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O pluralismo e o Serviço Social APRESENTAÇÃO A busca pelos conceitos que determinam a historicidade e os embates que relaionados à teoria d o pluralismo pode remeter a uma pesquisa histórica. Tal pesquisa traz em seu núcleo a relação e ntre modelos de governança e métodos de organização social em uma determinada sociedade. A fricção ocasionada por estas duas frentes, comumente tidas como opostos, foi o que decorreu ao longo dos tempos na formação desta teoria. Destaque-se que, ainda assim, a teoria do pluralismo serviu também como instrumento de manutenção e dominação do sistema capitalista e de explor ação burguesa. Nesta Unidade de Aprendizagem, você verá as discussões filosóficas acerca da concepção do pl uralismo e seus sincretismos, ocasionados pela integração deste conceito como parte do process o teórico-metodológico do Serviço Social. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a convivência e o diálogo de diferentes conceitos e teorias (pluralismo).• Reconhecer o pluralismo da prática metodológica do assistente social.• Analisar as possibilidades de uma direção hegemônica profissional a partir do pluralismo.• DESAFIO O conceito pluralista de sociedade refere-se a uma sociedade complexa, formada por núcleos div ersos, possuidores de determinado grau de representatividade e de poder de decisão diante dos p rocessos de governança e de tomada de decisões em um determinado meio social. Uma expressão disso são os chamados Conselhos de Direitos ou Conselhos Gestores de Política s Setoriais. Segundo Arzabe, são órgãos colegiados, permanentes e deliberativos, de formação p aritária incumbidos de trabalhar na formulação, supervisão e avaliação das políticas públicas. Suponhamos que você seja assistente social de uma determinada prefeitura e, também, é membr o integrante do Conselho Municipal de Direitos do Idoso representando o poder público neste ór gão colegiado. Como parte das ações executadas pelo referido Conselho, formam-se equipes técnicas de trabalh o. Em uma dessas equipes, você está encarregado de efetuar um levantamento quantitativo com rel ação ao número de idosos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no seu mu nicípio e fomentar a inclusão de novos beneficiários no referido programa. Cite quais estratégias você poderá utilizar para execução dessas ações. INFOGRÁFICO O pluralismo, entendido enquanto metodologia de agregação social por meio da participação efe tiva dos indivíduos representantes dos mais diversos segmentos sociais de determinada sociedad e, faz-se necessário sempre que nos deparamos com cenários tão complexos de desigualdade soc ial como é o caso do Brasil. De acordo com o IBGE, somente no ano de 2015, as classes D/E rec eberam um acrésimo de 2,7 milhões de famílias que desceram para a base da pirâmide brasileira. A pirâmide é uma forma de mensurar a renda média das famílias brasileiras. Neste Infográfico, será apresentada a pirâmide das famílias brasileiras divididas por classe socia l, renda e percentual de participação. CONTEÚDO DO LIVRO Leia o capítulo a seguir e compreenda como se dá o surgimento do conceito de pluralismo, seus objetivos e as características desse movimento que emerge como possibilidade de oposição aos Estados absolutistas. Veja também a influência deste junto ao processo de renovação do serviço social e as mudanças ocorridas, especialmente, após o processo de ruptura da profissão, ocorrido em meados dos anos 1960. O capítulo O Pluralismo e o Serviço Social, da obra Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social III e IV, traz uma abordagem que relaciona as dimensões de atuação do conceito de pluralismo e, em especial, aborda a importância deste na formação teórica e metodológica do profissional de Serviço Social. FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SSERVIÇO SSOCIAL III E IV Anderson Barbosa Scheifler O pluralismo e o Serviço Social Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a convivência e o diálogo de diferentes conceitos e teorias (pluralismo). Reconhecer o pluralismo da prática metodológica do assistente social. Analisar as possibilidades de uma direção hegemônica profissional a partir do pluralismo. Introdução O pluralismo enquanto conceito teórico surge como um movimento que tem por objetivo