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SOCIOLOGIA ORGANIZACIONAL AULA 2 Profª Carolina Eshter Kotovicz Rolon 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula vamos estudar como a sociologia contribui para pensar a modernidade e o surgimento das organizações. Veremos como dois autores clássicos da sociologia, Émile Durkheim e Max Weber, pensaram as mudanças sociais na passagem da época feudal para a época moderna. Weber identificou a influência crescente da racionalidade nas diversas esferas da vida social, e Durkheim questionou os efeitos da divisão do trabalho para além dos seus resultados puramente econômicos e mostrou como ela fortalece os laços entre os membros de uma sociedade. A divisão do trabalho e a racionalização tiveram grande impacto no desenvolvimento das organizações. CONTEXTUALIZANDO Imagine que você é gestor de uma empresa e, para atingir as metas de produção, você tem que coordenar o trabalho de todos. Você está traçando uma estratégia a fim de conseguir a cooperação e o engajamento de todos. Tenha isso em mente ao estudar os conceitos de solidariedade orgânica de Durkheim e de dominação de Weber. Ao final da aula, vamos pensar como eles podem te ajudar a coordenar o trabalho de seus colaboradores. TEMA 1 – MODERNIDADE E O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA A transição da época feudal para a época moderna foi lenta, mas revolucionou a forma como os homens viviam, produziam e pensavam o mundo. A religião, que era a principal forma de explicar o mundo na época feudal, vai aos poucos perdendo espaço, e correntes filosóficas como o Iluminismo e o racionalismo se desenvolvem. Descobertas impulsionam o desenvolvimento da física, da química, da biologia e fomentam a vontade de explicar o mundo cientificamente. A sociologia surgiu lentamente e de maneira difusa ao longo do século XIX, buscando explicar as transformações introduzidas pela modernidade. Para Cuin e Gresle (1994), o impulso inicial para o surgimento da sociologia foi a Dupla Revolução – é assim que esses autores se referem à Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Essas revoluções não aconteceram do dia para a noite, mas as transformações que geraram foram profundas: a Revolução Industrial foi uma revolução econômica, no modo de produzir os bens, que teve 3 consequências para a formação do sistema capitalista; a Revolução Francesa, por sua vez, foi uma revolução política que transformou o governo. A passagem da época feudal para a época moderna foi lenta a afetou profundamente a organização social e os modos de vida. A Revolução Industrial começou na Inglaterra por volta de 1780 e mudou o modo de produzir bens e riquezas. Antes, a economia era feudal. O cavalheiro possuíam a terra e os servos produziam nela. No poder estavam monarquias absolutas, que dependiam do apoio dos nobres proprietários de terra. Na última parte do século XVIII, conselheiros de monarcas, atentos aos avanços nas ciências, buscam reformas para a modernização intelectual, administrativa, social e econômica de diversos reinos, como Marques de Pombal, por exemplo, o fez no reino português. As pessoas comuns normalmente nasciam e morriam no mesmo pedaço de terra. Em 1780, havia algumas grades cidades (Londres já tinha cerca de um milhão de habitantes; Paris, meio milhão), mas a maioria eram pequenas cidades. A classe média, instruída e empenhada no progresso, se aliava à monarquia para tentar levar a cabo suas ideias de modernização. Avanços tecnológicos, especialmente em relação às navegações, levaram à expansão imperialista e à exploração das colônias. Foram as colônias que forneceram as matérias-primas (algodão e pau-brasil) para a primeira grande indústria inglesa: a indústria têxtil (Hobsbawm, 2003). Aos poucos mercadores passaram a comprar e vender mercadorias: surgiu o Mercantilismo. Esses mercadores, com o comércio, acumularam riquezas e desenvolveram uma forma de lucrar ainda mais. Em vez de comprar os produtos dos artesãos e vender em mercados maiores, eles resolveram organizar a produção, juntar todos os trabalhadores num mesmo local para melhor controlar a produção. Assim surgiram as indústrias, e os donos das indústrias buscaram novas formas de tornar a produção mais eficiente. Métodos de produção racionalizados e máquinas foram surgindo. É esse processo, desde o surgimento da fábrica até o desenvolvimento de métodos e tecnologias para aperfeiçoar a produção, que é chamada de Revolução Industrial. (Cuin; Gresle, 1994) A Revolução Francesa começou em 1789, na França, com uma revolta do povo contra a monarquia. O povo estava pobre, passava fome e via