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Fundamentos Metodológicos do Ensino da Arte e Música Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Mediação Cultural Mediação Cultural • Refletir sobre o papel do professor como mediador cultural no processo de educação artís- tica e estética da criança; • Contemplar uma nova proposta para ensino de arte conhecida como “territórios de arte e cultura”; • Conhecer os caminhos e discussões contemporâneas do ensino de arte para a formação de pedagogos, tendo em vista as ações em sala de aula como a formação de outros educadores. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Conceito de Mediação Cultural; • A Experiência Estética; • Cultura Visual; • Cultura Gestual e Sonora; • Abordagens no Ensino de Arte: Métodos de Leituras de Imagens; • Os Territórios de Arte e Cultura: Origens, Fundamentos e Proposições. UNIDADE Mediação Cultural Conceito de Mediação Cultural Antes de entrarmos no conceito de mediação cultural, é importante ressaltar al- gumas noções sobre as definições de cultura. Primeiro, elas aparecem no plural por- que não há definição exclusiva para a palavra, caracterizando, assim, um conjunto diverso. E, segundo, porque a palavra ganhou, e segue ganhando acepções distintas de acordo com as transformações sócio-históricas. Algumas dessas definições são destacadas pelo teórico Raymond Williams: (Cultura): (i) o substantivo independente e abstrato que descreve um pro- cesso de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético, a partir do século XVIII; (ii) o substantivo independente, quer seja usado de modo geral ou específico, indicando um modo particular de vida, quer seja de um povo, um período, um grupo ou da humanidade em geral. [...] (iii) o substantivo independente e abstrato que descreve as obras e as práticas da atividade intelectual e, particularmente, artística. Com frequência esse parece ser hoje o sentido mais difundido: cultura é música, literatura, pintura, escultura, teatro e cinema. (WILLIAMS, 2007, p. 121) Essa variedade de sentidos coloca a cultura como um conceito aberto e em disputa semântica e, consequentemente, simbólica. Isso significa que o apego a algum sentido exclusivo pode não ser exatamente a melhor estratégia no processo pedagógico, perceber a cultura como um conjunto múltiplo e em movimento é mais interessante devido à dimensão e complexidade de sua dinâmica. Partindo desse princípio de que a cultura se orienta por contornos históricos, sociais, passemos para a conceituação de mediação cultural: A mediação representa o imperativo social essencial da dialética entre o singular e o coletivo, e da sua representação em formas simbólicas. A sociedade pode existir apenas se cada um dos seus membros tem consciência de uma relação dialética necessária entre a sua própria existência e a existência da comunidade: é o sentido da mediação que constitui as formas culturais de pertença e de sociabilidade dando-lhes uma linguagem e dando-lhes as formas e os usos pelos quais os atores da sociabilidade apropriam-se dos objetos constitutivos da cultura que funda simbolicamente as estruturas políticas e institucionais do contrato social. [...] É no espaço público que são levadas a efeito as formas da mediação, que se trata do lugar no qual é possível tal dialetização das formas coletivas e as representações singulares. O espaço público é, por definição, o lugar da mediação cultural. (LAMIZET apud COSTA, 2009, p. 2) Essa dimensão pública é fundamental para a medicação cultural, é ela que conse- gue fazer a conexão entre a escola e a sociedade. É por meio dessa dimensão que o projeto pedagógico se coloca como um dos elementos da cultura e não como uma instância separada e apartada da cultura. Portanto, a cultura e pedagogia se inter- penetram a ponto de uma influenciar a outra. A formação do(a) mediador(a) cultural precisa levar isso em consideração, precisa tomar atenção ao fato de que as estrutu- ras simbólicas que circulam nos museus, nos teatros, nos cinemas etc. não são “outra 8 9 cultura”. Esses espaços, apesar de muitas vezes serem restritivos do ponto de vista de classe, raça, gênero etc. são elementos constituintes da sociedade e, portanto, podem fazer parte da apreciação e da elaboração de mundo dos alunos. Ao mesmo tempo, quando se assume que as experiências subjetivas contam para a produção da cultura, que a fazem se movimentar, é interessante estimular, a partir da mediação cultural, os alunos a se colocarem como sujeitos da aprendizagem e da produção cultural. É importante