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0 ANTROPOLOGIA CULTURAL 1 CLÁUDIA MARIA DA SILVA SANTOS ÁGUA BRANCA-PI 2020 Fonte: http://cultura.culturamix.com/historia/cultura-antropologia 2 SANTOS, Cláudia Maria da Silva. Antropologia Cultural. 1ª ed. Água Branca; FAS – Cursos de Graduação. 99p. Bibliografia 1. Pedagogia 2. Educação 3. Título. Ficha Catalográfica Todos os direitos em relação ao design deste material são reservados à FAS. Todos os direitos quanto ao conteúdo deste material são reservados ao autor. Todos os direitos de Copyright deste material didático são à FAS. Diretor Geral Francisco Edesio Carlos Soares Secretária Acadêmica Joselina da Silva Costa 3 09 09 11 12 15 17 20 20 22 25 26 30 31 33 36 36 38 40 41 43 47 48 51 53 56 58 60 60 4 62 63 66 68 71 73 73 75 75 78 80 85 85 87 87 87 88 89 91 91 93 94 97 97 98 5 A concretização de um curso superior em Pedagogia na modalidade à distância tem como meta o atendimento às necessidades de toda comunidade quanto ao acesso e atendimento ao um ensino superior de qualidade. Desse modo, propõe-se a importância para o curso de Pedagogia numa perspectiva histórico- cultural, tendo como eixo articulador a interdisciplinaridade e a busca da construção de um currículo integrador. As disciplinas pedagógicas que formulam o currículo foram moldadas para uma sociedade cujo princípio da qualidade torna-se prioridade a partir da relação teoria-prática de um trabalho docente de qualidade que procure satisfazer as necessidades de aprendizagem, enriquecendo as experiências do educando no processo educativo. É dentro desta ideia que o curso de Pedagogia da FAS na modalidade à distância constitui-se de uma base comum formada pelos conhecimentos de ciências humanas aliadas a tecnologia, de uma parte diversificada com uma ampliação dos fundamentos na leitura do fazer pedagógico dentro da escola e da sociedade e uma parte complementar com o objetivo de trabalhar os problemas educativos da realidade educacional em vista a qualificação do professor com novas formas de intervenções como aplicações de ferramentas metodológicas. A FAS tem como recurso didático-educacional o uso de materiais como apostilas/livros, plataformas virtuais, internet, vídeos e principalmente um excelente sistema de acompanhamento à distância através de tutores e monitores. É válido salutar que este curso otimiza sempre seus resultados pelas experiências existentes e atendem a ampla procura de profissionais da área educacional. Os profissionais da área da educação serão orientados a sempre desenvolver a capacidade de intervenção científica e técnica assegurando a reflexão critica permanente sobre sua prática e realidade educacional historicamente contextualizada. O que espera deste docente é sua capacidade de (re) construir seu projeto pessoal e profissional a partir da compreensão da realidade histórica e profissional diante das políticas que direcionam as práticas educativas na sociedade. 6 A experiência de trabalhar a disciplina de Antropologia Cultural é realmente intrigante, portanto é imprescindível que obtenhamos conhecimentos específicos para desenvolver nossas atividades, mas sem ficarmos restritos a estes conhecimentos. Diante disso, a disciplina de Antropologia Cultural visa possibilitar a construção de um estudo antropológico básico, fundamentado em uma aproximação das abordagens teóricas e metodológicas de pesquisa que ofereça ao acadêmico autonomia na análise de questões ligadas a cultura, identidade e alteridade, além de permitir uma compreensão de conceitos da Antropologia para a prática docente, estimulando leituras sobre a escola e a educação. Portanto, fique atento ao material e siga a sequência proposta para seus estudos, acompanhe as atividades sugeridas, de forma a aprimorar e aprofundar seu aprendizado. Os conteúdos serão divididos em temas que serão trabalhados ao longo do semestre entre eles a Pré Historia da Antropologia, Cultura: Conceitos Básicos e Perspectivas Principais, Cultura na Construção dos Indivíduos (as identidades) Cultura Estruturante, Abordagem Antropológica da Educação: Contribuições para as Análises Sociais, Diversidade Cultural no Mercado de Trabalho, Dimensão simbólica do conceito de cultura, dentre outros. Para que o aluno tenha um melhor aproveitamento da disciplina, optamos trabalhar desta maneira, pois acreditamos que essa organização irá proporcionar um maior entendimento do conteúdo, fornecendo as bases necessárias para o entendimento da realidade brasileira e mundial. Esperamos com isso, que o aluno faça boas reflexões, consiga aprimorar seu conhecimento com qualidade e eficiência e ao mesmo tempo aplicar em seu cotidiano esses conhecimentos adquiridos. Organizadora: Profª Ma: Cláudia Maria da Silva Santos 7 8 UNIDADE 01 Pré – História da Antropologia Fonte: https://pt.slideshare.net/pedromaat/histria-da-antropologia-cultural 9 Antropologia Cultural 1. Pré-história da Antropologia O Renascimento explora espaços ainda desconhecidos e inicia discursos sobre habitantes que povoam aqueles lugares. A grande questão colocada é a seguinte: aqueles que acabaram de serem descobertos pertencem à humanidade? O selvagem tem uma alma? O pecado original também lhe diz respeito? Percebemos que, se no século XIV a questão é colocada, não chega a ser solucionada. Ela será definitivamente resolvida apenas dois séculos depois. Nessa época é que se inicia um esboço sobre as duas ideologias concorrentes: a recusa do estranho, apreendido a partir de uma falta, e cujo corolário é a boa consciência que se tem sobre si e sua sociedade; e a fascinação pelo estranho, cujo corolário é a má consciência que se tem sobre si e sua sociedade. Desde a metade do século XIV, no debate que se torna uma controvérsia pública entre o dominicano Las Casas e o jurista Sepulvera, estão colocados os próprios termos dessa dupla posição. Las Casas cita que “Àqueles que pretendem que os índios sejam bárbaros, responderemos que essas pessoas têm aldeias, vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa”. LAPLATINE (1988, p.38), Sepulvera relata que “Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que não sejam superiores em força física, são, por natureza, os senhores; ao contrário, porém, os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tenham as forças físicas para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza servos” As ideologias que estão por trás desse duplo discurso, permanecem vivas hoje, quatro séculos depois da polêmica que opunha Las Casas a Sepulvera (LAPLATINE, 1988, p.39). 1.1 A figura do mal selvagem e do bom civilizado A antiguidade grega designava sob o nome de bárbaro tudo o que não participava da helenidade (em referência à inarticulação do canto dos pássaros opostos à significação da linguagem humana), o Renascimento, dos séculos XVII e XVIII falavam de naturais ou de selvagens, opondo assim a animalidade à 10 Antropologia Cultural humanidade. Para Laplatine (1988, p.40) o termo primitivo é que triunfará no século XIX, enquanto na época atual optamos por subdesenvolvidos. Entre os critérios utilizados a partir do século XIV pelos europeus para julgar se convém conferir aos índios um estatuto humano, além do critério religioso, citaremos: A aparência física: eles estão nus ou “vestidos de peles de animais”; Os comportamentos alimentares: eles “comem carne crua”, e é todo o imaginário do canibalismoque irá aqui se elaborar; A inteligência tal como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles falam “uma língua ininteligível”. Assim, não tendo alma, não acreditando em Deus, sendo assustadoramente feio, não tendo acesso à linguagem e alimentando-se como um animal, o selvagem é apreendido nos modos de um bestiário. E esse discurso sobre a alteridade, que recorre constantemente à metáfora zoológica, abre o grande leque das ausências: sem arte, sem objetivo, sem moral, sem religião, sem razão, sem consciência, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem passado, sem futuro. De acordo com Laplatine (1988, p.41), Cornelius de Pauw acrescentará até, no século XVIII: “sem barba”, “sem sobrancelhas”, “sem pelos”, “sem espírito”, “sem ardor para com sua fêmea”. Para o autor Laplatine (1988, p.43), existem os seguintes aspectos: 1. De Pauw nos propõe suas reflexões sobre os índios da América do Norte. Sua convicção é a de que sobre estes últimos a influência da natureza é total, ou mais precisamente negativa. Se essa raça inferior não tem história e está para sempre condenada por seu estado “degenerado”, a permanecer fora do movimento da História, a razão deve ser atribuída ao clima de uma extrema umidade. Eles têm, prossegue Pauw, um “temperamento tão úmido quanto o ar e a terra onde vegetam” e que explica que eles não tenham nenhum desejo sexual. Em suma, são “infelizes que suportam todo o peso da vida agreste na escuridão das florestas, parecem mais animais do que vegetais”. 2. Ideias que serão retomadas e expressas nos mesmos termos em 1830 por Hegel, o qual, em sua Introdução à Filosofia da História, nos expõe o horror que ele ressente frente ao estado de natureza, que é o desses povos que jamais ascenderão à “história” e à “consciência de si”. 11 Antropologia Cultural Na leitura dessa Introdução, a África, e, em especial, a África profunda do interior, onde a civilização nessa época ainda não penetrou que representa para o filósofo a forma mais nitidamente inferior entre todas nessa infra-humanidade. Tudo, na África, é nitidamente visto sob o signo da falta absoluta: os “negros” não respeitam nada, nem mesmo eles próprios, já que comem carne humana e fazem comércio da “carne” de seus próximos. Vivendo em uma ferocidade bestial inconsciente de si mesma, em uma selvageria em estado bruto, ele não tem moral, nem instituições sociais, religião ou Estado. Petrificados, em uma desordem inexorável, nada, nem mesmo as forças da colonização, poderá nunca preencher o fosso que os separa da história universal da humanidade. 1.1.1 A figura do bom selvagem e do mau civilizado A figura de uma natureza má na qual vegeta um selvagem embrutecido é suscetível de se transformar em seu oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias a um selvagem feliz. Os termos da atribuição permanecem da mesma forma que o par constituído pelo sujeito do discurso (o civilizado) e seu objeto (o natural). O caráter privativo dessas sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem economia, sem religião organizada, sem clero, sem sacerdotes, sem polícia, sem Fonte: http://mylivremente.blogspot.com.br/2014_04_22_archive.html 12 Antropologia Cultural leis, sem Estado não constitui uma desvantagem. O selvagem não é quem pensamos. A figura do bom selvagem só encontrará sua formulação mais sistemática e mais radical dois séculos após o Renascimento: no rousseauísmo do século XVIII, e, em seguida, no Romantismo. Para Laplatine (1988, p.47), toda a reflexão de Léry e de Montaigne no século XVI sobre os “naturais” baseia-se sobre o tema da noção de crueldade respectiva de uns e outros, e, pela primeira vez, instaura-se uma crítica da civilização e um elogio da “ingenuidade original” do estado da natureza. Léry, entre os Tupinambás, interroga-se sobre o que se passa “aquém”, isto é, na Europa. Ele escreve, a respeito de “nossos grandes usuários”: “Eles são mais cruéis do que os selvagens dos quais estou falando”. E Montaigne, sobre esses últimos: “Podemos, portanto de fato chamá-los de bárbaros quanto às regras da razão, mas não quanto a nós mesmos que os superamos em toda sorte de barbárie”. O selvagem ingressa progressivamente na filosofia, nos salões literários e nos teatros parisienses. Em 1721, é montado um espetáculo intitulado O Arlequim Selvagem. O personagem de um Huron trazido para Paris declama no palco: Vocês são loucos, pois procuram com muito empenho uma infinidade de coisas inúteis; vocês são pobres, pois limitam seus bens ao dinheiro, em vez de simplesmente gozar da criação, como nós, que não queremos nada a fim de desfrutar mais livremente de tudo (LAPLATINE, 1988, p.49). É o período que todos querem ver os Indes Galantes, a época em que se exibem nas feiras verdadeiras selvagens. Manifestações essas que constituem uma verdadeira acusação contra a civilização. 1.2 A invenção do conceito de homem Durante o Renascimento esboçou-se a primeira interrogação sobre a existência múltipla do homem, essa interrogação fechou-se muito rapidamente no século seguinte, no qual a evidência do cogito, fundador da ordem do pensamento clássico, excluiu da razão o louco, a criança, o selvagem, enquanto figuras da anormalidade. No século XVIII constituiu-se o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é, de um saber não mais apenas especulativo, e sim positivo sobre o homem. 13 Antropologia Cultural Apenas no século XVIII, é que se podem apreender as condições históricas, culturais e epistemológicas de possibilidade daquilo que vai se tornar a antropologia. O projeto antropológico supõe: 1. A construção de certo número de conceitos, iniciando pelo próprio conceito de homem, enquanto sujeito e objeto do saber; abordagem totalmente inédita, já que consiste em introduzir dualidade característica das ciências exatas (o sujeito observante e o objeto observado) no coração do próprio homem; 2. A constituição de um saber que não seja apenas de reflexão, e sim de observação, isto é, de um novo modo de acesso ao homem, que passa a ser considerado em sua existência concreta, envolvida nas determinações de seu organismo, de suas relações de produção, de sua linguagem, de suas instituições, de seus comportamentos. Assim começa a constituição dessa positividade de um saber empírico sobre o homem enquanto ser vivo (biologia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala (linguística); 3. Uma problemática essencial: a da diferença. Coloca-se pela primeira vez no século XVIII a questão da relação ao impensado, bem como a dos possíveis processos de reapropriação dos nossos condicionamentos fisiológicos, das nossas relações de produção, dos nossos sistemas de organização social. Fonte: http://www.datuopinion.com/sedentario https://www.google.com.br/search 14 Antropologia Cultural Assim, inicia-se uma ruptura com o pensamento do mesmo, e a constituição da ideia de que a linguagem nos precede, pois somos antes exteriores a ela. Tais reflexões sobre os limites do prazer, assim como sobre as relações de sentido e poder eram inimagináveis antes. A sociedade do século XVIII vive uma crise da identidade do humanismo e da consciência europeia; 4. Um método de observação e análise: o método indutivo. Os grupos sociais podem ser considerados como sistemas “naturais” que devem ser estudados empiricamente, a partir da observação de fatos, a fim de extrair princípios gerais, que hoje chamaríamos de leis. Esse naturalismo, que consiste numa emancipação definitiva em relação ao pensamento teológico, impõe-se em especial na Inglaterra, com Adam Smith e, antes dele, David Hume, que escreve em 1739 seu Tratado sobre a Natureza Humana. Os filósofos ingleses colocam as premissas de todas as pesquisas que procurarão fundar, no século XVIII, uma “moral natural”, um “direito natural”, ouainda uma “religião natural”. Esse projeto de um conhecimento positivo do homem, isto é, de um estudo de sua existência empírica considerada por sua vez como objeto do saber, constitui um evento considerável na história da humanidade. Um evento que se deu no Ocidente no século XVIII, que terminou impondo-se já que se tornou definitivamente constitutivo da modernidade. A fim de avaliar melhor a natureza dessa verdadeira revolução do pensamento – que instaura uma ruptura tanto com o “humanismo” do Renascimento como com o “racionalismo” do século clássico - examinaremos mais de perto o que mudou radicalmente desde o século XVI. 1. Trata-se em primeiro lugar da natureza dos objetos observados. Os relatos dos viajantes dos séculos XVI e XVII eram mais uma busca cosmográfica do que uma pesquisa etnográfica. O objeto de observação, nessa época, era mais o céu, a terra, a fauna e a flora, do que o homem em si, e, quando se tratava deste, era essencialmente o homem físico que era tomado em consideração. No século XVIII é traçado o primeiro esboço daquilo que se tornará uma antropologia social e cultural, constituindo-se inclusive, ao mesmo tempo, tomando como modelo a antropologia física, e instaurando uma ruptura do monopólio desta. 15 Antropologia Cultural 2. Simultaneamente, o destaque se desloca pouco a pouco do objeto de estudo para a atividade epistemológica, que se torna cada vez mais organizada. No século XVIII, a questão é: como coletar? E como dominar em seguida o que foi coletado? Não basta mais observar, é preciso processar a observação. Não basta mais interpretar o que é observado, é preciso interpretar interpretações. E é desse desdobramento, isto é, desse discurso, que vai justamente brotar uma atividade de organização e elaboração. O primeiro dará a essa atividade um nome. Ele chamará: a etnologia. 