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Ergonomia e Segurança do Trabalho Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Alessandro José Nunes da Silva Revisão Textual: Prof.ª Dra. Luciene Oliveira da Costa Granadeiro A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento • Estudar os conceitos das Doenças Relacionadas ao Trabalho, em especial as Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT); • Apresentar os Fatores de Risco para a Saúde e Segurança dos Trabalhadores; • Apresentar ações para a atuação multiprofissional e a investigação dos casos; • Apresentar medidas preventivas e protetivas para a saúde do trabalhador. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Doenças Relacionadas ao Trabalho; • Fatores de Risco para a Saúde e Segurança dos Trabalhadores; • Lesões por Esforço Repetitivo e os Distúrbios Osteomusculares Relacionados com o Trabalho (LER/DORT); • Atuação de Equipe Multiprofissional; • A Investigação das Relações Saúde & Trabalho; • Ações de Proteção e Prevenção em Saúde do Trabalhador; UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento Doenças Relacionadas ao Trabalho Os profissionais que atuam no campo da segurança, saúde e ergonomia no trabalho ne- cessitam compreender a concepção de Saúde Pública e Coletiva, desenvolvida no campo da Saúde do Trabalhador (ST) no Sistema Único de Saúde, que visa ampliar o olhar para a determinação no social e ultrapassar as visões reducionistas de causa e efeito (MENDES; DIAS, 1991; LACAZ, 2007). A ST rompe com esse olhar reducionista e individualizado e se baseia no conceito de saúde coletiva, que é uma área do conhecimento que tem como princípio compreender o processo saúde-doença levando em conta muitos elementos os quais, dentre eles, destacamos os sociais, ambientais, culturais, produtivos. Sendo assim, ela permite a junção de muitos instrumentos científicos e tecnológicos para a compreen- são dos processos que determinam a saúde da população, e tem como objetivo proteger e prevenir o desenvolvimento ou a disseminação de problemas de saúde por meio da implantação de perfis sanitários (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). O reconhecimento do papel do trabalho na determinação e evolução do processo saúde-doença dos trabalhadores tem implicações éticas, técnicas e legais, que se refle- tem sobre a organização e o provimento de ações de saúde para esse segmento da po- pulação na rede de serviços de saúde. Nessa perspectiva, o estabelecimento da relação causal ou do nexo entre um determinado evento de saúde – dano ou doença – individual ou coletivo, potencial ou instalado, e uma dada condição de trabalho constitui a condi- ção básica para a implementação das ações de Saúde do Trabalhador nos serviços de saúde. De modo esquemático, esse processo pode se iniciar pela identificação e controle dos fatores de risco para a saúde presentes nos ambientes e condições de trabalho e/ou a partir do diagnóstico, tratamento e prevenção dos danos, lesões ou doenças provoca- das pelo trabalho, no indivíduo e no coletivo de trabalhadores (MS, 2001). Importante! A Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho organiza os agravos a partir dos agentes etiológicos, fatores de risco de natureza ocupacional e doenças, incluindo neoplasias, transtornos mentais, doenças infecciosas, parasitárias, do sangue, do sistema nervoso, do olho, do ouvido e dos sistemas circulatório, respiratório, digestivo, osteomuscular e endócrino, dentre outras. Disponível em: https://bit.ly/3w1d2jR No campo da saúde pública, todos os casos de adoecimentos dos trabalhadores são relevantes, durante esse período de avaliação. Por definição, qualquer caso de doença relacionada ao trabalho pode ser considerado um evento sentinela, ou seja, um único caso seria suficiente para desencadear modificações no processo de trabalho visando impedir uma nova ocorrência (CORRÊA FILHO, 1994). O evento sentinela aponta a hipótese de não estarem atendidas as medidas de segurança e prevenção já recomenda- das, ou então indica o surgimento de susceptibilidades individuais ou coletivas desconhe- cidas, cuja detecção implica em novas medidas de controle. 8 9 É a lógica do “trabalhador saudável”. O trabalhador só consegue trabalhar por- que tem saúde. Se ele perde saúde no trabalho, esse é um evento inaceitável do ponto de vista de saúde pública. Como exemplo, vamos refletir e, para isso, vamos para ano de 1700 quando o Pai da Medicina do Trabalho, Bernardino Ramazzini, descreve em seus relatos o caso das doenças dos coveiros: A tarefa dos enterradores e dos empregados das pompas fúnebres era antigamente mais penosa do que agora; com grande cuidado prepa- ravam os corpos dos mortos, lavando-os, untando-os, cremando-os e guardando suas cinzas em urnas. Homens da mais vil plebe eram recru- tados para as tarefas de embalsamadores, carregadores e cremadores dos cadáveres. Atualmente os corpos são levados aos tem atualmente os corpos são levados aos templos ou aos cemitérios, onde os coveiros os sepultam. Nas cidades e povoações, pelo menos em nossa Itália, as famílias possuem tumbas nas mais nobres igrejas. A plebe, nas suas pa- róquias, põe os seus mortos amontoados em promiscuidade, dentro de grandes sepulcros; quando os coveiros descem a esses antros fétidos, cheios de cadáveres semipútridos, para depositarem outros mortos que trazem, expõem-se a perigosas doenças, como febres malignas, morte repentina, caquexia, hidropisias, catarros sufocantes e outras doenças mais, muito graves; apresentam face cadavérica e aspecto amarelado, como quem vai trabalhar no inferno. Pode-se acreditar que a causa mais ativa e pior desses males pestíferos está na descida ao sepulcro, pois, no seu interior, respira-se necessariamente uma atmosfera pestilenta à qual se incorporam os espíritos animais (cuja natureza deve ser etérea), inabilitando-os para a sua função, isto