que eles descubram em seus próprios hábitos, em seus espaços particulares, em suas dinâmicas mais íntimas, a conexão com as estru- turas sociais que se apresentam “oficialmente” como culturais. A cultura, aqui, ganha um sentido de trânsito, de movimento, de relação entre o particular e o público, o íntimo e o exposto, o individual e o coletivo, a rua e o museu, a escola e o mundo. Vimos anteriormente que, para que as crianças e jovens possam criar e com- preender a arte, é preciso ter repertório. Dessa forma, é preciso nutrir, alimentar esse repertório com a arte. A Nutrição Estética (MARTINS, 2001, p. 3) alimenta a percepção sobre o mundo para que a criança formule hipóteses e amplie seu reper- tório cultural. Nesse sentido, o momento de Nutrição Estética possibilita o contato com obras de arte, imagens da natureza e do cotidiano, percepção de sons, músicas, conhecimento do seu corpo e do outro, além de mostrar as produções artísticas em diversas linguagens. Diferentes jeitos de ver, ouvir e sentir a arte, modos múltiplos de expressar leituras de mundo que se tornam também um meio para alfabetização visual, corporal e sonora. A mediação cultural propõe que o educador se preocupe em como apresentar as produções artísticas para as crianças e jovens, investiga como a arte afeta as pessoas e estimula o educador a ser um mediador entre a arte e o público (seus alunos). Figura 1 – CARAVAGGIO. “Narciso” Fonte: wikiart.org 9 UNIDADE Mediação Cultural O conhecimento pela apreciação de obras de arte, sejam elas pintura, escultura, músicas ou espetáculos de dança e teatro, pode compor memórias culturais que serão essenciais no momento da criação e também na formação do cidadão. Artistas sempre procuram saber sobre os assuntos que abordam em suas obras, com a criança não é diferente, é importante nutrir seu olhar e mente. Outra mudança bastante significativa nas aulas de arte foi a presença de imagens. Antes dos anos 1980, eram raros, no Brasil, relatos de educadores que trabalhavam com leituras de imagens em sala de aula. Com os estudos desenvolvidos pela profes- sora Ana Mae Barbosa no final dos anos de 1980, que ficou conhecido como abor- dagem triangular do ensino de arte, a imagem ficou cada vez mais presente nas aulas de arte, porque essa proposta metodológica previa três momentos de aprendizagem: a leitura de obras de arte, o fazer artístico e a contextualização (não necessariamente nessa mesma ordem). Como um dos momentos de aprendizagem era a leitura de obras de arte, princi- palmente pinturas e esculturas, os educadores começaram a se interessar em conhe- cer melhor como era o processo de ler imagens com crianças e jovens no espaço da sala de aula. Esse interesse se deu em meio a muitas publicações de teóricos que também apontaram para importância do tema e pela formação de educadores nesse sentido. Ainda há muito a ser investigado, porque essa área é nova e carece de mais publicações, porém, temos alguns caminhos metodológicos já traçados. Alguns dos métodos de leitura de imagem divulgados no Brasil são propostas já desenvolvidas por educadores de outros países, como o caso do norte-americano Robert Willian Ott, que desenvolveu um sistema de apreciação da arte em propostas com várias etapas. Essa proposta chegou ao nosso país na década de 1990, no entanto, muitos professores de arte ainda utilizamesse sistema para fazer mediações entre a arte e o público em museus e na sala de aula. O livro Arte Educação: Leitura de Subsolo traz uma coletânea de textos organizados por Ana Mae Barbosa a partir de um simpósio internacional de arte educação ocorrido na Universidade de São Paulo (USP) na década de 1990. Robert Wilian Ott, em seu texto Ensinando Crítica nos Museus (presente no livro citado acima), escreve sobre a importância do ensino de arte a partir de imagens, principalmente em visitas a museus defendendo que “o poderoso impacto da obra torna a educação no museu uma experiência única” (OTT, 1997, p. 112). O autor segue em seu texto dizendo: Ensinar a crítica nos museus possibilita uma educação artística que auxi- lia os alunos no desenvolvimento, aprendizagem, percepção e compre- ensão da arte como expressão das mais profundas crenças e dos mais caros valores da civilização. A arte, ensinada no contexto das coleções dos museus, reflete os valores estéticos intrínsecos da obra de arte e as preferências cognitivas dos alunos que estão nesse processo de aprendi- zagem, mas arte nos museus também reflete as condições culturais da sociedade. (OTT, 1997, p. 112) 10 11 Compreender a