promover uma oposição aos Estados absolutistas e vai se transformando ao longo das épocas, perpassando inclusive o processo de renovação do Serviço Social propondo uma nova tecnicidade para o fazer metodológico da profissão. As questões culturais, sociais e históricas que acompanharam este processo sócio-histórico definiram como este conceito foi importante no processo de inclusão social e, contraditoriamente, na expansão do capitalismo moderno. Neste capítulo, você vai identificar as dimensões que exemplificam o conceito de pluralismo, sua relação com o Serviço Social e as implicações dessa teoria na prática metodológica profissional. Pluralismo, conceitos, teorias e sociedade Para que possamos trazer à tona o debate acerca da relação do pluralismo e Serviço Social, faz-se necessário uma imersão nas mais variadas formas de defi nição e relação desse termo. Bobbio (1999) exemplifi ca este conceito relacionando-o com a questão da governança em uma sociedade, para tal, quanto mais repartido for o poder e mais numerosos forem os centros que controlam os órgãos de poder, melhor e mais democrática será esta sociedade. Uma das melhores formas de distinguir um governo despótico de um governo pluralista é a presença maior ou menor dos chamados intermediários, ou seja, a diferença de poder entre governantes e governados irá defi nir o quão esta sociedade é pluralista e democrática ou despótica e autárquica. O despotismo constitui uma das formas mais autoritárias de se governar um Estado ou uma nação. É uma categoria de governo que se assemelha à ditadura ou à tirania, mas o governante não precisa se esforçar para sobrepor-se ao povo, pois o povo é vetado para se expressar, não sabe o que fazer e, principalmente, é tratado como escravo. Assim, há o governo sem leis e regras de um único indivíduo no despotismo, no qual tudo depende de suas vontades. Por outro lado, o despotismo é a forma mais simples de governo, já que é baseado na premissa de que o poder detém a razão. Em uma sociedade que vive sob essa condição, o poder está em quem controla as forças armadas e possui nelas a capacidade de manter a ordem. Só que esta ordem é atrelada à opressão, fazendo com que o poder cresça com o aumento do número de tropas comandadas. Logo, a força do regime está no isolamento dos homens, garantindo sua longevidade. O despotismo, todavia, enfrenta dificuldades para enfrentar seus opositores em algu- mas situações. Claro que esses indivíduos são perseguidos e silenciados pelo regime, mas, se o território do governo déspota crescer demais, o regime tem dificuldades para combater o desvio de dinheiro no interior do governo e as rebeliões. Situações como essas aumentam as dificuldades dos déspotas em estabelecer um regime despótico, refletindo na necessidade de um golpe de Estado. Essa forma de governo já existia antes dos gregos, como um governo patriarcal de autoridade pessoal e arbitrária. Só que na história antiga o poder do déspota aumentou com o aumento da população, criando uma rede por meio de casamentos e conquistas militares que auxiliavam no exercício do poder de um indivíduo. Os déspotas estiveram presentes também na Grécia e em Roma. Daí em diante, assim passou a ser designado o governante que geria seu território de forma opressora e arbitrária. Muitos desses indivíduos, inclusive, chegaram ao poder por meio da própria democracia, convertendo-se posteriormente em um governo autoritário e opressor, ou seja, no mesmo sentido de um ditador. Mas, durante o Séculodas Luzes, surgiu uma ramificação do despotismo que considerava elementos iluministas ao lado de posturas absolutistas em sua constituição. Os indivíduos que apresentaram esse caráter foram chamados de déspotas esclarecidos. No Brasil, inclusive, um deles teve notória presença e atuação, como foi o caso do Marquês de Pombal. Já entre os déspotas no sentido tradicional, são mundialmente conhecidos os exemplos de Napoleão, Mussolini, Hitler, Stalin, Péron, Fidel Castro, Pinochet e Sadam Hussein. Fonte: Gasparetto Junior (2018). O pluralismo e o Serviço Social2 A concepção pluralista de sociedade é permeada por três características: um fato; a complexidade de nossas sociedades em que formam-se núcleos particulares a autônomos de governança e tomada de decisões como os sin- dicatos, associações, partidos, grupos