é, para a manutenção de toda a máquina vital. [...] Cumprindo o meu propósito, direi que é justo velar pela incolumidade dos coveiros, cujo ofício é tão necessário, porque sepultam na terra os corpos dos mortos junto com os erros dos médicos, devendo, pois, a arte médica compensá-los com algum benefício por sua própria dignidade ameaçada. As precauções que se propõem para que padeçam menos prejuízo no seu trabalho funerário deverão ser as usadas em épo- ca de pestes; além de lavar a boca e a garganta com vinagre, e levar no bolso um pano empapado em vinagre para modificar o ar e o mau odor, deixar uma abertura no túmulo para que a atmosfera fechada pouco a pouco se desvaneça; terminado o trabalho e de volta à casa, mudarão de roupa e procurarão ficar limpos, quanto o permita sua mísera condição. Se sofrem de outra doença, é preciso curá-la com muita prudência. Cada vez que tive de tratar dessa classe de homem fui parcimonioso na sangria, pois seu sangue é parecido com o de cadáver, e quase da cor de sua face. De preferência, empregar-se-ão os purgantes a esses homens que sofrem de alteração dos humores e passam logo a figurar na família dos mortos. (FUNDACENTRO, 2016, p. 107) 9 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento Como o médico Bernardino Ramazzini construiu essa narrativa? Quais os problemas dos coveiros naquela época? Transportando para os dias atuais, em plena pandemia (março de 2021), como você enxerga o trabalho dos coveiros? Considerando o capítulo anterior das normas regulamentadoras, quais NR devem ser usadas para proteger esses trabalhadores? Fatores de Risco para a Saúde e Segurança dos Trabalhadores No campo normativo mundo do trabalho no Brasil, os fatores de risco para a saúde e segurança dos trabalhadores, presentes ou relacionados ao trabalho, podem ser classi- ficados em cinco grandes grupos: Quadro 1 – Descrição dos tipos de fatores de risco Químicos Agentes e substâncias químicas, sob a forma líquida, gasosa ou de partículas e poeiras minerais e vegetais, comuns nos processos de trabalho.Biológicos Vírus, bactérias, parasitas, geralmente associados ao trabalho em hospitais, laboratórios e na agricultura e pecuária. Ergonômicos e Psicossociais Decorrem da organização e gestão do trabalho, por exemplo: da utilização de equipamentos, máquinas e mobiliário inadequados, levando a posturas e posições incorretas; locais adaptados com más condições de iluminação, ventilação e de conforto para os trabalhadores; trabalho em turnos e noturno; monotonia ou rit- mo de trabalho excessivo, exigências de produtividade, relações de trabalho autoritárias, falhas no treinamento e supervisão dos trabalhadores, entre outros. Mecânicos e de Acidentes Ligados à proteção das máquinas, arranjo físico, ordem e limpeza do ambiente de trabalho, sinalização, rotulagem de produtos e outros que podem levar a acidentes de trabalho. Diante desses fatores de riscos, todos os profissionais que se preocupam com a prote- ção dos trabalhadores devem considerar a gravidade das situações – para isso, precisam estabelecer o excesso de risco, seguindo as etapas determinadas pela Norma Regula- mentadora n.º 3 (NR 3): • Avaliar o risco atual (situação encontrada) decorrente das circunstâncias encontra- das, levando em consideração as medidas de controle existentes, ou seja, o nível total de risco que se observa ou se considera existir na atividade; • Estabelecer o risco de referência (situação objetivo), ou seja, o nível de risco rema- nescente quando da implementação das medidas de prevenção necessárias; • Determinar o excesso de risco por comparação entre o risco atual e o risco de referência. 10 11 Uma estratégia a ser usada pelos profissionais é utilizar o método adotado pela NR 3, no qual a caracterização de uma atividade de trabalho com risco grave e iminente risco precisa considerar: a) a consequência, como o resultado ou resultado potencial espera- do de um evento e b) a probabilidade, como a chance de o resultado ocorrer ou estar ocorrendo. Assim, a aplicação deve considerar que o risco é expresso em termos de uma combinação das consequências de um evento e a probabilidade de sua ocorrência, conforme descritos nos Quadros 2 e 3 e na Tabela 1: Quadro 2 – Classifi cação das consequências da NR 3 Morte Pode levar a óbito imediato ou que venha a ocorrer posteriormente. Severa Pode prejudicar a integridade física e/ou a saúde, provocando le-sões ou sequelas permanentes. Signifi cativa Pode prejudicar a integridade física e/ou a saúde, provocando le- são que implique em incapacidade temporária por prazo superior a 15 (quinze) dias. Leve Pode prejudicar a integridade física e/ou a saúde, provocando le- são que implique em incapacidade temporária por prazo igual ou inferior a 15 (quinze) dias. Nenhuma Nenhuma lesão ou efeito à saúde. Quadro 3 – Classifi cação das probabilidades da NR 3 Provável Medidas de prevenção inexistentes ou reconhecidamente inade- quadas. Uma consequência é esperada, com grande probabilidade de que aconteça ou se realize. Possível Medidas de prevenção apresentam desvios ou problemas signi- ficativos. Não há garantias de que as medidas serão mantidas. Uma consequência talvez aconteça, com possibilidade de que se efetive, concebível. Remota Medidas de prevenção adequadas, mas com pequenos desvios. Ainda que em funcionamento, não há garantias de que sejam mantidas sempre ou em longo prazo. Uma consequência é pouco provável que aconteça, quase improvável. Rara Medidas de prevenção adequadas e com garantia de continuidade desta situação. Uma consequência não é esperada, não é comum sua ocorrência, extraordinária. 