concepção de aprender arte por meio de leituras de obras de arte tem como objetivo refletir sobre as ideias e as aspirações de uma civilização. Nesse sentido, a participação do aluno deve ser ativa e não passiva. O educador deve saber como apresentar as imagens, como planejar uma visita ao museu e como aproveitar essa experiência com seus alunos. Outro aspecto fundamental é que a leitura das obras de arte se faça com as contex- tualizações necessárias, levando em conta o imperativo massivo que as imagens eu- ropeias produziram ao longo do tempo. Nesse sentido, é importante apresentar pers- pectivas de produção artística para além daquelas produzidas no velho continente . Compreender, por exemplo, como se estruturaram as obras de arte nos conti nentes africano, asiático e americano e conectar a nossa produção brasileira e latino-ame- ricana com as origens ameríndias. Esse trabalho reposiciona a importância dos cha- mamos cânones e abre espaço para arejar nossa percepção civilizatória, dando valor aos múltiplos e potentes trabalhos artísticos esquecidos ou negligenciados pelos pro- cessos de dominação. Como falado anteriormente, a cultura está em aberto e em disputa, e sua dimensão de formulação simbólica é um elemento fundamental para as dinâmicas de pertencimento e para uma produção social crítica. Figura 2 – GARCÍA, J. T. “Inverted America” Fonte: wikiart.org 11 UNIDADE Mediação Cultural A Experiência Estética Uma experiência estética é algo significativo, marcante e pode influenciar nossa visão de mundo e escolhas. Quem não se lembra de uma cena de um filme, uma pintura, ou desenhos que vimos na nossa infância que marcaram nossa história. Também uma música, um perfume, uma imagem podem nos fazer viajar a tempos passados. Esse é o poder da experiência estética, o encontro com a beleza ou com a estranheza que nos marca para sempre. Compreender essas questões é importante para nossa formação como seres hu- manos sensíveis e inteligentes. Mas, para vivenciar experiências estéticas, é preciso estar disponível à poesia, estar aberto a sentir. Às vezes, temos a intenção de entrar neste estado mais sensível, em outras situações, estamos distraídos e nos vemos chorando de repente em função de uma cena de um filme, nós nos emocionamos ao lembrar de algo ao ouvir uma música e, talvez, até a nos revoltar ao saber de uma história de injustiças, ou ainda levar um susto ao ver uma cena de horror, seja real ou na ficção de um filme de cinema. Podemos ter experiências estéticas em encontros com a arte tanto dentro de instituições culturais como museus e galerias ou educacionais como escolas, como do lado de fora desses locais. A formação cultural de crianças e jovens não está restrita apenas ao ambiente escolar. Praças, ruas, museus, teatros, cinemas, centros de cultura, espaços midiáticos e espaços virtuais são locais que hospedam e ofere- cem formas simbólicas geradoras da experiência estética, artística e cultural. Nesse contexto, o professor se vê diante do desafio de criar encontros entre os alunos e as produções culturais que possam produzir significados e talvez provoquem experiên- cias estéticas. Figura 3 – BANKSY. “Swinger, New Orleans” Fonte: wikiart.org 12 13 É possível desenvolver processos educativos em que o professor é também um dinamizador cultural. O educador, muitas vezes, é o primeiro mediador entre arte e os alunos. É aquele que apresenta aos alunos o mundo da arte. E, sendo um provocador de encontros, é também um provocador de experiências estéticas. O educador na ação mediadora propõe ligações e diálogos entre os assuntos e contextos das produções artísticas e as demandas e necessidades do processo edu- cativo. Tem a intenção de estabelecer uma mediação cultural sem impor uma deter- minada “verdade” a respeito da(s) obra(s) de arte. Assim como não é interessante impor uma determinada “verdade”, é importante apresentar obras e desenvolver experiências estéticas que não se restrinjam às re- ferencias brancas, masculinas e europeias. Nesse sentido, é importante que o me- diador amplie suas referências, que estude e pesquise obras de mulheres, de negras e negros, de artistas latinos, africanos etc. Esse trabalho mobiliza a estruturação simbólica abrindo espaço para processos de pertencimento e identificação, gerando uma perspectiva de construção social mais democrática. Veja o que alguns teóricos dizem sobre a experiência estética: [...] em Freud o prazer estético ganha seu significado mais profundo, so- bretudo, do “desencadeamento do maior prazer, a partir de fontes psí- quicas