações desejadas. São inúmeros os relatos de contatos entre diferentes culturas que causaram intolerância, conflito, violência ou conflitos fatais. Um dos exemplos mais evidentes desse choque entre cultu- ras da história de nosso continente é o contato entre colonizadores europeus e povos nativos das Américas, durante o período das Grandes Navegações, a partir do século XV. Surgiu dessa intera- ção entre povos diferentes um dos maiores genocídios da história humana (isto é, extermínio de uma etnia e/ou de uma cultura). Os indígenas no Brasil, por exemplo, foram dizimados em razão da incompreensão, por parte dos colonizadores portugueses, dos hábitos, do estilo de vida e das crenças dos nativos. Figura 1 – Litografia de Jean-Baptiste Debret retratando a escravização de indígenas em território brasileiro Fonte: DEBRET, Jean-Baptiste. Soldados índios da província de Curitiba escoltando selvagens. c. 1830. Litografia em papel: 21 × 32,5 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo. A Antropologia e a alteridade 11 Por muito tempo, os europeus adotaram a lógica das três letras: L (Lei), R (Rei) e F (Fé). Na perspectiva dos exploradores portugueses, os povos nativos não apresentavam nenhum desses elementos. Essa foi a justificativa para escravizar, catequizar e, aos poucos, exterminar os indígenas. A visão de que os povos nativos não cultuavam o mesmo deus católico foi determinante para que os europeus não os vissem como humanos, o que justificaria o tratamento que dispensavam aos nativos e o enorme esforço para catequizá-los. Tal como ocorreu naquele momento da história, atualmente nem sempre certas práticas culturais são compreendidas pelos indivíduos que não compartilham de determinada cultura. E, mais do que nunca, diante das novas formas de comunicação e circulação de bens, capitais ou pessoas, o contato com o diferente se faz mais presente; no entanto, nem por isso mais fácil. O surgimento das Ciências Sociais acontece num contexto de grandes transformações sociais, políticas, econômicas e culturais, provocadas especialmente pelo Iluminismo e pelas Revoluções Francesa e Industrial (ambos os eventos iniciados ou terminados no século XVIII). Assim como a Sociologia, por exemplo, que buscaria respostas para os novos problemas sociais decorrentes dessas mudanças, a Antropologia se debruçaria exatamente sobre a questão da diferença entre os homens e a questão da alteridade, isto é, da diversidade. O enigma a ser de- cifrado era: como explicar a unidade biológica que marca a humanidade e a enorme diversidade cultural? Isso significa questionar como, mesmo sendo biologicamente iguais, pode haver tantos povos e culturas diferentes. Ao longo de sua existência, o homem sempre se questionou sobre si mesmo e sua sociedade. Mas o surgimento da Antropologia é, como vimos, bastante recente. Tomando o homem como objeto do conhecimento, essa ciência passou por diversas fases, mas sempre buscando dar a si mesma um caráter científico, com um referencial teórico e metodológico diferente das chamadas Ciências Naturais. Há aqui uma mudança significativa na caminhada do homem em busca de si mesmo – o ser humano pensando sobre ele mesmo. O conhecimento científico gerado pela Antropologia caracteriza-se pelo fato de que o homem é, ao mesmo tempo, produtor e sujeito desse conhecimento; torna-se objeto de estu- do numa abordagem totalmente diferente daquela produzida pelo conhecimento filosófico, teológico ou mitológico. Quanto mais as fronteiras do mundo se ampliavam, mais contato havia entre diferentes po- vos e culturas, o que aumentava a curiosidade de estudiosos sobre novos modos de vida e visões de mundo. Foi na Europa que essa nova ciência começou a produzir seus questionamentos e suas análises. E isso não foi um acaso, uma vez que os europeus eram os maiores exploradores dos mares e de novos continentes no século XVI. Portanto, foram eles que tiveram contato com um número grande e variado de povos. Na primeira fase dos estudos antropológicos, as chamadas sociedades primitivas, consti- tuídas por grupos sociais geograficamente distantes e em geral tecnologicamente mais atrasa- dos que os europeus, seriam o objeto de estudo da nova ciência. Trata-se de sociedades mais simples, organizadas de forma diferente das sociedades europeias da época, não fazendo parte Antropologia da educação12 da chamada civilização ocidental. Assim, por meio da observação realizada no lugar no qual se encontram esses grupos, a Antropologia define seu objeto de estudo específico. No entanto, ainda havia outra questão fundamental: como realizar esses estudos? Até aquele momento, todas as ciências constituídas tinham suas ferramentas e técnicas de pesquisa que lhes per- mitiam alcançar o necessário reconhecimento de sua cientificidade e credibilidade. A Antropologia ainda precisava construir seu referencial, o que se consolidou no final do século XIX e início do XX, com trabalhos de campo baseados em observação e investigação. Sua legitimidade como ciência foi constituída quando as sociedades distantes e não eu- ropeias ou norte-americanas se tornaram o objeto de estudo da Antropologia. Mas consoli- dou-se também a maior singularidade dos estudos antropológicos: a condição do pesquisador, que, ao mesmo tempo que investiga, é também o próprio objeto de estudo. Diferentemente das Ciências Naturais, como a Química e a Biologia, na Antropologia não há separação entre ob- servador e observado. Essa é uma característica importante dessa ciência e, ao mesmo tempo, uma das maiores dificuldades para desenvolver suas pesquisas. Entretanto, surgiu outra questão: com o avanço das sociedades complexas, rapidamente as sociedades primitivas tornaram-se escassas, modificaram-se e deixaram de apresentar as caracte- rísticas que atraíam a atenção dos pesquisadores no início dos estudos antropológicos. Isso con- figurou um dilema para o pesquisador. O que fazer diante desse quadro? O caminho encontrado pela maioria dos antropólogos foi reforçar a especificidade do seu trabalho. Para isso, reforçou-se que o importante não era estudar um objeto restrito a um espaço geográfico, a determinada cultura ou a uma história em particular. A Antropologia, então, trouxe um novo olhar sobre o homem e sua cultura, numa abordagem totalmente nova, a qual tem como objeto de estudo o ser humano em todas as suas dimensões. Assim, surge a chamada perspectiva antropológica. Mais do que as outras Ciências Sociais, a abordagem antropológica é muito mais integrativa e até mesmo reveladora, na medida em que trata das múltiplas dimensões que compõem o ser humano, sem desprezar suas nuances. Isso fez a Antropologia, ao longo do tempo, especializar-se e acabar por constituir áreas de estudo mais específicas: a Antropologia biológica ou física, a pré-histórica, a lin- guística, a psicológica e a social e cultural, a chamada etnologia. Isso não significa que o pesquisador precise dominar cada uma dessas subáreas, e sim que deve considerá-las em suas análises, uma vez que estão relacionadas entre si. Quadro 1 – Campo de estudos da Antropologia Definição/objeto de estudo Antropologia biológica ou física Caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo; relação entre biologia e meios geográfico, ecológico e social; morfologia dos seres humanos; fatores cul- turais que influenciam as mudanças físicas no homem; genética das populações. Antropologia pré-histórica Estudo do homem considerando os vestígios materiais enterrados no solo(os- sadas ou quaisquer marcas da atividade humana). Ligada à arqueologia, visa reconstituir as sociedades desaparecidas (técnicas e organizações sociais, produções culturais e artísticas). O pesquisador realiza um trabalho de campo. (Continua) A Antropologia e a alteridade 13 Definição/objeto de estudo Antropologia linguística Estudo da linguagem, parte do patrimônio cultural de uma sociedade. É por meio dela que os indivíduos que compõem uma sociedade se comunicam e expres- sam seus valores, suas preocupações e seus pensamentos. Apenas o estudo da língua permite compreender como os homens pensam, o que vivem e o que sen- tem, isto é, suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (etnolinguísticas); como expressam o universo e o social (estudo da literatura, seja escrita ou oral); como interpretam os próprios saberes e técnicas (área das chamadas etnociên- cias). Interessa-se também pelas imensas áreas abertas pelas novas técnicas modernas de comunicação (mass media e cultura audiovisual). Antropologia psicológica Consiste no estudo dos processos e do funcionamento do psiquismo humano. O antropólogo é em primeira instância confrontado não com conjuntos sociais, e sim com indivíduos – somente por meio dos humanos particulares podemos apreender essa totalidade sem a qual não é Antropologia. Antropologia social e cultural (ou etnologia) Tem abrangência considerável, já que diz respeito a tudo que constitui uma so- ciedade: modos de produção econômica, técnicas, organização política e jurí- dica, sistemas de parentesco, sistemas de conhecimento, crenças religiosas, língua, psicologia e criações artísticas. Fonte: Elaborado pela autora com base em Laplantine, 1989, p. 17-20. Vale esclarecer que neste livro adotamos a abordagem da Antropologia cultural, procuran- do tratar a educação sob esse viés totalizante. Especialmente por ser uma obra de Antropologia da Educação, é preciso entendermos que a visão dessa área de conhecimento é fundamental para com- preender as várias nuances do sistema educativo e das práticas pedagógicas, uma vez que a escola é sempre um microcosmo da sociedade mais ampla, onde se encontrarão as mesmas dificuldades e os mesmo preconceitos que nela vigoram. No espaço escolar também é possível “plantar várias semen- tes” de transformação em busca de uma sociedade mais justa, igualitária e que garanta oportunidades iguais a todos seus participantes. 