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@karina_oliveiraq APG S7P1 Distúrbios do nível de consciência ➤ Fisiologicamente: ➥ A parte ascendente da formação reticular é chamada de sistema reticular ativador ascendente (SRAA), formado por axônios sensitivos que se projetam em direção ao córtex cerebral, diretamente ou via tálamo. Muitos estímulos sensitivos podem ativar o SRAA, dentre eles os estímulos visuais e auditivos; atividades mentais; estímulos de receptores de dor, tato e pressão; e estímulos de receptores em nossos membros e na cabeça que nos mantêm informados sobre a posição de nosso corpo. A função mais importante do SRAA seja a manutenção da consciência, estado de vigília no qual o indivíduo está totalmente alerta, consciente e orientado. Estímulos visuais e auditivos, bem como atividades mentais, podem estimular o SRAA a manter a consciência. O SRAA também está ativo durante o despertar, ou acordar do sono. Outra função do SRAA é manter a atenção (concentração em um objeto ou pensamento) e a vigilância. Ele também evita sobrecargas sensitivas (excesso de estimulação visual e/ou auditiva) por meio da filtração de informações insignificantes, de modo que elas não se tornem conscientes. A inativação do SRAA causa o sono, estado parcial de consciência a partir do qual o indivíduo pode ser despertado. Por outro lado, lesões do SRAA podem levar ao coma, estado de inconsciência do qual a pessoa não pode ser despertada. Nos estágios mais superficiais do coma, os reflexos do tronco encefálico e da medula espinal estão preservados, mas, nos estágios mais profundos, até estes reflexos são perdidos, e caso os centros respiratório e cardiovascular parem de funcionar, o paciente morre. Fármacos como a melatonina auxiliam o SRAA a induzir o sono, e os anestésicos gerais rebaixam a consciência por meio do SRAA. ➨Alterações patológicas quantitativas da consciência: rebaixamento do nível de consciência ➥ A consciência pode se alterar tanto por processos fisiológicos, normais, como por processos patológicos. Em diversos quadros neurológicos e psicopatológicos, o nível de consciência diminui de forma progressiva, desde o estado normal, vígil, desperto, até o estado de coma profundo, no qual não há qualquer resquício de atividade consciente. Os diversos graus de rebaixamento da consciência são: obnubilação, torpor, sopor e coma. 1º grau - Obnubilação: turvação da consciência ou sonolência patológica leve. Trata-se do rebaixamento da consciência em grau leve a moderado. À inspeção inicial, o paciente pode já estar claramente sonolento ou parecer desperto, o que pode dificultar o diagnóstico desse estado. De qualquer forma, há sempre diminuição do grau de clareza do sensório, com lentidão da compreensão e dificuldade de concentração. Nota-se que o indivíduo tem dificuldade para integrar as informações sensoriais oriundas do ambiente. Assim, mesmo não se notando a sonolência do paciente de forma evidente, observa-se, nos quadros de obnubilação, que a pessoa se encontra um tanto perplexa, com a compreensão dificultada, podendo o pensamento que expressa revelar confusão mental. No geral, o @karina_oliveiraq indivíduo diminui a atenção para as solicitações externas, dirigindo-se para a sonolência. Já se pode observar alguma lentificação do traçado eletrencefalográfico. 2º grau - torpor: é um grau mais acentuado de rebaixamento da consciência. O paciente está evidentemente sonolento; responde ao ser chamado apenas de forma enérgica e, depois, volta ao estado de sonolência evidente. A resposta aos estímulos externos, quando solicitado energicamente, é mais curta do que nos estados de obnubilação, mas menos frustra que no estado de sopor. Na obnubilação e no torpor, o paciente pode ainda apresentar traços de crítica e pudor, tentando cobrir as partes íntimas de seu corpo com o cobertor, quando em uma enfermaria ou emergência de hospital. No sopor e no coma, tal pudor e crítica da situação não existe mais, estando o indivíduo totalmente indiferente à exposição de partes íntimas (o que deve ser evitado sempre que possível, em respeito à pessoa). 