profundas”, ou seja, a partir do reconhecimento de experiências passadas: “Uma forte experiência atual desperta no poeta a lembrança de uma passada, experiência principalmente pertencente à infância, da qual agora deriva o desejo, cuja satisfação se realiza na poesia: a própria poesia revela tanto elementos do motivo recente quanto elementos das velhas lembranças. (FREUD apud JAUSS, p. 70-71) A experiência estética dá-se no âmbito da sensibilidade. Além de o pro- fundo prazer, ela nos transmite um sentimento de expressão de vida e ao mesmo tempo desencadeia a compreensão de certas verdades sobre o mundo e sobre nós. (OSTROWER, 1990, p. 217) [...] descobrir as possibilidades educativas da experiência estética e, mais concretamente, da artística, é analisar como se desenvolve a personalida- de humana e sob quais condições. (QUINTÁS, 1993, p. 14-15) A experiência, neste sentido vital, define-se pelas situações e episódios a que nos referimos espontaneamente como “experiências reais” – aque- las coisas de que dizemos, ao recordá-las: “isso é que foi experiência”. (JOHN DEWEY, 2010, p. 110, 139) A arte está sujeita a uma atribuição de significados, pois não só expressa o que o artista tem em sua “mente” no momento em que está realizando a obra, mas inclui a interpretação do espectador, que também contribui para dar sentido à expressão estética. (HERNANDEZ, 2000, p. 114) 13 UNIDADE Mediação Cultural Figura 4 – KRASNER, L. “Noon” Fonte: wikiart.org Cultura Visual A arte é uma forma de conhecer e representar o mundo. A educação organiza o conhecimento privado em relação às formas públicas de re- presentar o mundo. Isto significa que, por meio da arte na educação, pode ser possível aliar duas formas de representar o mundo, ou um con- glomerado de representações complexas e de difícil articulação. Implica, por isso, a necessidade de organizar uma aproximação entre os nexos de educação e de arte. (HERNANDEZ, 2000, p. 129) Nosso mundo vem se transformando com grande velocidade. Uma das transfor- mações mais radicais foi, sem dúvida, o mundo visual. Imagens invadem o olhar do ser humano desde muito cedo, televisão, revistas, vitrines, cinema, livrosinfantis, computadores oferecem à criança e aos jovens um mundo sedutor de imagens. Hoje, em plena era da informação, na velocidade da vida contemporânea, muitas imagens nos chegam por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação. Nos- sa vida é tomada por imagens fixas e móveis. Um dos aspectos fundamentais da educação contemporânea é a possibilidade de produção crítica diante das imagens. Vivemos num mundo em que as imagens nos atravessam constantemente por meio dos mais variados suportes. Nesse sistema de reprodução incessante, saturações psíquicas e superestimulações do sistema nervoso são percebidas 14 15 como sintomas de um excesso de contato com essas imagens. O outro aspecto que a leitura crítica pode apresentar é a mercantilização desenfreada das imagens, ou seja, como a produção imagética na sociedade contemporânea está a serviço da venda de mercadorias e não a fruição estética. A preocupação com a educação do olhar por meio da leitura de imagens começou na década de 1970 com a explosão dos sistemas audiovisuais de comunicação em massa. Muitas pesquisas, desde então, estão abordando como interpretamos imagens. O estudo da Cultura Visual (2000), proposto por Fernando Hernández também desencadeou vários estudos sobre o ensino de arte e ainda influencia diversos nú- cleos de pesquisa em universidades brasileiras. A ideia de cultura visual é interdisci- plinar e busca referenciais da arte, da arquitetura, da história, da mediação cultural, da psicologia, da antropologia e não se organiza a partir de nomes de peças, fatos e sujeitos (elementos caros à história da arte), mas em relação a seus significados culturais. O autor defende uma abordagem da arte que considere “a arte e a cultura como mediadores de significados”, em que o “significado pode ser interpretado e construído” e as imagens podem “informar àqueles que as veem sobre eles mesmos e sobre temas relevantes no mundo” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 54). Na formação da criança e do jovem, a preocupação é com a percepção visual dos elementos de linguagem (linha, forma, cor, plano e superfície) e com os conteúdos (temas e ideias), no estudo integrado entre forma e conteúdo, além de investigar como essas imagens nos afetam. No início, esse estudo estava mais pautado no formalismo dos elementos visuais e nas tendências da psicologia nas luzes da teoria