1.2 A questão da alteridade: percepção do outro Todo o processo de desenvolvimento da Antropologia, de alguma manei- ra, tem sido marcado pela ideia de evolução, o que nem sempre foi favorável às populações não ocidentais ou não europeias. Muitas vezes, como vimos, isso im- plicou em desrespeito e violência. De acordo com o Dicionário Houaiss (2009), evolução, no caso dos estudos promovidos pelas Ciências Sociais (especialmente pela Sociologia e pela Antropologia), significa “todo processo de desenvolvimento e aperfeiçoa- mento de um saber, de uma ciência etc.”. Infelizmente, a visão eurocêntrica era de que os povos/ os indivíduos que não tivessem atingido o estágio de evolução igual ao seu estavam atrasados. A solução encontrada foi ajudar esses grupos a alcançarem o desenvolvimento desejável, sempre tendo como meta a civilização. Isso ocorreu em virtude do fato de os europeus analisarem as cultu- ras diferentes de sua de modo negativo, tendo-as como inferiores. E aí está o problema. Essa visão fundamentou uma corrente teórica chamada de darwinismo social, que influenciou tanto a Sociologia quanto a Antropologia. Essa concepção era baseada na teoria de Charles Darwin, que estudou o processo de evolução dos seres na natureza. E, quando aplicada à vida em sociedade Vídeo Antropologia da educação14 e ao comportamento social dos indivíduos, produziu graves distorções e serviu de fundamentação inclusive para teorias racistas, hoje desacreditadas pelo avanço do conhecimento biológico. Sabe-se que é impossível comparar estágios de evolução entre populações, muito menos entre diferentes raças ou etnias. Entretanto, o evolucionismo biológico e o evolucionismo social aplicados ao estudo de sociedades diferentes geram discriminação e preconceito e, sobretudo, fundamentaram uma visão etnocêntrica das diferenças culturais. Perceba que aqui cultura sig- nifica civilização e progresso, numa perspectiva de que todas as sociedades primitivas deveriam desenvolver-se rumo à civilização. Os evolucionistas acreditavam que o que era bom para a sociedade europeia, tecnologicamente mais desenvolvida, seria bom para qualquer outra socie- dade. E qual foi o resultado disso? Como vimos, os povos nativos das Américas, no início do processo colonial, sofreram as consequências dessa visão. Não foi diferente durante o chamado neocolonialismo, também chama- do de imperialismo, no final do século XIX, quando os países mais industrializados exploraram nações africanas e asiáticas em busca de novas matérias-primas, mercados consumidores e mão de obra barata, a fim de avançarem em seus processos de industrialização e ampliarem suas áreas de influência. Foram décadas de exploração e sofrimento para essas populações, que não tiveram o direito à autodeterminação, isto é, não puderam decidir o próprio destino. Esses países foram explorados até quando foi possível. Depois disso, precisaram encontrar uma forma de retomar sua autonomia, o que foi um processo bastante caótico, tendo em vista as guerras civis advindas de disputas entre diferentes grupos que ambicionavam chegar ao poder nessas regiões. Assim, não é mero acaso que muitos países africanos e asiáticos estejam atualmente numa situação de penúria e subdesenvolvimento. Alguns deles (não poucos) são governados por ditadores corruptos que exploram o próprio povo, em virtude de não conseguirem estabelecer instituições democráticas em seus territórios. Podemos resumir o que estudamos até aqui na Figura 2. Figura 2 – Objeto e método de trabalho da Antropologia Objeto de estudo Estudo do outro/da diferença/ da alteridade Método de estudo Observação e trabalho de campo Fonte: Elaborada pela autora. Estamos tratando aqui do contexto de alteridade. Mas, afinal, o que significa esse termo? Tendo como objetivo o estudo do outro e definindo-se por essa premissa, a Antropologia faz esse trabalho de modo relacional. O que isso quer dizer? Significa que essa ciência estuda o outro em relação a nós. O outro é aquele que não sou eu, e os outros são aqueles diferentes de mim, que partilham de referências culturais distintas das minhas. Nesse ponto precisamos enten- der que a análise antropológica é realizada de maneira comparativa, e isso não é necessariamente ruim. Essa comparação objetiva detectar exatamente as diferenças e não tecer juízo de valor entre culturas, indivíduos e povos. Só podemos exercer a alteridade na medida em que pontuamos as diferenças, o que permite o reconhecimento do outro. Etnocentrismo é a análise ou avaliação de uma cultura com base na lógica dos próprios referenciais culturais, desva- lorizando o que é diferente. A Antropologia e a alteridade 15 No convívio social, estamos sempre em interação com várias pessoas e vários grupos, cada um exercendo diferentes papéis sociais, com base nos próprios padrões de comportamento e visão de mundo. É nessa convivência que nos damos conta do outro, exercendo a alteridade. Dessa maneira, a análise antropológica é relacional – eu e o outro. É nessa relação que encontra- mos a alteridade. Ela se faz presente na relação de um indivíduo com outro, entre grupos, entre indivíduos e culturas e delas com o meio ambiente. Como dissemos anteriormente, é isso o que nos torna humanos. Por isso se diz que a perspectiva antropológica é totalizante, isto é, procura compreender o homem em suas dimensões biológica, psicológica e cultural, hoje e no passado. A alteridade é plural e sempre flexível, ou seja, não pode ser analisada e explicada por meio de esquemas teóricos rígidos, particularmentena atualidade. O mundo contemporâneo vive a chamada globalização, fenômeno que envolve aspectos econômicos, políticos, sociais e, obviamente, culturais. Constitui a chamada economia-mundo, que integra mercados e pessoas, aproximando-as de forma jamais vista na história. Nos dias atuais, em razão da internet e das redes sociais, é muito fácil co- nhecermos pessoas que estão do outro lado do mundo, falam outra língua e, portanto, têm cultura diferente da nossa. Como você vê isso? Encara como um problema? Para muitos indivíduos, esse contexto provocou vários questionamentos e desconfortos. Nem todos se sentem à vontade com a presença tão próxima, ainda que virtual, de pessoas que não são semelhantes a elas, seja qual for a natureza da diferença: etnia, nacionalidade, língua, religião, gênero, enfim, de uma cultura com valores, princípios, regras, costumes e história distintos. Assim, a convivência no mundo atual, tal como no passado, nem sempre ocorre pacífica ou harmoniosamente. Pelo contrário, notamos o crescimento da xenofobia – definida como aversão ao estrangeiro, àquele que vem de fora –, o que gera cada vez mais preconceito, discriminação, exclusão e ódio. Ao mesmo tempo, aumenta o individualismo, outra característica da sociedade atual, chamada por alguns teóricos de pós-moderna. Segundo Scott (2010), o pós-moderno “é vinculado a noções de ‘pós-industrialismo’, ‘pós-capitalismo’ e sociedade do conhecimento”. Alguns pensadores, além de se contraporem à ideia de modernidade, “consideram que a condição pós-moderna contemporânea envolve pluralidade, diversidade e relativismo no conhecimento” (2010, p. 231). Alteridade, segundo o Dicionário Houaiss (2009), diz respeito à “natureza ou condição do que é outro, do que é distinto”. É a condição de ser outro. Perceba como é um conceito relacional, tal como afirmamos anteriormente: é diferente, distinto em relação a quê? Veja como é preciso ter um ponto de partida. Essa referência inicial com base na qual se pode avaliar é o eu. Assim, só podemos saber o que é diferente se tivermos noção do que/quem somos nós. O outro será aquele/aquilo que não sou eu. É necessariamente uma relação entre mim e o outro, ou entre nós e eles. Consegue, então, entender a perspectiva relacional na qual