3º grau, sopor: é um estado de marcante e profunda turvação da consciência, de sonolência intensa, da qual o indivíduo pode ser despertado apenas por um tempo muito curto, por estímulos muito enérgicos, do nível de uma dor intensa. Nesse momento, o paciente pode revelar fácies de dor e ter alguma gesticulação de defesa. Retorna, então, muito rapidamente, em segundos, à quase ausência de atividade consciente. Portanto, aqui, ele sempre se mostra intensamente sonolento, quase em coma. Embora ainda possa apresentar reações de defesa muito esporádicas, é incapaz de qualquer ação espontânea. A psicomotricidade encontra-se mais inibida do que nos estados de obnubilação e de torpor. O traçado eletrencefalográfico acha-se global e marcadamente lentificado, podendo surgir as ondas mais lentas, do tipo delta e teta. 4º grau, coma: é a perda completa da consciência, o grau mais profundo de rebaixamento de seu nível. No estado de coma, não é possível qualquer atividade voluntária consciente. Além da ausência de qualquer indício de consciência, os seguintes sinais neurológicos podem ser verificados: movimentos oculares errantes com desvios lentos e aleatórios, nistagmo, transtornos do olhar conjugado, anormalidades dos reflexos oculocefálicos (cabeça de boneca) e oculovestibular (calórico) e ausência do reflexo de acomodação. Além disso, dependendo da topografia e da natureza da lesão cerebral, podem ser observadas rigidez de decorticação ou de decerebração, anormalidades difusas ou focais do EEG com lentificações importantes e presença de ondas patológicas. Os graus de intensidade de coma são classificados de I a IV: I, semicoma; II, coma superficial; III, coma profundo; e IV, coma dépassé. ➨ Perdas abruptas da consciência: ➥ Vários fatores e condições médicas e/ou psicopatológicas podem produzir a perda abrupta da consciência. Tal perda pode ser causada por fatores emocionais, neurofuncionais ou orgânicos de diversas naturezas. Podem também ser rapidamente reversíveis ou irreversíveis, indicando quadros orgânicos mais graves. As perdas abruptas e transitórias (duram geralmente segundos a minutos) da consciência recebem várias denominações médicas e populares: Lipotimia: se caracteriza por perda parcial e rápida da consciência (dura apenas segundos), geralmente com visão borrada, palidez da face, suor frio, vertigens e perda parcial e momentânea do tônus muscular dos membros, com ou sem queda do corpo ao chão. A pessoa tem a sensação desagradável de que vai desmaiar. A lipotimia é rápida e completamente reversível. Às vezes, utilizase o termo “lipotimia” para descrever a fase inicial da síncope Síncope: designa um colapso bem súbito, com perda abrupta e completa da consciência, perda total do tônus muscular, com queda completa ao chão. O mecanismo básico é a instalação rápida de irrigação cerebral insuficiente por causas diversas. A síncope pode ou não ser reversível, dependendo dos fatores causais envolvidos. Desmaios: é uma designação não médica, da linguagem comum, que geralmente significa uma perda abrupta da consciência. Corresponde de forma genérica aos termos médicos “síncope” ou “lipotimia”.Perdas da consciência de outra natureza. ➨ Alterações qualitativas da consciência: Além dos diversos estados de redução global do nível de consciência, a observação psicopatológica registra uma série de estados alterados da consciência, nos quais se tem mudança parcial ou focal do campo da consciência. Uma parte do campo da consciência está preservada, normal, e outra, alterada. De modo geral, há quase sempre, nessas @karina_oliveiraq alterações qualitativas, algum grau de rebaixamento (mesmo que mínimo) do nível de consciência. Trata- se de uma área muito controversa da semiologia psiquiátrica e da psicopatologia. Os neurologistas tendem a denominar tais alterações de distúrbios focais ou do conteúdo da consciência, enquanto os psiquiatras as definem como alterações qualitativas da consciência. Têm-se, então, as seguintes alterações qualitativas da consciência: Estados crepusculares: consistem em um estado patológico transitório no qual uma obnubilação leve da consciência (mais ou menos perceptível) é acompanhada de relativa conservação da atividade motora coordenada. Nos estados crepusculares, há, portanto, estreitamento transitório do campo da consciência e afunilamento da consciência (que se restringe a um círculo de ideias, sentimentos ou representações de importância particular para o sujeito acometido), com a conservação de uma atividade psicomotora global mais ou menos coordenada, permitindo a ocorrência dos chamados atos automáticos. O estado “crepuscular” caracteriza-se por surgir e desaparecer de forma abrupta e ter duração variável, de poucos minutos ou horas a algumas