da Gestalt e semiótica. Hoje, a preocupação é também com a experiência estética, ou seja, como as imagens que encontramos nos afetam e marcam nossa existência a ponto de não nos esquecer- mos desse encontro. Nesse sentido, ler imagens não é um aspecto importante apenas para a educação em arte, mas uma questão fundamental na formação intelectual e integral do ser humano. Apresentar imagens requer técnica e poética, condições tão importantes na for- mação de um professor quanto saber aspectos teóricos, história da arte, fundamen- tos de linguagem e procedimentos que envolvem a criação artística. Tem que se que- rer compartilhar emoções e saberes e, dessa forma, despertar a fruição e provocar experiências estéticas. A educação contemporânea tem se preocupado com a questão da alfabetização visual, que pode preparar a criança para este mundo visual de maneira mais crítica e consciente. A arte pode ensinar ao público a ser crítico, porque a arte ensina a decodificar e codificar linguagens, processos importantes na formação de seres que se comunicam. 15 UNIDADE Mediação Cultural Figura 5 – PAPE, L. “Livro do Tempo” Fonte: wikiart.org Cultura Gestual e Sonora Da mesma maneira que estamos cercados de imagens, também temos no dia a dia o contato com gestos e sons. Aprender música é um processo contínuo de cons- trução que envolve perceber, sentir, experimentar, imitar, criar e refletir. Vivenciar, por meio dos conteúdos específicos, diferentes maneiras de fazer música, tais como a construção de instrumentos, apreciação de diferentes sons e estilos musicais, exe- cução de jogos de improvisação, criação de músicas e canções, entre outros. Discutir a realidade musical nas escolas e nas famílias: o que se ouve? Por que se ouve? Por que é importante a música na escola? Também são ações mediadoras. Vivemos em mundo extremamente barulhento, ouvimos tantas coisas que, às ve- zes, nosso ouvido parece estar adormecido ou acostumado ao barulho. Na mediação cultural, o educador cria situações de aprendizagem para que as crianças e jovens possam aprender a ouvir, despertar a audição sensível. O nosso corpo também é um material expressivo e comunicativo. Nesse sentido, discutir com as crianças como nos comunicamos na linguagem corporal (não verbal) também é uma maneira de trabalhar com a mediação cultural. Como nos movemos, como nosso corpo se expressa? Quais sentidos podem ser apreendidos dos gestos e movimentos que produzimos? Essas e mais tantas pergun- tas podem ser pontos de partida para a percepção da cultura gestual e sonora. Outro trabalho interessante é a observação. Quais os sons que nos cercam? Que tipo de sonoridade está presente na escola, na rua, na casa? Como as pessoas da família, do bairro, os professores, os amigos se comportam? Como sentam, como andam, como gesticulam? A experiência artística prevê a observação do mundo, das relações sociais, das dinâmicas sutis e particulares das pessoas. Portanto, além da experimen- tação propriamente dita, é fundamental que o processo pedagógico de ensino da arte estimule a observação. 16 17 Abordagens no Ensino de Arte: Métodos de Leituras de Imagens Para a leitura das imagens, existem diferentes métodos e propostas que podemos nos basear, mas é importante dizer que não há regras rígidas no uso desses métodos porque a obra de arte é aberta, ou seja, cada pessoa, ao olhar para uma obra de arte visual, ou ouvir uma música, por exemplo, sente e interpreta de maneira bem pessoal, a partir de suas experiências anteriores. Assim, uma pessoa pode se emocionar ao assistir a um filme, ver uma pintura ou ouvir uma música, enquanto outra pessoa pode não ter nenhuma reação. Cada uma olha, ouve e sente com os olhos, ouvidos e pele que tem. Vimos que a experiência estética é única e especial para cada pessoa. A arte pode provocar experiências estéticas, mas como apresentar imagens às crianças? O sistema do professor Robert W. Ott estrutura o contato dos indivíduos com as obras de arte, garantindo a qualidade do processo de sua leitura e é um método inspirado em estudos de autores como John Dewey, Thomas Munro e Edmund Feldman e a partir de sua própria experiência com os alunos. Como exemplo, vamos apresentar o roteiro criado pelo pesquisador norte-americano Robert William Ott. Você pode ampliar seus saberes sobre essa proposta lendo o texto de Robert William Ott (1997) e também de Paola Gentile (2003). Esse pesquisador criou ume roteiro para trabalhar com a ideia do “olhar pen- sante” sobre obras de arte em cinco categorias de leitura que também podem ser