a Antropologia apoia a própria existência? Para termos a percepção da alteridade, é preciso entendermos e nos colocar no lugar do outro e compreender sua visão de mundo, baseada em valores, tradições e costumes que são pró- prios a ele, e não a nós mesmos. E qual seria a melhor maneira de captar a lógica de uma cultura diferente da nossa? Como dito há pouco, pela empatia e, sobretudo, pelo diálogo. Analise um exemplo: o mundo está dividido entre Oriente e Ocidente, tendo como referencial especialmente a questão religiosa. Para muitos indivíduos, o mundo atual divide-se entre cristãos e muçulmanos. Antropologia da educação16 Especialmente após o evento de 11 de setembro de 2001, quando um grupo de terroristas de ori- gem muçulmana cometeu uma série de atentados em solo americano, incluindo a destruição das duas torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, o islamismo quase se tornou sinôni- mo de terrorismo para muitas pessoas, incluindo autoridades. No entanto, será que isso é verdade? Todo muçulmano é um terrorista em potencial? É claro que não! Figura 3 – Ataque terrorista às torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Com o avanço do terrorismo, impulsionado muitas vezes por políticas externas de vários países que reforçaram esse preconceito, a divisão do mundo se agravou, o que fez aumentar a xenofobia. Com a crise migratória decorrente de conflitos em países do Oriente Médio, piorou ainda mais a situação de indivíduos de origem islâmica ou de nacionalidade de países em con- flito com os Estados Unidos e/ou seus aliados. O que se percebe nessa situação é o crescimento da intolerância em relação ao diferente e à sua cultura, muitas vezes vista como “atrasada” em virtude de algumas tradições morais ou religiosas. Atitudes como essas serão sempre um empecilho para o diálogo e o entendimento entre diferentes, o que favorece manifestações de discriminação e ódio e dificulta o entendimento e as relações pacíficas entre grupos, povos e nações. O choque cultural decorrente do contato entre diferentes não precisa necessariamente ser violento, marcado pela intolerância e pela impossibilidade do diálogo. Sem a percepção da alte- ridade, diminui o espaço para o entendimento, e as relações ficam comprometidas. Deve haver respeito ao outro e às suas características em nome do bem maior, que é exatamente a alteridade e a riqueza que ela traz. M ic ha el F or an /W ik im ed ia C om m on s A Antropologia e a alteridade 17 Um dos aspectos mais importantes ao se estudar Antropologia, especialmente num curso de formação de professores, é compreender que não há sociedades ou culturas melhores ou piores. Cada uma tem a própria lógica, e é com base nela que deve ser entendida. Qualquer tentativa de usarmos nossos valores e costumes para avaliar as práticas ou visões de mundo de pessoas de cul- turas diferentes trará como consequência conflito e incompreensão. Entretanto, não podemos esquecer que é necessário considerar em que medida, por exem- plo, uma tradição cultural que comprometa a integridade física ou intelectual do indivíduo pode ser aceita. O conceito de direitos humanos, recente na história da humanidade, exige que proble- matizemos algumas ações praticadas por grupos ou indivíduos e que, com base nessa premissa, passam a ser vistas como atos de violência contra a pessoa. A questão primordial é saber como determinar o que seja um valor universal e, com base nessa universalidade, avaliar realidades concretas particulares. Como, em nome dos direitos hu- manos, os quais são universais, podemos julgar práticas culturais? Como exemplificamos, com o contato entre povos nativos americanos e exploradores e co- lonizadores europeus, a imposição de uma cultura sobre outra pode ser trágica. No entanto, é pos- sível fazermos outro questionamento: não teria a sociedade ocidental criado o conceito de direitos humanos e passado a julgar as demais culturas com base em suas premissas, desconsiderando assim o restante do mundo? Podemos usar como exemplo a tradição por muito tempo praticada em várias sociedades e ainda presente em certos grupos minoritários: o infanticídio, isto é, a prática de matar crianças – em geral por serem portadoras de alguma deficiência (muitas vezes vista como um castigo dos deuses). Atualmente isso não é mais tolerado, punindo-se aqueles que a praticam sempre que a sociedade dominante assim determinar. Pode-se afirmar com segurança que práticas e tradições culturais não mudam apenas por- que alguém assim o quis, especialmente se a necessidade da transformação for defendida por in- divíduos de outra cultura, com base em valores, regras, normas e leis que não foram criadas pelos pertencentes àquela cultura. Existem vários exemplos que ilustram práticas polêmicas: abandono de idosos; mutilação de criminosos; ritos de passagem violentos para a idade adulta impostos a adolescentes em algumas tribos; mutilação genital de mulheres ainda na infância em vários países do mundo, entre outros. Assim, é possível perceber que é muito complicado uma cultura, por ser dominante, colocar-se acima de outras, julgar aspectos de tradições diferentes e impor-se sobre estas. Devemos reconhecer que, em todos os lugares, encontraremos tradições violentas ou destrutivas coexistindo com outras que evocam e reforçam valores como respeito ao outro, solidariedade e tolerância. O que se defende hoje é que o fato de uma ou outra prática cultural ser mais antiga não justifica sua permanência se isso implicar em violência e risco de morte a seus praticantes. Ainda que se busque a lógica interna daquela cultura, havendo riscos, é preciso rever a permanência dessa tradição cultural. Antropologiada educação18 O grande desafio, portanto, é encontrar princípios éticos universais que contribuam para des- pertar nos indivíduos o sentimento de respeito mútuo e evitar que, em nome do que quer que seja – religião, tradição cultural ou sentimento de pertencimento –, certas ações continuem a ser praticadas. Percebe o quanto a educação pode contribuir para esse processo de construção e dissemi- nação de valores universais de preservação da vida e da paz? Lembra-se das pesquisas das quais falamos anteriormente? Elas mostram que, quanto maior o índice de escolaridade dos indivíduos, menor é a aceitação de práticas culturais violentas e maior é o desejo que de elas acabem. Isso refor- ça uma ideia bastante difundida: a ignorância muitas vezes é a base da intolerância e do desrespeito ao outro. No entanto, antes de criticar essas sociedades, é preciso fazer esses valores universais che- garem até elas, no intuito de que os integrantes de determinada cultura em que haja tais práticas adotem o princípio de respeito à dignidade do outro e compreendam a importância de certas mu- danças. Quando não se conhecem determinados valores, não é possível haver adoção de práticas de respeito mútuo, impossibilitando transformações culturais. A imposição externa, forçada e com base apenas em sanções ou punições, não surtirá efeito se o que se deseja é a extinção de uma práti- ca violenta. É preciso tempo, educação, diálogo e, em alguns casos, medidas punitivas (mas apenas estas não serão eficientes). Foi assim que, ao longo do tempo, a tortura, a escravidão e o racismo passaram a ser inaceitáveis e condenados no mundo todo, ainda que isso não signifique a completa extinção de tais práticas. Nesses casos, são aplicadas medidas elaboradas ao longo do tempo para coibir e/ou punir quem ainda insiste em praticá-las. Mais recentemente, a xenofobia, o feminicídio e a homofobia, por exemplo, são questiona- dos e combatidos em nome dos direitos humanos e de valores universais. A luta contra a exclusão, a segregação e qualquer ato que comprometa a integridade física, psicológica e emocional de um indivíduo deve ser de todos nós, especialmente os educadores. Dessa forma, o que estamos discutindo até aqui diz respeito a uma questão primordial para a Antropologia e o pensar antropológico: a alteridade, isto é, a percepção do outro. Toda ação huma- na precisa fazer sentido para seu praticante, e é assim que a cultura se torna o pilar sobre o qual são fundadas a estrutura de uma sociedade e suas tradições. Por isso, qualquer manifestação cultural é compreendida com base na própria lógica, construída ao longo do tempo e reforçada por rituais e valores que fundamentam essa cultura. Estudar essas manifestações permite conhecermos melhor determinado grupo e captarmos a coerência interna que há naquela cultura. 