1.3 Os pesquisadores-eruditos do século XIX O século XVI descobre e explora espaços até então desconhecidos e tem um discurso selvagem sobre os habitantes que povoavam esses lugares. Após um parêntese no século XVII, esse discurso se organiza no século XVIII: ele é “iluminado” à luz dos filósofos, e a viagem se torna “viagem filosófica”. Mas a primeira tentativa de unificação, isto é, de instauração de redes entre esses lugares, e de reconstituição de temporalidades é incontestavelmente obra do século XIX. O século XIX é a época durante a qual se constitui verdadeiramente a antropologia enquanto disciplina autônoma: a ciência das sociedades primitivas em todas as suas dimensões (biológica, técnica, econômica, política, religiosa, linguística, psicológica...). Com a revolução industrial inglesa e a revolução política francesa, percebe-se que a sociedade mudou e nunca mais voltará a ser o que era. A Europa se vê confrontada a uma conjuntura inédita. No século XIX, o contexto geopolítico é totalmente novo: é o período da conquista colonial, que desembocará em especial na assinatura, em 1885, do Tratado de Berlim, que rege a partilha da África entre as potências europeias e põe um fim às soberanias africanas. É no movimento dessa conquista que se constitui a antropologia moderna, o antropólogo acompanhando de perto os passos do colono. Nessa época, a África, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia passam a ser povoadas de um número considerável de emigrantes europeus. Uma rede de informações se instala; são os questionários enviados por pesquisadores das metrópoles para os quatro cantos do 16 Antropologia Cultural mundo, e cujas respostas constituem os materiais de reflexão das primeiras grandes obras de antropologia que se sucederá em ritmo regular durante toda a segunda metade do século. Algumas obras publicadas neste século tem uma ambição considerável – seu objetivo não é nada menos que o estabelecimento de um verdadeiro corpus etnográfico da humanidade – caracterizam-se por uma mudança radical de perspectiva em relação à época das “luzes”: o indígena das sociedades extraeuropeias não é mais o selvagem do século XVIII, tornou-se o primitivo, isto é, o ancestral do civilizado, destinado a reencontrá-lo. A colonização atuará nesse sentido. Assim a antropologia, conhecimento do primitivo, fica indissociavelmente ligada ao conhecimento da nossa origem, isto é, das formas simples de organização social e de mentalidade que evoluíram para as formas mais complexas das nossas sociedades. Observaremos mais em que consiste o pensamento teórico dessa antropologia que se qualifica de evolucionista. Existe uma espécie humana idêntica, mas que se desenvolve em ritmos desiguais, de acordo com as populações, passando pelas mesmas etapas, para alcançar o nível final que é o da “civilização”. A partir disso, convém procurar determinar cientificamente a sequência dos estágios dessas transformações. Para Laplatine (1988 p. 65-66), o evolucionismo encontrará sua formulação mais sistemática e mais elaborada na obra de Morgan, e particularmente em Ancient Society, que se tornará o documento de referência adotado pela imensa maioria dos antropólogos do final do século XIX. Enquanto para Pauw ou Hegel as populações “não civilizadas” são populações que, além de se situarem enquanto espécies fora da História, não têm historia em sua existência individual, Haeckel afirma rigorosamente o contrario: a ontogênese reproduz a filogênese; ou seja, o individuo atravessa as mesmas fases que a historia das espécies. Disso decorre a identificação dos povos primitivos aos vestígios da infância da humanidade. A antropologia do século XIX, que pretende ser cientifica, é a considerável atenção dada: 1. A essas populações que aparecem como sendo as mais “arcaicas” do mundo: os aborígines australianos, 2. Ao estudo do “parentesco”, 17 Antropologia Cultural 3. Ao da religião. Parentesco e religião são, nessa época, as duas grandes áreas da antropologia, ou, mais especificamente, as duas vias de acesso privilegiadas ao conhecimento das sociedades não ocidentais; elas permanecem ainda, os dois números resistentes da pesquisa dos antropólogos contemporâneos. 1.4 Fundadores da Etnografia No final do século XIX se existiam homens que possuíam um excelente conhecimento das populações no meio das quais viviam a etnografia propriamente dita só começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho de observação direta é parte integrante da pesquisa. Segundo Laplatine (1988, p. 77), com Boas (1858-1942) assistimos a uma verdadeira virada da prática antropológica. Ele era antes de tudo um homem de campo. Suas pesquisas totalmente pioneiras foram iniciadas a partir dos últimos anos do século XIX. No campo, ensina Boas, tudo deve ser anotado detalhadamente. Tudo deve ser objeto da descrição mais meticulosa, da retranscrição mais fiel. Para Laplatine (1988,p.77-78), o primeiro a formular com seus colaboradores (em particular Lowie, 1971) a crítica mais radical e mais elaborada das noções de origem e de reconstituição dos estágios, Boas mostra que um costume só tem significação se for relacionado ao contexto particular no qual se inscreve. Morgan e Montesquieu tinham aberto o caminho a essa pesquisa cujo objeto é a totalidade das relações sociais e dos elementos que a constituem. Mas a diferença é que, a partir de Boas, estima-se que, para compreender o lugar particular ocupado por esse costume, não se pode mais confiar nos investigadores e, muito menos nos que, da “metrópole”, confiam neles. Apenas o antropólogo pode dar conta cientificamente de uma microssociedade, apreendida em sua totalidade e considerada em sua autonomia teórica. Assim, o teórico e o observador estão finalmente reunidos pela primeira vez. Assistimos ao nascimento de uma verdadeira etnografia profissional que não secontenta mais em coletar materiais a maneira dos antiquários, mas procura detectar o que faz a unidade da cultura que se expressa através desses diferentes matérias. (LAPLATINE, 1988, p. 77-78). 18 Antropologia Cultural Ele foi um dos primeiros a nos mostrar a importância e a necessidade para o etnólogo, do acesso à língua da cultura na qual trabalha. A sua preocupação de precisão na descrição dos fatos observados, acrescentava-se a de conservação metódica do patrimônio recolhido. Finalmente, foi, enquanto professor, o grande pedagogo que formou a primeira geração de antropólogos americanos e permanece sendo o mestre incontestado da antropologia americana na primeira metade do século XX. Malinowski (1884-1942) dominou incontestavelmente a cena antropológica de 1922, ano de publicação de sua primeira obra, Os Argonautas do Pacífico Ocidental, ate sua morte, em 1942. Ele não foi o primeiro a conduzir cientificamente uma experiência etnográfica, isto é, em primeiro lugar, a viver com as populações que estudava e a recolher seus materiais de seus idiomas, mas radicalizou essa compreensão por dentro, e para isso, procurou romper ao máximo os contatos com o mundo europeu (LAPLATINE, 1988, p.79-80). Ninguém antes dele tinha se esforçado a fundo na mentalidade dos outros, e em compreender por dentro, por uma verdadeira busca de despersonalização, o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que não é nossa. De acordo com Laplatine (1988, p.80) instaurando uma ruptura com a história conjetural (a reconstituição especulativa dos estágios), e também com a geografia especulativa (a teoria difusionista, que tende, no inicio do século, a ocupar o lugar do evolucionismo), Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada enquanto uma totalidade. Nesta época, a antropologia se torna uma “ciência” da alteridade que vira as costas ao empreendimento evolucionista de constituição das origens da civilização, e se dedica ao estudo das lógicas particulares características de cada cultura. O que o leitor aprende ao ler Os Argonautas é que os costumes dos Trobriandeses, tão profundamente diferentes dos nossos, têm uma significação e uma coerência. A fim de pensar essa coerência interna, é elaborada uma teoria (o funcionalismo) que tira o modelo das ciências da natureza: o individuo sente um certo número de necessidades, e cada cultura tem precisamente como função a de satisfazer à sua maneira essas necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituições (economias, políticas, jurídicas, educativas...), fornecendo 19 Antropologia Cultural respostas coletivas organizadas, que constituem cada uma a seu modo, soluções originais que permitem atender a essas necessidades. Segundo Laplatine (1988, p. 82), para Malinowski há uma preocupação em abrir as fronteiras disciplinares, devendo o homem ser estudado através da tripla articulação do social, do psicológico e do biológico, mas para ele, convém em primeiro lugar, localizar a relação estreita do social e do biológico, já que, para ele, uma sociedade funcionando como um organismo, as relações biológicas devem ser consideradas não apenas como o modelo epistemológico que permite pensar as relações sócias, e sim como o seu próprio fundamento. Além disso, uma verdadeira ciência da sociedade inclui o estudo das motivações psicológicas, dos comportamentos, o estudo dos sonhos e dos desejos do individuo. E Malinowski, quanto a esse aspecto, vai muito além da análise da afetividade de seus interlocutores. Ele procura reviver nele próprio os sentimentos dos outros, fazendo da observação participante uma participação psicológica do pesquisador, que deve “compreender e compartilhar os sentimentos” destes últimos “interiorizando suas reações emotivas” (LAPLATINE, 1988, p.82). 20 Antropologia Cultural 1. Apresente a trajetória dos pesquisadores-eruditos do século XIX. 2. Caracterize a figura do mal selvagem e do bom civilizado. 3. Caracterize a figura do bom selvagem e do mau civilizado. 4. Como foi conceituada a Antropologia no século XX? 5. Em que se baseia a reflexão de Laplatine (1988) Léry e de Montaigne no século XVI sobre os “naturais”? Em sua opinião, a Antropologia se constitui como ciência? Justifique. 21 Antropologia Cultural UNIDADE 02 Cultura – Conceitos Básicos e Perspectivas Principais Fonte: http://www.diariorespuesta.com.mx/cuantos-tipos-de-culturas-conoces/ 22 Antropologia Cultural 2. Homens, cultura e sociedade Desde muito cedo percebemos as diferenças existentes entre o ser humano e os demais seres vivos, sobretudo os animais. Os animais constroem moradia como, por exemplo, os pássaros, buscando assim nova adaptação quando os recursos utilizados deixaram de existir, diferentemente de nós seres humanos que utilizamos várias formas de materiais para construir nossas habitações. Nos tempos primitivos, ou seja, das cavernas, ao longo de milênios, o homem passou a empregar variedade de formas e materiais sempre almejando a melhor proteção contra o frio, calor, os animais selvagens, entre outros. As comunidades foram tornando-se mais complexas com a descoberta do fogo, da fabricação de metais, utilização da argila, da madeira, e começaram a construir casas mais bem elaboradas, conforme a organização social e o estágio de desenvolvimento tecnológico em que se encontravam e se encontram atualmente. À medida que a linguagem, pensamento e uso de ferramentas possibilitaram às comunidades alterar suas estratégias de sobrevivência - modos de produção agrícola, armazenamento e comercialização de seus produtos - começa a surgir a cultura, ou seja, o homem começa a criar cultura. Segundo Vannucchi (1999, p.23) “a cultura é tudo que não é natureza. Por sua vez, é toda ação humana na natureza e com a natureza”. Contudo pode-se dizer que a terra é natureza, mas o plantio é cultura. O mar é natureza, mas a navegação é cultura. A sociologia preocupa-se em entender a cultura, mas é na antropologia que o seu estudo é aprimorado, pois é a ciência que estuda o homem e as suas obras, ou seja, a cultura. Estuda também as semelhanças e diferenças humanas. No século XIX, quando iniciaram estudos sobre comunidades, os etnólogos conceituaram essas comunidades sob a ótica etnocêntrica, contribuindo para instituir as posições preconceituosas sobre suas culturas, inserido-as em estágios inferiores a nossa sociedade dita civilizada, a partir da abordagem positivista e funcionalista. É por esta ótica que os colonizadores, quando chegaram nas Américas e na África, designaram as comunidades de “selvagens”, “primitivas”, “sem cultura”, portanto inferiores, podendo ser subjugadas, utilizando-os como subalternos, serviçais e escravos. 23 Antropologia Cultural A etnologia, ciência que estuda o conjunto das características de cada etnia, foi questionada pelos antropólogos na segunda metade do século XX, pois as abordagens serão inseridas na noção de que culturas diferentes não implicam desigualdade e inferioridade. Portanto, a “cultura” é foco central para o campo da antropologia, ou seja, para essa ciência, a definição de cultura diz respeito a várias áreas do saber humano, tais como a agronomia, biologia, artes, literatura, história etc. No sentido amplo, a palavra cultural é toda atividade humana que altera a natureza, constrói valores em todas as áreas. Cultura é tudo o que os seres humanos constroem. Com base nesse sentido, o autor Paulo Freire contribui com significativas práticas sociais e educacionais ao estimular os adultos analfabetos a se perceberem sujeitos ativos da cultura, pelas atividades que executam socialmente. Exemplo disso é quando é construídoum poço para armazenar água, ou plantar uma roça, só com a sabedoria prática. Contudo as variações culturais entre os seres humanos são ligadas aos diferentes tipos de sociedades, em níveis regionais e locais. A discussão sobre cultura geralmente é colocada separadamente da sociedade como se estas fossem dissociáveis, mas observa-se que elas são até muito mais unidas do que deveriam ser. A mudança social é um fator que leva ao desenvolvimento humano. É preciso perceber que a cultura é transmitida de geração a geração, muitas vezes formalmente pela escrita e outras vezes pela oralidade. Em ambos os casos a cultura é herdada e recriada. E a aprendizagem cultural se dá quando elementos culturais são compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a comunicação. 24 Antropologia Cultural Fonte: https://oduafunmi.wordpress.com/2018/01/06/la-letra-del-ano-2018-agricultura-name-y-lluvia/ Fonte: https://www.educamundo.com.br/cursos-online/cultura-indigena 25 Antropologia Cultural 2.1 Componentes da cultura A cultura de uma sociedade é expressa por valores tais como: crenças, ideias, símbolos, como objetos, e todo o conjunto construído operacionalmente a partir da experiência, de técnicas, tecnologias e teorias, em cada época histórica. Em Giddens (2005, p.38), “a cultura refere-se às formas de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos dentro da sociedade”, pois sempre que pensamos no termo cultura imaginamos que são coisas mais distantes do nosso cotidiano como a arte, a literatura, pintura, música erudita, mas a cultura é tão presente no nosso dia a dia que a todo o momento a estamos compartilhando com o próximo. Segundo Marconi (2005, p.46), a cultura pode ser classificada por diversas maneiras como: Material - coisas materiais, bens produzidos, incluindo instrumentos, artefatos e outros objetos materiais, frutos da criação humana e resultante de determinada tecnologia. Imaterial – elementos da cultura que não tem substância material como valores espirituais, morais, crenças, normas, hábitos, cujos significados são adotados e praticados pelo conjunto de grupos sociais. Fonte: http://meioambiente.culturamix.com/noticias/indios-do-xingu/attachment/indios-do-xingu 26 Antropologia Cultural Real – todos os membros da sociedade praticam ou pensam em suas atividades cotidianas. Ideal – comportamentos expressos verbalmente como bens, perfeitos, para o grupo, mas que nem sempre são praticados. Percebe-se que esses valores são transmitidos de uma geração para outra, levando a uma determinada cultura, que pode ser também interpretado como a tradição de um povo, e essas tradições é transformada ao longo do tempo pela economia, tecnologia, saber científico entre outros fatores. Existem dois aspectos importantes que devem ser trabalhados para abordar o conceito de difusão cultural, essenciais para se compreender a dinâmica cultural existente. Dentre estes fatores estão a “aculturação”, ou seja, a fusão de duas culturas que, entrando em contato contínuo, origina mudança nos padrões da cultura de ambos os grupos, e a “endoculturação”, que é o processo de aprendizagem e educação em uma cultura desde a infância, cada indivíduo adquire as crenças, o comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence. É o processo de socialização. De acordo com Marconi (1998, p.64) “a difusão cultural é o processo na dinâmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra”. O traço cultural que é copiado de outra cultura geralmente é reinventado pela sociedade que o copiou, e não permanece do mesmo jeito, podendo mudar de significado, forma e função. Isso assegura o caráter dinâmico da cultura, pois ela não é estática. 2.2 Cultura e construção social A cultura é feita pelo homem para satisfazer suas necessidades, pois é através da cultura que ele constrói a si mesmo e a sociedade. Todos somos frutos da cultura, seja ele de um determinado lugar ou tempo. É através dela que criamos os meios necessários para nossa sobrevivência, com o nosso jeito de ser, nossa visão de mundo, com valores, crenças, princípios, normas, regras e leis. O homem está em uma posição diferenciada dos outros seres, pois ele se relaciona no seu desenvolvimento, não somente com o ambiente natural, mas 27 Antropologia Cultural também com uma ordem eventual e social específica. A humanização é variável no sentido sociocultural, pois não existe natureza humana no sentido substrato biologicamente fixa que determine a variabilidade das formações, embora seja possível dizer que o homem tem uma natureza mais significativa, pois constrói sua própria natureza. Para compreendermos a realidade pessoal e social de alguém, é preciso entender o seu contexto social e histórico, pois os elementos culturais podem ser vistos de maneiras diferentes pela representação que os mesmos possuem em uma determinada circunstância. É através destas maneiras que se tem a ordem social, e ela existe como produto da atividade humana, já que isolado o homem não produz um ambiente humano; a ordem social, como produto humano, é interiorizada no processo de socialização. A cultura é um aspecto essencial e presente na vida do homem, pois define todo nosso jeito de ser, sendo a nossa própria maneira de pensar e viver. Mas entende-se que existem culturais diferentes, na sociedade, aprender a conviver com essas diferenças se torna essencial e necessário, tendo em vista que estamos em um mundo formado por diversas culturas, que muito se relacionam constantemente pela facilidade do transporte e tecnologias criadas. Os valores e costumes entre as culturas podem ser vistos no exemplo citado por Giddens (2005, p.39) quando cita que “os judeus não comem porco, enquanto os indianos comem porco, mas evitam carne de gado”. Todos esses diversos aspectos de comportamento são considerados como exemplos de amplas diferenças culturais que distinguem as sociedades umas das outras. Para muitos estudiosos sociólogos, as sociedades podem ser monoculturais e multiculturais, entretanto alguns antropólogos consideram que todas as sociedades formam-se com o entrosamento e a miscigenação de vários povos, desde os primitivos. O autor Giddens retrata que a sociedade japonesa é um exemplo de monocultura, mas é possível perceber que, embora o Japão tenha traços fortíssimos de uma sociedade tradicional, ela não pode ser considerada monocultural, porque vem sofrendo intensas modificações em todas as áreas de sua cultura sejam pela difusão da cultura ocidental, ou por outros aspectos. 