chamas de etapas ou momentos: descrevendo, analisando, interpretando, fundamen- tando e revelando. Criamos um exercício para que você compreenda melhor essa proposta, mas é apenas um exemplo. Observe atentamente todos os detalhes da imagem: Figura 6 – KAHLO, F. “Alla Cuelga Mi Vestido” Fonte: wikiart.org 17 UNIDADE Mediação Cultural • Descrever: no primeiro momento, Ott propõem que o leitor faça uma descrição daquilo que vê. Sendo assim, a mediação cultural pode produzir perguntas mais gerais sobre a imagem: o que você vê na imagem? O que é possível perceber inicialmente? É importante que a observação seja feita com cuidado, que as crianças tenham tempo para absorver o impacto que é estar diante de uma obra de arte que interfere em nossos sentidos. Esse processo pode abrir um campo semântico extenso, por isso é importante que nessa fase a mediação ressalte a importância da descrição, para que as crianças atentem para a materialidade da obra, para que, depois, numa fase seguinte, com outros elementos, as inter- pretaçõespossam ser realizadas. A descrição está intimamente ligada a uma observação detalhada, que tenta ser o mais abrangente possível. Uma obra é um mundo, com muitos detalhes, e é importante que o prazer da observação desse todo complexo e articulado seja estimulado; • Analisar: para analisar, Ott propõem que o observador fique atendo aos ele- mentos de linguagem como cores, linhas, formas, efeitos de profundidade, entre outros. Observe a idade e fase das crianças e crie perguntas do tipo: que cores o artista usou? Como são linhas e formas? Podemos perceber planos nesta pintu- ra? Como são? Que material o artista usou? Nessa fase, tomamos contato mais diretamente com a forma da obra, com os elementos estéticos que a constituem. A elaboração que o(a) artista faz desses elementos por meio de uma linguagem é que faz uma obra ser singular. Em sua singularidade, a obra compreende neces- sariamente uma relação com quem a vê (no caso de uma obra visual). Por isso, se uma parte da obra está “nela mesma”, uma outra parte está em nossa apre- ciação, na maneira como a vemos, ou seja, em nossa capacidade de interpretá- -la. Nesse processo, os alunos podem ser estimulados a relacionar os conteúdos da obra com experiências pessoais, é possível refletir sobre os sentidos que a obra desperta, sobre como os elementos se combinam na economia da obra. Não há, nesse caminho, uma busca pela “verdade” interpretativa da obra, sen- do, portanto, interessante que se estimulem as mais variadas interpretações por parte dos alunos. É estimulante para o aprendizado perceber que a apreciação coletiva é capaz de produzir sentidos e chamar a atenção para detalhes que in- dividualmente não conseguimos perceber; • Fundamentar: Se, nas duas etapas anteriores, os motes eram as perguntas di- recionadas à obra, agora, é possível um embasamento teórico que transcenda a obra propriamente dita. Sendo assim, é possível apresentar o contexto no qual a obra foi produzida, apresentar a trajetória do(a) artista que a produziu, relacionar a obra com a história da linguagem na qual ela está inserida, produzir conexões com as estruturas sociais e políticas na qual a obra foi produzida etc. É também o momento para estabelecer parâmetros críticos. Então, se a obra for de uma mulher, é importante situar se sua produção foi marginalizada, se não foi legiti- mada, se sua valorização foi tardia etc. É sempre bom lembrar que as imagens têm força, e constituem estruturações sociossimbólicas, então é preciso levar em conta a história das opressões e das dominações na hora de escolher uma obra, porque ela ajuda as crianças a constituírem suas visões de mundo. Outro 18 19 aspecto importante é que o trabalho da leitura de imagens se conecte com os demais conteúdos estudados, colocando, assim, a produção estética como forma de conhecimento e não apenas como uma disciplina isolada e abstrata. Mas é preciso ter cuidado para que as imagens não se tornem ilustrações dos conteúdos, as imagens têm força própria e elaboram de maneira singular uma forma de conhecer; • Revelar: esta etapa é de escolha do educador. Não é necessário realizar pro- duções sempre que mostrar imagens, mas, com o olhar nutrido, as crianças podem expressar suas interpretações sobre as ideias expressas na leitura. Não indicamos releituras com crianças na Educação Infantil e Fundamental I. Você, professor, poderá criar situações de aprendizagens e projetos em que as crian- ças tenham espaço para expressar suas poéticas e conhecimentos sobre os aspectos técnicos e