mais ou menos organizados etc. Outra característica, refere-se a: uma preferência; estes grupos devem se organizar na sociedade de modo a fazer com que o sistema político permita sua expressão e participação direta e indireta na formação da vontade coletiva. Por fim, a terceira característica: uma refutação: uma sociedade política constituída deve ser a antítese de totalitarismo ou despotismo governamental. Bobbio (1999, p. 17) afirma que a partir das teorias pluralistas de socie- dade, emergem três correntes filosóficas que se autodefiniram como tal: o socialismo, o cristianismo social e o liberalismo democrático. O socialismo que se autodefine como sendo pluralista é aquele também conhecido como o socialismo sindicalista. Este busca a descentralização territorial e funcional do poder fragmentando entre os grupos e organizações formais e informais tornando o cidadão produtor e consumidor desta democracia. O cristianismo social pluralista concebe a vida humana entrelaçada em um emaranhado de múltiplas sociedades, estas tornam-se maiores que o Estado em si, englobando a família, as associações de profissionais ou outras, a Igreja e a sociedade internacional. Já o pluralismo liberal-democrático tem como representante maior a sociedade estadunidense. A constituição dessa nação é inspirada em três princípios básicos: a autoridade ilimitada, a autoridade limitada e o pluralismo político. Este último definido como: Uma vez eu os próprios mecanismos jurídicos e constitucionais podem ser subvertidos quando alguns cidadãos ou grupos de cidadãos ganham parcelas desproporcionadas de poder em relação a outros cidadãos, o poder potencial de um grupo deve ser controlado pelo poder potencial de outro grupo (...) Em lugar de um centro singular de poder soberano, devem existir muitos centros, mas nenhum deles deve ou pode ser inteiramente soberano. Na perspectiva do pluralismo norte americano, o único soberano legítimo é o povo, mas o povo não deve nunca ser um soberano absoluto, (DAHL apud BOBBIO, 1999, p. 18–19) O pluralismo surge como sendo um movimento que se opõe ao chamado Estado-totalidade e, de fato, emergiu na história por diversas vezes, não coin- cidentemente, após períodos de totalitarismo governamental. Ele é como uma força que ressurge sempre após momentos de redução do aparato democrático, emergindo das lutas sociais e dos movimentos populares que, insatisfeitos com a governança déspota, mobilizam-se por meio de grupos populares e efetivam — por vezes — a redistribuição do poder. 3O pluralismo e o Serviço Social Cabe ainda explorar o que Bobbio (1999) aufere como sendo o aspecto nega- tivo do pluralismo, que consiste não na impotência do Estado, mas na dominação do grupo sobre o indivíduo. Se por um lado o pluralismo posiciona-se de forma contrária ao estatismo totalizante, de outro, há o receio da superestruturação destes grupos a ponto da ampliação do poder a tal ponto que o indivíduo deixa de ser parte desta estrutura tornando-se escravo de muitos patrões. A Constituição Brasileira de 1988 foi promulgada através de uma Assembleia Nacional Constituinte que teve por objetivo assegurar um Estado democrático de direito que garanta o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social (MARTINS, 2001). Cretella Jr. (1992), concebe a sociedade pluralista como sendo um conjunto de pessoas admitindo a diversidade de concepções e opiniões, preparadas para o diálogo, à discussão, contrárias a opiniões fechadas ou impostas por um líder ou um pequeno grupo sobre a maioria. É uma sociedade heterogênea e harmônica, que defende a estruturação e a aglutinação das realidades diversas, a diversidade, na unidade. A democracia em um Estado pluralista concebe este como sendo o tipo cujo ordenamento jurídico repercute em uma rede de relações às quais integram um sistema unitário que atenta às especificidades do indivíduo e, ao mesmo tempo, os valores de uma determinada comunidade. A democracia implica a pluralidade de soluções políticas e jurídicas. Sob o espectro político, podemos conceber o pluralismo enquanto sistema que destaca as decisões que acendem dos grupos que, em constante conflito, são mediados pelo Estado, agindo este como um árbitro que objetiva o bem comum da sociedade como um todo. Já a sociedade civil é caracterizada pelo conjunto de entes individuais