28 Antropologia Cultural No Brasil, pode-se afirmar que acontece a mesma coisa. Observa-se que ter uma identidade cultural que diferencia um povo de outro, não implica considerar determinado país como sendo exemplo de monocultura. A identidade cultural vai forjando novas identidades para as sociedades, Com a passagem do tempo, têm transformações sociais que levam a outras maneiras de viver e perceber o mundo. Este assunto será mais bem trabalhado no decorrer desta apostila. Segundo alguns antropólogos, as diferenças culturais nos emitem em dois conceitos importantes, e que não podem ser deixados de lado como: o etnocentrismo (tendência a privilegiar a cultura de sua própria sociedade para analisar outras sociedades) e o relativismo (os indivíduos são condicionados a um modo de vida específico e particular por meio do processo de endoculturação). Através do relativismo, o ser humano adquire seus próprios valores e sua integridade cultural; já o etnocentrismo significa a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais. Neste contexto Giddens (2005, p.40) relata: Toda cultura tem seus próprios padrões decomportamento, os quais parecem estranhos as pessoas de outras formações culturais. Se você já viajou para o exterior, provavelmente está familiarizado com a sensação que pode resultar quando você se encontra em uma nova cultura. Aspectos da vida cotidiana que você inconscientemente toma como comuns em sua própria cultura podem não ser parte da vida diária em outras partes do mundo. Mesmo em países que compartilham a mesma língua, hábitos cotidianos, costumes e comportamentos podem ser diferentes. A expressão choque cultural é realmente apropriada! Frequentemente as pessoas se sentem desorientadas quando ficam imersas em uma nova cultura. Isso acontece por que elas perderam pontos de referencia familiares que as ajudavam a entender o mundo ao seu redor e ainda não aprenderam como navegar em uma nova cultura. Os estudiosos de sociologia querem evitar o etnocentrismo, que como já foi visto, é a pratica de julgar outras culturas. Uma vez que as culturas variam tanto, é reluzente que as pessoas vindas de uma cultura amena, achem difícil simpatizar com as ideias ou comportamentos daqueles de uma cultura diferente. Portanto, o relativismo pode ser repleto de incertezas e desafios, uma vez que suspender suas próprias crenças culturais sustentadas e examinar uma situação de acordo com os padrões de outra cultura, é ter uma visão completamente diferente e levantar questões preocupantes. 29 Antropologia Cultural É importante destacar que existem as mais variadas formas de expressão da cultura, assim como cada localidade constrói seu universo cultural; portanto, é preciso compreender as diferenças entre as diversas sociedades e como, ao longo da história, as sociedades valorizam seu universo cultural diante das outras sociedades. Uma vez que este tema é bastante presente em nosso cotidiano, pois todos nós temos cultura e a nossa convivência diária cria e recria os valores culturais constantemente, é preciso compreender o ser humano como produtor de cultura desde o princípio da sua história em sociedade, assim como os vários artifícios por ele produzidos. A antropologia vem para nos ajudar a compreender as diversas correntes de pensamento e conceitos que descrevem o universo cultural do homem e seu espaço social. A cultura pode ser classificada de duas formas: cultura erudita, ou seja, é o plano da escrita e da leitura, do saber universitário, dos debates, da teoria e do pensamento científico e cultura popular, que é a produção espontânea de um povo na sua vivência cotidiana, assim como as expressões, conforme a área produzida, transmitidas pela oralidade. Entretanto, não existe uma dicotomia pura entre práticas populares e práticas eruditas. As produções se influenciam mutuamente, no processo histórico. Por exemplo, os processos de intercâmbio e influências nas escolas de samba. Vejamos que a raiz do samba remonta aos povos africanos que para aqui vieram. No Brasil, ao longo dos séculos, foram criadas formas próprias de composição musical e temática, como o samba de quintal carioca, e outras variações conforme os estados. Os desfiles das escolas de samba nos anos 30 do século XX seguiam normas estabelecidas pela ditadura de Vargas, e, quanto aos temas, deveriam ser históricos e nacionais. Entretanto, não existe uma dicotomia pura entre práticas populares e práticas eruditas. As produções se influenciam mutuamente, no processo histórico. Por exemplo, os processos de intercâmbio e influências nas escolas de samba. Vejamos que a raiz do samba remonta aos povos africanos que para aqui vieram. No Brasil, ao longo dos séculos, foram criadas formas próprias de composição musical e temática, como o samba de quintal carioca, e outras variações conforme os estados. Os desfiles das escolas de samba nos anos 30 do século XX seguiam normas estabelecidas pela ditadura de Vargas, e, quanto aos temas, deveriam ser históricos e nacionais. 30 Antropologia Cultural Hoje são contratados pelas escolas, estilistas e coreógrafos consagrados pela mídia, alem de modelos, artistas famosos de TV que desfilam como papeis de destaque nas escolas de samba. Quando pensamos em cultura popular, logo nos lembramos do carnaval, folias de reis, São João e bumba meu boi. Agora é preciso nos indagar ao tentar compreender a cultura. Será que a cultura brasileira é isso tudo? Será que é só isto? É preciso entender por que e por quem ela é produzida, e como, quando e por quem é consumida. A cultura popular existe também nos países mais industrializados, embora tenha um significado especial nas sociedades chamadas de Terceiro Mundo, pelo fato de compreender um grande número de subculturas das quais participa uma parcela significativa da população. 2.3 Culturas de massa: Industrialização cultural Além destas duas formas culturais estudadas podemos falar também da cultura de massa, nesse tipo de cultura temos uma produção industrial da cultura que vende mercadorias; mais do que isso, vende imagens do mundo e faz propaganda, para assim permanecer. A industrialização de cultura visa exclusivamente o consumo, buscando a integração dos consumidores, as mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura erudita e a popular; ela é nociva porque retira a seriedade da primeira e a autenticidade da segunda. Os meios de comunicação exercem um papel significativo nesse processo de industrialização da cultura. É através destes meios tecnológicos, mais precisamente o rádio e a televisão, que a cultura é dizimada. Um exemplo disso são alguns cantores que ao se tornarem produtos conhecidos nacionalmente vão se afastando de suas origens pela necessidade de se manterem no mercado, atingindo grandes massas, demonstrando isso no modo de se vestirem, falarem e na linguagem das composições. Isso é perceptível principalmente nas duplas sertanejas na nossa atualidade. A cultura erudita tem forte ligação com a classe burguesa e o período do surgimento do Renascimento é um marco dessa relação. Desde sua origem, a burguesia preocupou-se com a transmissão de seus conhecimentos aos seus pares, 31 Antropologia Cultural a partir de instituições como as universidades, as academias e as ordens profissionais. Com o passar dos séculos e com o processo de escolarização, a cultura dessa elite burguesa tomou corpo, desenvolveu-se e requintou-se com a tecnologia. Essa cultura erudita ou superior, também designada “cultura de elite”, foi se distanciando da maioria da população, pois era feita pela burguesia. Sobre a influência da tecnologia na cultura, Oliveira (2001, p. 158) cita: A partir do final do século XIX, a industrialização em larga escala atingiu também os elementos da cultura erudita e da popular, dando início à indústria cultural. O incessante desenvolvimento da tecnologia, tornando-se cada vez mais sofisticada, principalmente nos meios de comunicação, passou atingir um grande número de pessoas, dando origem à cultura de massa. Ao contrário das culturas eruditas e populares, a cultura de massa não esta ligada a nenhum grupo social especifico, pois é transmitida de maneira industrializada para um público generalizado, de diferentes camadas socioeconômicas. O que temos então é a formação de um enorme mercado de consumidores em potencial, atraídos pelos produtos oferecidos pela indústria cultural. A cultura de massa possui significativa relação com a sociedade de consumo, por seguirem a mesma lógica que é a da indústria com a produção em série. Contudo, é possível perceber que, ao produzir para as massas, ou seja, em grandes quantidades, cria-se a necessidade daquele produto apelando para o seu valor artístico. Por conseguinte, há estudiosos que consideram importante a difusão da cultura pela mídia para a sociedade em todos os seus aspectos, pois visa à democratização e a socialização das informações; para eles nãose pode radicalizar nem a análise posta em termos de separação absoluta das duas culturas, nem em relação ao papel da mídia como divulgadora de uma cultura de massa, o que só traria prejuízos para os dois tipos de cultura. Entende-se que a realidade é muito diversificada, cada lugar e cada época tem os seus produtos culturais, aquilo que é importante num período da historia pode não ser no outro. 2.4 Representações Simbólicas Existem alguns processos simbólicos presentes na nossa sociedade, como a religião, com destaque a religião católica, as influências do candomblé, da magia e 32 Antropologia Cultural suas formas de representações simbólicas construídas historicamente no Brasil, também a expansão das igrejas evangélicas na sociedade brasileira contemporânea e as consequências para o imaginário social. Toda religião cria uma série de símbolos e ritos que devem ser praticados pelos fieis nos seus templos ou fora deles, para manter os laços e vínculos com os fieis. O maior ou menor grau de poder político, social e cultural de uma instituição religiosa varia conforme a época histórica. A partir de cristo no mundo ocidental instituíram-se religiões diferenciadas como a católica romana, a ortodoxa oriental, a igreja anglicana, o protestantismo com suas várias igrejas, hoje denominadas evangélicas. Surgem também as religiões espíritas. É com a cumplicidade da religião que impérios foram erguidos e destruídos ao longo dos séculos, como também propiciou o desenvolvimento das relações materiais das sociedades, contribuindo para a construção do conhecimento filosófico, cientifico e tecnológico da humanidade. Nesse sentido podemos afirmar que a religião é muito visível no cotidiano dos indivíduos, essa busca pela religiosidade das populações mapeou e remapeou as sociedades tanto do lado ocidental como oriental nesse final do século. Neste momento em que as sociedades estão se globalizando, as religiões almejam ser aquela que tenha primazia sobre as demais e assim se torne uma religião global. Essa situação que vive a sociedade globalizada é relatada após um período em que a religião perde sua hegemonia no poder decisório das nações. 33 Antropologia Cultural TEXTO COMPLEMENTAR AS COTAS PARA NEGROS E A DESIGUALDADE BRASILEIRA Fernando Abrucio “O sucesso das políticas públicas depende da definição clara dos problemas que elas querem combater, bem como da adoção de medidas que acertem o alvo correto. Essa pequena digressão técnica é necessária para tornar mais preciso um debate que está no centro da agenda publica: a questão das cotas para negros em universidade. Para que serviria essa política discutida hoje de forma tão radical? Com certeza ela não seria capaz de atenuar o sofrimento dos negros durante a escravidão.” Quanto a isso, o máximo que podemos fazer é lembrar sempre dessa mácula da historia brasileira. É importante frisar isso porque alguns revisionistas têm argumentado que a população negra não sofreu tanto assim, pois alguns dos africanos foram traficantes e outros, quando libertos, logo compravam seu escravinho. Há ainda a tese, arrancada a força do pensamento de Gilberto Freyre, de que a convivência entre brancos e negros fora pacífica. Afinal, milhares de estupros foram consentidos. Tais analistas produziram uma grande falácia lógica. A existência de alguns escravos traficantes ou compradores de outros indivíduos de sua cor não elimina a existência de um brutal sistema opressor contra milhões de pessoas. Foi contra isso que os abolicionistas se insurgiram. Creio que nossos intelectuais revisionistas talvez fossem a época contra a abolição, porque tudo estava bem no Brasil da miscigenação. Em sua argumentação, esse revisionismo não é diferente do praticado por historiadores que desmentem a existência do holocausto por encontrarem a existência de um ou outro judeu que apoiou o nazismo. Apresentar o debate da escravidão de forma completamente distorcida não ajuda o debate das cotas. Não que as desigualdades atuais sejam fruto apenas da escravidão - é bem provável que muito da situação atual se explique pela falta de política no pós-escravidão. Mas um fato é evidente nos estudos empíricos: há desigualdade entre brancos e negros com mesma situação de renda e escolaridade. 34 Antropologia Cultural Muitos estudos econométricos mostram que, em contexto social similar, os negros têm pior desempenho escolar que os brancos. Recentemente, coordenei um: a pesquisa sobre escolas públicas. Um dos pesquisadores presenciou o que só conhecíamos por estatística. Numa sala de aula com aluno em situação equivalente de pobreza, havia uma divisão na qual, de um lado, ficavam os brancos, e de outro, os negros. Isso se repetia no intervalo. Pior: o tratamento docente era francamente favorável aos brancos. Conversamos com a professora e com a diretora: nenhuma delas havia percebido essa discriminação. Um racismo tão invisível e enraizado é difícil de combater apenas com políticas iguais para todos Para questões como essa, deveria valer a máxima de tratar desigualmente os desiguais para alcançar a justiça social. Não pense leitor, que o problema esta resolvido, pois a forma como for feita a política afirmativa, termo mais correto que “cotas”, afetarão os resultados. Cotas muito ampla e sem nenhum critério de mérito não podem ser um desestímulo para o estudo dos negros? Ademais, o cotismo não poderia se transformar numa política racialista que geraria uma atenção inexistente em nossa sociedade? São perguntas fundamentadas (e não ideológicas) em termos de políticas públicas. Para elas, deve haver respostas, ainda no terreno das políticas afirmativas, é possível ter cotas mais controladas do ponto de vista do tamanho e do mérito, inclusive com ações de ajuda aos negros já nos ciclos escolares anteriores, uma vez que a maioria deles fica no meio do caminho e nunca será cotista. Quanto ao possível acirramento racial, ele não tem acontecido nas universidades com cotas. Uma legislação e um debate equilibrados poderiam conter isso. Há dois outros grandes benefícios que uma política cotista equilibrada produziria. O primeiro é aumentar a autoestima dos negros, por meio da constituição de novas lideranças lastreadas na escolaridade. Além disso, teríamos uma maior diversidade em nossas melhores universidades, onde os negros são raríssimos. Se tivéssemos tal diversidade no meio das elites, a discussão da escravidão não teria sido retomada de forma tão leviana e inconsequente. 35 Antropologia Cultural Fonte: https://www.cartacapital.com.br/revista/995/fraudes-descaso-estatal-ameacam%20-inclusao-negros- universidade 36 Antropologia Cultural 1) Explique por que podemos afirmar que somente o homem possui cultura. 2) Dê exemplos de cultura material e imaterial, real e ideal. 3) Exemplifique os termos: Etnologia, Antropologia, Etnocentrismo. 4) Observe no seu cotidiano e explique a importância da cultura popular. 5) Analise a relação entre os meios de comunicação de massa e a cultura em nossa sociedade. Como as demais ciências auxiliam a Antropologia? 37 Antropologia Cultural UNIDADE 03 Cultura na Construção dos Indivíduos (as identidades) Cultura Estruturante Fonte: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/identidade-cultural.htm 38 Antropologia Cultural 3. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade Os relatos acerca de identidade não são recentes. A sociedade modernaocidental gerada com a industrialização e o desenvolvimento das ciências teóricas e experimentais constrói sua identidade afirmando a prioridade da razão, que ilumina e é fonte de conhecimento e das ações sociais, desvinculando-se da tutela da religião. Defende no novo o modo de produção capitalista, o regime de liberdade individual, a prioridade do indivíduo sobre o coletivo e constitucionalmente, os princípios de liberdade, igualdade e solidariedade, alicerce dos regimes democráticos. A identidade cultural de início pode ser compreendida como um conjunto de características comuns pelas quais os grupos sociais constroem sentido de pertencimento. Como foi visto, a identidade é construída através das relações sociais, grupos humanos; ela é dinâmica neste contexto. Mas a cultura pode existir mesmo que não haja identidade. A cultura depende em grande parte de processos inconscientes, já a identidade remete a uma norma de vinculação, necessariamente consciente. O conceito de identidade cultural foi adquirido em espaço instável das ciências sociais, ela revela as mudanças de sentido ao longo da história, causadas pelo que se considera uma crise originada pela ação conjunta de um duplo deslocamento como: descentralização dos indivíduos, tanto no seu lugar no mundo social e cultural, quanto de si mesmos. Alguns estudiosos enfatizam que as discussões sobre pós-modernidade, entendida como lógica cultural do capitalismo pós-industrial, surge na crise cultural, e desencadeiam crises de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como verdade, razão, universalidade, sujeito, progresso, ideologia e outros. Ocorre uma desilusão no que refere aos nortes da modernidade, a saber: a estética, a ética e a ciência. Para Castells (1999, p.22), identidade pode ser compreendida como o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. Existem três formas e origens de construções de identidade, dentre estas: Identidade legitimadora – introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. 39 Antropologia Cultural Identidade de resistência – criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostas a estes últimos. Identidade de projeto – atores sociais utilizando-se qualquer tipo de material cultural ao seu alcance constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social. A identidade agora mais do que nunca aparece em nossas vidas, entrando em nosso mundo particular, quando se levanta questionamentos os mais diversos sobre o sentido da vida e dos valores que tínhamos ate então como tradicionais e invioláveis. As identidades modernas, individuais e coletivas, cada vez mais estão sendo fragmentadas, descentradas e descontínuas, as bases sólidas sobre as quais se assentavam e dava sustentação a noção de identidade e aos processos de identificação, como nacionalidade, raça, classe, gênero, religião, língua, sexualidade etc., tornaram-se vulneráveis diante da nova realidade pós-moderna. Percebe-se que a identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural do mundo pós–moderno, elas e outras identidades locais estão sendo reforçadas pela resistência à globalização. As identidades nacionais estão em declínio, mas nova identidade hibrida estão tomando seu lugar. Hibridas porque se constroem e se reconstroem dinamicamente nas suas práticas relacionais. Essa compreensão coloca por terra a ideia de identidade como algo estático. Na visão de Giddeans (2005), a ênfase na hibridação afasta a pretensão de se estabelecer identidades puras ou autênticas e evidencia o risco de se delimitar identidades locais autoconhecidas que se contraponham às sociedades nacionais ou globalizadas. Frente ao hibridismo e à diversidade, há essas fortes tentativas de se reconstruírem identidades purificadas para restaurar a coesão e a tradição. A reafirmação de raízes culturais tem sido uma das fontes de identificação em muitas regiões. 