conceituais da arte. Explore linguagens e materialidades de acordo com seus objetivos. Como sugestão para ampliar seus saberes, escolha uma obra, imagem e crie seu próprio roteiro de perguntas e propostas de leituras de imagens. Os Territórios de Arte e Cultura: Origens, Fundamentos e Proposições Não será este o sentido da educação estética? Os territórios de arte de arte & cultura, instigando o pensamento rizomático, não seriam nutrição estética para ir além das obras de arte conhecidas e das biografias dos artistas? Na ampliação de horizontes, cabe ao leitor a resposta: Afinal, arte, só na aula de arte? (MARTINS, 2011) A partir da leitura dos textos indicados, como estudo básico para esta unidade, podemos perceber que, hoje, o professor, além de saber arte, precisa também saber ensinar arte. Nesse sentido, o professor é um mediador cultural. Mas o que é ser um mediador cultural? Vamos conhecer um pouco mais sobre essas questões? Já estudamos em outras unidades alguns métodos de ensino de arte. Na proposta de ensinar pelos Territórios da Arte e Cultura, proposição criada pelas educadoras Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque (2010), o ensino de arte é explorado a partir das suas potencialidades, não se trata de um método e sim de campos conceituais para desenvolver o ensino de arte. Os Territórios de Arte e Cultura são marcados pela ideia de currículo-mapa, em que o professor traça percursos, escolhe caminhos e é autor de seu próprio traba- lho. Nessa proposição, o pensamento rizomático oferece uma possibilidade de criar projetos em ensino de Arte que ampliem visões e percepções sobre como conhecer a arte por diversas vias. 19 UNIDADE Mediação Cultural Considerando os fundamentos dos filósofos Deleuze e Guattari (1995), a proposta é pensar em currículo-mapa que “germina” em forma de rizomas. O rizoma é um termo utilizado na Biologia para nomear tipos de raízes que não possuam um bulbo central e crescem na direção em que buscam nutrientes. Os rizomas desenvolvem raízes e caules em seus nós. São plantas que armazenam energias e, em alguns casos, crescem em situações adversas. Essa imagem inspirou os filósofos citados a refletirem sobre a ideia de que nosso pensamento também poderia se desenvolver dessa forma, fazendo conexões e criando outras ideias que vão além da ideia inicial e da ordem preestabelecida, como um pensamento em constante estado de invenção. As multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades arborescentes. Inexistência, pois, de unidade que sirva de pivô no objeto ou que se divida no sujeito. Inexistência de unidade ainda que fosse para abortar no objeto e para voltar ao sujeito. Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de natureza (as leis de combinação cres- cem então com a multiplicidade). (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 16) Pensando sobre esse prisma dos territórios da arte e cultura, é possível o edu- cador escolher qual o foco do trabalho que pode abraçar as seguintes proposições de estudos: • Linguagens artísticas: explora o campo das linguagens artísticas e como são produzidas, em suas características, história e poética. São linguagens artísticas: as artes visuais (cinema, pintura, desenho, gravura, instalação, outras), música (clássica, rock, forró, entre outras), teatro (monólogos, de bonecos, de sombras, entre outros), dança (de rua, clássica, jazz, samba e outros); • Forma e conteúdo: observa como a arte é constituída em seus elementos de linguagem como, por exemplo, nas artes visuais, temos linhas, cores, formas, espaço, superfície, no caso da música, as notas, intervalos, pulsação, intensida- de do som, timbre entre outros aspectos da linguagem. Também estuda os te- mas abordados nas obras artísticas, temas sociais, vida privada, coletiva, leituras de mundo, entre outros temas e assuntos que proclamam as ideias dos artistas expressas em suas obras; • Processo de criação: procura compreender como criamos e como podemos incentivar nossos alunos a criar. Explora o universo da mente criadora, obser- vando quando estamos imersos na perseguição de ideias, experimentando ma- teriais e instrumentos para dar vida a nossa visão de mundo por meio de uma linguagem artística; • Patrimônio cultural: analisa a produção artística de diferentes tempos e procura cultivar o espírito de pertencimento, de conversaçãoe valorização da nossa cultura local e universal. Propõe refletir sobre o valor dos bens materiais (obras de arte, prédios históricos, outros) e simbólicos culturais (cantos, contos e lendas, entre