e coletivos em permanente atividade que objeti- vam o alcance de interesses que lhe são pertinentes. Ao Estado é incumbido o papel de mediador dos conflitos que venham a surgir no decurso deste processo. É importante ainda destacar que em meio a este processo de tomada de decisões, a quantidade de grupos a formar-se e a inserir-se no processo democrático é teoricamente ilimitada, podendo ser tantos quantas forem as pautas de reivindicação levantadas pelos indivíduos. Martins (2001) destaca que o pluralismo acaba se colocando enquanto instrumento de contrapeso ao poder do Estado, ele afirma que o homem e seus grupos organizados devem gozar de um autopoder que lhes permita driblar o Estado, em especial quando este lhes oprime ou aleije suas livres manifesta- ções e seu processo de desenvolvimento. Porém, é necessário considerar um equilíbrio entre o Estado e sua força, por meio do direito, imposta no sentido O pluralismo e o Serviço Social4 de controle das ações e coerção quando as atividades de determinado grupo passam a criar a desordem e a dissociação do próprio bem comum. Mais uma vez, o autor destaca que o pluralismo, portanto, combate a concentração de todo o poder em torno do Estado, sendo a garantia dos indivíduos em contraponto aos superpoderes estatais. Martins (2001) ainda considera a necessidade de um Estado abstencionista, ou seja, que se limite ao mínimo necessário para a preservação da vida humana em sociedade. Não é o homem que deve servir ao Estado, mas sim este que deve existir para servir ao homem. Por fim, o antiestatismo em sentido absoluto deve ser negado, visto que as normas estatais são benéficas para a regulação da vida em sociedade, estas devem regular não somente o comportamento das pessoas, como também a forma pela qual serão produzidas as normativas para uma boa convivência em sociedade. Jean-Jacques Rousseau, filósofo social, teórico político e escritor suíço, escreveu sobre a existência de associações particulares no seio da sociedade global. Segundo ele, quando se estabelecem facções, associações particulares em detrimento da grande, a vontade de cada uma dessas associações torna-se geral em relação a seus membros e particular em relação ao Estado [...]. Para alcançar o verdadeiro enunciado da vontade geral, é preciso que não haja no Estado sociedade parcial e que cada cidadão só opine de acordo consigo mesmo (COUTINHO, 1996, p. 53). Essa posição leva Rousseau, para falarmos em termos modernos, a afirmar uma in- compatibilidade entre democracia e pluralismo. Combinada com sua conhecida recusa da representação, essa negação dopluralismo torna claramente anacrônica a estrutura institucional da democracia — as “regras do jogo” — que Jean-Jacques nos propõe no “Contrato”. Mas seria injusto afirmar — como o fazem muitos liberais —, que Rousseau ignora ou nega a autonomia da esfera privada, subordinando-a “totalitariamente” a uma vontade geral concebida como simples negação da vontade de todos. Ele diz explicitamente que “o poder soberano, por mais absoluto, sagrado e inviolável que seja, não passa e não pode passar dos limites das convenções gerais; e todo homem pode dispor plenamente do que lhe foi deixado, por essas convenções, de seus bens e de sua liberdade”. É evidente, portanto, que o anacronismo do modelo democrático de Rousseau não resulta do fato de que ele antecipe os totalitarismos do século XX, mas sim de que se fixe nostalgicamente na velha democracia da pólis grega. Fonte: Coutinho (1996). 5O pluralismo e o Serviço Social Dimensões do pluralismo, processos de ruptura e a relação com a prática metodológica do assistente social Para que possamos compreender melhor o pluralismo e suas bases enquanto categoria que converte com os objetivos do projeto ético-político do Serviço Social, cabe a nós ascendermos o debate em torno desta categoria — pluralismo — enquanto fenômeno social e político, considerando suas implicações junto ao campo da teoria política e das ciências sociais como um todo. Coutinho (1991), tratando do pluralismo enquanto fenômeno social e polí- tico, considera importante ressaltar que este processo, enquanto questão teórica, é um fenômeno moderno, até burguês, gerado pela construção e reprodução do sistema capitalista. O autor analisa que, se observada a democracia grega da antiguidade, percebe-se um