1.3 A Antropologia como atitude Como vimos, desde o século XV os limites e as distâncias entre os diversos povos diminuíram. Com isso, a presença de culturas diferentes da nossa se fez cada vez mais presente. Será que podemos dizer que a diversidade faz parte de nós? O que você acha? Observe a Figura 4. Feminicídio: crime de homicídio de mulheres, decorrente de violência ou discriminação de gênero. Vídeo A Antropologia e a alteridade 19 Figura 4 – Crianças de diferentes etnias Ra w pi xe l/ iS to ck ph ot o Não lhe parece que essa fotografia representa um pouco da diversidade que encontramos nas escolas? E você, como se “classificaria”? O estudo da Antropologia nos ajuda exatamente a compreender que a diferença, a diver- sidade e a alteridade estão presentes em nosso mundo e que há muito elas despertam o interesse de diversos pensadores, os quais vêm investigando como todos esses elementos nos tornam mais humanos. Eles nos ajudam a entender que toda cultura tem os próprios pressupostos e que por meio deles é possível compreendê-las. Isso significa que toda cultura tem uma lógica própria, ainda que nos pareça estranha, e que faz parte de nosso projeto de civilização entender que nenhuma é melhor que a outra. Você já pensou como podemos aprender com os outros? E como essa experiência pode ser riquíssima para nossas vidas? A Antropologia nos ensina que podemos saber mais sobre nós mes- mos por meio do que aprendermos com o diferente de nós. Já pensou como o mundo seria menos interessante se todos fôssemos iguais? Nessa perspectiva chegamos a outro ponto importante: nossa cultura não é a única nem é a melhor ou a mais verdadeira de todas. No entanto, somos tão importantes quanto qualquer in- divíduo de qualquer lugar do mundo. A percepção da diversidade nos transforma e com isso nos tornamos pessoas mais inclusivas. Diversos pensadores e pesquisadores elaboraram o pensamento antropológico, e em todos encontramos a noção de que essa ciência surgiu para explicar fatos, fenômenos sociais e visões de Antropologia da educação20 mundo construídos e consolidados ao longo de toda a história da humanidade. Tais estudiosos reforçam que o objetivo é captar o ponto de vista do nativo de determinada cultura e decifrar sua lógica, preferencialmente sem traçar nenhum juízo de valor a respeito, respeitando-se as premissas apresentadas, relacionadas à discussão sobre direitos humanos. A Antropologia, na abordagem que estamos adotando nesta obra, analisa fenômenos complexos da convivência humana, em sua maioria muito presentes em nosso dia a dia, tais como hábitos alimentares, ritos religiosos, rituais de vários tipos, transações comerciais, práticas funerárias, leis e outros códigos, tabus etc., sempre objetivando captar quais são e de onde vêm as práticas culturais. E é nesse contexto que a educação se coloca como uma das práticas sociais mais importantes em qualquer sociedade. Como abordamos anteriormente, o antropólogo poderá se defrontar com o dilema de não conseguir reproduzir num laboratório aquilo que vê (fenômenos sociais e antropológicos). Ele de- verá lidar com os valores e a visão de mundo que fundamentam a própria cultura, sem se desfazer ou ignorar as implicações de sua biografia, como sua educação e seus preconceitos, enfim, aquilo que o constitui como pertencente a determinado sistema cultural. Mas isso não implica em falta de objetividade, que deve ser garantida pelo corpo teórico e metodológico adotado. Quando percebemos e valorizamos a alteridade, assumimos uma atitude antropológica, que significa tentar se colocar no lugar do outro e compreender a lógica da cultura deste. E sabe qual é um dos maiores impedimentos para assumirmos uma atitude antropológica? Acharmos que não precisamos do outro e que não temos nada a aprender com ele, ou ainda que já sabemos tudo. Quando cultivamos tais atitudes, tendemos a construir preconceitos, os quais geralmente se mostram equivocados. Como exemplo, podemos citar uma pessoa que não gosta de deter- minado gênero musical apenas por achá-lo que é popular demais ou por considerá-lo muito diferente daquilo que costuma ouvir, mas que, no entanto, nunca se dispôs a ouvir tal tipo de música, buscando compreendê-la. Uma pessoa assim julga um objeto cultural sem conhecê-lo. Avaliações prévias e apressadas tendem a ser injustas e levianas, uma vez que não estão funda- mentadas em argumentos consistentes que justifiquem tais percepções. Existem muitos exemplos desse tipo de comportamento. Você se lembra de algum? Já se viu fazendo isso? Provavelmente mais de uma vez... Isso é bastante comum, mas nem por isso pode ser aceito sem questionamentos ou criticidade. Posteriormente discutiremos mais sobre esses julgamen- tos, especialmente quando são problemáticos, como o racismo e qualquer tipo de discriminação. Cada grupo social observa, define e classifica os fatos e fenômenos que acontecem em sua realidade com base em seus interesses e suas necessidades. Assim, podemos concluir que é por meio da cultura que cada sociedade compreende e explica seu mundo. A atitude antropológica se baseia sempre num intercâmbio deexperiências entre indivíduos, numa troca igualitária. Fundamenta-se na ideia de que nos civilizamos cada vez mais quando nos dispomos a aprender com qualquer pessoa. O interessante é que, ao mesmo tempo que aprende- mos, ensinamos, ainda que muitas vezes isso seja um processo inconsciente. A Antropologia e a alteridade 21 Já que estamos no âmbito da Antropologia da Educação, devemos nos lembrar da atitude das crianças em relação ao novo. Você já reparou como uma criança geralmente fica animada quando se vê diante de outra criança? É comum que ambas fiquem curiosas, interessadas e abertas a apren- der. E é com essa atitude, por exemplo, que elas começam a frequentar a escola. Nesse momento, muitas vezes elas tomam consciência da diferença, uma vez que encontrarão entre seus colegas de turma crianças de outras etnias, com comportamentos, gostos, hábitos e desejos diferentes dos seus. E como elas tendem a reagir? Procuram trocar experiências entre si. Isso é básico quando se pensa na educação, porque a escola é, antes de tudo, um espaço de socialização e, portanto, deve favore- cer o intercâmbio e estimular o diálogo. A abordagem antropológica parte da perspectiva e da visão de mundo do outro. Quando o antropólogo se coloca diante do seu objeto de estudo (ou seja, o outro), ainda que incons- cientemente adotará vários “filtros” para analisá-lo: a própria teoria antropológica, seus valores, princípios e sua experiência de vida, o que não pode tirar a objetividade de seu trabalho. Observe que, de certa forma, como educadores, ao entrarmos em sala de aula, em contato com um grupo de alunos, muitas vezes bastante diferentes entre si, colocamo-nos numa posição muito similar. Levamos para a sala de aula nossa vida pessoal, nossos valores, costumes, hábitos e nossa visão de mundo. No entanto, ainda assim precisaremos estar abertos a cada uma dessas realidades e histórias de vida, em geral diferentes da nossa. Construir preconceitos em relação a alguma coisa dificulta muito o diálogo e diminui a possibilidade de trocas, o que gera preconceitos, discrimi- nação e exclusão – tudo o que deve ser combatido nos espaços escolares e não escolares. Um indivíduo, ao assumir uma prática antropológica, torna-se um sujeito que terá como missão traduzir a complexidade de uma cultura diferente da sua ou, se dentro do próprio uni- verso cultural, que deverá decifrar para outros que não a conheçam. É o caso, por exemplo, da Antropologia urbana, uma das áreas de atuação da antropologia na atualidade, ao investigar, por exemplo, os bailes funks. O pesquisador, sendo ou não frequentador desses eventos, deve adotar a teoria e o método próprios dessa ciência e, com base nisso, precisa “decifrar” objetivamente essa prática cultural para os próprios integrantes, especialmente para a parcela da sociedade mais ampla que não conhece tais eventos. Dessa forma, há uma troca por meio da qual todos aprendem sobre o fenômeno em questão – nesse caso, o baile funk. Outro exemplo clássico da Antropologia que ilustra essa questão é a pesquisa antropológica realizada em comunidades indígenas. Ela traz à luz uma cultura e um estilo de vida pouco conhe- cidos pelas populações urbanas. Trata-se de aprender com elas. Veja que, ainda que os indígenas sejam parte da cultura brasileira, sua cultura própria não está acessível a todos nós. Ainda que sejamos brasileiros, podemos não conhecer ou saber tudo sobre todas as manifestações culturais de nosso país. Devemos sempre nos lembrar que, ao vermos um costume diferente, reconhecemos em nós, por contraste, o que somos ou não. Quando vai a campo, num trabalho de observação participante, o antropólogo busca narra- tivas que podem ser distintas e variar de acordo com o informante. Dessa forma, sua análise será sempre uma interpretação daquilo que viu, não necessariamente a única verdade. Temos nisso a Antropologia da educação22 ideia de pluralidade que marca o trabalho antropológico. Percebe como essa abordagem pode ser rica para a educação? Reconhecer que não se sabe tudo e que é preciso captar as percepções, as