40 Antropologia Cultural 3.1 A identidade como valor As pessoas se comportam de acordo com sua realidade cultural, sendo que o papel desempenhado pela mídia toma um caráter fundamental em virtude da abrangência pela qual podemos entrar em contato com outras culturas. A partir do processo de globalização, a cada dia estamos vendo surgir grandes preocupações com a convivência entre os povos, pois a diversidade é grande, e assim passaram a existir influências diretas no nosso processo cultural que antes aconteciam mais lentamente. Não há identidade estática, ela é dinâmica e vai se formando a partir dos valores que elegemos como sendo os melhores. Nem sempre esses valores são aceitos por todos e assim fazemos uma negociação de sentidos, isto é, o jogo de identificações. Fonte: https://www.revistafinal.com/2014/02/14/oficinas-gratuitas-de-musica-danca-e-teatro/ 41 Antropologia Cultural Observa-se que é muito importante destacar não só as relações de poder que envolvem a questão da identidade, mas o julgamento de valor feito frequentemente, ao nos depararmos com uma realidade diferente da nossa. A cultura passou a ser mais importante como referência aos conflitos internacionais do que a ideologia ou a economia diante da realidade do mundo contemporâneo. O racismo começou a se modular e a crescer à sombra do difusionismo culturalista euro americano e do entretenimento rebarbativo oferecido às massas pela televisão e outros ramos industriais. Neste contexto, fica evidente a relação mídia X mercado na qual o valor cultural é contrabalançado pelo estereótipo consumista que constrói a identidade negra a partir dos materiais fantásticos do homem branco. É interessante porque já observamos no supermercado e bancas de revistas o surgimento de produtos voltados para as pessoas da pele escura, produtos de higiene, beleza e revistas especializadas para este público. É uma novidade no mercado que até pouco tempo atrás não existia. É um tipo de discriminação considerada como positiva, tendo em vista que leva a uma afirmação dos negros a partir dos valores próprios de sua cultura. Da mesma forma que pessoas negras que se destacam no cenário artístico, esportivo e em outras profissões servem como referências positivas. 3.1.2 Raça e identidade Agora vamos tratar de raça como elemento importante para a definição de uma identidade, para tanto precisamos recorrer novamente ao conceito de identidade, desta vez com outro enfoque, ou seja, o que leva em consideração a sua origem e os elementos chave que a compõem. A globalização faz com que ressurja a discussão sobre as diferenças entre as culturas pela subsistência do preconceito. Nessa nova ordem mundial, o que era superado pela homogeneização das identidades culturais agora se torna assunto da maior importância na luta pela sobrevivência de grupos espalhados pelo mundo, através das grandes migrações de povos marginalizados em busca de sua sobrevivência. 42 Antropologia Cultural Na pós-modernidade, o indivíduo previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável está se tornando cada vez mais fragmentado, composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditóriasou não resolvidas. Esse processo produz o sujeito conceitualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna se uma celebração móvel, formada e transformada continuamente em relação às formas as quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. Assim, para entendermos uma identidade de maneira mais completa é preciso enfocar outros aspectos tais como espelho, invenção e a ideologia. O espelho é a relação que estabelecemos com o outro, relações de alteridade- igualdade e diferença- parâmetros através dos quais nos definimos “outros”. A invenção é a forma como construímos essa identidade – a máscara, a persona. A ideologia é o aspecto político, que escolhemos como sentido ou causa para vivermos. A palavra raça tem vários significados, sendo aplicado em muitas situações diferentes. Tais como o jogador que tem “raça”, ou “raça” de um povo. Portanto, pelo que foi exposto, pode-se considerar a raça como atributo biológico, que definirá sozinho uma identidade. Esta aparecerá como mais um elemento no conjunto de outros que ajudarão nesse conceito, uma pessoa ou sociedade tem outras características importantes para a formação de sua cultura que não apenas a questão da cor como, por exemplo, os contatos existentes entre os povos provocados pela facilidade dos meios de comunicação, dos transportes, da tecnologia; esse fluxo constante de pessoas é muito significativo para tudo que podemos analisar nessa questão sobre identidades. A busca de identidades mostra-nos que o homem, na pós-modernidade, sente a necessidade dos laços que remontam a comunidade, mesmo sabendo que uma identidade é sempre ressignificada em outro meio. Esse fato só será possível porque os elementos que compõem uma identidade não são aleatórios, eles estão em nossa bagagem social, histórica e cultural, não se eleva tudo, mas muitos são escolhidos como fundamentais no novo contexto. É preciso que façamos uma reflexão sobre como nossa população indígena, negra, grupos religiosos, entre outros, em nosso país e no mundo, estão resistindo e reagindo à massificação da cultura. Quais as saídas para essas populações 43 Antropologia Cultural reprimidas pelo desenvolvimento tecnológico? As “minorias” sociais são consideradas as novas tribos na sociedade de massa. Essas “minorias”, tais como os homossexuais, negros, povos indígenas, mulheres, portadores de deficiência, etc., trazem um importante questionamento sobre o que é normalidade e maioria. A nova organização geopolítica mundial trouxe grandes mudanças no modo de vida das populações mundiais. A alta tecnologia, também conhecida pela automação da sociedade, é a marca deste tempo de globalização, no qual entramos em contato direto e constante com outras culturas. Não é fácil lidar com os valores novos, para isso é preciso uma avaliação constante sobre nossos objetivos pessoais e coletivos, levando a um forte questionamento sobre as identidades tradicionais nas quais já estávamos acostumados. 3.1.3 Preconceito, estereótipos e discriminação O preconceito, os estereótipos, bem como as discriminações, estão relacionados com as atitudes ou comportamentos referentes aos indivíduos, aos Fonte: http://conceptualdelacultura.blogspot.com/2011/02/la-cola-del-dragon_15.html 44 Antropologia Cultural grupos, a cultura baseados em julgamentos que são mantidos mesmo diante de fatos que os contradizem; em uma sociedade capitalista a situação não poderia ser diferente. O preconceito envolve uma avaliação negativa de uma pessoa pelo simples fato de o identificarmos com um grupo determinado do qual temos preconceito. É importante entendermos que não existem apenas grupos de minorias que são alvos de atitudes preconceituosas, mas qualquer grupo social. Segundo alguns teóricos, o preconceito é resultado de frustrações pessoais e podem estar relacionados com o tipo de personalidade que o indivíduo apresenta. Por exemplo, uma pessoa pode ser autoritária, hostil, intolerante ou simplesmente por ser de um partido ou de religião. Considera que a base cognitiva do preconceito são os estereótipos, envolvidos por crenças sobre características individuais que são atribuídas a indivíduo ou grupo. Geralmente as crenças preconceituosas são consideradas como estereótipos negativos, por isso que muitas pessoas dizem que conceito de estereótipo é muito próximo do conceito de preconceito. Os estereótipos estão ligados a uma padronização rígida, cria-se um estigma em que não se vê elemento positivo no indivíduo sendo julgado na maioria das vezes, negativamente como se fossem carimbados diante de atributos dirigidos a pessoa ou grupo. Assim o estereótipo pode ser considerado como um comportamento funcional muitas vezes equivocado e condenatório, pela influência dos meios midiáticos com uma visão às vezes profunda ou artificial. É preocupante, do ponto de vista social, quando esses estereótipos são destrutivos e limitam o próprio indivíduo a buscar novos conhecimentos, criam a imagem de que o mundo é complexo demais, e diante disso levam o indivíduo a achar que lhe convém não gastar energias e nem tempo cognitivo para vencer a situação social excludente. Ao vermos uma pessoa suja, desarrumada, a imagem produzida é sempre a de achar que ele é mendigo, um preguiçoso, um criminoso. A lista é imensa. Chamamos esse ato de rotulação. A rotulação pode chegar ao cúmulo de dizer que alguém é menos capaz por ser mulher. A questão de gênero tem se tornado uma forma de estereotipar. Por exemplo, quando estipulamos que as atividades domésticas devem ser realizadas por mulheres, estamos criando um rótulo. Desta forma, se o homem fizesse tal atividade poderia estar apresentando traços femininos; ou quando acreditamos que os 45 Antropologia Cultural homens são sempre superiores às mulheres e assim por diante, reforçamos muitas vezes sem perceber os estereótipos e rótulos. A discriminação muitas vezes é provocada e motivada pelo preconceito, pode ser dada por sexo, idade, raça/etnia, social, religiosa, por portadores de necessidades especiais, por doença, aparência. Ela pode ocorrer no indivíduo, em grupo, na instituição, na sociedade em geral, é quando certas empresas deixam de contratar um excelente colaborador por ter tatuagem, ou por ser portador de necessidades especiais, entre outros. O preconceito está tão arraigado nas relações humanas que é difícil discutirmos sobre a sua natureza, visto que ele surge por diversas funções, como defesa pessoal, posição social ou até como mecanismo de sobrevivência, suas origens são profundas, ligadas à própria natureza humana. O preconceito é decorrente de fontes sociais, emocionais e cognitivas. Possui suas causas classificadas em quatro categorias: Competição e conflitos econômicos- considerados um dos percursos que mais conduzem os indivíduos na formação de estereótipos, preconceitos e discriminação, por provocarem reações de hostilidade, inimizadas onde antes prevalecia a paz, ou pelo menos a tolerância mútua. O papel do bode expiatório - o indivíduo, quando se encontra frustrado e infeliz, tende a transferir sua agressividade para grupos visíveis, aparentemente sem poder, desenvolvendo sentimentos negativos e de repulsa. Fatores de personalidade – indivíduos com personalidade autoritária têm mais propensão a desenvolver atitudes preconceituosas por serem consideradas pessoas que geralmente apresentam rigidez nas opiniões, intolerância, desconfiança, entre outros, acreditando na sua superioridade, bem como na do grupo a que pertencem. Causas sociais do preconceito – a aprendizagem social, conformidade e categorização social: essas causas defendem a ideia de que o preconceito é criado e mantido por forças sociais e culturais.As normas sociais são aprendidas, transferidas de geração para geração. As conformidades são mantidas por medo de não ser aceito, por isso o indivíduo cede à pressão social. Muitas vezes, essas são motivadas pelos meios midiáticos e pelas artes, que são grandes disseminadoras de opiniões e agentes de 46 Antropologia Cultural socialização. Dessa forma, ocorre o que chamamos de “categorização social”, quando processamos psicologicamente as informações, categorizando as pessoas, formando estereótipos negativos com relação a elas. Preconceito é considerado uma atitude, inclusive difusa, que são influenciados pelos componentes: cognitivo, afetivo e comportamental. Etimologicamente, estereótipo é derivado de duas palavras gregas: “stereos” e “teípos”, que significam respectivamente “rígido” e “traço”. A discriminação é o comportamento, é a ação, é a conduta em si do indivíduo Fonte: https://davissenafilho.blogspot.com/2016/05/discriminacoes-preconceitos-golpe-de.html 47 Antropologia Cultural 3.2 Identidades Socioculturais e a Realidade Brasileira A ressignificação dos movimentos intelectuais e populares tentou criar marcas identitárias para o povo brasileiro. A busca de construção da identidade nacional é uma constante ao longo da história da cultura brasileira. Essa busca refletiu-se nas artes, nas ciências humanas e na ideologia política. Os debates sempre foram complexos, com alguns pontos como: aspectos da criação de um mito fundador da nação, a identificação e a valorização de singularidade que distinguem a cultura e a civilização brasileira e o relacionamento com elementos estrangeiros étnico/raciais. Sempre foi demonstrada uma grande preocupação em discutir a identidade e o futuro da nação brasileira, foram propagados diferentes discursos discutindo o que é ou não ser brasileiro. Assim destacaram-se políticos, militares, empresários e especialmente artistas e intelectuais, através da literatura, das artes plásticas, da música e mesmo de manifestos. Os artistas e intelectuais modernistas e pós- Fonte: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil-1/discriminacao-ou-preconceito 48 Antropologia Cultural modernistas procuram construir práticas discursivas para tentar compreender as identidades culturais brasileiras. 3.2.1 Tentativas de se construir um caráter de identidade nacional brasileira Numa paisagem histórica do Brasil no início do século XX, visualiza-se a cidade em processo de industrialização e urbanização. Novos valores estavam se agregando, vindos de várias partes do mundo no processo migratório. Diante das grandes contradições vividas pelo Brasil, a intelectualidade procurava delinear a imagem cultural no Brasil. Inicialmente, o ser nacional do Brasil foi representado a partir do olhar estrangeiro, viajantes europeus que muitas vezes não conseguiam enxergar as construções identitárias brasileiras no século XIX, ao construírem discursos preconceituosos e etnocêntricos sobre os grupos indígenas e as manifestações culturais dos homens e mulheres negras. A intelectualidade brasileira se uniu no intuito de desconstruir o olhar estrangeiro que tentava inventar o Brasil pelas lentes eurocêntricas, em 1920. Sabiase que o principal problema da não construção de uma identidade nacional era o enfraquecimento dos traços e praticas culturais endógenas em detrimento dos exógenos. Portanto, a intelectualidade era acusada de viver de costas para a cultura brasileira, ou seja, viver expatriado em sua própria terra sonhando viver ou morrer em Paris. “Assim, a missão do intelectual era vencer a percepção de sua oralidade como exótica, ou seja, vencer o olhar estrangeiro que informava a visão de si próprio” (OLIVEIRA, 2000, P.137). Os modernistas procuravam trabalhar na perspectiva do nacional e não do regional. Em 1926 surge um movimento chamado “Manifesto Regionalista”. Esse movimento desenvolve dois temas: a defesa da região como unidade de organização nacional e a conservação dos valores regionais e tradicionais do Brasil em geral, e do nordeste em particular. 49 Antropologia Cultural Os regionalistas tinham a região como elemento constitutivo da nação, ao frisar a necessidade de uma articulação inter-regional, era preciso ser regional para poder construir um sentimento de pertença aos valores nacionais. As transformações ocorridas na sociedade brasileira pós-1930 no governo Vargas, e o impacto causado com a Segunda Guerra Mundial foram importantes para alterar a ideia de nação que se desejava. O estado novo, ao pretender ser novo e nacional, procurou juntar modernização e tradição. Impôs a noção de brasilidade ligada à questão do nacionalismo econômico e à modernização do país. Na década de 1950, o país se vê com influências de intelectuais, então teria que buscar caminhos de desenvolvimento ultrapassando todas as etapas que os países capitalistas desenvolvidos já tinham ultrapassado. Mais uma vez os intelectuais não procuram nortes para resolver os problemas brasileiros a partir das nossas próprias construções histórico-econômicas e culturais; queriam que copiassem as experiências exógenas de países como os Estados Unidos. Entretanto, com Juscelino Kubitschek e o governo populista o Brasil pode avançar 50 anos em cinco, deixando de ser essencialmente rural, expandindo-se uma nova classe social: a classe média, influenciada pelas oscilações internacionais no campo da moda e da cultura. Foi nesta década que ocorreu um movimento migratório interno entre regiões brasileiras, especialmente do Nordeste para o Sudeste do país, portanto, mão de obra barata para ampliarem a construção civil na região. Neste mesmo período ocorre um crescimento vertiginoso da indústria midiática, cinemas, jornais, emissoras de rádio e o surgimento da televisão; são criadas correntes vanguardistas estéticas como a Bossa Nova. Nessa época, o cinema brasileiro, sob o impacto do Neorrealismo italiano, procurou discutir não as marcas da nacionalidade brasileira, mas as contradições brasileiras em nível nacional. As produções cinematográficas procuravam mostrar as desigualdades em nível e tensões sociais inerentes à vida na cidade e no interior dos sertões brasileiros. Assim, no governo JK, o país despertou do sonho de desenvolvimento, por meio de um prenúncio de desestabilização econômica e recrudescimento do poder econômico da sociedade civil. Politicamente, o povo brasileiro se depara com governos populistas instáveis nas suas governabilidades e domínios militares, ou 50 Antropologia Cultural seja: eleição e renúncia de Jânio Quadros, governo de João Goulart e as reformas de base e Golpe Militar em 1964. No período da década de 50 e início da década de 60, organizam-se e crescem os movimentos sociais reivindicatórios em favor de políticas econômicas e sociais e educacionais dos direitos dos trabalhadores. No contexto cultural, os artistas e intelectuais se revestem de um caráter nacional-revolucionário, afirmando a singularidade da identidade cultural brasileira. Construía-se a chamada arte engajada, ou seja, os setores mais à esquerda passam rapidamente do conceito de uma arte nacionalista para o de arte como instrumento de transformação social. Foi no Cinema Novo que a manifestação artística passou a abordar os graves problemas sociais vivenciados pelos homens e mulheres do campo. Quando eclodiu o Golpe Militar em 1964, foram exatamente estes artistas/intelectuais da linha nacional- revolucionária que se tornaram alvos da repressão. Os artistas Caetano Veloso e Gilberto Gil foram os que ousaram propor formas e conteúdos que destoavam da MPB, de ordem político-social associada à brasilidade exigida pelo público dos festivais da década de 60. O que deveria ter despertadoa aversão dos artistas e intelectuais ligados ao Regime Militar, e que se contrapunha aos tropicalistas e a outros artistas contemporâneos. No campo das artes plásticas ou do teatro, era o seu papel pós-moderno a valorização, sobretudo, da cultura popular expressada na diversidade étnico-racial brasileira. A ideia de homogeneização cultural vem tomando forma nos discursos de poderes vinculados ao capitalismo internacional, codificado com o termo “globalização”. No entanto, percebe-se que países como o Brasil, que é constituído de diferentes regiões, com um rico patrimônio cultural, material e imaterial, tornasse um viés de resistência. Resistência que foi se construindo pouco a pouco, no momento em que passou a gestar um discurso de respeito à diversidade cultural brasileira em uma sociedade que se quer pós-moderna. Diversidade cultural no sentido de construir instrumentos de respeitabilidade aos indivíduos e aos seus valores em direção às suas identidades culturais locais. Identidades com elementos constitutivos em bases coletivas, sedimentadas de conteúdos simbólicos, como é o caso das manifestações da cultura popular, que possibilitam uma relação de hibridismo social, objetivando políticas de desenvolvimento autossustentadas e de caráter comunitário. 