a realeza e os nobres esbanjando em comida, festas, castelos. Havia também os burgueses, homens ricos, mas que não faziam parte de realeza, portanto não participavam 4 dos privilégios que estes tinham. A burguesia se uniu ao povo e juntos passaram a lutar contra os privilégios da monarquia. Eles reivindicavam liberdade, igualdade e fraternidade, todavia não foi o povo que assumiu o poder com a queda dos monarcas franceses, mas a burguesia. Esta foi uma revolução política, pois questionou a forma como a Europa até então era governada. A Revolução Francesa introduziu uma nova concepção do homem, como indivíduo, com direitos e deveres iguais aos de todos os outros. Não se podia justificar um privilégio pelo fato de se nascer em uma família real, nem o poder pela vontade de Deus. Todos os homens eram iguais e ficavam ricos aqueles que trabalhavam e juntavam dinheiro, e tinham o poder aqueles que eram eleitos pelos outros homens. Essas ideias rapidamente se espalharam para outros países. Foi nesse contexto que os primeiros homens começaram a pensar uma ciência da sociedade. Havia uns que eram contrários à dupla revolução, como Edmund Burke. Ele dizia que a dupla revolução conduz a sociedade ao caos e era a favor de restauração da autoridade da Igreja, ou seja, da antiga sociedade. Mas da dupla revolução também surgiram outras correntes de pensamento, como os ideólogos, que eram a favor de uma ciência das ideias na qual o homem estivesse no centro. Eles desenvolveram métodos para manter o ceticismo critico diante de ideias e valores estabelecidos (Cuin; Gresle, 1994). Os ideólogos abriram um caminho original de pesquisa. Algumas de suas ideias foram retomadas por Saint-Simon, que era a favor de uma nova sociedade e dizia que a verdadeira revolução ainda estava por fazer. Esse autor, que pensava que o sistema industrial iria transformar pacificamente a natureza e satisfazer o homem, defendia uma ciência do homem, que deveria se apoiar em fatos observados e discutidos para se tornar positiva. Um dos discípulos de Saint-Simon foi Auguste Comte, seu secretário, que depois se tornou filósofo e que criou o termo sociologia para designar a ciência da sociedade. 1.1 Uma ciência da sociedade O positivismo foi formulado por Augusto Comte, filósofo francês que viveu entre 1798-1857, em sua obra Curso de filosofia positiva. O positivismo de Comte baseava-se na ideia de que a ciência deve buscar verdades com base na observação sistemática e na experimentação. Através delas, o cientista estabelece as leis invariáveis dos fenômenos (Cuin; Gresle, 1994). Segundo 5 Comte, as ciências começaram a tornar-se verdadeiramente positivas com o surgimento da filosofia natural de Bacon, Galileu e Descartes. A partir de então, as ciências se tornaram sucessivamente positivas segundo o grau maior ou menor de suas relações com o homem: primeiro a Astronomia, seguida pela Física, Química e Biologia. Comte afirma que faltava, na sua época, que asociologia se tornasse uma ciência positiva (Comte, 1983). TEMA 2 – ÉMILE DUKRHEIM E A SOCIOLOGIA POSITIVA Retomando o termo sociologia criado por Comte, Émile Durkheim desenvolve uma ciência para explicar o mundo social. Durkheim foi além das formulações filosóficas e definiu um objeto para a sociologia, ao criar um método e realizar estudos empíricos sobre diversos fenômenos sociais. Devida a essas realizações, Durkheim é considerado um dos fundadores da sociologia. Em seu texto A ciência social e a ação, Durkheim (1975) diz que, embora a reflexão sobre o mundo político e social date de Platão e Aristóteles, passando por Hobbes e Rousseau, o objetivo desses pensadores não era descrever as sociedades tal como eram, mas teorizar sobre como elas devem ser. O sociólogo, de acordo com Durkheim (1975), estuda as sociedades para conhecer a as compreender, assim como faz o físico ou o biólogo. Sobre a sociologia, diz Durkheim (1975, p. 126): “sua função é unicamente determinar corretamente os fatos que estuda, descobrir as leis segundo as quais ele se produzem”. Esta citação ilustra a concepção positivista da sociedade como “submetidas a leis que derivam necessariamente de sua natureza e que a exprimem.” (Durkheim, 1975, p. 126). A tarefa à qual Durkheim se propõe ao realizar suas pesquisas é a de descobrir as leis que regem o mundo social. 