11 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento Tabela 1 – Tabela de excesso de risco: exposição individual ou reduzido número de potenciais vítimas Cla ssi fic aç ão do ri sc o a tu al (si tu aç ão en co nt ra da ) Consequência Probabilidade Nenhuma Rara N N N N N N N N N N N Leve Remota N N P N N N P N N N P Possível N N P N N N P N N P P Provável N N M N N N M N P M M Significativa Remota N N M N N N M P M M M Possível N N M N N M M M M M M Provável N N S N M M S M M M S Morte/Severa Remota N N S M M M S M M S S Possível N M E M S S E S S S E Provável S S E S S S E S S E E Probabilidade de referência Possível Rem ota Rara Provável Possível Rem ota Rara Provável Possível Rem ota Rara Consequência de referência Morte/Severa Significativa Leve/Nenhuma Classificação do risco de referência (situação objetivo) Excesso de Risco: E – Extremo; S – Substancial; M – Moderado; P – Pequeno; N – Nenhum. Coloque-se no lugar de um profissional de saúde e segurança e realize uma avaliação da exposição dos trabalhadores em atividades de trabalho em frigoríficos utilizando o método adotada pela NR 3. Para conhecer as condições de trabalho, assista ao documentário “Carne e Osso”. Disponível em: https://youtu.be/imKw_sbfaf0 Considerando os fatores de riscos e a descrição de casos coletivos, o pai da medi- cina do trabalho atentou para a atividade de trabalho e mostrou quais eram as causas de adoecimentos daqueles trabalhadores. Por isso, para aprofundar nosso olhar, vamos conhecer as narrativas das condições de saúde e de trabalho dos pintores: [...] várias afecções costumam atacar os pintores, como tremores nos membros, caquexia, enegrecimento dos dentes, palidez da face, melan- colia e abolição do olfato; e ainda que os pintores retratem os outros em imagens elegantes e coloridas, raramente acontece que eles mostrem, por sua vez, o mesmo colorido e o bom semblante daqueles que são retratados. [...] A culpa disso atribuem à vida sedentária e ao caráter me- lancólico desses homens, geralmente segregados do convívio social, que conturbam a mente com ideias fantásticas; porém, existe latente outra causa da enfermidade. A matéria corante que têm sempre sob o nariz e nas mãos: óxido de chumbo, cinábrio, cerusa, verniz, azeite de nozes e de linho utilizados para misturar cores e vários pigmentos extraídos de diversos fósseis. Devido a isso, percebe-se nas oficinas um odor fétido, bastante pesado, que o verniz e os mencionados óleos expelem, sendo muito funesto para a cabeça e, provavelmente, ocasiona a abolição do 12 13 olfato. Os pintores vestem, para trabalhar, blusas sujas e manchadas de tinta, e, ao pintar, absorvem vapores malignos pelo nariz e pela boca, os quais penetram nas vias respiratórias, passam ao sangue, perturbam a economia das funções naturais e provocam os distúrbios já referidos aci- ma. O cinábrio é parente do mercúrio, a cerusa se prepara com chumbo, o verde bronzeado com cobre, a cor ultramarina com prata (os pintores preferem cores minerais, mais duradouras que as vegetais), pois sabemos que quase toda a matéria corante é extraída do reino mineral e ocasiona prejuízos graves. (FUNDACENTRO, 2016, p. 61 ) Trazendo para nossa realidade, as equipes multidisciplinares avaliam os postos de trabalho? Ficam quanto tempo observando as atividades de trabalho? Escutam as dificuldades e afli- ções dos trabalhadores? Como é feita esta avaliação? É multidisciplinar? Os instrumentos de avaliação são adequados? Atualmente, a equipe multidisciplinar deve levar em conta que o gerenciamento de riscos ocupacionais deve estar integrado com planos, programas e outros documen- tos previstos na legislação de segurança e saúde no trabalho. Dentre eles, podemos destacar o PPRA, o PCMSO, Inventário de Máquinas, Análise Ergonômica do Traba- lho, dentre outras. Esse conjunto de ações e documentos constituem o Programa de Gerenciamento de Riscos – PGR. Lesões por Esforço Repetitivo e os Distúrbios Osteomusculares Relacionados com o Trabalho (LER/DORT) As LER/DORT se destacam por serem consideradas síndromes que vêm provocando sequelas para a saúde dos trabalhadores, o que pode implicar em invalidez permanente, alterações físicas e psicológicas. A dor e a fragilidade nos membros inferiores e supe- riores, ou na região da coluna, podem se tornar crônicas, impossibilitandoa realização desde tarefas simples até as mais complexas, no cotidiano do trabalhador, o que pode se estender para as atividades em nível social e domiciliar. Nesse contexto, as LER/DORT permeiam os pilares do trabalho e, inicialmente, eram associadas a trabalhos manuais repetitivos. Pensando nos conceitos históricos, em mea- dos de 1713, o médico Ramazzini apresentou e descreveu um grupo de afecções mus- culoesqueléticas, dentre as quais, a encontrada em notários e escreventes que, acreditava ele, ser pelo uso excessivo das mãos, bem como a repetição no trabalho de escrever. 13 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento Essa patologia que, anos depois, foi denominada de “câimbra do escrivão” ou “pa- ralisia do escrivão”, para o médico Ramazzini, era caracterizada por três fatores básicos que, em sua essência, influenciavam de forma determinante no seu surgimento. Os três fatores eram: • Sedentarismo; • Uso contínuo e repetitivo da mão em um mesmo movimento; • Grande atenção mental para não borrar a escrita. Desse modo, a doença tinha como caracterização uma sensação de parestesia de membros superiores, acompanhada por sensação de peso e fadiga nos braços, tendo como fator associado dores cervicais e/ou lombares. Nesse momento histórico, uma nova doença estava descrita pelo pesquisador, que, tempos depois, por possuir sintomas comuns, foi também relacionada e descrita em diversas outras atividades laborais. Já no ano de 1833, houve diversos casos de trabalhadores ingleses acometidos por sintomas semelhantes aos já descritos por Ramazzini, nos anotadores do serviço britânico, sendo tal aspecto relacionado ao uso de uma pena de aço mais pesada. Parestesia: são sensações cutâneas subjetivas (exemplo: frio, calor, formigamento, agulhadas, adormecimento, pressão, dentre outras). Como exemplo, vamos