51 Antropologia Cultural 3.3 A imigração das ideias: onde tudo começou A imigração de ideias é o termo empregado que descreve como a ideologia dominante passa de uma classe social para outra de forma vertical, sempre de cima para baixo, não ocorrendo o caminho inverso; quando ocorre de um grupo para outro da mesma classe, temos uma migração de ideias. Desde o período colonial até nossos dias atuais, a sociedade brasileira teve seu território visitado e transformado por sociedades mais desenvolvidas e representativas no mercado mundial. Essas sociedades desenvolvidas são portadoras de mecanismo de dominação, que se expressa pelo econômico, mas é o ideológico que fornece o suporte para a ascendência e consequentemente a construção de ideias que migram dessas sociedades dominantes para aquelas que pretendiam torná-las hospedeira dos valores produzidos pelas sociedades desenvolvidas. Sabe-se que a palavra migração é o deslocamento de indivíduos ou grupos no espaço geográfico, que pode ser interno, isto é, dentro do próprio país, ou externo. Costuma-se denominar imigração a entrada de estrangeiros em um país e emigração a saída de pessoas de uma nação. Fonte: https://prezibase.com/product-tag/pencil/page/3/ 52 Antropologia Cultural A sociedade brasileira acaba se vestindo de outras culturas como se fosse a sua, mas que pertence à outra sociedade que, pouco a pouco redesenha os nossos valores, e acabamos acreditando que essa cultura agora cantada e decantada em versos no seio da sociedade nos pertence. As sociedades desenvolvidas sempre buscavam tornar a sociedade visitada uma simples depositária das ideias que nasciam fora de sua realidade, mas que com o tempo acabavam sendo incorporadas no cotidiano dessas sociedades. A história da sociedade brasileira se deu sobre a influência dos colonizadores portugueses, provocando a destruição lenta das tradições indígenas que hoje, pela resistência dos grupos, mantém fragmentos de sua cultura; sem falar da africana, desfigurada pela servidão que primeiro devastou o espírito, e depois o corpo da população negra; como consequência, trouxe uma descaracterização da sua cultura e universo religioso. Muitos estudiosos acreditam que, na sociedade brasileira, ocorreu o processo de miscigenação de etnias e culturas. Gilberto Freyre escreveu inúmeras obras, dentre elas “Casa Grande & Senzala”, retratando principalmente os costumes da sociedade brasileira, juntamente com as obras de Câmara Cascudo e Sergio Buarque de Holanda. Apesar da importância da obra para a etnologia brasileira, acredita-se que tenha perdido sua força no que tange à argumentação sobre a miscigenação, pois outras correntes de pensamento ganharam relevância e colocaram o resultado obtido por Freyre como no mínimo inquestionável principalmente na harmonia e no equilíbrio de conflito interracial com as outras sociedades. A sociedade brasileira queria mostrar ao mundo que existia uma democracia racial, criando assim o mito das três raças – coisa que dificilmente poderia ser aceita passivamente na sociedade atual, mas que, no momento da construção de um ideário nacional, colocou-se como valor absoluto. Tanto, que no campo musical, o samba, ritmo de origem negra, foi alçado como estandarte nacional, e hoje temos muito claro como isso favoreceu a uma desconstrução de uma identidade das culturas locais. A elite queria realizar a imigração de ideias e furtar dos outros segmentos sociais a possibilidade de ver vivo seu universo cultural. Somente pequenos grupos mantiveram uma resistência, mas foram isolados e envolvidos, e ao perderem o que 53 Antropologia Cultural fora transmitido de geração para geração através da mitologia, se esvaíram e perderam sentido para as gerações futuras. 3.3.1 A nossa identidade A identidade de nação tentava ser construída no final do sec. XIX e início do sec. XX, tanto pelo segmento político como intelectual. Freyre foi um dos representantes dessa intelectualidade, com seu espírito nacionalista, mas, no entanto, se vestiam e comiam à francesa. A população descendente de subgrupos culturais trazidos por outros povos uniram-se para tentar sobreviver. Isto era o que Freyre considerava como sendo miscigenação, e representaria o modelo desenhado ao longo da história dessa sociedade. Com a aglutinação de várias culturas sem uma identidade própria, se formou uma composição das etnias, fruto de uma violência realizada para satisfação de sua população indígena e negra, que muitas vezes era utilizada para fins sexuais, formando uma geração de filhos considerados “bastardos”, fruto da exploração sexual dos senhores de engenho e da população branca com as negras escravas. Em virtude de sua posição de serviçal, estas mulheres eram muitas vezes usadas para a iniciação sexual de filhos dos senhores de engenho; porém, viviam à margem dessas famílias tradicionais. O colonizador, por sua vez, ocasionou o enfraquecimento de culturas locais, ao se deitar com as nativas, pois atribuíam a elas um estigma que seria motivo para serem expulsas de suas próprias aldeias, desencadeando a desestabilização da sociedade indígena. Freyre (2003, p.157) fez o seguinte comentário sobre essa situação: Com a instrução europeia, desorganiza-se entre os indígenas da America ávida social e econômica, desfaz-se o equilíbrio nas relações do homem com o meio físico. Principia a degradação da raça atrasada ao contato da adiantada. Mas essa degradação segue ritmos diversos: por um lado conforme a diferença regional de cultura humana ou de riqueza do solo entre os nativos- máxima entre os incas e asteca e mínima nos extremos do Miscigenação – mistura ou cruzamento das raças; mestiçagem. Etnia - Grupo biológico e culturalmente homogêneo. 54 Antropologia Cultural continente, por outro lado, conforme as disposições e recursos colonizadores do povo intruso ou invasor. Nossa identidade cultural foi se construindo pelas dominações na história, inicialmente de portugueses colonizadores de povos indígenas e africanos escravizados e imposições econômicas políticas e culturais de ingleses franceses no sec. XIX, e americanos a partir do sec. XX na formação do povo brasileiro. Até hoje, busca-se ainda inspiração nos parâmetros culturais dos centros hegemônicos. É importante percorrer as manifestações culturais e criações em todos os campos do saber e das práticas sociais, para nossa atuação profissional real dos indivíduos nos seus segmentossociais, para nossa atuação profissional e política no quadro social do Brasil. A questão da identidade é explorada cotidianamente nas novelas e filmes a que você assiste na TV ou no cinema. Se personagens do pai, do filho, do marido, da esposa não agirem de acordo com a identidade social construída para esses papeis, as pessoas estranham. A identidade do outro vai refletir na minha. Para se ter a identidade do bom marido, tem de se estar casado com a boa esposa. Uma identidade social depende de outra e vice-versa, o marido depende da esposa, o filho da existência do pai ou da mãe, o professor da do seu aluno, nós construímos outras identidades sociais com a vivência de nossas relações, do solteiro, do namorado, do casado, do separado, do pai ou mãe, do avô ou avó etc. A identidade social que temos representa um conjunto de papeis sociais que desempenhamos na nossa vida cotidiana. E esses papéis, na sua maioria, atendem à manutenção das relações sociais que os outros esperam de nós – boa filha, bom filho, boa esposa, bom marido, bom funcionário. Para que você seja considerado um bom professor, será esperado que você tivesse, no mínimo, alguns saberes específicos da sua área de atuação. Mas e se você não recebeu ou não se preocupou em aprender o que estava fazendo, nem sendo ensinado? Poderíamos dizer, então, que não teríamos um bom profissional. Você teria de estudar mais. No papel de aluno fazendo o curso, existem algumas regras ou comportamentos esperados: estudar, dedicar-se mais, tirar as dúvidas se não está entendendo etc. De uma pessoa no papel social do professor, também é esperado o mínimo de conhecimento e de vontade de dar aula, ou seja, um compromisso pedagógico de transformação. Mas ao sair da universidade com seu diploma em mãos, você começa a perceber que não consegue atuar na área em que se formou; 55 Antropologia Cultural às vezes, não é por questões de falta de emprego ou problemas na economia, mas por não ter conhecimento para trabalhar na sua área. Você não teve consciência de si, enquanto sujeito construindo a sua história ou sua identidade, e seus papéis sociais foi reproduzido em um nível ideológico, em que você foi alvo de “relações de dominação necessárias para a reprodução das condições materiais de vida e a manutenção da sociedade de classe, onde uns poucos dominam e muitos são dominados”. São importante que você se questione quais foram os determinantes sociais que não possibilitaram uma formação razoável. Poderia dizer que foram os deveres familiares, o trabalho, etc. Tudo bem, mas... e daí? Qual será sua ação? Ou no dizer de Lane (ibid.): quando você vai tomar consciência de si enquanto sujeito que modifica a sua história de vida? Se a realidade é movimento, é transformação, por que o homem tem dificuldade para ser uma metamorfose? Ficamos, às vezes, presos a papéis sociais, ao que os outros esperam que façamos. Você pode dizer, ao final de um dia: “bom, hoje não fui escravo de ninguém”, mas será que não foi escravo de si mesmo? Como posso transformar o mundo se não consigo mudar a minha própria vida, minha rotina diária? Severina, a personagem do livro Ciampa (1996), tinha uma intencionalidade; ela fazia escolhas e suas atitudes tinham sentido. Tinha até um projeto de vingança! Ela agia e tinha vontade, era esforçada para tentar melhorar sua condição de vidaescrava. Mas seu ego, o seu pensamento não acompanhavam o fazer, enquanto possibilidade de mudança. Ela própria começava a tomar consciência de que poderia construir uma nova identidade, mas tinha dificuldade, pois sua vida era a mesma coisa quase todo dia, “mesmidade, a mesmidade do pensar e ser: buscar ser ela mesma, não como atualização de uma essência (ou traço essencial); ser ela mesma”. Não bastava ela ter uma identidade, tinha de ter uma consciência de uma atividade para transformar essa identidade em uma atividade de transformação. Por isso as três categorias, identidade, consciência e atividade, são fundamentais para manter-se em sociedade. No dizer de Ciampa (1996, p.146), utilizando-se das próprias palavras de Severina, “se não me transformar, como vou transformar o ambiente?”. Ela não conseguia “ser-para-si”, nem a escrava, e nem uma pessoa que pudesse realizar sua vingança pelo amante e pelo pai. Ela tinha realmente uma dificuldade na 56 Antropologia Cultural condição “de ser-para-si”, criando o que chamamos de identidade-mito, o mundo da mesmice e da má afinidade. A identidade é real, é obvio que ela é movimento e transformação, mas Severina não conseguia perceber isso. Então o autor afirma que existe outra forma de identidade que não se falava: a identidade não metamorfose, o não movimento, como, a não transformação. A materialidade da vida real tem suas manifestações de formações materiais, ou seja, estudar a identidade de alguém nos remete a história da Severina, e essa identidade tem sua materialidade. A possibilidade de transformação dessa identidade passa pela mudança da materialidade concreta que constitui em uma identidade específica: a de ser escrava. 3.4 Subjetividade X objetividade Ao responder um questionamento qualquer, você fez uso da sua objetividade ou subjetividade? Existe diferença entre subjetividade e objetividade? Como elas o ajudarão? Neste aspecto, iremos compreender quanto à objetividade e à subjetividade para entendermos o processo de construção da nossa identidade, da nossa realidade. Atualmente, diversas áreas e profissionais como filósofos, historiadores, sociólogos, antropólogos, psicólogos, tem estudado e escrito sobre essa temática. O ser humano é ao mesmo tempo um indivíduo particular e social. A sua individualidade ocorre por meio da relação objetiva (a partir daquilo que é real concreto) com o seu ambiente físico, histórico, geográfico e social. Suas ações desenvolvem o seu psiquismo, por meio da tomada de consciência, da atividade que formará a sua identidade. Mas, para conhecê-lo, deveremos considerá-los dentro de um contexto histórico, social e cultural, em um processo constante de subjetivação x objetivação. Quando conceituamos algo objetivamente, utilizamos termos, definições aceitas por todos ou por uma maioria da sociedade. Ao ser subjetivo, utilizo das minhas interpretações particulares demonstrando a forma como vejo e encaro as coisas. Nesse momento deixamos transparecer nossos sentimentos, valores, emoções, temores, entre outros. 57 Antropologia Cultural Há uma posição interacionista presente, mas não há superação dessa dicotomia, na medida em que, na teoria de alguns autores, a relação se dá através de um “mecanismo de feedback”, no qual o agente externo influencia o interno, e vice-versa. A experiência humana se objetiva na realidade criando regularidades (hábitos – tradição – institucionalização) e as instituições são subjetivadas por meio da introjeção pela socialização. Portanto, a realidade social e individual do ser humano é construída pelo processo de interação constante entre o objetivo e o subjetivo, sem que essa interação possa indicar a fonte de determinada realidade. A nossa realidade é construída por meio do que é concreto, visto e observado, mas dentro de um campo de valores. Esse processo não ocorre de forma rápida. Ele é lento e gradativo, a partir da relação do meio interno e externo do indivíduo. A psicologia social, em uma compreensão crítica da sociedade, deve buscar compreender a relação individual social por meio dessa interação indivíduo/sociedade, visto que a sua identidade se dá por meio dessa relação, considerando-o com a sua história particular, como um ser de transformações. A atividade desenvolvida pelo indivíduo é a sua realização concreta, bem como expressão da sua subjetividade diante da definição de papéis exercidos por ele, assim como de sua consciência. Ela é subjetiva(envolve afeto do eu individual) e objetiva (contato com o mundo exterior). Nesse processo, o indivíduo constrói o seu mundo da mesma forma que constrói a si mesmo, a sua identidade com as relações, experiências vivenciadas por ele. Por exemplo, um indivíduo que mora em uma região desfavorecida de sistema de tratamento de esgoto, como ele constrói sua subjetividade? Como ele se percebe em relação ao “centro” da cidade, com suas “facilidades”? Como isso influi na sua forma de entender o mundo e de se relacionar com o outro? 58 Antropologia Cultural TEXTO COMPLEMENTAR A MINHA OU A NOSSA? O PAPEL DA ESCOLA SE INTENSIFICA AO ENTENDERMOS QUE ELA É DE TODOS DA MESMA FORMA QUE PERTENCEMOS A ELA Terezinha Azeredo Rios Minha escola. É assim que, geralmente, os gestores se referem à instituição que dirigem. A posse implícita na expressão parece semelhante à que indica de quem é a toalhinha de crochê que se encontra sobre o arquivo ou porta-retratos com fotos da família. Da mesma forma, são comuns as expressões "meus professores", "meus' alunos", "meus funcionários". Podemos até imaginar que esse é um jeito de demonstrar devoção ao cargo. Sem tirar o mérito do zelo profissional, é preciso apontara risco de considerar a escola - e o que ela abriga - como um domínio particular. A expressão popular "eu ido disso como se fosse meu" traz a impressão de que se tem mais consideração - ou simplesmente mais cuidado - com algo que nos pertence. E ainda: que a propriedade privada tem mais importância que a pública. Basta lançar um olhar à nossa volta para ver o descaso com que os espaços de uso comum são tratados, fato que reforça, uma crença equivocada segundo a qual "o que é de todos não é de ninguém". Aprendemos que os adjetivos possessivos indicam propriedade: rainha blusa, seu livro, nossa casa. Esse sentido se aplica bem para coisas. Entretanto, há outro significado quando dizemos: "Minha mãe, seu amigo, nosso time". Ao nos referirmos à pessoa e à instituição, a relação que se estabelece não é a de posse, mas de um sentimento duplo: sou dela da mesma forma que ela é minha. O que expressamos é uma ideia de pertencimento: minha família, nosso país. Escola - espaço que não só físico e se constituí de tantos elementos complexos dos qual ninguém tem a posse e com os quais devemos estabelecer uma relação de convivência e de trabalho. Por isso o gestor precisa cuidar para que as ações não sejam de caráter possessivo: Pode-se pensar que essa reflexão só tem 59 Antropologia Cultural validade para as escolas públicas, uma vez que, do ponto de vista formal, os gestores não são seus proprietários. Mas não é a esse sentido que me refiro. Mesmo no caso de uma instituição particular, na qual o dirigente muitas vezes é também o dono, a escola - que é um espaço público - só cumprirá sua missão se for de todos aqueles que a constituem, cada um em sua função. É claro que os gestores têm um papel específico e urna responsabilidade próprios, que só ganham significado, porém, se estiverem articulados ao trabalho dos outros. Ao lugar onde damos aula, cabe melhor o sentido de pluralidade. Nossa escola é a instituição que nos pertence, como um bem que assumimos, mas à qual pertencemos, porque com nossa atuação damos a ela sua feição. 60 Antropologia Cultural 1) Explique como você percebe a questão das diferenças entre as nações. 2) Até que ponto pensar sobre a nossa identidade contribui para um mundo mais democrático? 3) Dê exemplos em nossa sociedade de grupos diferenciados pela identidade e explique quais os seus anseios e preocupações. 4) Verifique a partir de sua experiência se existe no Brasil uma democracia racial. 5) Defina, de acordo com o estudo dessa temática, os seguintes termos: a) Objetividade: b) Subjetividade: 6) Qual a relação entre objetividade e subjetividade na construção social dos indivíduos? Comente sobre o processo de migração interna no Brasil. 