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“Vou explodir” R.A., sexo feminino, 16 anos de idade, foi uma criança esperta, ativa e cheia de energia. Todos gostavam de observá-la, como pode brincar tanto?! Seus pais e seus irmãos eram magros, apesar de gostarem de degustar guloseimas e churrascadas. Aos 15 anos foi convidada para fazer fotos para um book e o desejo de ser modelo não saia da sua cabeça. Passou a se preocupar com o peso e a comer menos, mesmo com peso normal. Achava as outras modelos ainda mais magras e as invejava. Passou, então, a se achar a pessoa mais gorda do mundo, mesmo pesando 34 kg e com 1,55m. Passava horas sem comer, depois tomava um pouco de suco de frutas e, antes de dormir, fazia exercícios físicos. Começou a ficar fraca e sem energia até para ir à escola e apresentou desmaio no colégio por duas vezes. Foi levada ao nutrólogo que diagnosticou desnutrição importante e recomendou um aporte nutricional para a paciente. Irritada com todos, passou a brigar e discutir se negando a comer e sempre se olhava no espelho achando que ia explodir. Alguns dias depois foi internada com desidratação grave e diagnóstico de transtorno alimentar. Ao exame físico: Peso 29 kg, desidratada +++/4+, FC= 40 bpm, pulso filiforme, glicemia=55 mg/dL. Ficou uma semana sob cuidados intensos e foi para casa com melhora do estado geral. Permaneceu poucas semanas com comportamento normal e ganho ponderal, mas aos poucos começou a perder peso gradativamente. Sua mãe não aprovava algumas de suas companhias e constatou que ela estava usando na escola drogas ilícitas e remédios sem prescrição médica (diuréticos e anfetaminas). Sempre que comia, corria para o banheiro e se trancava por algum tempo. Ao mesmo tempo que iniciava tratamento multidisciplinar, a adolescente sofreu um forte abalo. Sua avó, de quem dizia gostar mais que de seus pais, teve o diagnóstico de um linfoma com acometimento hepático e em menos de seis meses teve perda ponderal de cerca de 10% de seu peso (atingiu IMC=21), com queda do estado geral, e não andava mais devido à fraqueza muscular intensa. Com a perda do paladar e a disfagia, a avó da adolescente necessitou de terapia nutricional alternativa com introdução de sonda nasoenteral contínua. Ficou internada em “home care”. Infelizmente sua avó faleceu com caquexia refratária, mas antes de falecer pôde dar muitos conselhos à neta que a ajudaram no tratamento de seus transtornos alimentares. OBJETIVOS 1. Conhecer os principais transtornos alimentares (anorexia e bulimia) pelo DSM-V e suas consequências. 2. Compreender a relação dos diuréticos e anfetaminas com a perda de peso. 3. Entender a definição e as causas de caquexia refratária. 4. Conhecer as vias de nutrição enteral, suas indicações, contra indicações e produtos nutricionais. ANOREXIA NERVOSA CONCEITOS FUNDAMENTAIS - Transtorno alimentar que acomete principalmente indivíduos do sexo feminino; - Início entre 13-20 anos de idade: ● Pico aos 16 anos de idade. ● Raramente se inicia antes da puberdade ou após os 40 anos, mas casos tardios assim já foram descritos. ● O início costuma estar associado com um evento de vida estressante, como deixar a casa dos pais para ingressar em uma universidade, por exemplo. - Transtorno multifatorial: ● Fatores biológicos: ★ Predisposição hereditária: ○ Maior concordância entre gêmeos monozigóticos; ★ Precipitantes: ○ Mudanças hormonais; ○ Ocupações e trabalhos que incentivam a magreza (como modelo, atleta de elite). ★ Mantenedores: ○ Efeito da desnutrição no estado mental; ○ Aumento do cortisol sérico (diminuição do apetite). ● Fatores psicológicos: ★ Acentuando perfeccionismo, sensibilidade a críticas, baixa autoestima, ansiedade interpessoal; ★ Alta esquiva ao dano e baixa busca por recompensas; ★ Preocupação com a autonomia, identidade e separação. ★ Distúrbio da imagem corporal; ★ Abuso físico e sexual na infância; ★ Bullying; ★ Preocupação excessiva com o peso. ● Fatores familiares: ★ Rigidez familiar: ○ Excesso de preocupações e controle. ★ Relações parentais disfuncionais; ★ Grande importância atribuída a características como desempenho e aparência física. - CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PELO DSM-5 a. Restrição da ingesta calórica em relação às necessidades, levando a um peso corporal significativamente baixo no contexto de idade, sexo, trajetória do desenvolvimento e saúde física. b. Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, ou comportamento persistente que interfere no ganho de peso, mesmo estando com o peso significativamente baixo. c. Perturbação no modo como o próprio peso ou a forma corporal são vivenciados, influência indevida do peso ou da forma corporal na auto-avaliação ou ausência de reconhecimento da gravidade do baixo peso atual. tipos ❖ Restritivo: ➢ Se nos últimos 3 meses não houve episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento purgativo (como vômitos induzidos, uso de laxantes, diuréticos ou enemas). ➢ A perda de peso ocorre basicamente pela dieta, jejum e/ou exercício físico; ❖ Compulsão alimentar purgativa: ➢ Se nos últimos 3 meses o indivíduo se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa; ➢ Vômitos autoinduzidos; ➢ Uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas. Gravidade - Leve - IMC > ou = a 17; - Moderado - IMC entre 16 e 16,99; - Grave - IMC entre 15 e 15,99; - Extrema - IMC < 15 QUADRO CLÍNICO Grande conhecimento sobre valores calóricos de alimentos, evitando alimentos que engordam (com crenças diversas sobre o tema), crença que a gordura consumida se transforma imediatamente em gordura corporal. ● Hábitos alimentares: ○ Dietas especialmente vegetarianas ou bizarras; ○ Dividir alimentos em pequenas porções; ○ Ruminar alimentos; ○ Evitar comer na presença de outros; ○ Sofrimento evidente ao se alimentar. COMPLICAÇÕES Cardiovascular: - Bradicardia, diminuição da PA, alterações no intervalo QT, insuficiência cardíaca, arritmias (principal causa de óbito). Eletrólitos: - Hipopotassemia, hiponatremia, hipoglicemia e desidratação. Hematológico: - Anemia, leucopenia, trombocitopenia. Renal: - Edema, IRA, ureterolitíase. Reprodutivo: - Amenorreia, infertilidade, atraso do desenvolvimento sexual. Trato gastrointestinal: - Constipação intestinal, dor abdominal. TRATAMENTO Farmacológico: Sem evidência de impacto para o tratamento na anorexia pura, mas benzodiazepínicos podem ser utilizados para a ansiedade pré-prandial, ou no tratamento de comorbidades. Não farmacológico: Equipe mínima de psicólogo, nutricionista e psiquiatra, com o objetivo de regularizar o padrão alimentar (suplementação alimentar) e suspender práticas restritivas e purgativas. INTERNAÇÃO - Falha no tratamento ambulatorial; - Rápida ou importante perda de peso ou desnutrição grave; - Complicações clínicas como distúrbios hidroeletrolíticos, arritmias, anemias, hipotermias, disfunção renal ou hepática. - Ideação suicida; - Indicação pela comorbidade psiquiátrica. BULIMIA NERVOSA CONCEITOS FUNDAMENTAIS - Termo derivado de “Bous-limos” (fome de boi); - Acomete principalmente indivíduos do sexo feminino, sobretudo adolescentes e adultos jovens (pico de incidência aos 20 anos de idade). - Assim como na anorexia, trata-se de um transtorno multifatorial. - Transtorno multifatorial: ● Fatores biológicos: ★ Predisposição hereditária: ○ Maior concordância entre gêmeos monozigóticos; ★ Mantenedores: ○ Alterações na neurotransmissão: ■ Serotonina, noradrenalina. ○ Peptídeo YY, leptina e colecistoquinina - que atuam na saciedade. ● Fatores psicológicos: ★ Pensamento dicotômico; ★ Acentuado perfeccionismo, sensibilidade a críticas, baixa autoestima, ansiedade interpessoal. ★ Autodestruição; ★ Medo de abandono. ★ Autoavaliação negativa. ★ Experiências traumáticas na infância. ● Fatores familiares: ★ Conflitos intrafamiliares; ★ Alterações nas relações interpessoais e sistêmicas; ★ Dificuldade de comunicaçãoe falta de coesão no núcleo familiar. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PELO DSM-5 a. Episódios recorrentes de compulsão alimentar: * Ingestão de uma quantidade de alimento definitivamente maior do que a maioria dos indivíduos consumiria no mesmo período em circunstâncias semelhantes, com sensação de perda de controle em um período de tempo determinado. * Sensação de falta de controle sobre a ingestão durante um episódio. b. Comportamentos compensatórios inapropriados recorrentes a fim de impedir o ganho de peso: * Vômitos auto-induzidos; * Uso de laxantes ou diuréticos; * Jejum ou exercício em excesso. c. A compulsão e os comportamentos compensatórios devem ocorrer, em média, no mínimo 1 vez por semana durante 3 meses. d. A autoavaliação é indevidamente influenciada pela forma e pelo peso corporal; e. A perturbação não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa. QUADRO CLÍNICO Insatisfação e preocupação excessiva com o corpo, restrição e dieta com menos obstinação em relação à anorexia, com momentos de fome incontrolável e o binge, com culpa imediata após o episódio de compulsão alimentar, podendo recorrer a vômitos para satisfação e alívio momentâneo mas que pode seguir de culpa e ansiedade, piorando a autoestima e retomando a dieta. - Episódios de alimentação bizarra (o binge pode chegar a > 14.000 Kcal. - Estocagem e furto de alimentos. - Raiva em sentir fome/perda de controle - Prática de atividade física em excesso visando a perda de peso. COMPLICAÇÕES Geral: - Desidratação, hipotensão e desmaios. Pele e anexos: - Retração gengival, erosão do esmalte dentário e hipertrofia das parótidas. Gastrointestinal: - Esofagite, esôfago de Barrett, DRGE, ruptura de esôfago e hérnia de hiato. Eletrólitos: - Hipopotassemia e alterações hidroeletrolíticas. Cardiovascular: - Arritmias e bradicardia. Reprodutivo: - Irregularidade menstrual e risco de aborto espontâneo. TRATAMENTO Farmacológico: Inibidores seletivos da recaptação de serotonina que diminuem os episódios compulsivos (o mais utilizado é fluoxetina em doses altas), mas o topiramato também é uma opção. Não farmacológico: Psicoterapia com enfoque cognitivo-comportamental é a que tem mais evidências. DIURÉTICOS Os diuréticos fazem urinar mais vão fazer o peso diminuir. No entanto, a perda é apenas de líquido. Assim, eles não emagrecem, pois a gordura corporal continua igual. Para emagrecer, é preciso diminuir gordura corporal, enquanto o que você consegue com diurético é apenas desidratar. - Tiazídicos; - Diuréticos de alça; - Diuréticos poupadores de potássio. ANFETAMINAS Anfetaminas são substâncias simpaticomiméticas, com ação predominante no SNC, causando liberação de dopamina de seus estoques intraneurais, acarretando liberação também de outros neurotransmissores como serotonina e noradrenalina, e inibindo sua recaptação no terminal axônico pré-sináptico, o que pode explicar seus efeitos farmacológicos e também os efeitos tóxicos. O mecanismo de ação das anfetaminas é complexo e envolve efeitos adicionais que afetam os níveis extracelulares de catecolaminas, incluindo a inibição da recaptação, efeito na exocitose, síntese e metabolismo de neurotransmissores. A ação anorexígena da anfetamina pode resultar de sua ação sobre os centros de controle do hipotálamo, por mecanismo catecolaminérgico, aumentando a liberação de catecolaminas nos terminais neurais e inibindo sua recaptação. Sua ação tem efeito psicoestimulante, suprimindo o apetite por reduzir voluntariamente a ingestão de alimentos e ao mesmo tempo reduzir a atividade gastrointestinal. Essas substâncias podem ser empregadas como auxiliares na perda de peso associadas a estratégias clássicas, como na redução