realizar a leitura da narrativa de Ramazzini, mas para isso precisamos viajar no tempo e ir próximo ao ano de 1700, quando o médico descreve em seus relatos o caso das doenças dos escribas e notários: Consta-nos que foi muito maior o número de escribas e notários anti- gamente do que em nossos dias, depois do invento da arte tipográfica; todavia, sabemos que nas cidades e povoados muitos ganham o sustento para si e sua família somente com escritas. Os escribas e notários eram geralmente servos ou escravos libertados, como Rossini demonstra am- plamente. Com o nome de “notário”, não quero aqui designar os que, em nosso tempo, redigem contratos e testamentos, mas sim aqueles que, por meio de pequenas notas, donde a denominação de notários, distinguiam- -se pela arte de escrever com velocidade. [...] Hoje, na ordem civil, temos escribas que cobram salários para exercerem seu ofício na cúria, junto aos magistrados, nas lojas dos mercadores e nas cortes dos prínci- pes. Investiguemos, pois, as doenças a que estão expostos tais operários. Três são as causas das afecções dos escreventes: primeira, contínua vida sedentária; segunda, contínuo e sempre o mesmo movimento da mão; e terceira, atenção mental para não mancharem os livros e não prejudicarem seus empregadores nas somas, restos ou outras operações aritméticas. Conhecem-se facilmente as doenças acarreta- das pela sedentariedade: obstruções das vísceras, como fígado e baço, indigestões do estômago, torpor nas pernas, demora no refluxo do san- gue e mau estado de saúde. Em suma, carecem esses operários dos be- nefícios que um moderado exercício promove, mas a que não se podem dedicar, ainda que queiram, pois fizeram contrato e precisam cumprir sua 14 15 jornada de escrita. A necessária posição da mão para fazer correr a pena sobre o papel ocasiona não leve dano que se comunica a todo braço, devido à constante tensão tônica dos músculos e tendões, e com o andar do tempo diminui o vigor da mão. Conheci um homem, notário de profissão que ainda vive, o qual dedicou toda sua vida a es- crever, lucrando bastante com isso; primeiro começou a sentir grande lassidão em todo o braço e não pôde melhorar com remédio algum e, finalmente, contraiu uma completa paralisia do braço direito. A fim de reparar o dano, tentou escrever com a mão esquerda; porém, ao cabo de algum tempo, esta também apresentou a mesma doença. Em verdade, martiriza os operários, o poderoso e tenaz esforço do ânimo, necessitando para o seu trabalho grande concentração de todo o cérebro, contenção dos nervos e fibras; sobrevêm as cefalalgias, corizas, rouqui- dões, lacrimejamento de tanto olharem fixamente o papel, consequências estas que afetam muito mais os contadores e mestres de cálculos, como assim se chamam os que se alugam aos comerciantes. Na mesma cate- goria estão compreendidos os secretários dos príncipes cujo prazer da companhia não é a última glória. Passam por grande tortura mental não só pela multidão de cartas que escrevem, como porque não adivinham suas intenções ou porque, por astúcia dos príncipes, não querem ser entendidos de duas maneiras; o certo é que aqueles que se destinam a esse emprego maldizem seu trabalho e, ao mesmo tempo, a corte. [...]. (FUNDACENTRO, 2016, p. 249) O que o médico Ramazzini fez para construir esta narrativa? Quais os problemas osteomuscu- lares e mentais que foram narrados? Transportando para os dias atuais, como você enxerga o trabalho do outro? Trabalhadores da limpeza? Dos dentistas? Das telefonistas? Dos professores? No cenário brasileiro, a década de 1980 foi marcada pelo conhecimento acerca das LER/DORT, pois os casos de tenossinovite entre os profissionais digitadores levaram os sindicatos de trabalhadores em processamento de dados a começarem a lutar pelo reconhecimento das lesões como doenças profissionais. No dia 06 de agosto de 1987, o Ministério da Previdência identificou coerência na solicitação do sindicato, elaborando assim, por meio da portaria 4.602, a inclusão da tenossinovite do digitador no índice de doenças do trabalho. A portaria supracitada, embora mencionasse outras categorias profissionais além do digitador, era compreendida pela perícia do INSS como exclusiva aos digitadores. Já em 1993, foi publicada uma norma técnica, que instituiu o nome Lesões Por Es- forços Repetitivos (LER), o que ampliou o conceito e aplicação dos direitos previdenciá- rios ao grupo de trabalhadores portadores de doenças relacionadas ao trabalho. Em 1998, na revisão de sua norma técnica, a Previdência Social mudou o termo LER para Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho – DORT, reduzindo conside- ravelmente os direitos previdenciários. 15 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento No campo da prevenção, fruto de mobilização sindical, há uma Norma Regulamen- tadora (NR-17) que fixa alguns limites para as empresas em que há postos de trabalho que exigem esforços repetitivos, ritmo acelerado e posturas inadequadas, mas ainda não contempla diversos fatores responsáveis pelas lesões. Após conhecer um pouco do contexto histórico, vamos aprofundar nosso conheci- mento sobre a LER/DORT. A Prevalência de Afastamentos do INSS. Disponível em: https://bit.ly/35Ym8mU Afinal, o que é a LER? Vale ressaltar que a LER não corresponde a uma doença ou enfermidade, a sigla é denominada para caracterizar “Lesões por Esforços Repetitivos” e representa um grupo de afecções presentes no sistema musculoesquelético. São várias essas afecções, que apresentam manifestações clínicas distintas e podem variar em graus de intensidade. Desse modo, não é uma patologia, mas sim uma síndrome inflamatória que provoca dor e incapacidade funcional. O diagnóstico inclui patologias bastante conhecidas no âmbito da ortopedia como: a tendinite, reumatismo, bursite, esclerose sistêmica, traumática e artrite, por exemplo, já que essas também apresentam lesões