Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Projeto de Paisagismo II Raquel Weijh Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o plano conceitual do contexto urbano. Especificar os elementos de transições entre espaços utilitários. Identificar o dimensionamento dos passeios e mobiliários urbanos na elaboração do projeto paisagístico. Introdução O paisagismo pode atuar como elemento de transição entre os espaços privados e públicos. A forma de atuar e a responsabilidade social do traba- lho do paisagista, no que tange à elaboração do projeto em si, influencia na unificação das diversas disciplinas da arquitetura e na utilização dos espaços abertos. O paisagista deve utilizar dimensões adequadas para os diferentes ambientes dos espaços públicos, considerando sempre as funções, os dimensionamentos e a distribuição do mobiliário nesses espaços, a fim de gerar vitalidade nos espaços abertos. Neste capítulo, você compreenderá o contexto do projeto de paisa- gismo, a interação entre as diferentes disciplinas da arquitetura, bem como verá que o conceito do projeto deve atuar como unificador de todos os aspectos da obra: arquitetura, urbanismo e paisagismo. O contexto do projeto de paisagismo O campo de trabalho do arquiteto é interdependente com diversos outros profi s- sionais que complementam especifi cidades na tarefa de projetar, evidenciando a multidisciplinariedade que a abrange. Enquanto profi ssional de arquitetura, é possível se especializar na arquitetura em diversas áreas, como arquitetura de interiores, arquitetura civil, urbanismo e paisagismo, entre outras. Esta abrangência que envolve o trabalho do arquiteto o faz navegar em muitas escalas, ora partindo para o nível do detalhe, ora olhando a obra como um todo, sem perceber a costura entre as diferentes áreas que contemplam a elaboração do trabalho. É no refinamento simbolizado por essa costura invisível entre os diversos projetos que se situam a conceituação e as diretrizes projetuais. Do ponto de vista da teoria da arquitetura, o conceito do projeto e as principais diretrizes elaboradas para a composição arquitetônica da obra têm a função de costurar os trabalhos dos diferentes profissionais envolvidos de forma harmônica, evidenciando na obra a busca e a obtenção dos resultados que essas diretrizes projetuais propõem. Em projetos de médio ou grande porte, é natural que, em um primeiro momento, a obra arquitetônica em si seja encarada como protagonista do espaço onde será instalada, porém o trabalho do arquiteto paisagista é tão importante quanto a obra de arquitetura com a qual ele trabalhará, visto que envolverá o espaço que será criado pela obra de arquitetura em si. Ou seja, ao projetar a arquitetura dos espaços abertos, o arquiteto paisagista determina diretrizes que afetarão diretamente a relação do usuário do ambiente com o espaço aberto. Dentre as principais diretrizes que o arquiteto paisagista poderá lançar, pode-se citar: o grau de integração entre os ambientes abertos e fechados; a condução do usuário através dos espaços abertos; a criação de espaços de permanência ou transição; a criação de visuais que gerem e afetem tanto a percepção estética do espaço quanto a sua segurança; e a utilização de elementos que proporcionem mais sustentabilidade ao projeto. Uma das diretrizes mais importantes na abordagem da área por parte do paisagista é a forma como ele gerenciará o grau de acesso ou privacidade das áreas abertas, tornando-as mais ou menos reservadas, públicas, semi- públicas ou privadas. A interação e a integração do espaço aberto com os espaços construídos determinam o grau de privacidade que existirá entre os espaços fechados e abertos. Além disso, a maneira como o paisagista trabalhará o ambiente gerará maior ou menor permanência nesse local, o que está diretamente relacionado às diretrizes projetuais estabelecidas no que tange ao uso de iluminação, vegetação e mobiliário, criando aquilo Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano2 que os urbanistas chamam de vitalidade do espaço. Nesse sentido, em seu livro Cidades para pessoas, Jan Gehl (2015, p. 3) destaca que: “Uma característica comum de quase todas as cidades — independentemente da localização, economia e grau de desenvolvimento — é que as pessoas que ainda utilizam o espaço da cidade em grande número são cada vez mais maltratadas”, visto que os espaços públicos muitas vezes são abandonados, de