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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Inflamação do pericárdio acometendo as membranas que envolvem o coração. A incidência estimada é de 3,3 casos/100.000 pessoas por ano e é responsável por cerca de 5% dos pacientes com queixa de dor torácica. Não existem dados epidemiológicos em crianças e adolescentes (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). Etiologia ↠ A pericardite em crianças tem uma etiologia variada. As principais causas são: pós-operatório de cirurgia cardíaca, neoplasias, doenças renais, doenças reumatológicas, viral e idiopática (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). CAUSAS ↠ As infecções virais provavelmente constituem a causa mais comum de pericardite, particularmente no primeiro ano de vida (PARK, 2015). ↠ A doença reumática aguda constitui causa comum de pericardite, especialmente em certas partes do mundo (PARK, 2015). ↠ A infecção bacteriana (pericardite purulenta) é uma forma rara e grave de pericardite. Os agentes comumente encontrados são S. aureus, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, Neisseria meningitidis e estreptococos (PARK, 2015). ↠ A tuberculose constitui causa ocasional de pericardite constritiva e apresenta um início insidioso (PARK, 2015). ↠ A doença do colágeno, como, por exemplo, a artrite reumatoide pode provocar pericardite (PARK, 2015). ↠ A pericardite pode constituir uma complicação da doença oncológica ou do seu tratamento, incluindo a radioterapia (PARK, 2015). ↠ A uremia (pericardite urêmica) constitui uma causa rara (PARK, 2015). Classificação ↠ A pericardite tem várias causas e pode se apresentar de diversas formas. Pode ser uma doença primária ou secundária, geralmente benigna e autolimitada. A principal complicação é o derrame pericárdico, que pode levar à morbidade (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). ↠ Pode ser classificada de acordo com o tipo ou quanto à sua duração (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). Fisiopatologia ↠ A patogênese dos sinais e sintomas do derrame pericárdico é determinada por dois fatores: a velocidade do acúmulo de líquidos e a competência do miocárdio (PARK, 2015). ↠ Um acúmulo rápido de uma grande quantidade de líquido pericárdico produz distúrbios circulatórios mais graves. Um acúmulo lento de uma quantidade relativamente pequena de líquido pode resultar em graves distúrbios circulatórios (tamponamento cardíaco) se a extensão da miocardite for significante (PARK, 2015). Com o desenvolvimento do tamponamento pericárdico, vários mecanismos compensatórios são deflagrados, incluindo constrição venosa sistêmica e a pulmonar para melhorar o enchimento diastólico, um aumento da resistência vascular sistêmica, para elevar a pressão sanguínea em queda, e taquicardia para melhorar o débito cardíaco (PARK, 2015). ↠ Um acúmulo lento de uma grande quantidade de líquido pode ser acomodado pelo estiramento do pericárdio se o miocárdio estiver intacto (PARK, 2015). Classificação da pericardite quanto ao seu tipo. Classificação da pericardite quanto à sua duração. 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck Manifestações Clínicas Crianças com pericardite não complicada frequentemente se apresentam assintomáticas ou oligossintomáticas. As manifestações clínicas são decorrentes de 3 fisiopatologias: inflamação do pericárdio gerando dor torácica e febre; derrame pericárdico podendo levar ao tamponamento cardíaco; e espessamento, retração e calcificação do pericárdio configurando a pericardite constritiva (LOUREIRO; SILVA, 2019). ↠ As manifestações da pericardite são variáveis. A pericardite aguda costuma apresentar os sinais e sintomas mais evidentes de pericardite, podendo ter um quadro febril acompanhado de dor retroesternal ou precordial e mialgia. No exame se observam taquicardia e atrito pericárdico. Pode ocorrer abafamento das bulhas cardíacas (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). ↠ O pulso paradoxal pode estar presente e consiste em uma exacerbação da redução fisiológica da pressão arterial sistólica durante a inspiração. Quando extremo, o pulso desaparece durante a inspiração e pode ser percebido em qualquer artéria. Em situações menos intensas, o pulso apenas diminui de intensidade e é mais bem observado em uma grande artéria. Nesses casos, a palpação da artéria femoral pode facilitar a percepção do pulso paradoxal (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). ↠ Na presença de hipotensão arterial grave, arritmias cardíacas, respiração rápida e superficial, raramente o pulso paradoxal é verificado (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). O pulso paradoxal pode ser