2.1 Vida e obra de Durkheim A sociologia se torna uma disciplina reconhecida na academia francesa por meio do trabalho de Durkheim, que nasceu em 1858, numa região da França perto da fronteira com a Alemanha e se muda para Paris para estudar: ele estudou em um famoso liceu de ensino secundário e, em seguida, foi admitido em uma renomada instituição de ensino superior francesa, a Escola Normal Superior. Lá, Durkheim estudou filosofia e, depois de se formar, foi professor dessa disciplina em escolas secundárias do interior da França. Durante essa 6 época, ele se interessa por sociologia, mas, apesar de a França ser o berço da sociologia com Auguste Comte, não teve continuidade nas pesquisas nem no ensino dessa disciplina. Para se aprofundar nesse estudo, Durkheim passa um ano na Alemanha, onde, entre 1885-86, entrou em contato com a obra de Dilthey, Simmel e Tonnies. Durkheim desconheceu o trabalho de Weber, e Weber o de Durkheim. O primeiro curso de sociologia em uma universidade francesa, Durkheim ministrou em 1887 na Universidade de Bordeaux. Durante os anos em que viveu em Bordeaux (1887-1902), Durkheim também realizou pesquisas que são consideradas uma referência da sociologia e fundou uma revista, L´Année Sociologique, para divulgar pesquisas de outros sociólogos, historiadores e economistas que se interessavam em assuntos ligados à sociedade. Em 1902, Durkheim é nomeado assistente do professor Buisson na cátedra de Ciência da Educação da Sorbonne, tradicional universidade francesa. Com a morte de Buisson em 1906, Durkheim se torna titular da cátedra de Ciência da Educação e, em 1910, consegue transformá-la em cátedra de sociologia, com isso, consolidando o status acadêmico da disciplina (Rodrigues, 1981). Durkheim morreu em Paris em 1917. Suas principais obras são: A divisão do trabalho social, publicada em 1893; Regras do método sociológico, publicada em 1895; O suicídio, em 1897. As formas elementares da vida religiosa, em 1912; A evolução pedagógica na França, publicada em 1938. 2.2 Método e principais conceitos Para estudar cientificamente a sociedade, Durkheim criou um método, que ele apresenta em sua obre As regras do método sociológico. Para esse autor (Durkheim, 2003), o objeto da sociologia é o fato social. O que faz um fato ser social? Durkheim (2003, p. 40) define: “Fato social é toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente de suas manifestações individuais”. 7 Durkheim pensa a sociedade como tendo uma realidade própria, fora dos indivíduos. Ele explica que uma maneira de fazer ou pensar tem que ser geral e existir fora das consciências individuais. Aplicando a definição de Durkheim, é possível pensar a profissão de gestor como um fato social. As tarefas que você, gestor, tem que realizar na organização em que trabalha, os conhecimentos que você tem que adquirir para realizar suas funções e até os códigos de como se comportar caracterizam a sua profissão. Essas maneiras de fazer, de pensar e de agir não foram inventadas por você, pelo seu chefe, nem por um grupo de professores. Esse conjunto de saberes e fazeres da profissão de gestor são gerais, pois são compartilhados por todos os gestores na nossa sociedade e exteriores às consciências individuais, pois não foi um indivíduo quem os inventou e não dependem de um indivíduo para continuar existindo. A profissão de gestor é um fato social, de acordo com a definição de Durkheim. Durkheim diz que é igualmente possível identificar um fato social pelo seu poder coercivo, ou seja, ele se impõe ao indivíduo, que, se resistir, vai ser reprimido, seja com uma pena ou pelo do riso e pela aversão de outras pessoas. O dinheiro é um fato social, pois ele se impõe nas nossas trocas: se você for ao mercado e tentar pagar sua compra com balas, o caixa vai rir de sua atitude; se você insistir, ele vai chamar o segurança. Para estudar cientificamente os fatos sociais, Durkheim (2003) diz que é preciso tratá-los como uma coisa, a qual, segundo esse autor, é todo objeto que só conseguimos compreender pela observação e pela experimentação, passando progressivamente das características mais exteriores e mais imediatamente acessíveis às menos visíveis e mais profundas. Durkheim explica que uma coisa é conhecida de fora, começando por suas características exteriores, independentemente de suas manifestações individuais. Ao definir essas regras do método sociológico, Durkheim (2003) visa demonstrar que é possível fazer uma sociologia objetiva, no mesmo molde das outras ciências. O primeiro fato social estudado por Durkheim foi a divisão do trabalho. TEMA 3 – A DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL E A MODERNIDADE EM DURKHEIM Por que, à medida que o indivíduo se torna mais autônomo, ele depende 8 cada vez mais da sociedade? Esses dois movimentos parecem contraditórios, mas prosseguem paralelamente na sociedade. A pergunta de Durkheim é original: ele está preocupado com a coesão da sociedade, ou