histórias de vida e as visões de mundo do outro, o qual pode (ou deve) aprender nesse contato, ajuda-nos, como educadores, a destacar e valorizar as diferenças, de modo a promover a inclusão. E por que é possível falar em inclusão? Porque, quanto mais cedo entendermos que a uni- dade está na diversidade e que não há superioridade entre uma cultura e outra, mais receptivos à diversidade nos tornamos. A atitude antropológica tem como fundamento a capacidade de relativizar, isto é, compreen- der a lógica da sociedade com base no ponto de vista do indivíduo, deixando seus preconceitos de lado e transformando o exótico em familiar. Para isso, é necessário questionar os elementos desse código. Discutindo a ideia do relativismo cultural, Da Matta (1987) reafirma essa atitude como positiva e valorativa, buscando compreender o outro, o diferente, o exótico e o não familiar, fenô- menos que muitas vezes não estão distantes de nós. Considerações finais No desenvolvimento das Ciências Sociais, a Antropologia surgiu da preocupação em en- tender o que na época se chamava de sociedades primitivas. Durante seu desenvolvimento e consolidação como ciência, a percepção acerca dessas sociedades foi mudando, sobretudo a partir do momento em que se percebeu que não era viável analisar sociedades diferentes com base em premissas construídas por meio de visões etnocêntricas e/ou eurocêntricas. O campo de atuação se ampliou, e o método de trabalho desenvolvido para o estudo antropológico, com base no trabalho de campo e na observação participante, configurou-se em sua especificidade como ciência. O próprio conceito de cultura evoluiu ao longo do tempo e foi desdobrado até se construir a ideia de relativismo cultural, isto é, a capacidade de compreender o diferente, desvendando e decifrando a lógica das diferentes culturas. Com isso aprendemos que, às vezes, o que achamos natural é culturalmente construído e que nem tudo o que é estranho é necessariamente de menor valor ou ruim. Por isso se diz que viver em sociedade é um aprendizado contínuo, que começa quando nascemos e só termina quando morremos. Durante nossa vida, devemos aprender com o outro, ampliar nossos horizontes e lutar contra preconceitos. Dessa forma, percebemos que o conhecimento antropológico da nossa cultura passa ine- vitavelmente pelo conhecimento das outras culturas. Devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única (LAPLANTINE, 1989, p. 21). Assim, podemos praticar a alteridade e a atitude antropológica como ferramentas para se construir um mundo marcado pela tolerância, pela aceitação do outro, pelo diálogo e pela inclusão. A Antropologia e a alteridade 23 Quando se pensa na educação, tudo isso se torna ainda mais importante, uma vez que a escola é uma das principais instituições sociais, na qual também acontece o processo de sociali- zação dos indivíduos. Nela está presente a diversidade, com a qual nós, educadores, precisamos estar preparados para lidar, por meio de ações de resistência e combate aos diferentes tipos de preconceito e discriminação. Do contrário, podemos ter na escola mais um espaço de reprodu- ção da injustiça e exclusão do diferente. A construção do outro é uma das tarefas impostas à escola numa sociedade que se propõe justa, igualitária e equitativa, isto é, que colabore para formar indivíduos que tenham as mesmas oportunidades de inclusão e ascensão social. Valores como respeito ao outro e à sua dignidade devem ser construídos também na escola. Se ela, tal como já afirmamos, é um fenômeno social e cultural, torna-se também um interlocutor fundamental para a Antropologia. Atividades 1. Ao longo do tempo, os indivíduos tiveram contato com povos com valores, costumes, re- gras e tradições diferentes dos nossos. Isso provocou reações positivas e negativas. Os con- tatos muitas vezes foram/são difíceis,hostis e até violentos. Explique por que isso ocorreu e, em alguns casos, ainda ocorre. 2. O surgimento das Ciências Sociais aconteceu num contexto de grandes transformações so- ciais, políticas, econômicas e culturais, provocadas especialmente pelo Iluminismo e pelas revoluções Francesa e Industrial. A Antropologia se debruça exatamente sobre a questão da diferença entre os homens e a questão da alteridade, isto é, do reconhecimento da diversida- de. Qual era o objetivo a ser alcançado por essa ciência em seus primórdios? 3. A visão antropológica fundamentou uma corrente teórica que influenciou tanto a Socio- logia quanto a Antropologia, chamada de darwinismo social, baseada na teoria de Charles Darwin, o qual estudou o processo de evolução dos seres na natureza. Como isso impactou os estudos antropológicos? 4. No convívio social, estamos sempre em interação com várias pessoas e grupos, cada um exercendo diferentes papéis sociais, com base nos próprios padrões de comportamento e visão de mundo. Nessa convivência nos damos conta do outro e exercemos a alteridade. Para a Antropologia, como se define alteridade? Antropologia da educação24 Referências ALTERIDADE. In: INSTITUTO HOUAISS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. DA MATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. 5. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. EVOLUÇÃO. In: INSTITUTO HOUAISS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1989. LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. SCOTT, J. (Org.). Sociologia: conceitos-chave. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. SIQUEIRA, E. D. Cultura e senso comum. Brasília, DF: Sistema Universidade Aberta do Brasil, 2007. p. 59-61. 2 O conceito de cultura Entender o conceito de cultura e suas implicações na construção do pensamento antropológi- co é fundamental para compreender a importância desse conhecimento para o processo educativo. São muitas as acepções para esse termo, porque ele transita por várias ciências, especialmente nas chamadas humanidades. A dualidade natureza versus cultura é discutida na Antropologia em razão da importância dessa duplicidade para compreendermos o quanto nos humanizamos ao alterarmos o ambiente no qual vivemos. Fazemos isso desde os primórdios da humanidade, e certamente esse processo continuará acontecendo. Construímos valores comuns a todos os grupos sociais, ao mesmo tempo em que surgem práticas, padrões e hábitos bastante distintos entre as sociedades. Mas ainda assim estamos falando de totalidade. Num curso de formação de professores, a Antropologia da Educação colabora para a refle- xão em torno da diversidade e da necessidade de se repensar práticas culturais que se constituíram tradições numa cultura e que, como vimos, atualmente podem atentar aos direitos humanos. Vale ressaltar que é extremamente importante que sejam formados profissionais da educação mais críti- cos e conscientes, em virtude das características do mundo contemporâneo, cada vez mais próximo em função da interdependência entre o países e das novas tecnologias. 2.1 O conceito de cultura na Antropologia Afinal de contas, o que significa cultura, palavra tão utilizada desde o iní- cio da nossa reflexão? Já sabemos que ela envolve vários aspectos da produção humana, tais como valores, leis e costumes. Também faz parte da cultura de um povo sua produção material. Ou seja, artefatos, utensílios, vestuário, moradia, ali- mentação e tudo o que o homem construiu ou produziu para se adaptar ao meio ambiente e atender às suas necessidades de sobrevivência e conforto. Mas não podemos adotar apenas uma lógica utilitarista, porque, se fosse assim, encontraríamos soluções absolutamente iguais para problemas comuns em todos os lugares do mundo. O que se observa é a existência de questões subjetivas além das questões materiais. Daí a diversidade encontrada entre os povos. Diante disso, podemos perceber que a cultura é bastante ampla e complexa, não sendo única, assim como também não há uma mais verdadeira ou perfeita que outra. Percebemos isso quando o padrão europeu serviu de referencial para julgar os povos ameríndios, classificando-os como “sel- vagens”, “primitivos”, não civilizados. Devemos falar em culturas, e não cultura. Com elas o homem enxerga o mundo, transforma sua realidade e o mundo que o cerca e constrói sua identidade com base no que por elas é definido como válido. Colocando-se como centro do mundo, numa postura antropocêntrica construída desde o século XVII, o ser humano constrói sistemas simbólicos para explicar e orientar o mundo em que vive. Vídeo Antropologia da educação26 Observe que, nessa linha de pensamento adotada pela Antropologia, a cultura é tão abstrata quanto concreta. Por exemplo, o homem não se alimenta apenas para sobreviver, mas por várias outras razões, entre elas o prazer de comer. Assim podemos perceber que, no que diz respeito à alimentação, a separação natureza x cultura é muito clara. Se não fosse assim, todas