causadas por esforço repetitivo. Tabela 2 – Classificação da LER por fase, estágio e grau Fase Estágio Grau Fase 1: as dores são mal de- finidas e podem melhorar com repouso. Estágio 1: Cansaço e dor nos braçosdu- rante a jornada de trabalho, tendo mo- mentos de melhora do horário de trabalho e sem alterações no desempenho normal. Grau 1: dor em uma determinada região corporal es- pecífica apresentando a atividade repetitiva. A região afetada transmite a sensação de “peso” e ocasional- mente surge durante a jornada de trabalho, mas não interfere na produtividade. Fase 2: dores com poucos si- nais objetivos que melhoram com repouso. Estágio 2: Dor e cansaço persistentes mesmo durante o repouso. Sono agitado e incapacidade para o trabalho repetitivo. Grau 2: dor em diversas regiões durante a realização da atividade que causou a síndrome. A dor é contínua, in- tensa e surge durante a atuação nos postos de trabalho, não passa, mas é tolerável. Pode estar acompanhada de formigamento, calor e sensibilidade no local lesado. Fase 3: muita dor que não melhora com repouso. Estágio 3: Dor, fadiga e fraqueza cons- tantes, mesmo em situações em que o indivíduo esteja em repouso. Dificuldades para dormir, o que prejudi- ca o sono. Presença de lesões. Grau 3: dor intensa e forte, além de ser persistente e surgir diversas vezes durante as atividades e também no repouso. Características: perda/redução de força muscular, redução de produtividade e, em diversos casos, impossibilidade de executar a função que lhe é designada. Edemas, dores, suor excessivo e perda de função são típicas desse grau. Fase 4: dor intensa com inca- pacidade funcional. Estágio 4: Limitações articulares, sinais inflamatórios, perda de força, etc.; a capa- cidade de esforço está muito diminuída. Grau 4: Dor intensa e presente de maneira ativa e pas- siva, durante o movimento ou em repouso, e, durante a noite, existe aumento considerável da sensibilidade por todo o membro afetado. O membro afetado fica sem força e perde o controle dos movimentos. A ca- pacidade para exercer o trabalho é nula e os hábitos e atividades de vida diária são prejudicados. Neste grau, além dos aspectos físicos, os aspectos mentais geram situações de estresse, angústia, medo e alguns casos de depressão. 16 17 Desde o ano 2000, o dia 28 de fevereiro é considerado o Dia Internacional de Combate às Lesões por Esforços Repetitivos ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Assista à pesquisadora da Fundacentro Dr.ª Maria Maeno que narra sobre o dia 28 de fevereiro, Dia Internacional de Combate às LER-DORT, a pesquisadora comenta as mani- festações de diferentes formas de apresentação dos quadros, dificuldades encontradas no reconhecimento das relações entre quadros e o histórico de exposições. Disponível aqui: https://youtu.be/nPXyQArsiK0 A visão do profissional deve ser direcionada de maneira que abarque o pensamento nos fatores de riscos das LER/DORT que incluem, em um panorama mais amplo: os itens do trabalho que se relacionam de maneira direta ou indiretamente com as mani- festações clínicas. Você perceberá que alguns fatores receberão atenção especial a fim de evitar possí- veis riscos de doenças ocupacionais, como: • Identificação se existe sobrecarrega ao trabalho executado pelo trabalhador; • Se esse trabalhador exerce suas funções sob pressão, seja da chefia, coordenador, supervisor, ou dos colegas de trabalho (o que pode acarretar no aumento significa- tivo de alterações nos aspectos físicos e mentais); • Visualizar os aspectos gerais em que o trabalhador não tem controle sobre suas atividades (caixa, digitador, operador de telemarketing e outros); • Obrigatoriedade na manutenção rítmica de maneira acelerada para garantir o ren- dimento da produção; • Trabalho fragmentado, que é compreendido como aquele em que cada trabalhador exerce uma única tarefa de forma repetitiva; • Identificar o baixo número de profissionais para determinadas funções; • Alta jornada de trabalho, além da parte de mobiliários, ambiente, equipamentos, falta de EPIs adequados e necessários para aquela determinada função; • A ausência de pausas durante o trabalho também é um grande fator para desenvol- vimento de doenças ocupacionais. Os fatores supracitados podem afetar de maneira negativa a saúde do trabalhador e alguns fatores podem elevar as chances de intensificar os acidentes, afastamentos e/ou queixas que diminuem a qualidade de vida do trabalhador. Assim, pode-se pensar em cinco fatores de riscos que devem ganhar um olhar am- pliado do profissional que atua com ergonomia. Fatores de risco: • Fatores intrínsecos: relacionam-se com o trabalhador como, por exemplo: má postura, antropometria inadequada, dentre outros; • Fatores extrínsecos: referem-se às empresas e organizações, como o ritmo das atividades, condições ambientais desfavoráveis, organização do trabalho etc.; 17 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento • Fatores biomecânicos: força excessiva na realização de determinada atividade la- boral, por exemplo; • Riscos organizacionais: a ausência de pausa, seja para ir ao banheiro, beber água, alongar a musculatura, dentre outros; • Riscos ambientais: altas ou baixas temperaturas a que os trabalhadores podem ser expostos; • Riscos psicoemocionais: o estresse é a alteração mais comumente citada dentre os fatores de risco, sendo essa, por sua vez, uma alteração grave que pode modifi- car de maneira acentuada a qualidade de vida do profissional durante os momentos de trabalho, ampliando essa modificação para sua vida pessoal. Você percebeu que, dessa maneira, para realizar um diagnóstico voltado para a saúde do trabalhador de forma eficaz, os profissionais irão se basear em avaliações ocupacio- nais (por meio de técnicas, escalas, questionários) e exames clínicos com o máximo de detalhes possíveis para se identificar as alterações nos aspectos biopsicossociais