seja, os laços que unem os homens uns aos outros. Essa questão central é investigada por Durkheim em sua obra A divisão do trabalho social publicada em 1893. A função da divisão do trabalho é a de criar laços entre os homens, a solidariedade social. Para estudar a solidariedade social, Durkheim (1977) analisa o sistema jurídico das sociedades. É por meio das normas jurídicas que a solidariedade social pode ser medida e determinada. As normas jurídicas de diversas sociedades podem ser observadas, determinadas, medidas e comparadas. Vamos acompanhar o raciocínio de Durkheim (1977): onde a solidariedade social é forte, ela inclina os homens uns aos outros, os põe em contato e multiplica as ocasiões em que eles entram em relação. Quanto mais homens de uma sociedade são solidários, mais eles mantêm relações diversas. O número de relações entre os homens é proporcional ao número de normas jurídicas que determinam essas relações. A vida social tende a tomar forma definida e a organizar-se. O direito é a organização da vida social no que ela tem de mais estável e de mais preciso. A vida sociale a vida jurídica se estendem ao mesmo tempo e na mesma direção. A quantidade de normas jurídicas é, portanto, uma forma de medir a intensidade da vida social. Todavia, há uma diferença qualitativa entre as normas que Durkheim classifica como direito repressivo. Ao infringir uma norma, a pessoa é punida. No direito restitutivo, por outro lado, ao infringir uma norma, a pessoa deve restituir tanto quanto possível à sua forma normal. Durkheim enfatiza que não basta observar, descrever e classificar um fato social, mas também encontrar o viés por onde esses fatos são científicos. Ao identificar uma característica exterior do fato social, é possível afastar os juízos pessoais e apreciações subjetivas sobre o tema e atingir os fatos profundos da estrutura social que podem assim ser objeto da sociologia. 3.1 Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica Na modernidade, há uma intensificação da divisão do trabalho. Com a divisão do trabalho, ocorreu uma transformação nos laços que unem os homens e Durkheim identifica essa transformação na quantidade de normas do direito 9 repressivo e do direito restitutivo. Nas sociedades em que a divisão do trabalho é pouco desenvolvida, as pessoas se ligam umas às outras, pois realizam as mesmas tarefas. Ao trabalhar lado a lado fazendo as mesmas coisas, elas criam um sentimento de pertencimento ao grupo. Durkheim chama esse laço criado pelo baixo desenvolvimento da divisão do trabalho de solidariedade mecânica. A solidariedade mecânica é tanto mais forte quanto mais forte é o sentimento de fazer parte do grupo. O elemento externo que permite identificar, medir e comparar o sentimento que liga o indivíduo ao grupo é o direito punitivo. Nas sociedades em que o direito punitivo é mais forte e abarca mais aspectos da vida, maior é a solidariedade mecânica entre seus membros. Assim, ao medir a fração do aparelho jurídico que representa o direito penal, é possível medir a importância relativa da solidariedade mecânica. Com o desenvolvimento da divisão do trabalho, as pessoas realizam tarefas diferentes. O sentimento de fazer parte do grupo diminui, mas elas dependem cada vez mais dos outros. Você já pensou de quantas pessoas você depende para fazer algo simples, como comer um pão de queijo e tomar um cafezinho no seu intervalo? O sentimento de solidariedade que surge do fato de depender de tantas pessoas diferentes é o de solidariedade orgânica. Com esse nome, Durkheim faz referência ao organismo em que o bom funcionamento de cada órgão, que realiza uma função específica, é primordial para a saúde. Com a divisão do trabalho, o que marca o lugar do indivíduo na sociedade é a função que ele desempenha. Se ele não cumpre sua função, basta ele restituir o funcionamento normal da sociedade. Assim, o elemento externo que permite medir a solidariedade orgânica é a quantidade de normas do direito restitutivo. A análise que Durkheim faz do desenvolvimento da divisão do trabalho é positiva, pois ela gera um sentimento de solidariedade. Isso demonstra sua visão otimista da época moderna. Você já analisou a divisão do trabalho na sua empresa pelo viés da solidariedade social? Quais são as trocas que se estabelecem entre os funcionários? Há um sentimento de dependência mútua ou o individualismo reina? TEMA 4 – MAX WEBER E A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA Max Weber também tem uma visão otimista da época moderna. Ele identifica nesta o desenvolvimento da racionalidade, todavia a sociologia que 10 Max Weber desenvolveu é bem diferente