61 Antropologia Cultural UNIDADE 04 Abordagem antropológica da educação: contribuições para as análises sociais Fonte: https://www.alternativaexperience.com.br/produto/trekking-brotas-sp/ 62 Antropologia Cultural 4.1 O campo e a abordagem antropológicos A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na África, na América, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto de fundar uma ciência do homem – uma antropologia – é, ao contrário, muito recente. Apenas no final do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza. Isso constitui um evento considerável na história do pensamento do homem sobre o homem. Esse pensamento tinha sido, até então, mitológico, artístico, teológico, filosófico, mas nunca científico no que dizia respeito ao homem em si. Finalmente, a antropologia, ou mais precisamente, o projeto antropológico, surge em uma região muito pequena do mundo: a Europa. Para que esse projeto alcance suas primeiras realizações, para que o novo saber comece a adquirir um início de legitimidade entre outras disciplinas científicas, será preciso esperar a segunda metade do século XIX, durante o qual a antropologia se atribui objetos empíricos autônomos. A ciência supõe uma dualidade radical entre o observador e seu objeto. A separação entre sujeito observante e o objeto observado na antropologia consistirá nessa época, em uma distância definitivamente geográfica. As sociedades estudadas pelos primeiros antropólogos são sociedades longínquas, na qual se referem a sociedades de dimensões restritas; que tiveram poucos contatos com os grupos vizinhos; cuja tecnologia é pouco desenvolvida em relação a nossa; e nas quais há uma menor especialização das atividades e funções mentais. A antropologia acaba de atribuir-se um objeto que lhe é próprio: o estudo das populações que não pertencem à civilização ocidental. Mas no inicio do século XX, após ter firmado seus próprios métodos de pesquisa, a antropologia percebe que o objeto empírico que tinha escolhido (as sociedades “primitivas”) está desaparecendo, pois o próprio universo dos “selvagens” não é de forma alguma poupado pela evolução social. Muito rapidamente, uma questão se coloca, a qual permanece desde seu nascimento: o fim do “selvagem”. De acordo com Laplatine (1988, p.15), Paul Mercier cita que o antropólogo aceita, por assim dizer, sua morte, e volta para o 63 Antropologia Cultural âmbito das outras ciências humanas. Ele sai em busca de outra área de investigação: o camponês, objeto ideal de seu estudo, já que foi deixado de lado pelos outros ramos das ciências do homem. Finalmente ele afirma a especificidade de sua prática, não mais através de um objeto empírico constituído (o selvagem, o camponês), mas através de uma abordagem epistemológica constituinte. O objeto teórico da antropologia não está ligado a um espaço geográfico, cultural ou histórico particular. Pois a antropologia não é senão certo enfoque que consiste em: o estudo do homem inteiro; o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas. 4.2 O estudo do homem inteiro Certamente, o acúmulo dos dados colhidos a partir de observações diretas, bem como o aperfeiçoamento das técnicas de investigação, conduz necessariamente a uma especialização do saber. Só pode ser considerada como antropológica uma abordagem integrativa que objetive levar em consideração as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. Porém, umadas vocações maiores de nossa abordagem consiste em tentar relacionar campos de investigação frequentemente separados. Existem cinco áreas principais da antropologia nas quais essas mantêm relações estreitas entre si. A antropologia biológica (designada antigamente sob o nome de antropologia física) consiste no estudo das variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. Sua problemática é a das relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social), ela analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um meio ambiente, bem como a evolução destas particularidades. Assim, o antropólogo biologista levará em consideração os fatores culturais que influenciam o crescimento e a maturação do indivíduo. Por exemplo: por que o desenvolvimento psicomotor da criança africana é mais adiantado do que o da criança europeia? Essa área da antropologia não consiste apenas no estudo das formas de crânios, mensurações do esqueleto, tamanho, peso, cor da pele, anatomia comparada das raças e dos sexos; interessa-se em especial pela genética das populações, que permite discernir o que diz respeito ao inato e ao adquirido, sendo 64 Antropologia Cultural que um e outro estão interagindo continuamente. Ela tem um papel particularmente importante a exercer para que não sejam rompidas as relações entre as pesquisas das ciências da vida e as das ciências humanas. A antropologia pré-histórica é o estudo do homem através dos vestígios materiais enterrados no solo. Seu projeto, que se liga a arqueologia, visa reconstituir as sociedades desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais, quanto em suas produções culturais e artísticas. Percebemos que esse ramo da antropologia trabalha com uma abordagem idêntica às da antropologia histórica e da antropologia social e cultural. O historiador é antes de tudo um Historiógrafo, isto é, um pesquisador que trabalha a partir do acesso direto aos textos. O especialista em pré-história recolhe, pessoalmente, objetos no solo, e realiza um trabalho de campo. A antropologia linguística: a linguagem é parte do patrimônio cultural de uma sociedade. É através dela que os indivíduos que compõem uma sociedade se expressam e expressam seus valores, suas preocupações, seus pensamentos. Apenas o estudo da língua permite compreender: A antropologia linguística não diz respeito apenas ao estudo dos dialetos (dialetologia), ela também se interessa pelas imensas áreas abertas e pelas novas técnicas modernas de comunicação. A antropologia psicológica: consiste no estudo dos processos e do funcionamento do psiquismo humano. De fato, o antropólogo é em primeira instância confrontado não a conjuntos sociais, e sim a indivíduos. Ou seja, somente através dos comportamentos – conscientes e inconscientes – dos seres humanos particulares, podemos apreender essa totalidade sem a qual não é antropologia. É a 1) Como os homens pensam o que vivem e o que sentem, isto é, suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (etnolinguística); 2) Como eles expressam o universo e o social; 3) E como, finalmente, eles interpretam seus próprios saberes e saber-fazeres (áreas das chamadas etnociências). 65 Antropologia Cultural razão pela qual a dimensão psicológica e também psicopatológica é absolutamente indissociável do campo. A antropologia social e cultural (ou etnologia): diz respeito a tudo que constitui uma sociedade: seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas citações artísticas. Segundo Laplatine, 1988 a antropologia consiste menos no levantamento sistemático desses aspectos do que em mostrar a maneira particular com a qual estão relacionados entre si e através da qual aparece a especificidade de uma sociedade. É precisamente esse ponto de vista da totalidade, e o fato de que o antropólogo procura compreender, como diz Lévi-Strauss, aquilo que os homens “não pensam habitualmente em fixar na pedra ou no papel” (nossos gestos, nossas trocas simbólicas, os menores detalhes dos nossos comportamentos), que faz dessa abordagem um tratamento fundamentalmente diferente dos utilizados setorialmente pelos geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, psicólogos. Fonte: http://www.historiacommidias.com.br/2013/11/ufu-2011.html 66 Antropologia Cultural 4.3 O estudo do homem em sua diversidade A antropologia não é apenas o estudo de tudo que compõe uma sociedade. Ela é o estudo de todas as sociedades humanas, ou seja, das culturas da humanidade como um todo em suas diversidades históricas e geográficas. A antropologia não poderia ser definida por um objeto empírico qualquer e, em especial, pelo tipo de sociedade ao qual ela, a princípio, se dedicou preferencialmente ou mesmo exclusivamente. Ocorre, porém, que se a especificidade da contribuição dos antropólogos em relação aos outros pesquisadores em ciências humanas não pode ser confundida com a natureza das primeiras sociedades estudadas, ela é indissociavelmente ligada ao modo de conhecimento que foi elaborado a partir do estudo dessas sociedades. Além disso, apenas a distância em relação a nossa sociedade nos permite fazer esta descoberta: aquilo que tomávamos por natural em nós mesmos é, de fato, cultural; aquilo que era evidente é infinitamente problemático. Disso decorre a necessidade, na formação antropológica, daquilo que se pode chamar de “estranhamento”, a perplexidade provocada pelo encontro das culturas que são para nós as mais distantes, e cujo encontro vai levar a uma modificação do olhar que se tinha sobre si mesmo. A experiência da alteridade leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos “evidente”. Aos poucos, percebemos que o menor de nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de “natural”. Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos. O conhecimento antropológico da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas. O que caracteriza a unidade do homem, de que a antropologia faz tanta questão, é sua aptidão praticamente infinita para inventar modos de vida e formas de organização social extremamente diversa. E a nossa disciplina permite notar, com a maior proximidade possível, que essas formas de comportamento e de vida em sociedade que tomávamos todos espontaneamente por inatas (nossa maneira 67 Antropologia Cultural de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar os eventos de nossa existência...) são, na realidade, o produto de escolhas culturais. Ou seja, aquilo que os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar costumes, línguas, modos de conhecimento, instituições, jogos profundamente diversos; pois se há algo natural nessa espécie particular que é a espécie humana, é sua aptidão a variação cultural. A descoberta da alteridade é a de uma relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de humanidade com a humanidade, e correlativamente deixar de rejeitar o presumido “selvagem” fora de nós mesmos. Confrontados a multiplicidade das culturas, somos aos poucos levados a romper com a abordagem comum que opera sempre a naturalização do social (como se todo o nosso comportamento fosse inato, e não adquiridos no contato com a cultura na qual nascemos). A romper igualmente com o humanismo clássico que também consiste na identificação do sujeito com ele mesmo, e da cultura com a nossa cultura. De fato, a filosofia clássica, mesmosendo filosofia social, bem como as grandes religiões, nunca se deram como objetivo o de pensar a diferença, e sim o de reduzi-la, frequentemente inclusive de uma forma igualitária e com as melhores intenções do mundo. O pensamento antropológico considera que, assim como uma civilização adulta deve aceitar que seus membros se tornem adultos, ela deve igualmente aceitar a diversidade das culturas, também adultas. Podemos então nos perguntar como a humanidade pôde permanecer por tanto tempo cega para consigo mesma, amputando parte de si própria e fazendo de tudo que não eram suas ideologias dominantes sucessivas, um objeto de exclusão. Desconfiemos, porém do pensamento de que estamos finalmente mais “lúcidos”, mais “conscientes”, mais “livres”, mais “adultos”, do que em uma época da qual seria errônea pensar que está definitivamente encerrada. Pois essa transgressão de uma das tendências dominantes de nossa sociedade deve ser sempre retomada. O que não significa de forma alguma que o antropólogo seja destinado, seja levado por alguma crise de identidade, ao adotar esse fato pela lógica das outras sociedades e ao censurar a sua. No entanto, a dúvida e a crítica de si mesmo só são cientificamente fundamentadas se forem acompanhadas da interpelação crítica de outrem. 68 Antropologia Cultural 4.4 A educação como preocupação Para uma determina sociedade, a educação constitui uma preocupação com fronteiras mal definidas. Essa preocupação se relaciona com a maneira como um grupo social pode integrar em sua própria cultura as novas faixas etárias que engendrou. Fundamenta-se em um estranho paradoxo, que é a marca de qualquer iniciação; esse paradoxo reza que a iniciação e, portanto, a educação, ocorra simultaneamente em dois registros opostos: de um lado, busca integrar os jovens, propondo-lhes um lugar, um papel a ser desempenhado em um conjunto determinado, aquele do mundo adulto de sua cultura; de outro, esforça-se para torná-los autônomos, isto é, atores em sua própria cultura. Desse modo, integração e autonomia são as duas faces de uma mesma realidade: a iniciação. Com efeito, parece-nos restrito aplicar o paradoxo autonomia/integração somente à instrução; uma comparação etnológica com as iniciações nas sociedades tradicionais nos mostra facilmente que é o conjunto do processo educativo que foi levado a operar este duplo jogo: dar os meios da autonomia; dar os meios da integração. Para realizar essa educação, não há boa solução, não há via única, mas uma pluralidade de procedimentos conforme se valorize a inserção ou a autonomia. São duas realidades opostas sob muitos aspectos, tornando-se complementares apenas quando o processo educativo atinge seu termo. Isso equivale a dizer que o campo educativo está saturado pelos valores que o polarizam. Há educação somente em relação a esses valores de referência que dão certo sentido, que tentam articular à sua maneira inserção (ou integração) e autonomia. A escolha dos valores de referencia depende da sensibilidade das comunidades educativas em questão. Depende também da conjuntura; é mais fácil valorizar a autonomia em um contexto social em expansão, assim como é mais urgente valorizá-la em um âmbito demasiadamente coercitivo. Em compensação, em um meio mais anômico, ou que cria numerosos excluídos, torna-se mais urgente favorecer a integração. O que acabamos de relatar requer duas precisões importantes para terminar de caracterizar o que tange ao domínio educacional. Antes de mais nada, a educação ultrapassa amplamente o campo escolar, que é apenas um dos lugares reconhecidos onde ela pode ser dispensada. A educação abrange a coletividade em 69 Antropologia Cultural sua totalidade, assim como grupos particulares que se organizam para dispensar, juntamente com a escola, determinada forma de educação, como, por exemplo, os movimentos dos jovens. Porém, a educação coloca em primeiro plano principalmente as famílias das crianças; essas famílias são os principais envolvidos pelos valores educacionais a serem promovidos. A educação se revela, portanto, uma preocupação difusa no conjunto do corpo social. Segunda precisão: a educação visa principalmente às iniciações de base, as primeiras iniciações feitas pelo jovem para permitir, em uma dada cultura, seu acesso ao estatuto de adulto. Por essa razão, assimila-se muitas vezes a educação à formação inicial, por fornecer as organizações mentais, comportamentais e de atitude indispensáveis. Em vista disso, a educação pode ser definida como préformação, período de estruturação das disposições que, na sequência, adquirem uma certa permanência. Contudo, a educação permanece mais indiferente às iniciações secundárias, aquelas feitas pelo adulto ao longo de sua trajetória: Aprendizagens diversas orientadas para um aperfeiçoamento, uma reconversão, uma sensibilização. Para essas iniciações secundárias, a educação abre então espaço à formação propriamente dita: formação contínua no decorrer da qual o adulto tem oportunidade de se distanciar um pouco de seu meio para analisar sua experiência, apropriar dela e desenvolver nesta ou naquela direção novas capacidades de aprendizagem. Toda formação, contrariamente à educação, precede a partir das aquisições que contribui para desestruturar, “deformar”, para reorganizar, “reformar” novas aprendizagens. Embora a educação seja tão antiga quanto às culturas, uma característica das sociedades industriais, em contrapartida, é indubitavelmente o fato de terem permitido a valorização dessa prática, até então minoritária, que é a formação para adultos. Mesmo tendo existido de maneira embrionária e informal, essa prática se institucionalizou apenas recentemente. 70 Antropologia Cultural Fonte: http://www.escolabernardinomoreira.com.br/Noticias/Exibir/solidariedade-na-escola 71 Antropologia Cultural TEXTO COMPLEMENTAR FORMAÇÃO DOCENTE Girlane Melo Um dos temas mais relevantes e que tem ocupado grande espaço nas discussões sobre o rumo da educação no Brasil é a formação de professores. Quisera tivesse sido sempre tratado com a importância que o assunto requer. Durante muito tempo para ser professor bastava ter cursado o primário ou ginásio ou ainda ter uma boa indicação política. Com o passar do tempo e com as novas exigências do mercado, o profissional da educação precisou preparar-se melhor, inclusive mantendo um ritmo de estudo contínuo que pudesse levá-lo a cursar mestrados e doutorado. Pode-se observar através da leitura de trabalhos de vários autores e pesquisadores em educação, que ainda é destaque nessa área de formação, a preocupação exagerada com o lado tecnicista da tarefa de educar. Ela é importante, precisa e deve ser trabalhada, mas dentro de uma visão mais ampla que envolva também o compromisso social de uma prática educativa transformadora. A democratização do ensino vem exigindo cada vez mais que a formação de professores contemple também o saber lidar com as diferenças que agora se apresentam mais fortemente nas salas de aula: diferenças sociais, intelectuais, econômicas etc. O professor precisa estar pronto para desempenhar o papel de mediador entre essas diferenças diminuindo assim as desigualdades existentes e trabalhando para que elas possam ser aproveitadas para o crescimento do grupo. Outro aspecto relevante a ser considerado e melhor discutido é o estudo das leis dentro desse processo de formação, que juntamente com os demais conhecimentos como os de Sociologia, Antropologia; Filosofia, Psicologia, vão ajudar esses profissionais a desempenhar de forma mais segura e consciente suas atividades. O conhecimento das diversas leis, que embora nem seperceba, diz respeito ao seu trabalho de educador, vai evitar interpretações do senso comum, geralmente equivocadas, como também o risco de sofrer penalidades por ação ou omissão. 72 Antropologia Cultural Dentro dessa perspectiva, o cenário atual espera profissionais da educação que estejam capacitados teoricamente dentro de suas especialidades, que sejam familiarizados com as tecnologias e que principalmente possam agir como agentes transformadores criando um ambiente crítico-reflexivo sobre a ordem social, econômica e política vigente para assim tentar diminuir as desigualdades de um sistema que absorve e ao mesmo tempo exclui. 73 Antropologia Cultural 1. Elabore um texto dissertativo de no máximo duas (02) laudas baseado no contexto da educação no campo antropológico, como ela é vista e o que você espera que seja. Aborde também o que foi estudado em sala de aula bem como os aspectos relevantes para sociedade. 1. Por que o desenvolvimento psicomotor da criança africana é mais adiantado do que o da criança europeia? 2. Comente sobre a Antropologia Linguística. 