quantificado por meio do esfigmomanômetro. Raramente a redução fisiológica da pressão arterial sistólica excede 10 mmHg. Quando esse limite é ultrapassado, o pulso paradoxal está presente. O registro da pressão sistólica deve ser obtido no final da inspiração e expiração (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). ↠ O pinçamento (estreitamento) da pressão arterial, ou seja, a diferença entre a pressão arterial sistólica e a diastólica, será menor ou igual a 20 mmHg, caracterizando a pressão arterial convergente. Consiste em um sinal clínico de gravidade e de possível tamponamento cardíaco (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). Anamnese e Exame Físico A síndrome pericárdica pode se apresentar de distintas formas, devendo fazer parte da investigação nos casos de dor retroesternal, crianças com doenças oncológicas, renais e reumatológicas. Também deve ser investigada nos casos de pós-operatório cardíaco, em especial no pós-operatório de comunicação interatrial. A grande preocupação decorre da evolução com derrame pericárdico, principalmente na pericardite aguda, em que a formação de derrame pode ocorrer rapidamente e levar a tamponamento cardíaco (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). HISTÓRIA ↠ O paciente pode apresentar uma história de infecção do trato respiratório superior (PARK, 2015). ↠ A dor precordial (indistinta, constante, ou em punhalada) com irradiação ocasional para o ombro e pescoço, pode constituir a queixa de apresentação. A dor pode ser aliviada inclinando-se para frente e pode se agravar com a posição supina ou a inspiração profunda (PARK, 2015). ↠ A febre de graus variáveis pode estar presente (PARK, 2015). EXAME FÍSICO ↠ O atrito pericárdico (um som de raspagem, em crescendo e decrescendo em sincronia com as bulhas cardíacas) constitui o sinal cardinal (PARK, 2015). OBS.: O atrito pericárdico é o sinal mais característico da doença pericárdica, porém nem sempre é fácil de ser auscultado já que o paciente pode estar taquicárdico e choroso em caso de crianças pequenas (LOUREIRO; SILVA, 2019). ↠ O coração encontra-se silencioso e hipodinâmico na presença de uma grande quantidade de derrame pericárdico (PARK, 2015). ↠ O pulso paradoxal é característico do derrame pericárdico com tamponamento (PARK, 2015). ↠ O sopro cardíaco geralmente está ausente, embora possa estar presente na cardite reumática aguda (PARK, 2015). ↠ Em crianças com pericardite purulenta, febre alta (38,3 a 40,5°C), taquicardia, dor torácica e dispneia estão quase sempre presentes (PARK, 2015). ↠ Os sinais de tamponamento cardíaco podem estar presentes: bulhas cardíacas abafadas, taquicardia, pulso paradoxal, hepatomegalia, distensão venosa e, ocasionalmente, hipotensão com vasoconstrição periférica. O tamponamento cardíaco ocorre mais comumente na pericardite purulenta do que em outras formas de pericardite (PARK, 2015). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck Exames subsidiários ELETROCARDIOGRAMA ↠ O complexo QRS de baixa voltagem provocado pelo derrame pericárdico é característico, mas não um achado constante (PARK, 2015). ↠ O ECG pode estar alterado em 60% dos casos (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). Pericardite com derrame (efusiva): • Complexos de baixa voltagem. • Alternância elétrica.Supradesnivelamento do segmento ST: • Geralmente é caracterizado supradesnivelamento difuso do segmento ST = pericardite. No IAM, o desnivelamento respeita paredes e existe imagem em espelho. Raramente o supradesnivelamento na pericardite aguda é > 5 mm e a concavidade geralmente é para cima (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). Estágios da pericardite no ECG: • Estágio 1 (primeiras horas a dias): consiste em elevação do segmento ST com concavidade voltada para cima em todas as derivações, exceto aVR e V1, não respeitando a anatomia coronariana. Neste estágio as ondas T podem ser altas e pontiagudas. Em geral, o eixo do ST se situa entre +30 e +60º. • Estágio 2 (dias a várias semanas): ocorre retorno do segmento ST à linha de base e a onda T se achata. Neste estágio é possível observar, em alguns casos, a depressão do segmento PR (onda Ta), achado muito sugestivo de pericardite aguda, apesar de ocorrer em outras situações raras, como no infarto atrial. • Estágio 3 (final da segunda/terceira semana): há inversão da onda T, sem perda da voltagem do QRS. • Estágio 4 (pode durar até 3 meses): é a volta à normalidade, porém, dependendo da etiologia, a onda T pode ficar invertida por um grande período. RADIOGRAFIA DE TÓRAX ↠ Um grau variável de cardiomegalia está presente (PARK, 2015). ↠ Um coração em forma de pera ou de moringa é característico de um grande derrame (PARK, 2015). ↠ A trama vascular pulmonar pode estar aumentada se ocorrer o tamponamento cardíaco. O tamponamento pode ocorrer sem aumento da silhueta cardíaca se este se desenvolver rapidamente (PARK, 2015). ECOCARDIOGRAMA ↠ A ecocardiografia é a ferramenta mais útil no estabelecimento do diagnóstico de derrame pleural. Ele surge como um espaço livre de eco entre o epicárdio (pericárdio visceral) e o pericárdio parietal (PARK, 2015). ↠ O derrame pericárdico aparece primeiramente na porção posterior, do saco pericárdico. A presença de uma pequena quantidade de derrame posteriormente, sem derrame anterior, sugere um pequeno derrame pericárdico. Uma pequena quantidade de líquido, que só surge na sístole, é normal (PARK, 2015). Imagem subcostal de quatro câmaras demonstrando derrame pericárdico (DP) e colapso da parede atrial direita (seta grande), um sinal de tamponamento. AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; AD, átrio direito; VD, ventrículo direito. 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Nos derrames maiores, o líquido também aparece anteriormente. Quanto maior o espaço livre de eco, maior o derrame pericárdico. Nos derrames muito grandes, o movimento oscilatório do coração pode ser visualizado (PARK, 2015). ↠ Em pacientes com derrame crônico, filamentos de fibrina e outros materiais organizados podem ser observados no líquido pericárdico, o que pode produzir loculações no fluido (PARK, 2015). ↠ A ecocardiografia é muito útil na detecção do tamponamento cardíaco. Os achados ecocardiográficos bidimensionais de tamponamento são os seguintes: (PARK, 2015). • Colapso do átrio direito (AD) no final da diástole (porque a pressão no saco pericárdico excede a pressão no interior do AD no final da diástole). • Colapso ou indentação da parede livre do ventrículo direito (VD), especialmente na via de saída. Diagnóstico ↠ Os critérios diagnósticos da síndrome pericárdica consistem em dados clínicos, exames laboratoriais e de imagem. A sequência diagnóstica da pericardite aguda necessita dos seguintes passos: ausculta cardíaca, ECG, ecocardiograma, marcadores inflamatórios e de lesão miocárdica, RX de tórax – nível de evidência I (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). ↠ Exames opcionais incluem tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética e biópsia pericárdica (JANETE; WAGENFUHR; FORONDA, 2021). IMPORTANTE: A pericardite constritiva é resultado da cicatrização de uma pericardite anterior. Caracteriza-se por espessamento fibroso acentuado e aderências entre os folhetos visceral e parietal com ou sem calcificação. A RM tem ótima acurácia no diagnóstico. A pericardite pós- pericardiotomia (síndrome de Dressler) pode acontecer semanas ou até meses após uma cirurgia cardíaca e costuma ter boa resposta aos AINE. (LOUREIRO; SILVA, 2019). Conduta A pericardiocentese ou drenagem cirúrgica para identificar a causa da pericardite é mandatória, especialmente quando existe suspeita de pericardite purulenta ou tuberculosa. Um dreno pode ser deixado no local com drenagem intermitente de baixa pressão. (PARK, 2015). Os estudos do líquido pericárdico incluem contagens celulares com diferencial, glicose e concentrações proteicas; exame histológico das células; colorações de Gram e para bacilos álcool-ácido resistentes; e culturas para vírus, bactérias e fungos (PARK, 2015). No tamponamento cardíaco, a descompressão urgente através de drenagem cirúrgica ou pericardiocentese está indicada. Enquanto o procedimento é preparado, uma infusão rápida de soro ou coloides deve ser administrado a fim de aumentar a pressão venosa central melhorando, assim, o enchimento cardíaco, o que pode proporcionar uma estabilização temporária de emergência. (PARK, 2015). A drenagem cirúrgica de urgência do pericárdio está indicada quando houver suspeita de pericardite purulenta. Esta deve ser seguida por tratamento com antibióticos IV por 4 a 6 semanas (PARK, 2015). Não há tratamento específico para a pericardite viral (PARK, 2015). O tratamento enfoca a própria doença de base (p. ex., uremia, doença do colágeno) (PARK, 2015). Os salicilatos são administrados para a dor precordial e para a pericardite não bacteriana ou reumática (PARK, 2015). O tratamento com corticoide pode estar indicado em crianças com cardite reumática grave ou síndrome pós-pericardiotomia (PARK, 2015). Referências JATENE, Marcelo B.; WAGENFUHR, Jaqueline; FORONDA, Gustavo. Cardiologia pediátrica 2ª ed. (Coleção Pediatria). Editora Manole, 2021. FARK, Myung K. Park Cardiologia Pediátrica. Grupo GEN, 2015. E-book. LOUREIRO, Talita N.; SILVA, Anna Esther Araujo E. Cardiologia pediátrica 2ª ed.. Editora Manole, 2019. E- book. Definição e critérios diagnósticos para pericardite.