modo que ficam em condições precárias, o que impede que as pessoas os utilizem (Figura 1). Figura 1. Praça José Vilela, Recife — Os espaços públicos sofrem com o abandono, assim como as pessoas que frequentam esses espaços. Fonte: Alexandersr/Shutterstock.com. Portanto, dentre as diretrizes a serem estabelecidas durante a elaboração de um projeto, é imprescindível considerar a manutenção do espaço aberto. Via de regra, espaços públicos abertos são de propriedade e manutenção pú- blica, motivo pelo qual o paisagista precisa ter uma série de cuidados em seu projeto, principalmente no que tange à conservação do espaço aberto de uso comum, bem como às espécies que ele escolherá. Suas diretrizes projetuais e composições devem se utilizar ao máximo de plantas nativas que já estão plenamente adaptadas ao clima, à insolação e ao regime de chuvas do local. Nas partes do projeto que são compostas por elementos construtivos, como a iluminação e o mobiliário, deve-se optar sempre por elementos e materiais duráveis e que precisem de pouca manutenção, mas que, em caso de necessidade de substituição, sejam facilmente encontrados. 3Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano O principal elemento do projeto de paisagismo Segundo Jan Gehl, arquiteto dinamarquês cujo trabalho se desenvolve em torno da relação das pessoas com os espaços, as atividades ao ar livre em espaços públicos podem ser divididas em três categorias: atividades necessárias, atividades opcionais e atividades sociais (Figura 2) (GEHL, 1971). O autor desenvolve a conceituação de cada uma dessas classifi cações da seguinte forma: Atividades necessárias incluem aquelas que são mais ou menos compulsó- rias – ir à escola ou trabalho, fazer compras, esperar por um ônibus ou uma pessoa, levar recados, distribuir correspondência – em outras palavras, todas as atividades nas quais os envolvidos em maior ou menor grau são solicitados a participar. Atividades opcionais são aquelas em que quem busca participar o faz quando há um desejo em fazê-lo, quando e se o tempo e o espaço permitirem – é outra questão. [...] Atividades Sociais, são todas as atividades que são dependentes da presença de outras pessoas no espaço público (GEHL, 1971, p. 9–12). Figura 2. Melbourne, Austrália — Atividades sociais. Fonte: Veitch, Timperio e Salmon (2016, documento on-line). Considerando a forma como Jan Gehl fala a respeito das cidades, pode-se afirmar que, apesar de a cidade ser um espaço onde percebemos com maior intensidade os ambientes construídos, ou seja todas as edificações, tanto estas quanto os espaços abertos são resultado das relações humanas. Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano4 Tanto as relações das pessoas entre si quanto as relações destas com o espaço são os principais vetores que criam a cidade e determinam os usos dos espaços. Entretanto, a forma como as pessoas utilizam o espaço é que determina a qualidade, a sustentabilidade e a segurança dos ambientes abertos. Assim, considerando a forma como as pessoas vivem e as suas necessidades básicas de relacionamento com o espaço, pode-se compreender melhor os motivos pelos quais, por exemplo, uma vizinhança que está estruturada de forma a ter comércios que dão suporte às necessidadesdomésticas, como mercado, padaria, lavanderia, farmácia, entre outros varejos de uso cotidiano, se torna mais atraente para viver do que aqueles bairros onde os usos se encontram completamente segregados entre si. Ao considerar as relações entre as pessoas, os espaços públicos e os espaços privados, é possível perceber que, nas grandes cidades, o poder público já tem tomado medidas para que a vitalidade das ruas se torne constante. O plano diretor de São Paulo, por exemplo, prevê a criação de “fachadas ativas”, ou seja, grandes torres devem abrigar em seu espaço térreo usos comerciais e serviços para promover a circulação constante de pessoas. Sobre esta dinâmica de uso misto do espaço em uma vizinhança ou bairro, Jane Jacobs, jornalista americana engajada nas questões sociais que envolvem a produção e o uso cidade, afirma que: Usos únicos de grandes proporções nas cidades têm entre si uma característica comum. Eles formam fronteiras, e zonas de fronteira, nas cidades, geralmente criam bairros decadentes. Uma fronteira – o perímetro de um uso territorial único de grandes proporções ou expandido – forma o limite de uma área “comum” da cidade. As