da de Durkheim. Como primeiro elemento para reflexão nesse sentido, é preciso ver que ele pensa a validade do conhecimento sociológico de forma contrária ao positivismo. Para Weber (1992), a sociologia e a história não devem seguir o modelo das ciências naturais. As ciências sociais lidam com fatores humanos, não seguem leis gerais e impessoais. Para explicar as causas dos fenômenos sociais, é preciso compreender os elos das ações humanas. O pensamento de Weber foi influenciado pelo debate de outros historiadores e juristas alemães de sua época, como Dilthey, Rickert e Simmel. A ação social é o objeto da sociologia de Weber, e seu método consiste em compreender os motivos que levam os indivíduos a agirem tendo por referência a outros. 4.1 Vida e obra de Weber Max Weber nasceu em 1864. Seu pai era um jurista e político, conselheiro municipal em Berlim e deputado de Parlamento prussiano. Sua mãe, protestante, tinha uma concepção protestante do mundo. Cohn, retraçando a biografia de Weber, diz que há uma tendência dos intérpretes de Weber em atribuir um papel importante nesse contraste entre a mãe e o pai de Weber. Ao longo de sua vida, Weber viveu contrastes entre a academia e o engajamento político; entre períodos de produção intensa e crises psíquicas. A formação de Weber é em direito, mas ele também estudou muito de história, economia, filosofia e teologia. Cohn (1997) ressalta que Weber só se identificou como sociólogo tarde em sua carreira e o fez em tom polémico; nas palavras de Weber: se agora sou sociólogo então é essencialmente para pôr um fim nesse negócio de trabalhar com conceitos coletivos. Em outras palavras: também a Sociologia somente pode ser implementada tomando-se como ponto de partida a ação do indivíduo ou de um número maior ou menor de indivíduos, portanto de modo estritamente individualista quanto ao método. (Cohn, 1997, p. 25) Weber foi professor na Universidade de Friburgo depois na Universidade de Heidelberg. Em 1903, ele recebeu o título de professor honorário da Universidade de Heidelberg e passou a se dedicar apenas à pesquisa, mas sua atividade foi interrompida por crises psíquicas, em que ficou internado, e períodos em que ele se dedicou à política. Religião, ciência e política são três fenômenos que Weber analisou ao longo de sua vida. Suas principais obras incluem: 11 A ética protestante e o espírito do capitalismo (1903); Ciência como vocação; Política como vocação; Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva (1913); Economia e Sociedade (publicado após sua morte). Após sua morte em 1920, sua mulher, Marianne Weber, que também era uma intelectual, organizou grande parte dos escritos de Weber e os publicou. Vamos acompanhar o raciocínio de Weber para pensar a sociedade com base em seus indivíduos. 4.2 Ação social: a base da sociologia compreensiva de Weber Weber diz que o objetivo da sua sociologia é de compreender a ação social. Uma ação é social quando a pessoa que age tem como referência o comportamento de outros. Por exemplo, no seu trabalho, você dá uma ordem, que é uma ação que tem por referência o comportamento de outros, aqueles de quem você espera a obediência à tua ordem. Do mesmo modo, você, ao obedecer a uma ordem, tem por referência a ação do seu chefe que lhe deu uma ordem. Aqui já temos uma relação social: duas ações sociais orientadas reciprocamente. Para compreender o sentido da ação social, Weber utiliza um recurso metodológico: ele constrói tipos ideais, aqui usados no sentido de que eles não existem na realidade, apenas nas ideais. Os tipos ideais exageram um aspecto da realidade, são um tipo puro. Weber define quatro tipos ideais de ação social: Ação tradicional: determinada por costumes arraigados; Ação afetiva: determinada por afetos ou estados sentimentais; Ação racional com relação a fins: determinado por expectativas do comportamento de outros homens ou de objetos do mundo e utilizando estas expectativas como meios para alcançar fins conscientemente perseguidos; Ação racional com relação a valores:determinada pela crença consciente no valor ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma de valor de determinado comportamento sem levar em consideração as possibilidades de êxito. 