74 Antropologia Cultural UNIDADE 05 Diversidade cultural no mercado de trabalho Fonte: http://openmindintercambio.com.br/blog/tag/mercado-de-trabalho/ 75 Antropologia Cultural 5.1 Antropologia, cultura e diversidade cultural A cultura é um fenômeno necessariamente social, partilhado pelas pessoas de determinado grupo. Não é difícil supor que os grupos partilham valores, regras da vida, modos de agir, de falar, de se vestir etc. Portanto, tenha em mente que há diferenças e similaridades entre um grupo e outro. A diversidade cultural refere-se aos diferentes modos de ser desses grupos de pessoas, que precisam conviver e se relacionar nos mesmos espaços. O mercado de trabalho é um exemplo em que a diversidade cultural é bastante expressiva, em que precisa ser compreendida para transpor os conflitos. A Antropologia é uma das ciências que busca compreender os fenômenos culturais e pode contribuir para a promoção da tolerância, mostrando, como afirma Da Matta (2001), que o diferente não tem a denotação de inferioridade, mas que indica alternativas e equivalências. Neste tópico, vamos compreender melhor as relações entre a Antropologia e os conceitos de cultura e diversidade cultural. 5.1.1 A Antropologia como uma ciência que estuda a cultura Desde os seus primórdios, o homem fez comparações entre a sua cultura e a de outras sociedades, buscando compreender as diferenças e semelhanças, o que, por vezes, originou conflitos e confrontos entre os povos. Contudo, conforme explica Laplantine (2003), o projeto de formar uma ciência do homem (ou Antropologia) é relativamente recente, datando do século XVIII. Foi nesse período que o homem passou a ser objeto de estudo, sendo analisado a partir do seu comportamento e de complexidades que não poderiam ser explicadas por sua biologia. Saiba que o surgimento da Antropologia foi um marco importante, pois até então não havia uma área do conhecimento que estudasse o homem do ponto de vista da cultura segundo o olhar dessa ciência. Trata-se de um campo do saber que dialoga interdisciplinarmente com a História, Sociologia, Arte, Filosofia, entre outras. A Antropologia surgiu na Europa e ganhou legitimidade como saber acadêmico apenas na segunda metade do século XIX, quando foi definido seu objeto de estudo: o de explicar a existência de sociedades com costumes e hábitos diferenciadas, sob 76 Antropologia Cultural o parâmetro da cultura europeia tida como modelo de existência, de ser e estar no mundo. Para Lévi-Strauss, o estudo da Antropologia ocorre em três etapas: a Etnografia, a Etnologia e a Antropologia. A Etnografia seria o correspondente aos primeiros estágios da pesquisa, tratando do trabalho de campo e da observação; a Etnologia seria mais aprofundada, a elaboração de conclusões mais extensas que não seriam possíveis no primeiro momento (síntese). E, por fim, a Antropologia seria o terceiro e último passo do estudo, no qual estão inclusas as conclusões da Etnografia e da Etnologia. Dessa forma, a Antropologia é o campo maior do conhecimento. Já a Etnografia incorpora o uso de detalhes descritivos na análise de uma sociedade, ao passo que a Etnologia emprega a explicação das organizações humanas, como clãs, tribos e nações etc. Podemos estender as teorias de Lévi-Strauss ao mercado de trabalho característico do século XXI, ou seja, relacionar as três etapas propostas aos desafios encontrados pelos profissionais em um mundo globalizado e competitivo. A Etnografia corresponderia à busca por referências na área específica em que o profissional atua, isto é, à descoberta e ao contato com o novo, enquanto à Etnologia seria a interiorização dessas referências e familiarização com conceitos até então desconhecidos. Já a Antropologia representaria a elaboração de um posicionamento em relação às questões descobertas. Saiba que os primeiros antropólogos buscaram compreender as sociedades a partir de informantes e não tinham contato real com seu objeto de análise. O foco inicial era o estudo de sociedades consideradas exóticas, muitas vezes previamente taxadas como primitivas e selvagens, portanto inferiores, quando concebidas pelo olhar da superioridade eurocêntrica. A Antropologia não estava focada apenas na compreensão das culturas diferenciadas da sociedade europeia. Saiba que se buscou observar também os agrupamentos culturais da própria realidade metropolitana ocidental, como os trabalhadores industriais e os grupos marginalizados urbanos. Foi nesse ponto que o antropólogo voltou o olhar para a sua própria sociedade e a descobriu digna de ser analisada como objeto de estudo. É importante notar que o objeto da Antropologia passou a contemplar o homem como um todo, e não apenas o que o pesquisador europeu considerava exótico. Na verdade, podemos dizer que a Antropologia, como disciplina, passou a 77 Antropologia Cultural ser o estudo das nuances do homem em sociedade. Dessa forma, o pesquisador na atualidade se questiona sobre seus próprios procedimentos metodológicos, pois reconhece seu papel extremamente subjetivo. É importante notar que o objeto da Antropologia passou a contemplar o homem como um todo, e não apenas o que o pesquisador europeu considerava exótico. Na verdade, podemos dizer que a Antropologia, como disciplina, passou a ser o estudo das nuances do homem em sociedade. Dessa forma, o pesquisador na atualidade se questiona sobre seus próprios procedimentos metodológicos, pois reconhece seu papel extremamente subjetivo. A Antropologia passou a estudar como são compostas as sociedades em suas diversidades históricas, geográficas e culturais (LAPLANTINE, 2003). Nesse sentido, o objeto da ciência antropológica incorporou a noção de que a humanidade não é singular, mas plural. O projeto antropológico consiste, portanto, no reconhecimento, conhecimento, juntamente com a compreensão de uma humanidade plural. Isso supõe ao mesmo tempo a ruptura com a figura da monotonia do duplo, do igual, do idêntico, e com a exclusão num irredutível “alhures”. As sociedades mais diferentes da nossa, que consideramos espontaneamente como indiferenciadas, são na realidade tão diferentes entre si quanto o são da nossa. E, mais ainda, elas são para cada uma delas muito raramente homogêneas (como seria de se esperar) mas, pelo contrário, extremamente diversificadas, participando ao mesmo tempo de uma comum humanidade. (LAPLANTINE, 2003, p. 13) 78 Antropologia Cultural 5.1.2 O fazerantropológico A Antropologia possui muitas vertentes. Num primeiro momento, ela foi dividida entre Antropologia Cultural e Antropologia Biológica. Hoje, contudo, possui muitas correntes de pensamento, que não se anulam. Vale dizer também que as sociedades mais distantes da sociedade ocidental não deixaram de ser foco de interesse da ciência Antropológica, que pode tanto estudar um grupo de Papua Nova Guiné como questionar as complexidades culturais do ciberespaço na era da globalização. Como dissemos antes, o objeto de estudo da Antropologia é a humanidade em toda a sua complexidade. Dessa forma, trata-se de uma ciência que assume como paradigma o estudo realizado no contato real com as sociedades a serem estudadas e abre-se para compreender que a relação “eu–outro” pode levar à tolerância e ao respeito entre as diversas dinâmicas culturais, sem que os homens partam para o confronto com o diferente, mas enriqueçam-se a partir das interações entre os grupos sociais. Fonte: http://educacaorespeitoediversidade.blogspot.com/2010/02/ diversidade-cultural.html 79 Antropologia Cultural Laplantine (2003) cita cinco áreas do fazer antropológico que mais se destacam: A Antropologia Biológica (conhecida antigamente sob o nome de antropologia física), que estuda as variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. A sua problemática está situada nas relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social), e ela analisa as particularidades morfológicas e psicológicas ligadas a um meio e à sua evolução; A Antropologia Pré-histórica, que é o estudo do homem através dos vestígios materiais enterrados no solo (ossadas, mas também quaisquer marcas da atividade humana). Trabalha em conjunto com a arqueologia, reconstruindo as sociedades que já desapareceram, e com a História, de modo a analisar os artefatos encontrados; A Antropologia Linguística analisa a linguagem como patrimônio cultural. Em outras palavras, seu objeto de estudo é a forma como os indivíduos de uma sociedade expressam seus valores, suas preocupações, seus pensamentos. Atua na interdisciplinaridade com diversas outras ciências, como dialetologia, a semiótica e a linguística; A Antropologia Psicológica, que consiste no estudo dos processos e do funcionamento do psiquismo humano. Aqui, o interesse do antropólogo está direcionado para o indivíduo e seus processos conscientes e inconscientes, e não necessariamente para a coletividade. A dimensão psicológica é absolutamente indissociável do campo antropológico, conforme Laplantine (2003); A Antropologia Social e Cultural (ou etnologia), em que o foco é tudo o que diz respeito a uma sociedade, ou seja, os seus modos de produção econômica, a moral, as suas técnicas, a sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, a suas crenças religiosas, a sua língua, os seus valores, as suas criações estético- artísticas e a compreensão da realidade cultural produzida na era da sociedade informatizada. 80 Antropologia Cultural Como a Antropologia Cultural abrange as nuances do convívio em sociedade, podemos destacar sua relevância no mercado de trabalho, posto que através dela é possível questionar e analisar o comportamento das empresas e dos profissionais frente à demanda intelectual e operacional da atualidade. Entenda que as vertentes citadas são ramificações ou especializações do grande campo que constitui a Antropologia. Se levarmos em conta que a disciplina preocupa-se com o estudo do comportamento humano em todas as suas particularidades, o que é bastante amplo é natural que tenhamos núcleos específicos que focalizam seus esforços investigativos em questões menores e mais direcionadas. 5.1.3 Os conceitos de cultura Cultura é toda atividade física ou mental que não advém necessariamente da biologia, mas uma construção social, partilhada pelos membros de um grupo que possuem características comuns entre si. É algo aprendido, assimilado e em constante transformação. Possuidor de um tesouro de signos que tem a faculdade de multiplicar infinitamente, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas ideias eruditas, comunicá-las para outros homens e transmiti-las para os seus descendentes corno uma herança sempre crescente.” Basta apenas a retirada da palavra erudita para que esta afirmação de Turgot possa ser considerada uma definição aceitável do conceito de cultura. (TURGOT, 1727-1781 apud LARAIA, 2001, p. 26-27). Podemos dizer que as diferenças hereditárias não são essenciais para entendermos a diversidade de grupos e culturas. A história cultural de cada grupo é o que explica as diferenças; isso contradiz o determinismo biológico, que, de acordo com Laraia (2001), são as velhas teorias que atribuem a “raças” habilidades inatas, ou seja, que explicam as diferenças pela herança genética. Já o determinismo geográfico considera que as características do espaço físico condiciona a variação cultural (ou seja, os diversos padrões comportamentais) (LARAIA, 2001, p. 21). Graças à Antropologia, entretanto, compreendemos tais variações de modo mais abrangente. Sobre o determinismo geográfico, hoje sabemos que os fatores geográficos influenciam, mas não são suficientes para moldar completamente a concepção de 81 Antropologia Cultural mundo de um indivíduo, para determinar os fatores culturais. Ou seja, em um mesmo ambiente físico pode haver uma diversidade cultural gritante. No ambiente profissional, por exemplo, é possível observar esta afirma- ção, pois, a despeito de muitos indivíduos partilharem o mesmo ambiente, diferenças comportamentais significantes surgem diariamente. Tais diferenças precisam ser compreendidas e aceitas para que haja um ambiente de trabalho saudável. A diferença entre homens e mulheres não se encerra nas diferenças fisiológicas em uma sociedade, mas nos papéis sociais e nos comportamentos de cada um. Em outras palavras, verificamos que a atribuição de um comportamento específico a um gênero decorre da educação direcionada que cada um recebe em cada cultura. Se falarmos em comportamento, portanto, é preciso dizer que ele é o resultado de aprendizado, o processo de endoculturação, isto é, do processo segundo o qual um indivíduo absorve os valores e significados do grupo ao qual pertence: de uma cultura já estabelecida. Os variados comportamentos existentes, portanto, são o resultado de educação diferenciada. Veja que não há hierarquização, não há culturas melhores ou piores nem processos de aprendizagem superiores ou inferiores. Há modos culturais diferentes apenas. Segundo Edward Tylor (1832-1917), o primeiro pesquisador a inserir o termo cultura na pauta antropológica, podemos romper todos os laços que unem a cultura à biologia (LARAIA, 2001). O termo vem do Kultur (alemão), surgido em 1871, que significa aspectos espirituais de uma comunidade. Já civilization (inglês) significa as realizações materiais de um povo. Culture (inglês) refere-se a conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquirido pelo homem como membro de uma sociedade. Conforme os conceitos que vimos, destacamos que o termo “cultura” refere-se aos: [...] padrões de comportamento socialmente transmitidos que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização política, crenças e práticas religiosas e assim por diante (KEESING, 1974 apud LARAIA, 2001, p. 59). Saiba que, no século XVIII e início do século XIX, havia a Antropologia evolucionista. Os antropólogos que seguiam essa vertente defendiama existência de uma 82 Antropologia Cultural escala evolutiva na qual todos os grupos poderiam ser encaixados, dos mais primitivos aos mais desenvolvidos. A sociedade europeia era o exemplo de sociedade mais evoluída e civilizada. Esmagados sob o peso dos materiais, os evolucionistas consideram os fenômenos recolhidos (o totemismo, a exogamia, a magia, o culto aos antepassados, a filiação matrilinear...) como costumes que servem para exemplificar cada estágio. E quando faltam documentos, alguns (Frazer) fazem por intuição a reconstituição dos elos ausentes, procedimento absolutamente oposto, como veremos mais adiante, ao da etnografia contemporânea, que procura, através da introdução de fatos minúsculos recolhidos em uma única sociedade, analisar a significação e a função das relações sociais. (LAPLANTINE, 2003, p. 52) Kroeber (1917 apud LARAIA, 2001) foi pioneiro em assumir que o homem é diferente dos demais animais por dois motivos: na possibilidade da comunicação oral e na capacidade de fabrica- ção de instrumentos além do seu aparato biológico. Dessa forma, cai por terra o determinismo biológico, pois o homo sapiens possui maneiras diversas de lidar com os desafios a que é submetido diariamente, independentemente de sua filiação ou status como cidadão. No ambiente do trabalho tal afirmação é fácil de constatar, especialmente se tivermos em mente os diferentes comportamentos dos indivíduos. Em contrapartida à Antropologia evolucionista, Franz Boas defendeu que a Antropologia deveria reconstruir a história dos povos, comparando a vida social de grupos diferentes sem estabelecer noções de superioridade ou inferioridade, evidenciando o particularismo histórico de cada cultura. Ele fundou a chamada Escola Cultural Americana, a qual abrangia a multilinearidade (abordagem segundo a qual cada grupo se desenvolve de forma única, rejeitando a ideia de que há apenas um modelo padrão ou linha evolutiva na qual todos os grupos podem ser encaixados), o particularismo histórico, ou seja, a crença de que cada cultura teria sua própria história e evolução natural. Clifford Geertz (2008), partindo das ideias de Schneider (este dizia que a cultura é um sistema de significados), e de Max Weber (que acreditava que o homem era um animal preso em uma teia de significados por ele mesmo produzida), afirma que cabe ao antropólogo trazer à tona os significados e as suas relações, fazendo a interpretação semiótica (ou seja, uma interpretação dos significados) do objeto estudado. Podemos dizer que Geertz se interessa pela teia de significados tecida através da convivência dos indivíduos que compõem os diversos grupos humanos, 83 Antropologia Cultural isto é, o autor se dedica a interpretar a cultura como uma rede de significados. O autor afirma que a cultura é algo público, sem criadores identificáveis, cujo movimento é espontâneo e adaptado. Para ele, a cultura é um fenômeno social (GEERTZ, 2008). Para ampliar a discussão sobre a cultura, Laraia (2001, p. 60-61) cita Roger Keesing, que propõe uma divisão para o termo: Cultura como um sistema cognitivo, ou seja, em relação à habilidade que o ser humano tem de aprender e assimilar novos conhecimentos. Podemos observar tal sistema quando um colaborador novo é introduzido à cultura solidificada de uma empresa; ele precisará aprender o jeito como os outros funcionários se portam para se adaptar ao ambiente. Cultura como sistema simbólico (no sentido de que o se humano tem a capacidade de simbolizar, ou seja, fazer uma ligação entre um conhecimento específico e o símbolo que o representa), em que a cultura não é um complexo de comportamentos fixos, mas um conjunto de mecanismos de controle para direcionar o comportamento. Todo homem é geneticamente programado para receber um programa, que é chamado de cultura e socialmente. Inclusive, o próprio Geertz exemplifica como o piscar dos olhos pode ser uma questão biológica e, ao mesmo tempo, um ato cultural da paquera em algumas sociedades. Fonte: http://maisbrasilcultura.blogspot.com/2016/03/ 84 Antropologia Cultural Confira o documentário experimental Baraka (1992), produzido por Ron Fricke, com imagens de 23 países que expressam a diversidade humana. http://www.imdb.com/title/tt0103767/ O site Comunidade Virtual de Antropologia possui um acervo muito interessante de trabalhos no segmento antropológico. Há entrevistas, trabalhos acadêmicos, notícias, resenhas e muito mais. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br O livro Aprender Antropologia (Editora Brasiliense, 2003), de François Laplantine, faz parte da bibliografia básica de Antropologia e possui uma linguagem bem simples e direta sobre a história desta disciplina e os conceitos essenciais no entendimento do homem e da cultura. 85 Antropologia Cultural 1. Qual a relação entre os conceitos de Antropologia, Etnografia e Etnologia? 2. Por que a Antropologia começou estudando sociedades consideradas primitivas e selvagens quando comparadas com a sociedade dos antropólogos europeus? 3. Por que não partiu logo em analisar os possíveis objetos mais próximos da realidade concreta do antropólogo? 4. O que são a dialetologia, a semiótica e a linguística? 5. Cite as cinco áreas do fazer antropológico que mais se destacam: Você já ouviu alguém dizer que “Fulano não tem cultura”? Justifique sua resposta. 