fronteiras são quase sempre vistas como passivas, ou pura e simplesmente como limites (JACOBS, 1960, p. 177). É nas fronteiras caracterizadas no trabalho de Jane Jacobs e no cuidado do espaço público ao qual se refere Jan Gehl que se localiza o trabalho do arquiteto paisagista. Do ponto de vista da responsabilidade social, o trabalho do paisagista é essencial, pois expressa a harmonização entre as intenções do urbanista, a função da edificação, a harmonização com as edificações do en- torno e, quando for o caso, com aquelas que fazem parte da área de seu projeto. Enquanto o urbanista planifica a cidade, de forma a torná-la agradável ao uso, com espaços que possam ser usados pelas pessoas de forma ativa e constante, tornando a cidade segura, o paisagista trabalha com os espaços abertos, guiando o usuário, criando espaços para usos ao ar livre, de forma a gerar a permanência e a vitalidade dos espaços públicos, e gerando zonas de transição de usos entre o uso público e o uso privado. O paisagista torna funcional a intenção do urbanista, e é o seu trabalho que, juntamente com 5Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano os usos da região trabalhada determinados no plano de urbanismo, cria a vivacidade e a atratividade dos espaços. É o cuidado do paisagista com o levantamento do entorno de sua obra que guia o olhar do usuário do espaço para a paisagem urbana, e, considerando-se o trabalho do paisagista deste ângulo, é possível afirmar que o paisagista cria os cenários onde se discorre a vida urbana, podendo emoldurar as cenas da vida e do quotidiano das pessoas. Por outro lado, o trabalho do paisagista é silencioso frente aos objetos construídos, pois sua principal função é harmo- nizar os espaços abertos com os espaços construídos. Sobre as transições de uso dos diferentes espaços, Rogers e Gumuchdjian afirmam que (2017, p. 69): As cidades são uma adaptação entre direitos particulares e responsabilidades públicas. Em 1768, o arquiteto Giambattista Nolli desenhou um mapa de Roma e, ao colorir os espaços privados, ilustrou tudo o que era acessível ao cidadão. Além das passagens, ruas, praças e parques que pensamos como espaços públicos, ele também incluiu espaços semipúblicos: igrejas, termas, prefeituras e mercados. Segundo Rogers e Gumuchdjian (2017) o trabalho de Nolli mostrou em duas dimensões os espaços onde o cidadão transita livremente, porém é o espaço tridimensional das edificações que define o âmbito público, representando uma contínua e sempre mutável sequência de espaços, que é a principal caracterís- tica das cidades. Nesse aspecto, vale salientar que, sobre a responsabilidade social do trabalho do arquiteto paisagista, Rogers dá ênfase à ideia de que os edifícios têm sido projetados como objetos isolados, ignorando a esfera do público na qual se localizam, uma falta grave na elaboração dos projetos, visto que os edifícios ampliam a esfera do público de várias formas, conformando a silhueta da massa edificada, marcando o horizonte da cidade e conduzindo a exploração dos lugares pelo olhar do observador. A forma como os detalhes pensados no projeto se relacionam com a escala humana tem grande impacto no cenário urbano, e “[...] o menor detalhe tem efeito crucial na totalidade” (ROGERS; GUMUCHDJIAN, 2017, p. 71). O arquiteto paisagista deverá, portanto, possuir a habilidade de ver os aspectos do conjunto, de forma a definir os parâmetros e as diretrizes de seu trabalho para elaborar a “costura” entre os objetos construídos e o espaço aberto. Seu trabalho também definirá a forma como as fronteiras entre o público e o privado serão tratadas. Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano6 Tim Waterman (2011) complementa que ter em mente as relações humanas nos espaços projetados e a forma de projetar esses espaços é determinante na criação do ambiente ideal, a fim de que as pessoas se apropriem do espaço público, considerando-o uma extensão do espaço privado de sua residência ou local de trabalho. Waterman (2011, p. 84), ao traçar um paralelo com o uso de uma roupa confortável, lembra que o arquiteto paisagista cria muito além dos lugares “[...] meramente fotogênicos ou escultóricos”, mas sim paisagens que foram criadas para serem habitadas, motivo pelo qual os trabalhos mais discretos são aqueles de maior qualidade. Corroborando com a importância do projeto de paisagismo, no sentido de se apropriar adequadamente do sítio