calórica e aumento metabólico causado pelo exercício físico. CAQUEXIA REFRATÁRIA Caquexia (“má condição”) é uma síndrome multifatorial caracterizada por perda de massa muscular, aumento da taxa metabólica e uma diminuição do apetite. É o estado mais grave do emagrecimento. - Em torno de 20% de todas as mortes por câncer são causadas pela caquexia, devido à imobilidade ou falência cardiorrespiratória. Depende do tamanho do tumor, sendo mais frequente em tumores pulmonares e de trato gastrointestinal. Esta síndrome pode estar associada à anorexia, inflamação, resistência à insulina e degradação das proteínas musculares. A perda de gordura resulta, quer da anorexia, quer da inflamação, e a perda de massa muscular vem tanto de uma inflamação à nível muscular, da resistência à insulina e do hipogonadismo. A perda de peso e a fadiga, são 2 sintomas importantes da caquexia, que agravam uma variedade de doenças crônicas, levando a uma diminuição de qualidade de vida e a um pior prognóstico da doença de base. Pode ocorrer em muitas doenças crônicas como AIDS, câncer, insuficiência cardíaca crônica, falência crônica dos pulmões, cirrose hepática, deficiência renal, artrite reumatóide, sepse, DPOC, tuberculose. ● Pode ser: ○ Primária - relação com as consequências metabólicas da presença do tumor associada a alterações inflamatórias. ○ Secundária - pela diminuição da ingesta e asorção de nutrientes por obstruções tumorais ou anorexia pelo tratamento. - Podem ocorrer ao mesmo tempo no paciente. DIAGNÓSTICO Perda de peso (> ou= a 5% em 12 meses ou menos) e no mínimo 3 dos seguintes critérios: - Reduzida força muscular; - Fadiga; - Anorexia; - Baixo índice de massa magra; - Bioquímica diferenciada (marcadores inflamatórios elevados - PCR > 5, IL-6 > 4, anemia e baixa albumina sérica - < 3,2). TERAPIA NUTRICIONAL ENTERAL A oferta por via enteral já não depende do componente motor nem do cognitivo, ou seja, a alimentação é administrada diretamente no tubo digestivo através de um cateter ou sonda. É indicada para pacientes impossibilitados de ingerir alimentos pela via oral, seja por patologias do TGI alto, por IOT, por distúrbios neurológicos com comprometimento do nível de consciência ou dos movimentos mastigatórios. Também é indicada para pacientes com baixa ingestão via oral e anorexia de diversas etiologias. A administração de nutrição por sonda enteral não contraindica a alimentação oral, se esta não implicar em risco para o paciente. Avaliação - Subjetiva global: - História clínica de hábitos alimentares; - Exame físico - massa magra e gorda, edema e ascite; - ASG a (bem nutrido), B (desnutrido moderado) e C (desnutrido grave). - Peso corporal; - Função muscular (músculos respiratórios e preensão das mãos). ENTERAL ● Primeira opção de intervenção nutricional; ● Mais barata, fisiológica e segura; ● Morfologia e fisiologia do TGI preservada; ● Preservação de imunidade local e sistêmica; ● Previne translocação bacteriana. Indicações - Necessidade de apoio nutricional com TGI funcionante; - Incapacidade de ingestão ou de suprir necessidades nutricionais via oral; - Alterações de absorção; - Alterações de motilidade; - Falha no crescimento ou desnutrição grave Contraindicações: - Vômitos incoercíveis; - Diarreia importante (> 1500 mL/dia) originada do ID; - Íleo adinâmico importante; - Obstrução intestinal; - Fístula de alto débito (> 500 mL/dia); - Instabilidade hemodinâmica. Classificações Critérios para seleção da fórmula: - Integridade do TGI; - Presença de doença específica; - Situação metabólica; - Tipo de macronutriente em relação a capacidade absortiva; - Densidades calóricas e protéicas; - Capacidade da dieta atingir as necessidades nutricionais; - Conteúdo de minerais e eletrólitos em relação a disfunções renais, hepáticas e cardíaca; - Custo-benefício da dieta.
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