desconhecimento a respeito deste fenômeno. Eles comumente subordinavam o privado para o setor público e, por muitas vezes, mostravam-se intolerantes com as individualidades. Exemplificando, o autor cita o caso da condenação de Sócrates à morte, quando o mesmo fora acusado de pertencer a uma religião diferente da religião usual de Atenas. Ou seja. Em Atenas existia para os cidadãos uma ordem polí- tica e social democrática, com algumas exceções de indivíduos, no entanto, não se tolerava a diferença nem se concebia esta como algo positivo, a diversidade como fundamental para compreender os princípios do pluralismo em todas as suas faces. Nos tempos atuais, a concepção do conceito de pluralismo remete à nova visão do homem, uma visão mais individualista, relacionada pelos conceitos liberais propagados por pensadores como John Locke, que expressa a necessidade de valorização do indivíduo em detrimento dos conceitos de domínio estatal, ou de outras formas de governo que promovam a supressão dos direitos individuais. A comunidade é vista como resultado da soma dos interesses privados, vários indivíduos ordenados em grupo ou não exercendo sua cidadania formam então a chamada comunidade ou qualquer outra forma de convivência em grupo que se possa nominar. Isto, de acordo com o pensamento liberal, evolui por meio do conflito de ideias e da pluralidade de pensamentos e visões de mundo. Esta pluralidade de interesses e o respeito às diferenças é o motor que impulsiona o desenvolvimento de determinada comunidade. Essa diversidade manifesta-se de diversas formas como na divisão do trabalho, na interação social, nas relações hierárquicas, nas definições de família e em todas as relações humanas que envolvam o respeito às diferenças, diferenças estas O pluralismo e o Serviço Social6 que podem ser fator causador da desigualdade, porém, prevalece considerada enquanto fator positivo para a ordem e o progresso social. O conflito, portanto, seria o primeiro elemento marcante do pluralismo, em segundo lugar, de acordo com a ideologia liberal, em especial de Locke, refere-se à defesa da tolerância. Este elemento destaca a tolerância enquanto princípio a ser seguido em defesa da diferença e, especialmente, daquilo que trata da liberdade religiosa. Os outros dois elementos dizem respeito à chamada divisão de poderes e o direito das minorias. Este primeiro surge com objetivo de limitar os poderes dividindo-o em diversas esferas, como temos hoje os sindicatos, conselhos, e órgãos de controle e deliberação. Por fim, a defesa dos direitos das minorias. Em meados do século XIX, o poder regente era aquele propagado pelas maiorias, quando citamos aqui maiorias não necessariamente nos referimos a maiorias quantitativas, no sentido de números de pessoas, mas maioria no sentido qualitativo da garantia dos direitos, dos privilégios e do domínio do poder daquele determinado período. Nesse período surge o receio de que a exclusão das minorias pudesse gerar um quadro de tirania. A ideia de defesa dos direitos desses indivíduos emerge, também, como forma de conter o avanço dos processos de mobilização popular, a burguesia temia que esta mobilização gerasse uma reviravolta nos núcleos de poder, alçando trabalhadores e camponeses aos cargos até então ocupados pelos burgueses e poderosos da época. Para manter tal controle sobre as massas, esse elemento de garantia dos direitos das minorias foi utilizado para conter a classe trabalhadora, a ampliação de direitos como o acesso ao voto e, em alguns países, a redução das jornadas de trabalho foram estratégias utilizadas para comedir a população. Estes elementos, portanto, surgem como valores centrais do pensamento liberal e são utilizados para a reprodução da ordem social burguesa. No entanto, serviram também para consolidação dos valores de individualidade humana, que serviram como base para a consolidação do que conhecemos hoje como democracia moderna, ou contemporânea. Como se sabe, o pensamento democrático moderno, que tem sua matriz em Rousseau, surge com uma colocação marcadamente não individualista. A preocupação fundamental de Rousseau é a construção de uma vontade geral, de uma vontade que se baseia no interesse comum e sobre a qual se funda a soberania popular. Rousseau faz uma distinção entre a vontade geral, que se baseia no interesse