e, de forma discreta, projetar o espaço, com base no conceito consolidado no movimento moderno da arquitetura de que “a forma segue a função”, Waterman (2011, p. 86) afirma que: Os arquitetos muitas vezes começam com uma grandiosa exploração da forma, mas os paisagistas devem observar cuidadosamente o sítio, compreender seu potencial e protegê-lo de todos os seus usos possíveis. No paisagismo quase sempre é verdade que a forma segue a função. Essa fórmula simples parece fácil de resolver, mas a paisagem apresenta possibilidades funcionais quase ilimitadas. E a complexidade das intersecções de uso é o grande desafio dos paisagistas. Os espaços de transição entre o uso público e o privado Para compreender melhor o espaço de transição, é preciso, inicialmente, concei- tuar espaço público e espaço privado. Para isso, nos apoiaremos nas defi nições dadas por Hermann Hertzberger em seu livro Lessons for students in arquitecture: Os conceitos ‘público’ e ‘privado’ podem ser interpretados como a tradução em termos espaciais dos termos ‘coletivo’ e ‘individual’. Em um senso mais absoluto você poderia dizer: ‘Publico: uma área que é acessível a todos todo o tempo: responsabilidade de manutenção é tomada coletivamente. Privado; uma área cuja acessibilidade é determinada por um pequeno grupo ou uma pessoa com responsabilidade para manter (HERTZBERGER, 2005, p. 12, tradução nossa). Hertzberger aprofunda um pouco mais a diferenciação entre os conceitos de público e privado em termos de responsabilidades diferenciadas, do ponto de vista da interferência do usuário e suas contribuições para o ambiente, 7Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano afirmando que, durante o planejamento, é possível criar condições para um maior envolvimento do usuário na organização do espaço, de modo que “[...] os usuários se tornam habitantes” (HERTZBERGER, 2005, p. 28). A partir das definições e conceitos de Herman Hertzberger, pode-se afirmar que a abordagem do arquiteto dos espaços abertos é determinante na forma como o usuário do espaço se apropria deste, da mesma forma que determina o grau de privacidade do espaço e a vivacidade deste na maneira como projeta os espaços e prevê instalaçõespara as pessoas permanecerem no ambiente aberto. Ainda pensando na importância da abordagem adequada do projeto dos espaços abertos, tendo em vista os espaços de transição da cidade, Gehl comu- nica a sua preocupação com a forma como esses espaços têm sido abordados por parte dos arquitetos: [...] os espaços de transição da cidade oferecem um sentido de organização, conforto e segurança. Reconhecemos os locais sem espaços de transição ou com espaços de transição ruins, em muitas praças, circundadas nos quatro lados por vias de tráfego intenso. Sua função é bem mais empobrecida do que o espaço urbano onde a vida é diretamente reforçada por um – ou mais de um — espaço atraente de transição (GEHL, 2015, p. 75). Mas quais são os fatores decisivos em um projeto de paisagismo que deter- minam se o usuário do espaço irá efetivamente se apropriar deste ou não? Quais são as diretrizes de projeto que determinam esse sucesso? Além das diretrizes projetuais relacionadas com conforto e estética, um elemento fundamental é a sensação de segurança que os usuários do ambiente precisam ter para uma maior permanência no ambiente ao ar livre. O projeto de iluminação do espaço, a integração do espaço fechado com o espaço aberto e a escolha das melhores espécies vegetais para aquele projeto terão influência fundamental nesse aspecto. O paisagismo de espaços privados pode ser desenvolvido em ambientes residenciais ou comerciais. Nos projetos residenciais, há uma demanda maior por paisagismo em residências multifamiliares, que têm sido lançadas pelas incorporadoras com cada vez mais itens de uso comum e de lazer, como área de piscinas, quadras poliesportivas, pet place, playground, espaços para caminhada ou academias ao ar livre e espaços de reunião social, como chur- rasqueiras ou área aberta de festa. Em se tratado de ambientes comerciais ou corporativos, pode-se citar as áreas de ajardinamento tanto abertas quanto fechadas nos Shoppings Centres ou as grandes praças que integram uma área de prédios corporativos, com espaços de convivência para os funcionários. Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano8 Quando se fala na diferenciação entre os espaços privado e público, o fator escala, no que tange ao projeto de paisagismo, é o fator determinante, e há duas escalas distintas e mais usuais que podem ser trabalhadas: uma mais aplicável aos ambientes residenciais e corporativos, e outra mais aplicável aos espaços públicos. Segundo Faria (apud VIEIRA; OLIVEIRA, 2005, p. 2), a relação entre o uso dos espaços e sua escala ocorre da seguinte forma: [...] existem duas formas de definir o paisagismo, sendo utilizadas escalas quanto à representação gráfica do projeto paisagístico. Micropaisagismo, desenvolvido em espaços pequenos, com escalas menores, podendo ser de- senvolvido por apenas um profissional devido as proporções menores. Macro- paisagismo, projetos paisagísticos desenvolvidos em grandes espaços, sendo eles parques, bosques e arborização urbana, estes representam escalas maiores e podem ser desenvolvidos em equipe, onde envolve técnicas complexas e multidisciplinares. Quando se trata da escala de projeto de macropaisagismo, o arquiteto pai- sagista tem uma formação mais generalista, em virtude de conseguir gerenciar os demais técnicos em torno de seu trabalho; por exemplo, em um projeto de macropaisagismo, ele precisará de um engenheiro civil para projetar cortes de terra, taludes, instalações de irrigação, de um engenheiro florestal ou agrônomo para verificar questões relacionadas com compatibilidades de espécies entre si e com a composição de solo, etc. Embora um projeto paisagístico possa ser feito sem a presença de plantas, a escolha das espécies vegetais é uma etapa extremamente importante para a consolidação do projeto (TUPIASSU, 2008 apud VIEIRA; OLIVEIRA, 2015). De acordo com Tupiassu (2008) e Barbosa (2000) segundo Vieira e Oliveira (2015) a multidisciplinariedade na elaboração dos projetos é necessária, pois as espécies vegetais, quando parte do projeto, devem ser escolhidas não apenas por seus aspectos estéticos, mas também levando em consideração princípios fitotécnicos básicos para o seu manejo. O paisagismo não deve ser caracterizado como uma simples criação de jardins a partir do plantio desordenado de plantas ornamentais, pois trata-se de uma técnica artesanal unida à sensibilidade e que tem como principal intuito a reconstituição da paisagem natural dentro de um cenário que foi devastado por construções, sendo necessários conhecimentos de botânica, ecologia, variações climáticas regionais, arquitetura e agricultura. 9Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano Open Garden — Benedito Abbud — São Paulo/SP Em cidades de porte médio ou grande, como São Paulo, há diretrizes no plano diretor que incentivam e, em alguns casos, obrigam as incorporadoras a criarem espaços públicos nos lotes de suas incorporações. Em condomínios residenciais que ocupam grandes glebas, uma estratégia comum é criar um espaço público que esteja sob a responsabilidade de manutenção do condomínio, gerando um espaço aberto que tem utilidade tanto para os condôminos quanto para os passantes. Um exemplo desse tipo de projeto é o Open Garden, desenvolvido pelo arquiteto paisagista Benedito Abbud (Figura 3). O projeto está localizado na zona oeste da cidade de São Paulo, no bairro Vila Anastácio. Duas incorporadoras locais adquiriram grandes glebas vizinhas na região, totalizando mais de 150 mil m². A área, situada em uma região com grandes fábricas intercaladas com região de residências unifamiliares, conta com 11 condomínios verticais multifamiliares ao longo de uma rua com mais de 1.300 metros de extensão. As duas incorporadoras, percebendo que precisariam criar atratividade para a região, contrataram Abbud para realizar a costura entre os diferentes condomínios. O resultado foi um parque linear com grande variação de dimensões e muitos usos públicos: espaço para piquenique, playground, ciclovia, academia ao ar livre, entre outros (Figura 4). Figura 3. Open Garden, de Benedito Abbud, na Vila Anastácio, zona oeste de São Paulo — A relação dos condomínios residenciais com o Open Garden. As incorporadoras usam o parque linear como ar- gumento de venda para uma região que era residencial unifamiliar e recebeu altos índices construtivos. Fonte: Benedito Abbud (2019, documento on-line). Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano10 Figura 4. Perspectiva da rua do Open Garden — Grandes espaços urbanos qualificados para proporcionar segurança e regeneração do espaço público. Fonte: Benedito Abbud (2019, documento on-line). Parque da Cidade — OR Realizações (Sérgio Santana e Pamela Burton and Company) — São Paulo/SP Conforme o site do arquiteto paisagista brasileiro Sérgio Santana, em relação às diretrizes projetuais que geraram esta obra, o primeiro passo foi criar um parque, que constituiria a base do projeto. Portanto, o projeto paisagístico do Parque da Cidade teve papel fundamental na criação do projeto como um todo. A intenção, com esse projeto, era de criar um espaço urbano aberto que pudesse ser utilizado por toda a população da cidade. Outro elemento diferencial desse projeto é a questão da certificação ambiental, que o complexo de edificações optou por adquirir. Dentre as medidas para atingir o grau de certificação desejado, foram estabelecidas diretrizes projetuais, como priorizar o uso de materiais permeáveis, esta- belecendo o desafio de aproveitar toda a água utilizada nas torres, tratá-la e dar a ela uma nova utilização. Esta última diretriz gerou um elemento importante para o projeto, pois, para armazenar a água, os projetistas buscaram inspiração em um fenômeno da natureza: a formação de lagoas marginais (i.e., um tipo de corpo d’água, fenômeno bastantecomum em rios sinuosos). Essa ideia também tem relação direta com a proximidade com o Rio Pinheiro, visto que os paisagistas fizeram uma relação com a história da sua sinuosidade, aproveitando o desenho do rio e criando 11Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano recantos interessantes com canteiros de plantas que misturam formas mais retilíneas, inspiradas pela riqueza e a diversidade das espécies da Mata Atlântica, elemento implícito também ao optar pelo uso de plantas nativas. O resultado do projeto de paisagismo foi tão positivo que transformou o conceito das demais fases do projeto, levando o paisagismo para os telha- dos dos outros edifícios. As Figuras 5, 6 e 7, a seguir, mostram diferentes pontos de vista desse projeto. Figura 5. Vista aérea parcial da área de projeto. Fonte: Conheça... (2015, documento on-line). Figura 6. Vista parcial ao nível do observador da área de projeto. Fonte: Conheça... (2015, documento on-line). Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano12 Figura 7. Vista de um dos lagos. Fonte: Conheça... (2015, documento on-line). Conforme o site especializado ArchDaily, em matéria de junho de 2015: O projeto do Parque da Cidade nasceu com a proposta de transformar parte de uma área degradada na capital paulista em referência de sustentabilidade e planejamento urbano, seguindo à legislação e os planos municipais esta- belecidos pela Operação Urbana Água Espraiada da Prefeitura Municipal de São Paulo. O eixo principal, organizador do empreendimento, é o parque linear, de gestão privada, com 62.000m² de áreas abertas ao público em geral, dotado de infraestrutura de serviços e lazer que garantirão o fluxo constante de pessoas sete dias por semana, inclusive fora do horário comercial (CO- NHEÇA..., 2015, documento on-line). Outro elemento que destaca o projeto é o plantio de mais de mil árvores, com um total de 22.000 m² de áreas verdes. Os benefícios previstos pela adoção de áreas verdes são minimizar as ilhas de calor, atuar como barreiras acústicas e barreiras de ventos e favorecer a retenção de águas pluviais com os jardins de chuva e bacias estendidas. Dentre as principais características deste grande projeto, pode-se destacar que, além de ser o protagonista sobre o qual se desenvolveram os projetos arqui- tetônicos dos edifícios, a premissa projetual de incorporador sustentabilidade foi um elemento forte na elaboração das diretrizes de projeto, tanto no aspecto conceitual e estético quanto na interdependência do projeto de arquitetura com o de paisagismo, principalmente na forma como as águas servidas nas edificações foram tratadas, mas também na forma como se buscaram soluções 13Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano para resolver problemas urbanos relacionados com drenagem pluvial na área de implantação do projeto. O paisagismo é o elemento de costura entre diferentes espaços, e, enquanto elemento unificador, precisa respeitar o conceito arquitetônico inicial lançado no projeto para melhor cumprir sua função. Apesar de remeter ao uso intensivo de vegetação, o projeto de paisagismo contempla diversos elementos cons- truídos, bem como espaços vazios ou abertos, especialmente projetados para estimular a convivência. Elementos