as sociedades adotariam insetos em seus padrões alimentares, mas isso não ocorre porque as pessoas tendem a comer aquilo que lhes é familiar, que aprendem a comer e que faz parte dos hábitos alimentares de sua sociedade. Observe as imagens a seguir. Figura 1 – Insetos como parte da alimentação de muitas culturas st oc kp ho to tr en ds /i St oc kp ho to Figura 2 – Bolo de chocolate tradicional da cultura ocidental sa na pa dh /i St oc kp ho to Qual dos pratos você teria vontade de provar? Arriscamos dizer, mesmo desconhecendo seus hábitos alimentares, que você escolheria o bolo. Por quê? Porque os insetos não fazem parte de nossa culinária ocidental cotidiana e despertam um misto de sentimentos que não ajudam a agu- çar o apetite, correto? Isso ilustra o que estamos discutindo aqui: a particularidade das culturas e, ao mesmo tempo, a universalidade da espécie humana. Queremos o familiar, resistimos ao novo. O conceito de cultura 27 Mas, para adotarmos uma atitude antropológica, é preciso transformar o exótico em familiar e assumir uma postura de estranhamento diante do que já conhecemos e do que nos é familiar. Sabe a impressão de andarmos no “piloto automático” que sentimos algumas vezes no nos- so dia a dia? É um pouco sobre isso que estamos falando. Se alguém lhe perguntasse por que não comeria o prato com os insetos e você apenas respondesse “porque não!” ou “porque tenho nojo!”, estaria reforçando sem questionamento os padrões já conhecidos, enquanto poderia se dispor a experimentar e “se familiarizar” com o novo, o exótico. O que acha? Então, cultura é mais do que a simples soma de valores, rituais, costumes, crenças, leis, utensílios e artefatos; é também um conjunto de sistemas simbólicos e de códigos por meio dos quais o indivíduo e os grupos decifram e explicam seu mundo. É muito comum entre os antropó- logos a seguinte comparação: a cultura seria similar às regras de um jogo, a que todos os jogadores devem conhecer e respeitar. Em alguns casos, como no jogo de truco, pequenos gestos podem significar muita coisa no andamento e na definição da partida. Assim, o mesmo acontece na so- ciedade: o convívio entre os indivíduos é mais tranquilo e equilibrado na medida em que as regras são conhecidas e respeitadas por todos. Por isso se diz que a cultura é um código que precisa ser descoberto e decifrado. Pensemos em outro exemplo: você fala japonês? Como se imagina chegando ao Japão sem dominar o idioma? O que poderia fazer para se comunicar e se integrar? Deveria, aos poucos, deci- frar aquele código linguístico, ao mesmo tempo que seus novos interlocutores também precisariam se esforçar para compreender você. Laraia (1989), como já dissemos anteriormente, afirma que a cultura condiciona a visão de mundo do homem, e na base disso há um sistema de classificações e de codificação queconstitui nossa herança cultural, que determina nosso comportamento em relação ao outro. Para ele, “o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura” (LARAIA, 1989, p. 70). Roberto da Matta, um dos maiores antropólogos brasileiros, por sua vez, reforça que o social e o cultural são inseparáveis, sendo a cultura uma tradição transmitida de geração a geração – ela é o que diferencia uma sociedade da outra. O social, para ele, seria tudo aquilo que independe da na- tureza interna (biologia/genética) ou externa (fatores ambientais), sendo também “um fenômeno coletivo, globalizante, múltiplo” (DA MATTA, 1987, p. 17). Trata-se de “uma totalidade ordenada de indivíduos que atuam como coletividade”. Existe uma “tradição viva conscientemente elaborada que passa de geração para geração, que permita individualizar ou tornar singular e única uma dada comunidade relativamente às outras, constituídas de pessoas da mesma espécie”. Da Matta (1987, p. 48) diz que “sem uma tradição, uma coletividade pode viver ordenadamente, mas não tem cons- ciência do seu estilo de vida”. O autor afirma que em cada sociedade há uma tradição cultural que se assenta no tempo e se projeta no espaço. É por isso que pode haver uma sociedade sem cultura, mas não o inverso. Dessa forma, Da Matta (1987, p. 57) revela que, ao se observar as sociedades e buscar suas percepções sobre aquilo que vivem, creem ou realizam, suas ações concretas podem compreender seus valores e suas ideologias. Antropologia da educação28 Por exemplo, veja que por isso é possível, inclusive, haver vestígios da cultura de uma sociedade já extinta, objeto de estudo da Antropologia pré-histórica. Da Matta reforça que o homem, ao transformar a natureza, assim o faz por inúmeras razões, sobretudo para atender às suas necessidades de sobrevivência. Mas também precisa compreender o mundo em que vive e, para isso, inventa todo um sistema de valores que depois nortearão seu comportamento. Outro antropólogo que contribuiu significativamente para a discussão sobre os fundamen- tos da Antropologia é François Laplantine. Ela afirma: o social é a totalidade das relações (relações de produção, de exploração, de dominação...) que os grupos mantêm entre si dentro de um mesmo conjunto (etnia, região, nação...) e para com outros conjuntos, também hierarquizados. A cultura por sua vez não é nada mais que o próprio social, mas considerado dessa vez o sob o ângulo dos caracteres distintivos que apresentam os compor- tamentos individuais dos membros desse grupo, bem como suas produções originais (artesanais, artísticas, religiosas...). (LAPLANTINE, 1989, p. 122, grifos do original) Mais uma vez, devemos lembrar o caráter relacional na análise antropológica, que, como afirma Laplantine, procura dar conta da relação entre o social e o cultural. É por isso que mui- tas vezes há certa confusão entre as abordagens e os objetivos da Sociologia e da Antropologia, parecendo que não existe distinção entre as duas ciências. No entanto, nelas há diferenças funda- mentais, sobretudo em termos metodológicos. Enquanto a Sociologia procura compreender o ho- mem em interação, isto é, vivendo em sociedade, a Antropologia pretende compreender o homem por inteiro, sua produção cultural, isto é, o homem em sua totalidade. Quando a Antropologia toma o próprio homem como objeto de conhecimento, inicia-se uma nova forma de perceber o mundo, um novo modo de pensar, baseado, como vimos, no agir com alteridade. Isso é bastante recente na história da humanidade e trouxe muitas consequên- cias, entre elas a ideia de que não há uma hierarquia entre culturas diferentes. Não há como classificar culturas diferentes numa escala de valoração com base na ideia de progresso ou atraso. Quanto mais se ampliavam os horizontes da humanidade, mais se percebeu que o estranhamen- to em relação ao outro poderia ser algo bastante positivo se houvesse uma atitude de curiosidade e, ao mesmo tempo, de respeito em relação ao diferente. Soube-se, então, que o olhar sobre o ou- tro e as interpretações possíveis de construir acerca das suas práticas culturais tornam viável nos conhecermos melhor. Por meio da etnologia, estudo das culturas e dos povos, a Antropologia possibilita a construção de um mundo mais tolerante e de pessoas mais críticas. Ao falarmos em cultura, referimo-nos à multiplicidade presente nas diferentes comunidades humanas. Os indivíduos se organizam em grupos e em sociedades com base em elementos que os aproximam, no que constroem em comum e com o que se identificam. Pode ser a língua, o mesmo referencial histórico, determinada organização política e social, a relação com o sagrado, a religião... Enfim, os indivíduos organizam seu mundo de maneira a fazer sentido para eles mesmos. Há elementos que unem e existem aqueles que separam os seres humanos. Por exemplo, quando se pensa na educação, observamos que em todas as culturas há uma forma de se transmitir às novas gerações o conhecimento acumulado. Isso é cultura. Entretanto, cada grupo/povo pode O conceito de cultura 29 fazer isso distintamente, muitas vezes sem um sistema formal de educação. Em sociedades sem escrita, a oralidade garante que as tradições do grupo sejam passadas aos mais jovens para que elas não se percam. Nesse sentido, a abordagem antropológica possibilita ao educador uma visão mais ampla do valor das práticas culturais e sua importância para a construção de identidades. Tendo isso em mente, o olhar antropológico nos mostra que práticas, costumes e concepções de mundo só fazem sentido se forem compreendidas com base na lógica do grupo que os produziu, numa relação dialógica. Fica clara a necessidade de inter-relacionar os diferentes elementos que compõem a cultura, ao mesmo tempo que se tenta explicá-los aos indivíduos que a produziram. Ao discutirmos o papel da cultura, devemos destacar que, ao contrário do que marcava o contexto inicial da Antropologia, o isolamento entre grupos sociais diminuiu ao longo do tempo; hoje praticamente não existe