comum, e a vontade de todos, que é a soma de muitos interesses privados. E coloca claramente a comunidade como um valor aci- ma da individualidade. Para Rousseau, o público está acima do privado. O curioso é observar que Rousseau parte da ideia de que, para que se obtenha a 7O pluralismo e o Serviço Social construção dessa vontade geral, dessa vontade coletiva, é bom que não exis- tam – ele chega até a dizer que não devem existir – associações particulares no interior da comunidade, do Estado. Cada associação particular desse tipo teria a sua própria vontade geral e, com isso, poderia se bloquear a formação da vontade efetivamente coletiva (COUTINHO, 1991, p. 08). Rousseau, portanto, condena o pluralismo político, no entanto o que se viu foi o oposto, o crescimento da participação popular na formação política ocorreu justamente por meio da criação das associações particulares. A cria- ção de sindicatos, o sufrágio universal, a criação de partidos políticos, foram ferramentas que tornaram viável a prática da soberania popular e a formação da chamada sociedade civil. Esse conjunto de aparelhos privados permitiu a formação do pluralismo dos sujeitos coletivos. Os princípios da relação do pluralismo com o Serviço Social ocorrem a partir do movimento de ruptura profissional, ocorrido em meados das décadas de 1960 e 1970. Neste período coincidem diversos movimentos que buscam pela renovação do Serviço Social e uma ruptura com a chamada ética tra- dicional. Netto (1996, p. 131), sobre este processo de renovação do Serviço Social, observa o seguinte: Entendemos por renovação o conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo das suas tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituiçãode natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais. Essa renovação, portanto, significava a adoção de um novo processo amplo profissional que deveria ser lançado por meio de perspectivas diversificadas, atingindo assim o chamado pluralismo profissional. O pluralismo aqui citado deveria ser adotado enquanto contraponto ao fazer profissional da época, até então alocado em valores morais e cristãos em que a prática profissional era pautada na ontologia do agente executor das ações com quase nada ou, muito pouca, validação teórica. Netto (1996) afirma que a validação teórica da profissão foi um marco que acabou por criar uma nova dimensão para o Serviço Social, incorporando diversos delineamentos teóricos que permitiram a criação de novos procedimentos e técnicas de trabalho, bem como forneceram as ferramentas necessárias para a implementação da prática reflexiva e crítica acerca da profissão. Este movimento pôs o Serviço Social no hall do mundo do O pluralismo e o Serviço Social8 trabalho, considerando agora que as ações passaram a ter um caráter relevante, teoricamente embasadas e não apenas “obra do acaso”. O autor ainda destaca quatro aspectos que considera decisivos para a concretização do processo de renovação da profissão, sendo estes: a) A instauração do pluralismo teórico, ideológico e político no marco pro- fissional, deslocando uma sólida tradição de monolitismo ideal; b) a cres- cente diferenciação das concepções profissionais (natureza, funções, objeto, objetivos e práticas do Serviço Social), derivada do recurso diversificado a matrizes teórico-metodológicas alternativas, rompendo com o viés de que a profissionalidade implicaria uma homogeneidade (identidade) de visões e de práticas; c) a sintonia da polêmica teórico-metodológica profissional com as discussões em curso no conjunto das ciências sociais, inserindo o Serviço Social na interlocução acadêmica e cultural contemporânea como protagonista que tenta cortar com a subalternidade (intelectual) posta por funções meramente executivas; d) a constituição de segmentos de vanguarda, sobretudo mas não exclusivamente inseridos na vida acadêmica, voltados para a investigação e pesquisa (NETTO, 1996, p. 135-136). Monolitismo: no Serviço Social tradicional, essa concepção está relacionada aos conceitos definidos pelo I Congresso Brasileiro de Serviço Social (1947), e definia a profissão como: Serviço Social é a atividade destinada a estabelecer, por processos científicos e técnicos, o bem estar da pessoa humana, individualmente ou em grupo, e constitui o recurso indispensável à solução cristã e verdadeira dos problemas sociais. Fonte: Netto (1996, p. 135). Quanto ao processo de formação profissional e construção de uma identi- dade profissional na contemporaneidade, faz-se necessário fazer apontamentos sobre quais fatores foram norteadores para elaboração de uma proposta de formação profissional. Silva (2008) relembra que o processo de discussão da formação do profissional assistente social na contemporaneidade passou a ser debatido a partir de um amplo método de revisão curricular iniciado no Brasil após o ano de 1994. 