outros); 20 21 • Materialidades: estuda e investiga as possibilidades e potencialidades das maté- rias que constitui as obras de arte. Como por exemplo, as tintas, suportes, ferramentas e outros dependendo da linguagem e intenção poética do artista e dos alunos no fazer artístico; • Conexões transdisciplinares: estabelece relações entre a arte e outras áreas do saber como, por exemplo, arte e matemática, arte e história, arte e ciências da natureza e os temas transversais, como pluralidade cultural, saúde, ética, cidadania, entre outras possibilidades; • Saberes estéticos e culturais: estuda história da arte ampliando o olhar tam- bém para outros aspectos da produção artística, como, por exemplo, o estudo da estética, da filosofia da arte, da história da sociedade, dos contextos políticos e culturais em que cada obra artística é criada; • Mediação cultural: dentre esses, os Territórios de Arte e Cultura apresentados acima. A mediação cultural é uma área que discute as metodologias de leitura de imagens, sons e gestos com foco nas produções artísticas. Preocupa-se em saber, entre outras questões: como foi nosso primeiro contato com obras artísticas? Que obra artística marca nossa história de vida? Uma pintura, música, cena de filme ou outra? A escola foi responsável pelo meu primeiro encontro com obras de arte? Ou foi por meio dos meus familiares? Qual o papel da escola na formação cultural e educação estética de nossas crianças? Hoje, eu frequento museus e ou espaços culturais? A escola influenciou minha vida cultural atual? Diante dessas questões, podemos refletir sobre a importância da mediação cultural na escola, sobre o valor em inserir as crianças na alfabetização visual, música ou cênica estimulando e ampliando visões de mundo por meio da leitura de obras de arte, transformando as crianças em pessoas que vivem seu mundo cultural em pleno exercício de cidadania. Figura 7 – KLEE, P. “Cacodemonic” Fonte: wikiart.org 21 UNIDADE Mediação Cultural Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Leitura de Imagens e Cultura Visual: Desenredando Conceitos para a Prática Educativa SARDELICH, M. E. Leitura de imagens e cultura visual: desenredando conceitos para a prática educativa. Educar, Editora UFPR, n. 27, p. 203-219, Curitiba, 2006. Experiências Estéticas na Educação Infantil – Práticas Pedagógicas Desenhadas pela Arte SILVA, A. H. da; ZAMPERETTI, M. P. Experiências Estéticas na Educação Infantil – Práticas Pedagógicas Desenhadas pela Arte. Revista Artes de Educar, UERJ, v. 5, n. 3, Rio de Janeiro, 2019. Vídeo Mediação, Formação, Educação – Pensamentos e Ações (2012) https://youtu.be/KLs3TGFtty4 Percursos da Arte na Educação – Ana Mae Barbosa (ECA/USP, São Paulo/SP) https://youtu.be/2XsbvPdVZHo Pensar e Fazer Arte – A Experiência Estética do Entusiasmo pelo Conhecimento https://youtu.be/OMh-KQvYeoY 22 23 Referências BARBOSA, A. M. Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2010. COSTA, L. F. Um estudo de caso sobre a mediação cultural. Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador, 2009. Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19356.pdf>. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol. 1. Tradu- ção de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: 34, 2000. DEWEY, J. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. DUARTE JÚNIOR, J. F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar, 2001. GENTILE, P. Um mundo de imagens para ler. Revista Nova Escola. Publicado em abril 2003. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/ mundo-imagensler-426380.shtml> HERNÁNDEZ, F. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. JAUSS, H. R. O prazer estético e as experiências fundamentais da poiesis, aisthesis e katharsis. In: LIMA, L. C. (Org.). A literatura e o leitor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. MANGUEL, A. Lendo imagens. São Paulo: Companhia das letras, 2001. MARTINS, M. C. PICOSQUE, G. GUERRA, M. T. Teoria e prática do ensino de arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 2010. _______.; _______.; _______. A aventura de planar numa DVDteca. Instituto Arte na escola. Disponível em: <http://artenaescola.org.br/sala-de-leitura/artigos/artigo. php?id=69345>. _______.; _______.; _______. Didática do ensino de arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 1998. _______.; _______.; _______. Sistema de ensino da rede de escolas ACF. 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São Paulo: Boitempo, 2007. 24
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