voltados à atenção da saúde do trabalhador, bem como realizar análise das situações ocupacio- nais, por meio de dados ergonômicos e epidemiológicos. O profissional que atua com a saúde do trabalhador precisa conhecer o guia para os profis- sionais de saúde em LER, material educativo desenvolvido pela Médica Ada Ávila Assunção e pela auditora fiscal Lailah Vasconcelos Oliveira Vilela. Disponível em: https://bit.ly/3x1eVhG Atuação de Equipe Multiprofissional Cabe ressaltar que são vários os profissionais que compõem uma equipe multiprofis- sional no que tange à saúde do trabalhador, como enfermeiros, médicos, nutricionistas, assistentes sociais, dentistas, fonoaudiólogos, profissionais da segurança do trabalho, fisioterapeutas, psicólogos, dentre outros. Desse modo, vamos enfatizar que a atuação multidisciplinar é fundamental para a prevenção, promoção, recuperação e reabilitação da saúde do trabalhador. Nos espaços laborais, existem três níveis de atenção preventiva. A seguir, vamos compreender cada um deles: • Prevenção primária: a análise da atividade é fundamental para ações de preven- ção para a eliminação ou diminuição dos riscos/perigos que possam gerias lesões e distúrbios osteomusculares. Atendimentos coletivos e individuais como massagens, liberação miofascial, osteopatia, alongamentos, fortalecimento muscular, podem contribuir com a redução de danos; • Prevenção secundária: caracterizada pelo período de patogênese, sendo necessá- rio inserir intervenções terapêuticas para que o trabalhador retorne ao seu estado de saúde, baseando-se na conceituação da qualidade de vida ao exercer sua rotina laboral. O fisioterapeuta deverá realizar avaliações contínuas e assistência integral 18 19 ao trabalhador (incluindo ações que viabilizem a promoção e prevenção da saúde, para que a saúde do trabalhador seja protegida); • Prevenção terciária: visa elaborar ações que evitem o surgimento refratário das lesões acometidas ao trabalhador, ou seja, que já tenha passado pelos estágios an- teriores, por exemplo, tratamento de algum pós-operatório, reabilitação funcional durante o período de recuperação. A equipe multidisciplinar atuará na prevenção e promoção da saúde do trabalhador a fim de evitara LER/DORT, tendo como subsídios a equipe multiprofissional e a CIPA. Desse modo, os profissionais irão atuar de maneira unida com a finalidade de eliminar ou amenizar as mais variadas situações e/ou condições que promovam o início de algum fator negativo, investigando, elaborando estratégias e planejamentos nos quais as causas ou condições de trabalho estão associadas, prevenindo-as por meio de orientações e intervenção aos níveis primário, secundário e terciário da base ergonômica no ambiente de trabalho. Você pensou nas possibilidades benéficas que a atuação da equipe multidisciplinar pode trazer para as organizações quando se trabalha em prol da saúde do trabalhador? • Melhoria na qualidade do serviço prestado; • Diminuição de ausências e faltas; • Redução de atrasos e faltas nos postos laborais; • Atuação profissional com qualidade no desempenho do trabalhador em determinadas; • Funções, porém, com segurança e qualidade de vida no ambiente laboral; • Diminuição dos quadros de dores, bem como diminuição do cansaço, desânimo e fadiga muscular; • Melhora no relacionamento entre os colegas de trabalho; • Maior disposição, valorização e proteção profissional, bem-estar no trabalho, prazer em exercer a função na empresa, dentre outros benefícios. É necessário que exista uma compreensão mútua, pois ambas as partes são impor- tantes nas organizações: o trabalhador, com sua mão de obra e conhecimento, e a orga- nização, com a oferta de trabalho, devendo existir preocupação entre os pares, zelando uns pelos outros para aumento da qualidade de vida e saúde no ambiente de trabalho. De modo similar, as equipes, durante a investigação ocupacional, devem incluir pro- cedimentos que abarquem as seguintes etapas: 1. Realizar questionamentos sobre a história clínica de maneira ampla e com de- talhes (história da moléstia atual); 2. Investigar e avaliar os diversos sistemas corporais; 3. Identifi car comportamentos e hábitos relevantes do indivíduo; 4. Questionar acerca dos antecedentes pessoais e familiares; 5. Anamnese ocupacional: identifi car o cenário, função e todos os detalhes que envolvem o profi ssional no espaço laboral; 6. Exame físico detalhado e exames complementares, caso o profi ssional veja necessidade de solicitação. 19 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento Assim, a anamnese ocupacional é uma etapa que, além de relevante para elaboração de tratamentos e diagnóstico, torna-se investigativa, o que amplia a visão do profissional para inserir condutas que beneficiem a saúde do trabalhador. É indispensável que o pro- fissional avalie, estabeleça metas e condutas, bem como oriente e reavalie o trabalhador. A Investigação das Relações Saúde & Trabalho No campo do reconhecimento do acidente do trabalho e doenças ocupacionais, os profissionais tais como médicos, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, engenheiros, dentre outros, devem se atentar para as normas legais e ético-profissionais para análise. O Ministério da Saúde (2001, p. 27) aponta que é importante que o: “reconhecimento do papel do trabalho na determinação e evolução do processo saúde-doença dos trabalhadores tem implicações éticas, técnicas e legais, que se refletem sobre a organização e o provimento de ações de saúde para esse segmento da população, na rede de serviços de saúde”. Assim os profissionais que estão na linha de frente para a proteção da saúde dos trabalhadores devem estabelecer a relação causal ou do nexo entre um determinado evento de saúde – dano ou doença – individual ou coletivo, potencial ou instalado, e uma dada condição de trabalho. De modo esquemático, esse processo pode se iniciar pela identificação