9O pluralismo e o Serviço Social Essas discussões culminaram na elaboração de uma nova Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional (ASSOCIAÇÃO..., 1996). Dentre os apontamentos constantes no documento, estavam a preocupação com relação à necessidade de abertura teórica do viés marxista para uma pluralidade múltipla de saberes, devendo este permitir uma desobstrução para as demais teorias do pensamento social, contribuindo assim para uma compreensão mais plural do mundo e menos dogmatizada. Após a aprovação da nova proposta curricular do curso de Serviço Social, que data de 1996, começam a surgir algumas diretrizes que determinam a atuação do pluralismo enquanto instrumento mediador do debate entre as mais diversas correntes teóricas que permeiam as ciências humanas e sociais. Dessa nova proposta, fica indicado que a formação profissional dos assistentes sociais deverá ser mediada por uma perspectiva pluralista, de respeito e análise às mais diversas tendências teóricas, buscando nestas um fazer profissional pautado nos princípios da diversidade, do respeito, do diálogo e da multipli- cidade social (SILVA, 2008). No entanto, cabe aqui destacar que o pluralismo buscado pela proposta cur- ricular do curso de Serviço Social não necessariamente significa o mesmo que ecletismo. Este aqui entendido enquanto a tentativa de conciliar opiniões e de abertura para o pensamento do diferente e do respeito à posição alheia, considerado primordial para o desenvolvimento de nossa formação e, de modo geral, da ciência. O pluralismo proposto busca não mesclar conhecimentos de forma aleatória. É aquele que se aproxima da dimensão de totalidade, buscando resgatar a relação dialética entre distintas teorias, preservando a identidade comum a cada uma, com uma forte clareza dos seus parâmetros norteadores, evitando a confusão da convivência indistinta de aportes teórico-metodológicos que remetem ao ecletismo. O pluralismo aqui indicado busca conciliar o particular com o genérico, objetivando resgatar a subjetividade como representação da objetividade, ou a individualidade como representação da coletividade. Esse entendimento admite que há no pluralismo uma dinamicidade e amplitude que lhe são próprias (SILVA, 2008, p. 147). Podemos verificar, portanto, as dimensões do pluralismo tanto como con- ceito teórico e suas relações em meio à sociedade como objeto de mediação e instrumento de suma relevância no processo histórico de transformação e renovação do Serviço Social. O pluralismo constitui uma importante ferramenta que permite contribuir para nortear as práticas metodológicas dos profissionais assistentes sociais, pautadas sempre no respeito às diferenças, à diversidade cultural, social e teórica e na inclusão social. O pluralismo e o Serviço Social10 A possibilidade de uma formação profissional hegemônica a partir da ótica do pluralismo deve ser considerada sob a perspectiva da preservação dos valores de multiplicidade de ideias e em respeito às demais categorias teóricas, no entanto, faz-se necessário manter claro quais são os princípios que norteiam os documentos institucionais que trazem as diretrizes e os referenciais para o satisfatório exercício profissional. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Diretri- zes gerais para o curso de Serviço Social: com base no Currículo Mínimo aprovado em Assembleia Geral Extraordinária de 8 de novembro de 1996. Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996. Disponível em: <http://www.abepss.org.br/arquivos/textos/docu- mento_201603311138166377210.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018. BOBBIO, N. As ideologias e o poder em crise. 