construídos que contemplam a arquitetura dos espaços abertos incluem pergolados, telheiros, espaços de estar e espaços de recreação permeados e unidos por caminhos revestidos de diferentes texturas de pisos combinados com vegetação. O paisagismo também pode ter um papel essencial na sustentabilidade do projeto como espaço para utilização de espécies nativas e, consequentemente, para a preservação destas por meio do conhecimento que os usuários do am- biente têm sobre elas. As espécies nativas também reduzem problemas com demandas exageradas por regas e reposição de minerais no solo. Elementos construídos: mobiliário urbano, iluminação e pavimentações Na arquitetura dos espaços abertos, pode-se desenvolver uma série de projetos que, apesar de, em sua essência, advirem da necessidade e do desejo da utilização do espaço ao ar livre, seja ele público ou não, convergem para promover mais do que apenas espaços de passagem, mas sim a vivacidade dos espaços por meio da criação de uma motivação para permanência e uso desses espaços públicos. Nesse sentido, tanto na elaboração de um projeto de jardim privado em um ambiente corporativo como na de um residencial, ou no desenvolvimento de um trabalho em um espaço público, como uma rua, uma praça, um parque, todos esses projetos terão uma instrumentalização, que promoverá o uso do espaço e elementos de cunho funcional, a fim de que o usuário possa se apropriar do espaço aberto e permanecer nele. Os elementos que compõem os espaços abertos, além do uso da vegetação em si, são: diferentes níveis de iluminação, pisos com finalidades específicas, mobiliário. Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano14 Ernst Neufert, em seu livro A arte de projetar em arquitetura, tem sido referência em medidas básicas para a tarefa de projetar tanto espaços abertos quanto espaços fechados. Peter Neufert avançou e escreveu Casa, apartamento e jardim: projetar com conhecimento, construir corretamente. Ambos são bons manuais para verificar as medidas antrópicas básicas para dimensionar espaços. Dentre os autores que trabalham com espaços abertos, Juan Luís Mascaró é referência, o qual afirma, em seu livro Loteamentos urbanos, que a largura das ruas é determinada de acordo com a sua função e com a taxa de ocupação do bairro e dos lotes que são acessados pela rua projetada (MASCARÓ, 2003). O perfil da rua deve ser projetado de forma a dar vazão ao trânsito previsto naquela via, tanto de pedestres quanto de veículos, com o intuito de evitar problemas de tráfego e congestionamentos. O autor ainda demonstra quais são os dimensionamentos ideais para espaços onde prevaleçam a circulação de pedestres e bicicletas, enfatizando que as vias de pedestres e bicicletas, bem como as de uso veicular, estão envoltas em muitas questões relacionadas com infraestrutura e tratamento da via, como cuidados com as larguras das faixas conforme os fluxos previstos para a via e com as declividades. Já a presença de mobiliário urbano, arborização e redes de infraestrutura aéreas e subterrâneas em conjunto influenciam diretamente na permanência das pessoas na rua e valorizam áreas de fluxo maior onde haja comércio, por exemplo. Sobre a largura das vias para pedestres, Mascaró (2003, p. 89) propõe os seguintes pré-dimensionamentos: A largura mínima recomendável para os passeios é de 2,40 m, considerando o espaço mínimo de 1,20 m para o trânsito de pedestres em duas direções, uma faixa de 0,60 m para mobiliário urbano de pequeno porte e um espaço morto de 0,60 m entre a faixa de circulação e a linha da edificação. 15Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano O autor ainda recomenda que, quando estiver previsto o trânsito de deficientes físicos, deverá haver um acréscimo de largura de 20 a 30 cm ao mínimo recomendável de largura de passeios, para que o trânsito de pessoas f lua com mais facilidade. Também é recomendado que se reserve um espaço de 1 m para a arborização, posteamento de rede aérea, canaliza- ção de córregos e instalações subterrâneas de infraestrutura, como água e esgoto, sempre tomando cuidado com os possíveis conflitos entre as redes subterrâneas e a arborização. Considerando todos esses elementos, que pertencem a diferentes grupos de infraestrutura e utilização do espaço de passeio, pode-se chegar a um dimensionamento ideal de passeio de cerca de 3,60 a 4,00 m de largura. Sobre as vias que abriguem circulação de bicicletas, o