e controle dos fatores de risco para a saúde presentes nos ambientes e condições de trabalho e/ou a partir do diagnóstico, tratamento e prevenção dos danos, lesões ou doenças provocadas pelo trabalho, no indivíduo e no coletivo de trabalhadores (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Pontos importantes que devem ser considerados sobre o adoecimento dos trabalha- dores e sua relação com o trabalho: Tabela 3 – Classificação das Doenças Segundo sua Relação com o Trabalho Grupo Descrição Exemplos I Doenças em que o trabalho é causa necessária, tipificadas pelas doenças pro-fissionais, stricto sensu, e pelas intoxicações agudas de origem ocupacional. Intoxicação por chumbo/Silicose/ doenças profissionais legalmente reconhecidas. II Doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, contributivo, mas não necessário, exemplificadas pelas doenças comuns, mais frequentes ou mais precoces em determinados grupos ocupacionais e para as quais o nexo causal é de natureza eminentemente epidemiológica. Doença coronariana, doenças do aparelho locomotor, câncer, varizes dos membros inferiores. III Doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida ou preexistente, ou seja, concausa. Doenças mentais e ostemusculares Bronquite crônica, Dermatite de contato alérgica, Asma Fonte: Adaptada de Ministério da Saúde, 2001 | SCHILLING, 1984 20 21 Segundo as Diretrizes Sobre Prova Pericial em Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais, proposto pelo Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro, que é uma iniciativa do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e do Tribunal Supe- rior do Trabalho e pela resolução do Conselho Federal de Medicina CFM Nº 2183 DE 21/06/2018, para a investigação dos profissionais, precisam considerar: A história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; • O estudo do local de trabalho; • O estudo da organização do trabalho; • Os dados epidemiológicos; • A literatura técnica específica atualizada; • A ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas à saúde; • A identificação dos riscos existentes no meio ambiente do trabalho; • O depoimento e a experiência dos trabalhadores; • Os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde; • A capacitação dos trabalhadores ou outros aspectos de gestão de segurança e saú- de do trabalho que influenciaram a ocorrência do evento. • Relatar se havia medidas de prevenção que poderiam ter evitado a agressão e/ou lesão ao trabalhador, bem como as medidas de proteção que poderiam ter reduzido as suas consequências. Para conhecer o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho desenvolvido pela equipe do Trabalho Seguro. Disponível em: https://bit.ly/3x8sD2A Pontos importante nos casos de reconhecimento do nexo com o trabalho é necessário abrir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), onde é regulada pelo Lei 8.213/1991, onde descreve que o acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a servi- ço da empresa ou pelo exercício de trabalho dos segurados, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Importante! A abertura da CAT possibilita o controle estatístico dos órgãos federais, além de garantir a assistência do trabalhador junto ao INSS ou mesmo a sua aposentadoria por invalidez, se for o caso. Após a comprovação do acidente de trabalho ou doença profissional, o trabalhador terá direito ao auxílio-doença acidentário. 21 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento Nesse campo da notificação, é de suma importância o profissional conhecer sobre o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP, que foi implementado nos siste- mas informatizados do INSS, para concessão de auxílios-doença de natureza acidentária. Existem 3 (três) tipos de nexos técnicos previdenciários: • Nexo técnico profissional ou do trabalho: fundamentado nas associações entre do- enças e exposições constantes das listas A e B do anexo II do Decreto nº 3.048/99; • Nexo técnico por doença equiparada a acidente de trabalhoou nexo técnico individual: decorrente de acidentes de trabalho típicos ou de trajeto, bem como de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele relacionado diretamen- te, nos termos do § 2º do art. 20 da Lei nº 8.213/91; • Nexo técnico epidemiológico previdenciário: aplicável quando houver signifi- cância estatística da associação entre o código da Classificação Internacional de Doenças – CID e o da Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE, fundamentado na lista C do Anexo II do Decreto nº 3.048/1999. Ações de Proteção e Prevenção em Saúde do Trabalhador As equipes de saúde e segurança devem se organizar visando a ações que permitam gerar ações em vários níveis, lembrando que muitas ações podem levar muito tempo para transformar as ações propostas pela equipe. Nesse sentido, vamos observar a fi- gura abaixo: Tabela 4 – Aplicação de Medidas Preventivas Prevenção Nível Período de Aplicação Objetivo Primária 1 Pré-Patogênese Promoção da Saúde 2 Pré-Patogênese Proteção Específica Secundária 3 Patogênese Pré-Clínica Diagnóstico Precoce Tratamento Imediato 4 Patogênese Clínica Limitação de Incapacidade Terciária 5 Sequelas e Incapacidades Reabilitação Fonte: Adaptada de ANAMT, 2002 A Associação Nacional de Medicina do Trabalho aponta que “É comum, nas empresas e locais de trabalho, o médico do trabalho privilegiar as ações secundárias e mesmo terciárias, uma vez que estas têm impacto mais mensurável e evidente e, na maior parte das vezes, mais urgentes”. Nesse sentido, vamos apresentar três cenários em que podem ter atuação: 22 23 MACRO Sociambiental MICRO Queixa e atividade MESO Técnico-organizacional Anamnese Estudos ergonômicos Intervenção direta nos postos de trabalho Concepção/correção Plano prático Elaboração de políticas de Estado e Regulamentações De�nição de plano industrial e de serviços Figura 1 Fonte: ASSUNÇÃO; VILELA, 