4. ed. Brasília, DF: UnB, 1999. COUTINHO, C. N. Pluralismo, dimensões teóricas e práticas. In. Cadernos ABESS, n. 04, , p. 05-17, 1991. Disponível em: <http://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/pluralismo- -dimensoes-teoricas-e-politicas-carlos-nelson-coutinho-201609020227248416940. pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018. CRETELLA JUNIOR, J. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1992. MARTINS, S. P. O Pluralismo do Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2001. NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1996. SILVA, M. G. M. F. Marxismo, pluralismo e formação profissional do assistente social. Teoria política e social, v. 1, n. 1, p. 145-150, dez. 2008. Disponível em: <http://www. periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/tps/article/view/2960>. Acesso em: 25 jun. 2018. Leituras recomendadas BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Dis- ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.Acesso em: 25 jun. 2018. BRASIL. Norma Operacional Básica NOB/SUAS: construindo as bases para a implanta- ção do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, DF: SUAS, 2005. Disponível em: <http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-SUAS.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018. 11O pluralismo e o Serviço Social CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Legislação e Resoluções sobre o Trabalho do/a Assistente Social. Brasília, DF: CFESS, 2011. Disponível em: <http://www.cfess. org.br/arquivos/LEGISLACAO_E_RESOLUCOES_AS.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2018. COUTINHO, C. N. Crítica e utopia em Rosseau. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 38, p. 5-30, dez. 1996. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451996000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 jun. 2018. GASPARETTO JUNIOR, A. Despotismo. 2018. Disponível em: <https://www.infoescola. com/formas-de-governo/despotismo/>. Acesso em: 25 jun. 2018. O pluralismo e o Serviço Social12 Conteúdo: DICA DO PROFESSOR O princípio de pluralismo prevê que ocorra uma maior participação popular e democrática nos ó rgãos de governança e deliberação. Esse conceito evoluiu ao longo dos tempos e hoje se express a nas mais variadas formas de controle social exercidos por uma determinada sociedade. Nesta Dica do Professor, serão apresentados alguns apontamentos que demonstram a importânci a do princípio de paridade nos Conselhos de Direitos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. NA PRÁTICA As diretrizes gerais para o curso de Serviço Social (com base no currículo aprovado em Assemb leia Geral Extraordinária de 08 de novembro de 1996), da antiga ABESS (Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social), expressam inúmeros avanços, dentre eles: o amadurecimento da c ompreensão do significado social da profissão, a tradição teórica que permite a leitura da realida de em uma perspectiva sócio-histórica, as respostas da profissão à conjuntura apontam para a co nsolidação de um projeto de profissão vinculado às demandas da classe trabalhadora. Neste Na Prática, destacamos para você os 11 princípios que compõem as diretrizes básicas para elaboração de currículos em cursos de graduação em Serviço Social, construídos a partir do amp lo debate da categoria nas décadas de 1980 e 1990. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/788b16596f6de22e1e72fce3d5e765cb SAIBA + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professo r: Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social Para saber mais sobre o a proposta de Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, acesse: Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) Para obter os dados com relação ao número de beneficiários do BPC por Estado e municípios, a cesse: Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. Pluralismo, Serviço Social e projeto ético-político: um tema, muitos desafios Para saber mais sobre pluralismo e Serviço Social, leia o artigo: Aponte a câmera para o código e acesse o link do vídeo ou clique no código para acessar. http://www.abepss.org.br/arquivos/textos/documento_201603311138166377210.pdf http://www.mds.gov.br/relcrys/bpc/download_beneficiarios_bpc.htm http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802017000300382&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
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