12 Agir de acordo com seus valores é racional, afirma Weber (1982). Em sua obra A política como vocação, ele diz que não cabe à ciência determinar se um valor é mais nobre do que outro, ou se um fim é melhor do que outro, assim como não cabe à ciência definir se uma pessoa deve agir visando determinado fim ou seguindo seus valores. Os valores são subjetivos, a definição dos fins visados também é subjetiva, a racionalidade está no desenrolar da ação (Weber, 1982). Weber (1982) esclarece que os tipos ideais são tipos puros, que não existem na realidade. Por exemplo, eu posso compreender a sua ação de cursar a universidade como uma ação racional com relação a valores. Você acredita na educação como um valor e por isso está estudando. Todavia, você também visa a um fim (ter um diploma e conseguir um cargo e um salário melhor), então sua ação também é racional com relação a fins. Weber pensa no tipo ideal da ação racional com relação aos valores. Assim, na realidade, as pessoas não agem apenas por raiva. É um recurso metodológico do Weber construir tipos ideias, no sentido que existem somente no plano das ideias, exagerando unilateralmente algum traço. Weber esclarece que os tipos ideais não se encontram na realidade observada, mas servem como parâmetro para analisar a realidade. Ações sociais recíprocas constituem relações sociais. Há uma estabilidade no sentido das ações sociais quando estas são orientadas pela representação de uma ordem legítima. Vamos citar um exemplo que o próprio Weber utiliza: o funcionário chega no horário não por hábito ou por interesse próprio, mas também porque aceita a validade de uma ordem (o regulamento da empresa) e considera essa ordem como um mandamento que, caso não obedeça, terá prejuízos além do seu sentimento de dever. Baseando-se no indivíduo e no sentido que ele confere à ação social, Weber explica fenômenos sociais. TEMA 5 – RACIONALIZAÇAO E BUROCRACIA NA OBRA DE WEBER Weber observa na época moderna a crescente racionalização nas diversas esferas da vida. Se antes as ações tradicionais e afetivas eram mais fortes e enraizadas, com o advento da modernidade, a ciência e sua racionalidade ganham força para explicar o mundo. Weber diz que há desencantamento do mundo no sentido de que os fenômenos não são mais regidos por espíritos divinos, não podem ser alterados por magia, mas na crença 13 na ciência. A visão de Weber sobre a modernidade é positiva: estamos, cada vez mais, agindo de forma racional. De acordo com Giddens (2008, p. 350), Weber considerava a burocracia como uma parte central da racionalização da sociedade, que estava a afetar todas as facetas da vida desde a ciência à educação e ao governo. Em vez de confiarem em crenças e costumes tradicionais, as pessoas na idade moderna tomavam decisões racionais orientadas para um objetivo concreto. O caminho melhor, e mais eficiente seria escolhido para produzir determinado resultado. 5.1 Racionalização e dominação burocrática A racionalização leva a uma nova forma de obediência: a obediência às regras. A probabilidade de você obedecer a uma ordem é o que Weber chama de dominação. Os três tipos ideais de dominação elaborados por Weber são: Dominação tradicional: obedece a uma pessoa em virtude na crença de seus poderes que existem há muito tempo – como reis ou padres e o conteúdo das ordens está fixado pela tradição; Dominação carismática: obedece a pessoa em virtude de devoção afetiva pela pessoa e seu carisma – como o profeta, o herói, o demagogo – e obedece exclusivamente à pessoa devido às suas qualidades excepcionais. Dominação burocrática: obedece ao regulamento ou a lei, a pessoa que manda está legitimada pelas regras. O seu ideal é proceder de maneira estritamente formal sem a menor influência possível de sentimentos como caprichos ou considerações pela pessoa. A dominação burocrática foi essencial para a evolução do capitalismo moderno e do Estado moderno e ela ganha espaço, em todas as esferas da vida. Com base na dominação burocrática, desenvolve-se a organização burocrática. Weber elenca as vantagens da organização burocrática: “precisão, velocidade, clareza, conhecimento dos arquivos, continuidade, discrição, unidade, subordinação rigorosa, redução do atrito e dos custos de material e pessoal – são levados ao ponto ótimo na administração rigorosamente burocrática” (Weber, 1982, p. 249). O Estado moderno é um exemplo de uma organização burocrática, a empresa capitalista também. As principais características da burocracia segundo Weber, resumidas por Jaime e Lucio (2017, p. 48) são: 14 Caráter legal das normas e regulamentos; caráter formal das comunicações; divisão racional do trabalho; impessoalidade das relações; regras claras para orientar as relações pessoais; hierarquia da autoridade; rotinas e procedimentos padronizados; competência técnica e meritocracia; separação entre administração e propriedade; profissionalização dos participantes; previsibilidade do comportamento. A análise de Weber sobre a burocracia deu início às reflexões sociológicas