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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Dependendo da perspectiva do ator social que a descreve, a favela pode ser considerada tanto um problema a ser enfrentado como uma solução urbana adaptativa às dificuldades de sobrevivência em sociedades caracterizadas pela desigualdade social. ↠ Os domicílios em geral são caracterizados por pouco espaço entre si, alta umidade e baixa ventilação, cômodos pequenos, de pouca privacidade e maior vulnerabilidade à alternância de temperatura, impactando nos indicadores de saúde. ↠ A falta de planejamento nos bairros predispõe a incêndios e acidentes elétricos, além de deslizamentos de terra em topografias verticalizadas e inundações em planícies, o que evidencia maior vulnerabilidade a adversidades climáticas. SAÚDE NA FAVELA OBS.: O médico generalista inglês Julian Tudor Hart descreveu na década de 1970 a “lei dos cuidados inversos,” fenômeno das desigualdades dos sistemas de saúde em que os pacientes, em geral, recebem cuidados na proporção inversa às suas necessidades, ou seja, populações mais pobres e vulneráveis são as que menos dispõem de serviços assistenciais em quantidade e qualidade satisfatórias. Diversos estudos empíricos brasileiros observaram a ocorrência da “lei dos cuidados inversos” no país e apontam que esse efeito se acentua quanto mais intensa for a lógica privatista do sistema de saúde. ↠ O adoecimento configurado por desemprego, pobreza, violência e falta de saneamento não se resolverá apenas com a instalação de uma Unidade Básica de Saúde, por mais qualificados que sejam seus profissionais e por mais organizados que estejam os fluxos de cuidado. A atuação em contexto de favela pressupõe a articulação com a assistência social, com a educação, com os movimentos sociais, em um constante exercício de compreender o setor saúde em meio a uma trama de ações intersetoriais. PARTICULARIDADES DO CUIDADO DETERMINAÇÃO SOCIAL DA SAÚDE ↠ Um dos efeitos do contexto sobre o perfil de adoecimento na favela pode ser sintetizado pela noção da “tripla carga da doença”; ou seja, acelerada pela transição demográfica e epidemiológica, pode-se notar a simultaneidade de fatores relacionados a doenças infecciosas e parasitárias, a problemas de saúde reprodutiva, à vulnerabilidade infantil, a causas externas, à violência e a doenças crônicas não transmissíveis. VIOLÊNCIA E SAÚDE NA FAVELA ↠ Seja na forma de conflito armado, seja na configuração naturalizada pela cultura e tutelada pelas instituições, a violência impacta na saúde na favela como efeito de diversas estruturas de dominação (classes, grupos, indivíduos, etnias, faixas etárias, gênero). ↠ O sofrimento pela incapacidade de se proteger ou de proteger a família, em especial da violência armada entre a polícia e o tráfico de drogas, está relacionado à alta prevalência de transtornos de ansiedade e depressivos e ao aumento de atendimentos por somatizações durante períodos de maior tensão ou repressão. ↠ Outro efeito da violência armada nos territórios de favela diz respeito ao funcionamento dos serviços de saúde e à segurança dos trabalhadores e usuários, ou seja, decidir sobre o fechamento das unidades e a necessidade de plano de contingência para os trabalhadores. ABORDAGEM FAMILIAR NA FAVELA ↠ O contexto de vulnerabilidade social traz especificidades à configuração familiar, que se apresenta predominantemente em rede, afastando-se da ideia de 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck que a família é nuclear e se restringe à unidade doméstica. Um exemplo da rede familiar é a “circulação de crianças”, sendo frequente filhos se referirem a duas ou três “mães” por terem sido criados por vizinhos ou outros familiares. ↠ Pelo fato de não haver estágios claros do ciclo de vida familiar e de escaparem da lógica nuclear hegemônica, as famílias pobres recebem categorizações diferentes das famílias ricas, muitas vezes carregadas de preconceito e estigma. ABORDAGEM COMUNITÁRIA ↠ O “Diagnóstico comunitário” visa reconhecer e compreender a história do lugar, seus costumes, sua cultura e seus processos de saúde e adoecimento. Para isso, é preciso usar ferramentas interdisciplinares que reúnem olhares da epidemiologia, da sociologia, da geografia, entre outros. Existem várias ferramentas para realizar um diagnóstico comunitário: a estimativa rápida participativa, o planejamento estratégico situacional, a coleta de dados em fontes secundárias, como o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e o IBGE, além de estratégias interacionais, como as cartografias sociais e a produção de narrativas sobre a comunidade. Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) constituem outra proposta que fortalece o trabalho das equipes de saúde na favela. Profissionais da saúde mental e do serviço social, por exemplo, são mediadores necessários para o exercício da integralidade na APS, seja para a realização de visitas domiciliares conjuntas, seja para a atuação em interconsultas. Os profissionais dos NASF permitem aumentar a resolutividade das ações no território e auxiliam na construção da rede de assistência para o manejo de casos mais complexos. Nessa perspectiva, as equipes de “Consultório na rua” também podem atuar como matriciadores para equipes de saúde que atuam na favela. Dadas as peculiaridades do território, há pessoas que vivem nas comunidades em situação de rua, muitas vezes sem domicílio fixo, em uma conjuntura de extrema vulnerabilidade, que inclui o uso problemático de drogas. A experiência das equipes de “Consultório na rua” no manejo dessas situações pode ser um aliado importante no plano de cuidados específicos para esta população, por vezes sendo necessário o acompanhamento conjunto pelas equipes. Referências GUSSO et. al. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática, 2ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2019.
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