2009 Na atividade MICRO, os profissionais no atendimento ao trabalhador que procura o centro de saúde são estimulados a refletir sobre os principais fatores de risco. Eles devem manter o monitoramento, para identificar perturbações declaradas por ocasião dos exa- mes periódicos. O acompanhamento dos trabalhadores que retornam ao trabalho pode oferecer pistas importantes sobre as demandas das tarefas, os arranjos espaciais, o grau de variabilidade dos processos e as modificações sobre os riscos físicos. No campo MESO, os profissionais que atuam na linha de frente devem atentar em quais fases eles podem atuar e desenvolver suas ações; no sistema técnico-organizacio- nal, os profissionais devem realizar ações de busca ativa visando aos esforços entre os atores para diagnosticar os determinantes internos dos fatores de risco, com ênfase para adequação do efetivo, incorporação tecnológica, degradação das instalações e equipa- mentos, fluxo de produção, divisão do trabalho, sincronia das metas de produção e as metas comerciais. No caso dos ergonomistas, precisam verificar quais instrumentos já existem na empresa que visa à análise do conteúdo das tarefas, dos modos operatórios, do ritmo e da intensidade do trabalho; dos fatores mecânicos e condições físicas dos postos de trabalho do paciente ou da primeira aproximação do setor. Importante que os instrumentos usados permitam os atores observarem as situações de trabalho em que predominam os riscos, por exemplo: • Posto de trabalho sentado; • Transporte manual de cargas; • Repetitividade; • Posto de trabalho em pé. 23 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento Para ajudar os profissionais, o International Labour Office, em colaboração com a International Ergonomics Association, desenvolveu os Pontos de Verificação Ergonômica – soluções práticas e de fácil aplicação para melhorar a segurança, a saúde e as condições de trabalho que foi publicada pela Fundacentro. Disponível em: https://bit.ly/3lpLwcq Como esse mesmo material acima, a International Labour Organization lançou o aplicativo Checkpoints de Ergonomia com download gratuito! Onde o aplicativo permite a interação de checkpoints de ergonomia, para ser utilizado nos postos de trabalho. No total, são 132 checkpoints que podem auxiliar na análise do trabalho. Disponível em: https://bit.ly/3w5b7uu No campo MACRO, as instituições que atuam no campo da saúde e segurança dos trabalhadores devem, como exemplo, convocar um conjunto de atores e estimular pro- jetos industriais para as micro e pequenas empresas, com a participação de instituições como SESI e SENAI. Ações intersetoriais, privilegiando ações da Política Nacional de Se- gurança e Saúde no Trabalho – PNSST, onde podem ser dirigidas para a elaboração de um plano com hierarquia estabelecida, utilizando-se dos relatórios técnicos disponíveis. A Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST tem por objetivos a promo- ção da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho. Disponível aqui: https://bit.ly/2SverRW 24 25 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Protocolo de Complexidade Diferenciada – LER/DORT https://bit.ly/3x3L3RY Carne, Osso: documentário sobre trabalho em frigoríficos https://bit.ly/3qw8MYl Leitura Lesões por esforços repetitivos (LER) e Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort) https://bit.ly/2U8ncSq Promoção de ambientes de trabalho saudáveis e seguros na prevenção das doenças e agravos relacionados ao trabalho https://bit.ly/35ZdLaw 25 UNIDADE A Relação entre Saúde, Trabalho e Adoecimento Referências ANAMT. Sugestão 7. Em Relação às Ações de Promoção da Saúde. 2002. Dis- ponível em: <http://www.anamt.org.br/site/upload_arquivos/sugestao_de_condu- ta_13120151011467055475.pdf>. Acesso em: 03/04/2021. ASSUNÇÃO, A. A.; VILELA, L. V. O. Lesões por esforços repetitivos: guia para pro- fissionais de saúde. Centro de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST, 2009. Disponível em: <http://www.cerest.piracicaba.sp.gov.br/site/images/LIVRO_LER_2_ corrigido%201605X230.pdf>. CORRÊA FILHO, H. R. Isto é trabalho de gente? Vida, Doença, e Trabalho no Brasil. Capítulo 12 Outra contribuição da epidemiologia. Petrópolis: Petrópolis, 1994. FUNDACENTRO. Bernardino Ramazzini – As Doenças dos Trabalhadores. Tradução de Raimundo Estrela. 4. ed. São Paulo: Fundacentro, 2016. 107Disponível em <https:// www.unicesumar.edu.br/biblioteca/wp-content/uploads/sites/50/2019/06/Doencas- -Trabalhadores-portal.pdf>. ________. Pontos de verificação ergonômica: soluções práticas e de fácil aplicação para melhorar a segurança, a saúde e as condições de trabalho. Organização Interna- cional do Trabalho; tradução, Fundacentro. 2. ed. São Paulo. Disponível em: <https:// www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/escola/cartilhas-manuais-publicacoes/pontos-de- -verificacao-ergonomica-livro-da-fundacentro.pdf/viewb>. Acesso em: 03/04/2021. LACAZ, F. A. de C. O campo Saúde do Trabalhador: resgatando conhecimentos e prá- ticas sobre as relações trabalho-saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, p. 757-766, 2007. MENDES, R.; DIAS, E. C. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.25, n.5, p.341-349, 1991. MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS). Doenças relacionadas ao trabalho: manual de pro- cedimentos para os serviços de saúde. Ministério da Saúde do Brasil, Organização Pan- -Americana da Saúde no Brasil; organizado por Elizabeth Costa Dias; colaboradores Idelberto Muniz Almeida et al. Brasília: Ministério da Saúde do Brasil, 2001. PAIM, J. S.; ALMEIDA FILHO, N. de. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, vol. 32, n. 4, pp. 299-316, 1998. PROGRAMA TRABALHO SEGURO. Diretrizes Sobre Prova Pericial em Acidentes do Trabalho e DoençasOcupacionais. Brasília, 25 de fevereiro de 2014. 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