semanas. Durante esse estado, ocorrem, com certa frequência, atos explosivos violentos e episódios de descontrole emocional (podendo haver implicações legais de interesse à psicologia e à psiquiatria forense). Geralmente ocorre amnésia lacunar para o episódio inteiro, podendo o indivíduo se lembrar de alguns fragmentos isolados. Os estados crepusculares foram descritos classicamente como associados à epilepsia (relacionados à turvação da consciência após uma crise ou a alterações pré-ictais ou ictais), mas também podem ocorrer em intoxicações por álcool ou outras substâncias, após traumatismo craniano, em quadros dissociativos histéricos agudos e, eventualmente, após choques emocionais intenso. Estado segundo: estado patológico transitório semelhante ao estado crepuscular, caracterizado por uma atividade psicomotora coordenada, a qual, entretanto, permanece estranha à personalidade do sujeito acometido e não se integra a ela. Com certa frequência, alguns autores utilizam os termos “estado segundo” e “estado crepuscular” de forma indistinta ou intercambiável. Em geral, atribui-se, ao estado segundo uma natureza mais psicogenética, sendo produzido por fatores emocionais (choques emocionais intensos). Já ao estado crepuscular, são conferidas causas mais frequentemente orgânicas (confusão pós-ictal, intoxicações, traumatismo craniano etc.). Os atos cometidos durante o estado segundo são geralmente incongruentes, extravagantes, em contradição com a educação, as opiniões ou a conduta habitual do sujeito acometido, mas quase nunca são realmente graves ou perigosos, como no caso dos estados crepusculares. Do ponto de vista do mecanismo produtor da alteração, o estado segundo se aproxima mais da dissociação da consciência do que do estado crepuscular. Dissociação da consciência: tal expressão designa a fragmentação ou a divisão do campo da consciência, ocorrendo perda da unidade psíquica comum do ser humano. O termo “dissociação” pode cobrir não apenas a consciência como também a memória, a percepção, a identidade e o controle motor. Neste livro, entretanto, optamos por utilizar a noção de dissociação centrando nas alterações da consciência. A dissociação da consciência ocorre com mais frequência nos quadros anteriormente chamados histéricos (crises histéricas de tipo dissociativo). Nessas situações, observa-se dissociação da consciência, um estado semelhante ao sonho (ganhando o caráter de estado onírico), em geral desencadeada por acontecimentos psicologicamente significativos (conscientes ou inconscientes) que produzem grande ansiedade para o paciente. Essas crises duram de minutos a horas, raramente permanecendo por dias. Alguns pacientes têm crises ou estados dissociativos agudos que se iniciam com queda ao chão, abalos musculares e movimentação do corpo semelhante à crise convulsiva (da epilepsia). Nesses casos, designa-se tal crise como crise pseudoepiléptica (em relação à crise epiléptica verdadeira). A dissociação da consciência pode ocorrer também em quadros de ansiedade intensa, independentemente de se tratar de paciente com personalidade histriônica ou traços histéricos, sendo a dissociação, então, vista como uma estratégia defensiva inconsciente (i.e., sem a deliberação voluntária plena) para lidar com a ansiedade muito intensa; o indivíduo desliga da realidade para parar de sofrer. Quadros dissociativos são também frequentes em pessoas com o diagnóstico de transtorno da personalidade borderline. @karina_oliveiraq Transe: estado de alteração qualitativa da consciência que se assemelha a sonhar acordado, diferindo disso, porém, pela presença em geral de atividade motora automática e estereotipada acompanhada de suspensão parcial dos movimentos voluntários. O estado de transe ocorre sobretudo em contextos religiosos e culturais (espiritismo kardecista, religiões afro-brasileiras e religiões evangélicas pentecostais e neopentecostais). O transe dito extático pode ser induzido por treinamento místico-religioso, ocorrendo geralmente a sensação de fusão do eu com o universo. Não se deve confundir o transe religioso, culturalmente contextualizado e sancionado, com o chamado transe histérico, que é um 5. estado dissociativo da consciência relacionado frequentemente a conflitos interpessoais e alterações psicopatológicas. Os estados de transe e possessão culturalmente contextualizados e sancionados são fenômenos muito difundidos nas várias culturas em todo o