mais. Inevitavelmente, diante dessa realidade, foi possível observar que os grupamentos humanos se desenvolveram em ritmos, formas e tempos variados. Entretanto, isso não impediu que, apesar dessas diferenças, houvesse também algumas tendências e acontecimen- tos comuns. O exemplo mais clássico desse desenvolvimento humano diz respeito ao surgimento da agricultura – a chamada Revolução Neolítica. Historiadores e antropólogos se perguntam até hoje como, em diferentes lugares do planeta, povos distintos e nômades descobriram a agricultu- ra na mesma época. Em virtude disso, tornaram-se sedentários. Assim, ao lado da caça e da co- leta, passaram a exercer uma nova atividade econômica que mudaria para sempre a história da humanidade. Com isso surge também a ideia de Estado e uma nova forma de organização social, que dá início a várias civilizações. Durante a Antiguidade, elas fundamentaram algumas bases de tudo o que veio em seguida em termos de organização social, política, religiosa e, claro, cultural. A domesticação de animais, a diversificação de culturas agrícolas e o uso dos recursos naturais marcaram diferentes grupamentos humanos, ainda que não tivessem entrado em contato entre si. Tais práticas podem ser vistas como tendências dominantes. Seria possível cuidar das culturas agríco- las (plantio e coleta) e da domesticação de animais se os homens continuassem a ser nômades? Vale lembrar novamente que isso não significa que se possa avaliar as mudanças e os avanços alcançados por diferentes grupos numa escala de passagem da selvageria à civilização, passando pela barbárie, estágio intermediário. Como vimos, o evolucionismo, ainda que tenha sido importante na construção teórica da Antropologia, não foi suficiente para explicar os gru- possociais que não se encontravam no universo conhecido pelos europeus e americanos no século XIX. Ficou claro, ao longo do tempo, que diferenças físicas, como a cor da pele, não deter- minavam um sistema cultural e que, portanto, seria necessária outra forma de explicar a diversi- dade. Mas, enquanto essa concepção se manteve, muitas visões distorcidas sobre povos e grupos não europeus foram marcadas por preconceito, resultando até em extermínio de populações. Cabe aqui uma observação: ainda que não exista uma única linha evolutiva da humanidade e que a variedade de práticas e sistemas culturais seja uma realidade, não se pode relativizar tudo. É preciso entender que, ao procurarmos decifrar a cultura de um povo, estamos adotando critérios que são também construções culturais. Assim, é extremamente importante que, ao adotarmos a abordagem antropológica, tenhamos em mente que todos os grupamentos humanos fazem parte da história de nossa espécie como um todo. Todas as culturas particulares devem ser vistas como Antropologia da educação30 integrantes de um conjunto. Por exemplo, podemos estudar a cultura de tribos indígenas que vi- vem isoladas, sem considerar a realidade histórico-social-econômica do Brasil como um todo? Podemos nos questionar, por exemplo, por que (e como) elas ainda conseguem se manter isoladas do restante da “civilização”, enquanto outras tribos foram extintas ou vivem hoje à margem da so- ciedade mais ampla. Figura 3 – Indígenas vivendo em tribo isolada da sociedade, no Acre (2009). Não é à toa que, por bastante tempo, muitos antropólogos escolheram comunidades indígenas como objeto de estudo. Esses grupos estavam à margem da sociedade mais ampla, o que possibilitava a realização do trabalho de campo e a observação – técnica de pesquisa clássica da Antropologia. Assim, a cultura se torna o conceito-chave das análises antropológicas. Outros conceitos derivam dessa categoria de análise: diversidade cultural, etnocentrismo e relativismo cultural. Por meio destes a Antropologia se debruça sobre as diferenças e particularidades das sociedades, mas de modo a buscar o que nos aproxima como humanidade. 2.2 Cultura e relativismo cultural Você deve ter notado que já empregamos algumas vezes aqui a expressão rela- tivismo cultural. Vamos explorar uma pouco mais essa ideia? Vimos que o pesquisa- dor, ao analisar uma cultura, baseia-se nas teorias que fundamentam a Antropologia, mas também adota diferentes filtros. Isso porque não é possível se desfazer de tudo o que constitui sua cultura. Esta, de alguma forma, interfere na interpretação que ele faz de outra cultura. Se não fundamentar sua pesquisa nos princípios teórico-metodológicos da Antropologia, não produzirá um conhecimento realmente científico. Vamos a um caso concreto para entendermos melhor esse aspecto. Se um antropólogo está estudando uma sociedade que tem como parte da sua cultura um ritual de passagem para os meni- nos com o qual ele não concorde por ser extremamente cruel, deve procurar ser muito objetivo em G le ils on M ira nd a/ Ag ên ci a de N ot íc ia s do A cr e/ W ik im ed ia C om m on s Vídeo O conceito de cultura 31 sua observação. Há ritos de passagem que marcam a entrada do garoto na vida adulta que impli- cam em várias etapas, e algumas delas exigem muito deles em termos físicos e psicológicos. Podem, por exemplo, ser isolados por alguns dias em um local fora de sua aldeia, devendo sobreviver sozi- nhos, sem nenhuma ajuda. Ou, como forma de provar sua coragem, são obrigados a colocar a mão dentro de um formigueiro de uma espécie de formiga bastante perigosa, cuja toxina causa muita dor e sofrimento. Se esse menino não suportar tal situação por um tempo mínimo, não será consi- derado adulto, e isso pode significar muita humilhação diante do grupo. Mas qual é a dificuldade para o pesquisador numa situação como essa? É se desprender dos valores impostos pela própria cultura, que, nesse caso, determina que a criança e o jovem devem ser protegidos e poupados de alguns riscos à sua integridade como um todo, sem tecer juízos de valor. Assim, sob esse ponto de vista é que se diz que tudo é relativo, mas é importante entender que o relativismo não pode servir de justificativa para a imposição de uma cultura dominante sobre outras, nem para aceitar que, em nome da tradição, sejam mantidas práticas hoje inaceitáveis. Agora vamos discutir um pouco sobre a questão da mutilação genital feminina, tema po- lêmico, que sempre gera muita indignação e nos ajuda a refletir mais sobre essa questão. Trata-se de extirpar o clitóris da menina. A mutilação ocorre normalmente entre os três e os cinco anos de idade. Na maioria das vezes, isso acontece de forma muito rudimentar, usando lâminas comuns ou facas, sem nenhum tipo de higiene ou anestesia. Isso implica em enorme dor física e psicológica, além do risco de sangramento, infecção (inclusive pelo vírus da Aids), infertilidade e anomalias físicas irreparáveis na genitália. Então nos perguntamos: o que leva a comunidade a ainda acei- tar essa prática? Diversas pesquisas, algumas conduzidas pela própria Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Unesco, órgão de proteção da infância e da juventude, mostram que, ainda existindo a rejeição tanto de homens quanto de mulheres a essa prática, em alguns locais há também a percepção de que isso é importante para que a mulher seja aceita em sua comunidade. Mesmo sabendo dos inúmeros riscos às meninas, dados mostram que a aceitação da permanência desse ritual é maior entre as mulheres, com receio de serem excluídas do próprio grupo social. Entretanto, atualmente há várias mulheres, vítimas ou não desse rito, que se tornaram ativistas para tentar conscientizar as pessoas dentro e fora de seus países, no sentido de pôr fim a essa prática em nome dos direitos humanos. Esse é um exemplo que nos mostra o quanto é difícil esse processo de relativização cultu- ral. A diversidade que caracteriza grupos, países e sociedades pode ser percebida na pluralidade e originalidade de identidades. Atualmente, essa diversidade se acentua ainda mais, exigindo de todos nós um olhar mais aberto ao outro, sob diversos aspectos: raça, etnia, orientação sexual ou religiosa, nacionalidade, posicionamento político, hábitos alimentares etc. O conviver se torna um exercício de superação de preconceitos e uma luta para desenvolver conexões empáticas com o ou- tro, de modo a acolher, estabelecer o diálogo e valorizar suas características e seus pontos de vista, ainda que divergentes dos nossos. O relativismo cultural significa também se colocar no lugar do outro, uma ferramenta para o entendimento e um caminho para construir sociedades intelectual, afetiva, ética, moral e economi- camente equilibradas. Reconhecer e respeitar a diversidade é a condição para a defesa da dignidade Antropologia da educação32 humana e dos direitos humanos. Você já se deu conta de quantos conflitos estão acontecendo atualmente no mundo em virtude do não reconhecimento dessas premissas básicas que constituem nosso caráter de humanidade? Vejamos alguns deles. Um dos mais antigos é o conflito entre árabes e palestinos na região da Palestina e do Estado de Israel. Esse conflito se estende há décadas, sob o argumento de que, para a criação do Estado judeu, grandes parcelas de terras palestinas foram tomadas para constituir os limites de Israel e construir assentamentos para colonos judeus. Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou um plano de partilha da Palestina que previa a criação de dois Estados: um judeu e outro palestino. A recusa árabe em aceitar a decisão culminou em intenso confronto entre Israel e países árabes: a guerra árabe-israelense de 1948, quando grande parte da população palestina foi expulsa (Figura 4). Depois de várias guerras e discussões sobre a cidade de Jerusalém, considerada sagrada para as três grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo),e sob a justificativa de ser uma questão religiosa, de disputas territoriais e de rivalidades étnicas dos dois lados, gerações inteiras até hoje não sabem o que é viver em paz. Fala-se que a questão religiosa é um dos motivos, mas há também fatores econômicos envolvidos – um deles é o controle da água na região e a posição estratégica em relação à geopolítica do petróleo. Figura 4 – Refugiados palestinos em 1948 Fr ed C sa sz ni k/ W ik im ed ia C om m on s Outro exemplo mais recente é o grande deslocamento populacional em movimentos migra- tórios em virtude de guerras, muitas delas alimentadas por conflitos étnico-religiosos. É o caso da Síria, país cuja população se divide em várias etnias, nem todas muçulmanas. Além disso, rebeldes e grupos terroristas atuam em seu território. O que se vê é uma das maiores crises humanitárias desde a Segunda Guerra Mundial. Há também desrespeito à diversidade e aos direitos humanos em vários outros países, como Congo, Nigéria, Etiópia, Somália, Chade e Iraque (na região da etnia curda – o maior povo sem Estado do mundo). Se buscarmos as razões para tantos conflitos, encontraremos motiva- ções econômicas, mas também questões étnico-raciais e/ou religiosas. Nesses casos, vemos na O conceito de cultura 33 prática o menosprezo ao direito de minorias no sentido de preservarem e verem reconhecidas suas culturas, o que configura desrespeito aos direitos culturais. Cada cultura tem o direito de se expressar, tentar manter suas tradições e transmiti-las às no- vas gerações. Além disso, culturas dominantes não têm o direito de subordinar aquelas minoritá- rias, sob pena de negar aos mais novos o conhecimento de tradições e valores que configuram suas identidades. O direito à liberdade, inclusive à de expressão, é de todos e é base para a convivência baseada no relativismo e respeito à diversidade. Essa é uma das tarefas da educação em todas as so- ciedades: oportunizar o compartilhamento do sistema cultural de cada sociedade ou grupo social de modo a construir ou reforçar identidades individuais e coletivas. Mas como opera a cultura? Laraia (1989, p. 67-105) define algumas formas pelas quais a cultura se concretiza na sociedade e como é percebida e praticada pelos indivíduos. Inicialmente o autor afirma que, como dito anteriormente, ela condiciona a visão de mundo do homem e tem uma lógica própria. No primeiro caso, o modo de ver a realidade e os julgamentos morais e valorativos, os diferentes comportamentos e até posturas corporais são produtos de uma herança cultural e determinam como vemos a diferença. Você já não identificou facilmente um turista em sua cidade? Isso foi possível porque, de alguma forma, ele se comportou ou apresentou indícios (atitudes, ves- tuário, sotaque etc.) que o diferenciou dos membros da sociedade na qual estava naquele momento. Como vimos, a consequência do fato de vermos o mundo por meio da lente da nossa cultura pode levar a julgamentos equivocados e preconceituosos em relação ao outro. É preciso ter muito cuidado. Para que isso não ocorra, segundo Laraia (1989), devemos tomar como ponto de referên- cia a humanidade, e não o grupo ou o indivíduo. Quando o autor diz que cada cultura tem a própria lógica, lembra que só é possível analisar a coerência de um hábito cultural com base no sistema a que pertence, procedimento que consiste em um sistema de classificação. E os diferentes sistemas divergem entre si de acordo com essa lógica. A cultura, ainda de acordo com Laraia (1989), também interfere no plano biológico, uma vez que aspectos físicos ou psíquicos podem definir formas de comportamento e construir siste- mas de classificação acerca do mundo no qual o indivíduo e seu grupo se inserem. Ele exemplifica essa interferência ao citar a questão das doenças psicossomáticas (doenças reais ou imaginárias e sua cura – real ou imaginária) e a sensação de fome, que depende de muitos fatores. Estamos condicionados, por exemplo, a sentir fome ao meio-dia. Mas será assim em todos os lugares do mundo? Sabemos que não, uma vez que os horários das refeições são definidos culturalmente em cada sociedade. Outro aspecto importante apontado por Laraia (1989) é o fato de os indivíduos da mesma sociedade participarem diferentemente de sua cultura. O autor afirma que o envolvimento de cada um de nós em nossa cultura é limitado e nenhuma pessoa é capaz de praticar todos os elementos da sua cultura. E isso é mais claro em sociedades mais complexas como a nossa, que impõe limites a essa vivência com base em diferentes critérios, tais como sexo e idade. Algumas dessas limitações são realmente de ordem cronológica, enquanto outras são estritamente culturais. O autor dá como exemplo as várias atividades que uma criança não pode realizar, enquanto outras são proibidas a pessoas de mais idade, por incapacidades de ordem física. Mas há situações nas quais os critérios Antropologia da educação34 são bastante questionáveis e frutos de uma definição arbitrária, como é o caso de os jovens de 16 anos poderem votar, mas não dirigir antes dos 18. Outro exemplo apresentado pelo autor é o do jovem de 17 anos, 11 meses e 20 dias, para o qual não é aconselhado assistir a um filme cuja clas- sificação é para 18 anos. Qual é realmente a diferença, uma vez que se trata de poucos dias entre uma idade e outra? O que explicaria essas imposições culturais? Convenções culturais que foram construídas pela própria sociedade e que passam a definir as diferentes participações dos indiví- duos na própria cultura. Finalmente, ao dizer que a cultura é dinâmica, Laraia (1989) aponta para o fato de que as mudanças pelas quais ela passa podem ser internas ou externas, mais lentas ou mais rápidas, sendo o tempo um elemento importante na constituição dos sistemas culturais. Isso significa que um com- portamento ou um valor aceito atualmente em determinada sociedade pode não o ser no futuro. Assim, percebemos que a cultura é uma condição essencial para nossa constituição como humanidade e diz respeito à nossa capacidade de significarmos o que fazemos e o mundo que nos cerca. Veja como essa ideia é importante para o que nos propomos aqui, ou seja, abrir uma nova frente para discutir a educação e a prática educativa. Isso porque cultura diz respeito a todas as for- mas de pensar e agir compartilhadas pelos indivíduos de determinado grupo ou sociedade, numa dimensão de tempo e espaço, em qualquer sociedade (indígena, camponesa, urbana etc.). É por isso que reforçamos que a análise antropológica busca o relativismo e a totalidade. Dessa forma, o estudo das culturas e as formas por elas escolhidas para transmitir o conheci- mento acumulado é fundamental para a Antropologia da Educação, lembrando que a relação entre culturas diferentes nem sempre acontece de forma igualitária. São relações de poder. Percebemos ao longo da história que pode haver tentativas de imposição de uma cultura sobre outra. Quando se fala em educação, isso pode ser ainda mais problemático. Alguma vez você já se perguntou, por exemplo, por que ainda há tantos analfabetos no Brasil, em pleno século XXI? Já lhe ocorreu que pode ser interessante para parte da elite brasileira, especialmente a elite política, que as pessoas assim permaneçam e não desenvolvam seu espírito crítico? E por que não interessa? Porque pes- soas com criticidade são questionadoras, não costumam aceitar, por exemplo, que continuemos a ser um país tão desigual, no qual tantas pessoas não tenham acesso às mesmas oportunidades dos indivíduos de maior poder aquisitivo. Uma provocação para você: o que seria mais importante para a educação? Pensar como aconteceu a evolução dos sistemas educativos ou como e por que eles foram constituídos? O que você acha? É claro que conhecer as diferentes soluções e os caminhos percorridos pela humanidade em vários momentos históricos e lugares do planeta nos mostra mais sobre a educação daqueles povos do que simplesmente a possibilidade de
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