86 Antropologia Cultural UNIDADE 06 Dimensão simbólica do conceito de cultura Fonte: https://www.todamateria.com.br/o-que-e-cultura/ 87 Antropologia Cultural 6. Introdução Você viu que a cultura possui múltiplas definições. A Antropologia moderna concebe a cultura a partir de sua dimensão simbólica. Neste tópico, vamos analisar a dimensão simbólica do conceito de cultura, enfatizando a análise sobre o comportamento humano e o seu simbolismo. 6.1 Aspectos simbólicos A dimensão simbólica do conceito de cultura está ligada ao fato de que é inerente aos seres humanos a capacidade de simbolizar. Mas o que isso significa? Bem, simbolizar significa representar questões materiais através da linguagem ou de símbolos abstratos. Quando erguemos nosso polegar, por exemplo, estamos simbolizando que algo está certo, ou seja, estamos representando uma situação concreta com um gesto. A cultura, de acordo com essa perspectiva, se dá pelos símbolos comuns que ela possui. O homem utiliza muitos meios para acessar a cultura de sua sociedade e interagir com ela: as línguas, os valores, as crenças, o modo de fazer as coisas etc. Assim, é possível dizer que toda ação humana é socialmente construída através de símbolos, que integram redes de significados e variam conforme os diferentes contextos sociais e históricos (GEERTZ, 2008). A dimensão simbólica possui aspectos subjetivos e objetivos da cultura, já que a produção material humana possui um caráter simbólico e é repleta de significações. Assim, como já vimos, a Antropologia moderna concebe a cultura como um sistema simbólico (GEERTZ, 2008), que se refere ao aspecto fundamental da humanidade de atribuir, de forma sistemática, racional e estruturada os significados e sentidos a tudo. 6.2 Linguagem, reprodução cultural e significação Você deve estar se perguntando “mas o que insere um homem em determinada cultura e como ele consegue assimilar as regras gerais da cultura em que vive?”. A resposta, segundo Berger e Berger (1978, apud FLEURY, 1987), é 88 Antropologia Cultural categórica: é a linguagem que permite esta assimilaçãoe serve para orientar a conduta individual imposta pela sociedade. A linguagem é essencial no desenvolvimento da cultura, já que é um universo de significados construídos e que só existem por meio da própria sociedade. Pense em como uma criança absorve a linguagem e a habilidade de se comunicar aos poucos; à medida que ela amadurece essas habilidades, fica mais fácil compreender o que ela está pensando e sentindo. O compartilhamento de uma mesma língua une um grupo de pessoas. Não é à toa que há movimentos separatistas que enfatizam que há dialetos ou polilinguismo (capacidade de compreender e falar mais de um idioma) dentro da fronteira de um país, o que justificaria o desmembramento de territórios políticos: a Catalunha, por exemplo, luta há décadas para se separar da Espanha com alegação de que possui língua e cultura diferentes (G1, 2014). A língua, portanto, é um sistema simbólico, ou seja, uma organização de significados, que organiza a percepção de mundo e diferencia uma cultura de outra (CUNHA, 1987). O homem participa dos processos culturais de sua sociedade por meio de uma socialização, que ocorre pela linguagem, e esta possui um papel ideológico através da coerção exercida sobre este indivíduo. A linguagem terá um padrão e organização próprios e será cheia de significações. Cunha (1987) afirma que a cultura não é algo dado, posto ou dilapidável, mas algo constantemente reinventado. O ser humano, quando partilha de uma cultura, não é passivo a ela exclusivamente: ele atua como agente de mudanças, ou seja, transforma o ambiente em que vive e constrói significados através daquilo que lhe é passado. O homem se torna um reprodutor social, o que também está diretamente relacionado à sua vivência e à sua experiência social. 6.3 Conceitos de Etnocentrismo, Relativismo, Etnicidade e Alteridade Mas o que acontece quando um grupo ou um indivíduo valoriza a sua cultura e visão de mundo em relação às demais? O que acontece quando há a identificação de outra proposta de cultura ocupando o mesmo espaço? E qual a diferença do conceito de raça e o de etnia? O que, afinal, é alteridade? Estas são algumas 89 Antropologia Cultural questões que pretendemos discorrer neste tópico. Vamos lá? Esses conceitos estão intrinsecamente relacionados à forma como determinada cultura é percebida. 6.3.1 Etnocentrismo Vimos que a cultura se refere aos valores e às visões de mundo de um grupo social. Esta é a constituição essencial do indivíduo, já que ressalta os parâmetros de comportamento, valores e modos de compreender o mundo que o cerca etc. Quando um indivíduo ou grupo toma a sua cultura pela perspectiva do juízo de valor, depreciando ou ignorando às demais variações culturais, damos o nome de etnocentrismo. Para conseguir visualizar as variações culturais, pense em um ambiente de trabalho no qual há colaboradores de culturas diversas. Alguns colaboradores seguem uma crença que lhes determina uma vestimenta específica uma vez por mês, ao passo que outros cantam canções e falam com sotaque e trejeitos específicos de sua cidade natal. A visão etnocêntrica desconsidera a lógica de funcionamento de outra cultura ou mesmo compreende os mecanismos do processo cultural, limitando-se à sua visão e referência cultural. Tudo o que é diferente, para a visão etnocêntrica, é errado, inoportuno, diferente, e deve ser rejeitado. ESTUDO DE CASO: Fonte: http://tiptravelinportugal.com/produto/o-melhor-da-inglaterra-e-escocia/ 90 Antropologia Cultural Pedro foi enviado à Inglaterra para fechar um negócio por sua empresa. Quando chegou ao hotel, decidiu revisar seu discurso e ensaiar novamente seu possível diálogo com os representantes da organização colaboradora de sua empresa. Após ter se certificado de que tudo estava em ordem, pegou um taxi e foi até o local do encontro, atrasando-se cerca de uma hora. Quando chegou ao local marcado para o encontro, estava muito nervoso, pois sabia que os ingleses prezavam a pontualidade. No início da reunião, sentiu-se um pouco acanhado e desculpou-se de forma assertiva pelo atraso. Os representantes ficaram um pouco desapontados inicialmente, dizendo que consideravam esse tipo de falha uma tremenda falta de respeito, porém, à medida que a reunião e os negócios procederam de forma favorável, um clima de cordialidade estabeleceu-se e Pedro pôde negociar com a mesma organização inúmeras vezes. O etnocentrismo pode ser expresso em diversas nuances culturais – o jeito de falar, na forma de se vestir, no repertório culinário etc. E se de um lado há o etnocentrismo, por outro é preciso buscar uma forma de constatar as diferenças e aprender a lidar com elas. Este é um dos desafios do mercado de trabalho atualmente, ou seja, lidar bem com a diversidade cultural. Em suma, o etnocentrismo surge quando um indivíduo ou grupo considera a sua cultura como mais sofisticada e superior do que as culturas dos demais. Este é um fenômeno tão complexo e amplo que se pode dizer que foi esta lógica que direcionou as ações de estratégia geopolítica das nações que originaram o capitalismo como modo de produção. Através do Imperialismo, essas nações se viram na missão de proporcionar ao restante do mundo o modo de vida do europeu de “homem civilizado”, e com isso garantir dominação e hegemonia sobre outros povos considerados inferiores (COUCHE, 2004). Ao etnocentrismo há outros tipos de preconceitos relacionados, como a xenofobia (preconceito contra estrangeiros ou pessoas de outras localidades) e a intolerância de uma forma geral. Por intolerância, denota-se qualquer hostilidade contra um hábito ou comportamento diferente, ou seja, a incapacidade de aceitar algo que destoe do conhecido e aceito. Nota-se que, apesar da aceleração da tecnologia e do acesso à informação, o etnocentrismo não recuou em escala global, evidenciando um retrocesso mesmo com tamanha modernização. 91 Antropologia Cultural 6.3.2 Relativismo cultural Nas primeiras décadas da Antropologia como ciência e disciplina, predominou a corrente evolucionista, ou seja, uma vertente que presumia uma linha evolutiva na qual todas as sociedades poderiam ser encaixadas; da mais bárbara e primitiva à mais civilizada. Mas será que dá para criar critério de análise para comparar uma cultura com outra de modo hierárquico cientificamente? É claro que não, e é aqui que entra o relativismo cultural! O relativismo cultural refere-se à incapacidade de mensurar a cultura de um grupo. A ideia de relativismo social tem origem com a Antropologia social, buscando comparações e critérios independentes. Pense bem: relativizar significa conceber uma cultura dentro de seu próprio contexto cultural. Quando um pesquisador se propõe a ir a campo, precisa se despir de qualquer parâmetro externo que possa ser considerado etnocêntrico. Parte-se em realizar a avaliação sem privilegiar os valores de um só ponto de vista (COUCHE, 2004). O relativismo cultural poderia ser uma prática para membros de qualquer cultura ou estaria ligado ao fazer científico da Antropologia e de outras ciências do homem? O relativismo cultural é uma atitude necessária para aceitar a diversidade cultural em qualquer contexto, pois permite compreender que toda cultura é única. Grave bem: os costumes e as regras sociais de determinado grupo devem ser interpretados de acordo com as funções que possuem naquele grupo/ contexto específico. O relativismo cultural, como premissa teórico-metodológica da Antropologia, surgiu a partir do século XX como uma espécie de regra de conduta contra a atitude etnocêntrica, que implicava em uma visão muitas vezes evolucionista, em que a cultura do cientista servia de base àscomparações. Pense aqui não numa linha evolutiva, mas em um espaço em que cada cultural é representada de acordo com suas próprias interpretações, sem qualquer escala hierárquica. 6.3.3 Etnicidade Etnicidade é outro conceito muito discutido em Antropologia. Trata-se de um conjunto de características comuns a um grupo de pessoas que as diferenciam de 92 Antropologia Cultural outro grupo. Pode ser composto de língua, cultura, aspectos biológicos e origem comum. Pode ser definida como uma espécie de autoconsciência da condição cultural e social de determinado grupo, ao pertencimento a uma cultura. Refere-se à percepção do papel social do indivíduo no seu próprio grupo e fora dele. A etnicidade envolve distinção de grupos e indivíduos pelo estilo das vestimentas, da língua, da religião e de outras características que são culturalmente percebidas e aprendidas. Todas as pessoas em sociedade possuem etnicidade, mas o conceito é mais evidentemente percebido entre os grupos que sofrem preconceitos. Conforme Bobbio et al. (2000), estas são as premissas que caracterizam o conceito: [...] falar a mesma língua, estar radicado no mesmo ambiente humano e no mesmo território, possuir as mesmas tradições são fatores que constituem a base fundamental das relações ordinárias da vida cotidiana. Marcam tão profundamente a vida dos indivíduos, que se transformam num dos elementos constitutivos da sua personalidade e definem, ao mesmo tempo, o caráter específico do modo de viver de uma população. Por outro lado, as relações sociais que derivam do fato de pertencer a mesma etnia criam interesses coletivos e vínculos de solidariedade caracteristicamente comunitários. BOBBIO et al. (2000, p. 449). A etnia refere-se às diferenças socioculturais aprendidas. Podem possuir similaridades biológicas (parentesco), mas isso não é uma regra. O conceito de raça pode ser confundido com etnia, porém trata-se de algo cada vez mais criticado na atualidade, posto que é menos abrangente. A etnicidade possui as seguintes características gerais: A etnicidade é construída a partir da relação com o outro (alteridade); Os grupos que possuem similaridades são considerados cultural ou socialmente distintos; As diferenças podem ser determinadas pelo outro e incorporadas pelo grupo; As diferenças étnicas são legitimadas por aspectos históricos, sociais e políticos; Cada grupo étnico elabora um discurso sobre o outro; Os grupos étnicos estão em constante mudança – há um processo dinâmico; É importante ressaltar que não é a diferença cultural que está na origem da etnicidade, mas a comunicação cultural que sugere a ideia de diferença. Imagine que a etnia diz respeito ao conjunto de informações orais, escritas e comportamentais que absorvemos durante nossa convivência com determinado 93 Antropologia Cultural grupo. Um grupo étnico, portanto, refere-se a um alinhamento entre seres que convivem no mesmo espaço. Esse conjunto de informações é passado adiante e adaptado durante gerações, formando o que podemos entender como a “teia de significados” (ou rede de significados) de Geertz, mencionado anteriormente. 6.3.4 Alteridade Para Laplantine (2003, p. 13), a alteridade é a descoberta proporcionada pela distância em relação a nossa sociedade, ou seja, “[...] aquilo que tomávamos por natural em nós mesmo é, de fato, cultural; aquilo que era evidente é infinitamente problemático”. Para o autor, a alteridade nos leva à experiência da “diferença”, em aceitar no outro aquilo que acabamos descobrindo em nós mesmos, já que os seres humanos têm em comum a capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar valores, costumes, línguas, conhecimento etc. Assim, é também objeto da Antropologia o reconhecimento e conhecimento da compreensão de humanidade plural, ou seja, se a ciência antropológica estuda o homem e suas pluralidades e se a alteridade é o estudo das diferenças e o estudo do “outro”, é tarefa essencial da Antropologia discuti-la. É preciso decentralizar o olhar para perceber as diferenças e similaridades que nos cercam. Dessa forma, a alteridade implica em deixar de rejeitar as peculiaridades dos outros, isto é, daqueles que são diferentes de nós, reconhecendo esses aspectos em nós mesmo. 94 Antropologia Cultural 6.4 Cultura e Relações de Trabalho A cultura não é um objeto exclusivo da Antropologia e de outras ciências sociais. Trata-se de um tema transversal que atinge diversas áreas do conhecimento. A sua complexidade deve ser tratada também na prática diária de diferentes profissões e espaços de interação social. Por exemplo, no espaço escolar, o professor deve compreender a diversidade cultural, valorizá-la e propor discussões entre os seus alunos para diminuir distâncias e distorções. Um administrador de empresas deve propor um ambiente em que a diversidade cultural seja concebida como elemento positivo, agregador e que promova o respeito e a criatividade. Isso já é uma tendência em muitas empresas no Brasil e principalmente em países como os Estados Unidos. Miguez (2009) afirma que o estímulo à diversidade de manifestações culturais, como um elemento na nova compreensão do desenvolvimento humano, é muito importante. Na economia globalizada em que vivemos, a diversidade faz com que dialoguemos com outras perspectivas sociais, o que promove o desenvolvimento dos indivíduos e o crescimento econômico. Estes elementos são inseparáveis, o que torna fundamental uma compreensão mais abrangente da relação entre cultura e economia. Em um ambiente profissional, tais elementos se complementam e podem proporcionar aos indivíduos uma melhor compreensão da realidade profissional. Fonte: http://luisalessa.blogspot.com/2018/07/relacoes-humanas-no-mundo-do-trabalho.html 95 Antropologia Cultural Os profissionais devem estar atentos à promoção da diversidade cultural nas organizações, estimulando a criatividade, a inovação e o ser humano como agente ativo da era da informação (FLEURY, 1987). Isso vale para o microcosmo do ambiente de trabalho, no sentido de que proporciona possibilidades de aprendizado e de aperfeiçoamento contínuos. Conforme Laraia (1986, p. 70), a cultura é o “[...] modo de ver o mundo, às apreciações de ordem moral e valorativa, e aos diferentes comportamentos sociais e posturas”. Dessa forma, podemos dizer que a cultura está ligada tanto a processos de absorção de informações e padrões comportamentais quanto à interpretação dos movimentos e das transformações sociais. O ambiente de trabalho é apenas mais um espaço em que há interações culturais de todos os tipos. Essas interações podem se traduzir em trocas, hibridismo, conflitos, etnocentrismo e outros fenômenos culturais. As mudanças, por sua vez, também esbarram em resistências advindas de valores e padrões culturais diferentes e até mesmo padrões culturais dominantes neste espaço. Assim, a atitude da alteridade é pertinente em todas as relações sociais e também no ambiente profissional. Fonte: http://www.ibe.edu.br/diversidade-no-ambiente-de-trabalho-por-que-e-importante/ 96 Antropologia Cultural O livro A interpretação das culturas (2008), de Clifford Geertz, publicado pela editora Brasiliense, é uma referência para o entendimento da cultura em sua dimensão simbó- lica. Trata-se de um estudo que demonstra a importância da etnografia para o estudo das culturas. A etnografia é, entre os ramos da Antropologia, a melhor opção na compreensão da relação entre o indivíduo e a sociedade. O site da Associação Brasileira de Antropologia possui notícias de publicações, premiações, eventos oficiais pelo Brasil e em outrospaíses e informações sobre o fazer antropológico. Disponível em: http://www.portal.abant.org.br/ Assista a curta Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado, que mostra as relações desiguais entre os seres humanos de forma atual e pertinente. Disponível em: http://portacurtasorg.br/filme/?nome=ilha_das_flores. O filme À guerra do fogo Obras-Primas do Cinema orgulhosamente apresentado pelo diretor francês Jean-JacquesA Guerra do Fogo é um filme franco- canadense dirigido por Jean-Jacques Annaud. 97 Antropologia Cultural 1. Porque a Antropologia é por excelência uma ciência que busca compreender o homem, a cultura e a diversidade cultural? 2. Como constatar que a Antropologia possui diferentes tendências desde a sua origem e que a cultura sempre foi o seu objeto de estudo? 3. .Como podemos concluir que a cultura é toda atividade física ou mental que não advém necessariamente da biologia, mas uma construção social, partilhada pelos membros de um grupo que possuem características comuns entre si? 4. Porque a linguagem é um aspecto muito importante, pois permite que haja a assimilação cultural e serve para orientar a conduta individual imposta pela sociedade? 5. Conceitue etnicidade. Percebe-se que o ambiente de trabalho é apenas outro espaço em que as diferenças culturais são percebidas e que estas devem ser compreendidas e até mesmo valorizadas. Como devemos cultivar o ambiente de trabalho para que ele se torne agradável? 98 Antropologia Cultural ANNAUD, Jean Jacques. A guerra do fogo. Filme. Estados Unidos, 1981,100min. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA de Antropologia – ABA. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2015. BARAKA. 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