sobre as organizações. Como vimos, a visão de Weber sobre a burocracia é positiva, pois esta tem uma superioridade técnica com relação aos outros tipos de dominação. Hoje, quando falamos em burocracia, pensamos em aspectos negativos como regras demais e desnecessárias, lentidão. Essas são disfunções do desenvolvimento da dominação burocrática que Weber não percebeu. As disfunções da burocracia serão analisadas por Merton (1970), cujas análises são o ponto de partida da sociologia das organizações. TROCANDO IDEIAS Saiba mais Leia a matéria publicada na Folha de S.Paulo sobre os efeitos da greve dos caminhoneiros no Brasil em maio de 2018. Desabastecimento atinge de mercado a posto de combustível com greve SP pode ficar sem gasolina nesta sexta; supermercado raciona venda a cliente Em postos de combustível, longas filas, que chegavam a congestionar ruas e avenidas, e motoristas dispostos a esperar horas para abastecer nos que dispunham de gasolina e de álcool – apesar de preços muitas vezes exorbitantes. Em alguns supermercados, faltaram produtos, e houve quem decidisse racionar a venda. Esse cenário de desabastecimento foi sentido por moradores de grandes cidades, como São Paulo, no 4º dia de paralisação dos caminhoneiros. A preocupação com a falta de produtos nos próximos dias se estendia até à disponibilidade de dinheiro, devido à dificuldade de transporte. Em carta à Febraban (federação dos bancos), a associação brasileira das empresas de transporte de valores alertou nesta quinta (24) sobre os riscos de atrasos e cancelamentos de entrega de dinheiro. Unidades de saúde também já eram afetadas por falta de entrega de insumos hospitalares – e havia preocupação com a chegada de oxigênio. Na capital paulista, a previsão do Sincopetro (sindicato de postos de combustível) era que os estoques dos estabelecimentos poderiam amanhecer esgotados nesta sexta (25). “Já é o quinto posto que venho porque os outros não tinham mais gasolina”, disse o representante comercial Francisco Assis, 56, após conseguir encher o tanque na zona leste. “O primeiro produto que está acabando é o etanol, que é o primeiro que o motorista pede, porque está mais barato”, disse José Alberto Paiva Gouveia, presidente do Sincopetro. Segundo ele, “como o consumidor ficou desesperado”, houve aumento de consumo. No Rio, 90% dos postos relatavam escassezde combustível. Houve reajuste de preço em postos pelo país – alguns cobraram mais de R$ 5 pelo litro de gasolina. O Procon-SP afirma que a prática pode ser abusiva e deve ser denunciada. Em supermercados paulistas, os itens mais afetados eram frutas, legumes e verduras, por serem perecíveis e de abastecimento diário —e que têm estragado nas estradas. 15 Segundo a Apas (associação dos supermercados), carnes, leite e derivados, panificação congelada e produtos industrializados que levam proteínas no processo de fabricação já estavam com as entregas comprometidas pelos atrasos no reabastecimento. Alguns estabelecimentos passaram a limitar a quantidade de venda a cada cliente. A rede Carrefour, por exemplo, chegou a limitar em algumas unidades cinco unidades de cada item por consumidor – para que “todos os clientes consigam preços e ofertas”. No Vale do Paraíba, uma rede só permitia 15 kg de arroz, 5 kg de feijão, 5 unidades de óleo, 6 litros de leite e 15 kg de açúcar para cada consumidor. “Vimos pessoas apavoradas, lotando carrinhos. Se continuasse assim, não teríamos nada”, disse Josaf Edson de Oliveira, gerente do supermercado Produtor, de Queluz. Houve desabastecimento de frutas e legumes no Ceagesp, de São Paulo, Ceasa, do Rio de Janeiro e de Curitiba, e Feira de São Joaquim, em Salvador. No Ceagesp, alimentos tiveram alta significativa de preços. A batata lavada subiu em média 95%, diz a companhia. “Na segunda, eu vendi o saco de batata entre R$ 70 e R$ 100, dependendo da qualidade. Agora está entre R$ 120 e R$ 200. A gente precisa implorar para o transportador mandar, aí eles sobem o preço”, afirma Rita Barbosa, sócia de um box do local. Associações de supermercados da região Sul também falaram em estoques comprometidos – exceto para itens de mercearia, higiene e limpeza, que costumam ser armazenados por até 15 dias. No Mercado Central de Belo Horizonte, um dos símbolos da capital mineira, começou a faltar outro ícone do estado: o queijo canastra. Na loja de Kris Julião, a bandeja de morango passou de R$ 4 para R$ 7. “E já acabou”, diz. O comerciante encomendou 20 caixas e veio metade. Os produtos estavam viajando camuflados em veículos de menor porte para driblar bloqueios nas estradas. (Folha de S. Paulo, 2018) O desabastecimento gerado pela