espaço ocupado pelas bicicletasno trânsito deverá ser dimensionado conforme será permitido o fluxo de bicicletas e como elas deverão conviver com os veículos automotores. Sua classificação em quatro tipos está relacionada com o fluxo da vida, motivo pelo qual, quando se trata de uma via local em que o espaço de tráfego pode ser compartilhado, o alargamento da via supre a necessidade para dar suporte ao tráfego de bicicletas. Entretanto, em vias de fluxo mais acentuado, podem ser criadas ciclofaixas, isto é, “[...] faixas separadas das outras faixas de tráfego por uma linha pintada no pavimento” das ciclovias (MASCARÓ, 2003, p. 92). O tráfego entre os veículos motorizados e o de bicicletas deve ser separado por um elemento físico, como um canteiro, contendo separação de direção das bicicletas e, eventualmente, podendo ser completamente desvinculado do sistema viário existente, motivo pelo qual a recomendação geral de Mascaró (2003) é de que haja, no mínimo, um alargamento de 1,50 m para abrigar as faixas de trânsito de bicicletas. Para que os espaços de convivência ao ar livre se tornem espaços de per- manência, portanto, é essencial que o arquiteto se preocupe com as circulações que conduzem o usuário até os espaços de estar, de modo a separar espaços de passagem de espaços de permanência, para que os usos de um não interfiram nos usos do outro. Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano16 A Figura 8, a seguir, apresenta os dimensionamentos mínimos de espaços de circulação. Figura 8. Recomendações de pré-dimensionamento de espaços. Fonte: Mascaró (2003, p. 72). A Figura 9, a seguir, apresenta a largura mínima de um passeio. Figura 9. Largura mínima de passeio. Fonte: Mascaró (2003, p. 89). 17Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano A Figura 10, a seguir, apresenta a largura ideal de passeios. Figura 10. Largura ideal para passeios. Fonte: Mascaró (2003, p. 90). Por meio dos links a seguir, você tem acesso às plataformas de revistas eletrônicas (em inglês) sobre paisagismo. https://qrgo.page.link/VYpFu https://qrgo.page.link/X8wW1 Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano18 BENEDITO ABBUD. Arquitetura paisagística. São Paulo: Benedito Abbud, 2019. Disponível em: http://www.beneditoabbud.com.br/index2.asp. Acesso em: 27 out. 2019. CONHEÇA os empreendimentos onde serão instalados os vencedores do 3º Desafio de Design Odebrecht Braskem. In: ARCHDAILY. [S. l.: s. n.], 2015. Disponível em: https://www. archdaily.com.br/br/768871/conheca-os-empreendimentos-onde-serao-instalados-os- -vencedores-do-3o-desafio-de-design-odebrecht-braskem. Acesso em: 27 out. 2019. GEHL, J. Cidades para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2015. GEHL, J. Life between buildings: using public space. Washington: Island Press, 1971. HERTZBERGER, H. Lessons for students in architecture. Rotterdam: nai010 Publishers, 2005. JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. MAHFUZ, E. C. Ensaio sobre a razão compositiva. Belo Horizonte: AP Cultural, 1995. MASCARÓ, J. L. Loteamentos urbanos. Porto Alegre: L. Mascaró, 2003. ROGERS, R. R.; GUMUCHDJIAN, P. Cidades para um pequeno planeta. São Paulo: Gustavo Gilli, 2017. VEITCH, J.; TIMPERIO, A.; SALMON, J. Most people just park themselves, so how do we promote more healthy activity in public parks? The Conversation, April 2016. Disponível em: http://theconversation.com/most-people-just-park-themselves-so-how-do-we- -promote-more-healthy-activity-in-public-parks-56421. Acesso em: 27 out. 2019. VIEIRA, A. S.; OLIVEIRA, A. M. Paisagismo além da estética: uma concepção ambiental. Goiânia: PUC-GO, 2015. WATERMAN, T. Fundamentos de paisagismo. Porto Alegre: Bookman: 2011. Leituras recomendadas KING, J. A. Landscape+Urbanism. [S. l.: s. n.], 2019. Disponível em: http://www.landsca- peandurbanism.com/info/. Acesso em: 27 out. 2019. KUCAN, A. et al. Discussion: interdisciplinary approach to the design of open space. In: LANDZINE. [S. l.: s. n.], 2015. Disponível em: http://landezine.com/live/interdisciplinary- -approach-to-the-design-of-open-space/. Acesso em: 27 out. 2019. NEUFERT, P. Arte de projetar em arquitetura. São Paulo: Gustavo Gili, 2013. NEUFERT, P. Casa apartamento jardim: projetar com conhecimento: construir correta- mente. São Paulo: Gustavo Gili, 2012. 19Planejamento da composição paisagística de espaços abertos e suas conexões com o contexto urbano
Compartilhar