paralisação dos caminhoneiros visibilizou nossa dependência por bens produzidos por trabalhadores e trabalhadoras em lugares distintos do país – e, consequentemente, nossa dependência dos caminhoneiros que fazem esses bens chegarem até nós. Dependemos do trabalho uns dos outros para tudo, inclusive para suprir nossas necessidades mais básicas, como por alimentação. O conceito de solidariedade social orgânica de Durkheim nos permite pensar a nossa dependência mútua no trabalho uns dos outros. Você pensa que a greve dos caminhoneiros aumentou a percepção das pessoas de dependerem umas do trabalho das outras? De que forma é possível fomentar o sentimento de solidariedade orgânica entre as pessoas? NA PRÁTICA Você já leu o regulamento da empresa em que trabalha? Faça uma análise crítica das normas escritas nesse regulamento. Compare as regras com as características da organização burocrática definidas por Max Weber e resumidas por Jaime e Lucio (2017). Caso a empresa em que você trabalha não tenha um regulamento, ou caso você não trabalhe, pegue o analise o regulamento de uma organização pública acessível pela internet. 16 FINALIZANDO Nesta aula vimos como a sociologia surgiu num período de profundas transformações sociais na passagem da época feudal para a época moderna. Uma das transformações diz respeito à forma de pensar e explicar o mundo. Com o advento da modernidade, as ciências se desenvolvem, incluindo a ciência da sociedade. Vimos também que o sociólogo francês Emile Durkheim desempenhou um papel importante para dar cientificidade à sociologia e consolidar essa disciplina na academia. O olhar sociológico de Durkheim viu na divisão do trabalho para além do fator econômico uma forma de as pessoas cooperarem e aprofundarem os laços que as une. A visão otimista da modernidade também está presente na análise de Weber, que identifica nas ações e relações sociais uma crescente racionalização. Retomando o problema apresentado no início desta aula: coordenar o trabalho dos colaboradores da empresa na qual você é gestor, traçando uma estratégia a fim de conseguir a cooperação e o engajamento de todos. O conceito de solidariedade orgânica de Durkheim ajuda a pensar estratégias para evidenciar a dependência mútua de todos os colaboradores e a importância do trabalho de cada um para o resultado final da empresa. Você, como gestor, ao ressaltar essa dependência mútua e valorizar o trabalho de cada colaborador, irá fortalecer o sentimento de solidariedade orgânica na sua empresa. Isso pode gerar mais cooperação e um melhor rendimento. Já o conceito de dominação de Weber o ajuda a pensar como transmitir as ordens para que obtenha uma maior probabilidade de ser cumprida. Weber mostra que a dominação burocrática se desenvolve nas organizações. Assim, racionalizar os processos e escrever as regras de forma clara e acessível são ações que fortalecem a obediência às regras impessoais e racionais que caracterizam a dominação burocrática. 17 REFERÊNCIAS COHN, G. Weber: sociologia. São Paulo: Ática, 1997. COMTE, A. Sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1983. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). CUIN, C-H.; GRESLE, F. História da sociologia. 2. ed. São Paulo: Ensaio, 1994. DESABASTECIMENTO atinge de mercado a posto de combustível com greve. Folha de S. Paulo, 24 maio 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/desabastecimento-atinge-de- mercado-a-posto-de-combustivel-com-greve.shtml>. Acesso em: 2 jul. 2019. DURKHEIM, E. A ciência social e a ação. São Paulo: Diffel, 1975. _____. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2003. _____. A divisão do trabalho social. Lisboa: Presença, 1977. GIDDENS, A. Sociologia. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. HOBSBAWM, E. J. Era das revoluções: 1789-1848. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. JAIME, P.; LUCIO, F. Sociologia das organizações: conceitos, relatos e casos. São Paulo: Cengage, 2017. LAZARTE, R. Max Weber: ciência e valores. São Paulo: Cortez. 1996. LUKES, S. Bases para a interpretação de Durkheim. In: CONH, G. Sociologia: para ler os clássicos. Rio de Janeiro/São Paulo: LTC, 1977. MERTON, R. K. Sociologia: teoria e estrutura. Tradução de Miguel Maillet. São Paulo: Mestre Jou, 1970. RODRIGUES, J. A. (Org.) A sociologia de Durkheim. São Paulo: Ática, 1981. Coleção Grandes Cientistas Sociais. WEBER, M. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1992. _____. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993. _____. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1982.
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