mundo, vistos, na atualidade, como um recurso religioso e sociocultural que permite às pessoas, sobretudo às mulheres, lidar com as dificuldades da vida por meio de estratégias religiosas socialmente legitimadas. Estado hipnótico: é um estado de consciência reduzida e estreitada e de atenção concentrada, que pode ser induzido por outra pessoa (hipnotizador). Trata-se de um estado de consciência semelhante ao transe, no qual a sugestionabilidade do indivíduo está aumentada, e sua atenção, concentrada no hipnotizador. Nesse estado, podem ser lembradas cenas e fatos esquecidos e podem ser induzidos fenômenos como anestesia, paralisias, rigidez muscular, alterações vasomotoras. Não há nada de místico ou paranormal na hipnose. É apenas uma técnica refinada de concentração da atenção e de alteração induzida do estado da consciência. ➨ Síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento prolongado do nível de consciência: • Delirium: ➥ O delirium é caracterizado por confusão de curta duração e alterações na cognição. Existem quatro subcategorias baseadas em diversas causas: Condição médica geral: infecção Induzido por substância: cocaína, opioides, fenciclidina [PCP]; Causas múltiplas: lesão cerebral traumática e doença renal; Etiologias múltiplas: privação de sono, mediação.O delirium se caracteriza por um declínio agudo nos níveis tanto de consciência quanto de cognição, com particular comprometimento da atenção. Podendo ser letal, mas ainda potencialmente um transtorno reversível do sistema nervoso central (SNC), o delirium costuma envolver perturbações da percepção, atividade psicomotora anormal e prejuízo do ciclo de sono-vigília. A condição com frequência passa despercebida por profissionais do sistema de saúde. Mais prevalente nos extremos da vida, o delirium acomete mais de 50% dos idosos internados em hospitais gerais, a um custo anual de 164 bilhões de dólares apenas nos EUA. As taxas são mais altas em indivíduos hospitalizados e variam de acordo com as características do paciente, o local de cuidado e a sensibilidade dos métodos de investigação. Há grande variação nas estimativas de sua incidência e prevalência, o que pode ser explicado por fatores como dificuldade na identificação de casos em razão da fugacidade e da multiplicidade da apresentação, diferença na sensibilidade dos métodos de detecção, variação de critérios utilizados e o subtipo de delirium (formas hipoativas são subdiagnosticadas). ➨ Etiopatogenia: ➥ Muitos fatores interferem diretamente na transmissão neuronal e no metabolismo, incluindo medicamentos e fatores biológicos, como hipercortisolismo, distúrbios hidroeletrolíticos, hipoxia e oxidação deficiente da glicose. As principais hipóteses atuais para a patogênese do delirium enfocam o papel da teoria da neurotransmissão, inflamação e estresse crônico. Diversos neurotransmissores estão potencialmente implicados, mas a deficiência colinérgica ou o excesso dopaminérgico (ou ambos) parecem ser os mais ligados ao delirium. Há um amplo suporte ao papel do déficit colinérgico, tendo em vista que agentes anticolinérgicos podem induzir delirium e que a atividade anticolinérgica está aumentada em pacientes com essa patologia. O excesso dopaminérgico pode contribuir em virtude da influência regulatória na liberação de acetilcolina. Agentes dopaminérgicos, como a levodopa e a @karina_oliveiraq bupropiona, são reconhecidos fatores precipitantes, assim como antagonistas dopaminérgicos são efetivos em seu tratamento. Alterações em outros neurotransmissores, como noradrenalina, serotonina, histamina, ácido γ-aminobutírico (GABA), glutamato e melatonina, podem ter papel na etiopatogenia do delirium, talvez por suas interações nas vias colinérgicas e dopaminérgicas, embora com evidências menos desenvolvidas. Já foram estudadas alterações no sistema serotoninérgico e noradrenérgico, sobretudo no delirium decorrente da abstinência de substâncias. Há evidências de que tanto o excesso como a deficiência de histamina podem estar envolvidos, uma vez que receptores histamínicos modificam a polarização e a homeostase dos neurônios hipocampais e corticais. ➥ Inúmeras citocinas, como as interleucinas (IL) 1, 2, 6 e 8, fator de necrose tumoral alfa e interferon, podem contribuir mediante o aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica e da consequente alteração da neurotransmissão. A neuroinflamação leva à hiperativação da micróglia, resultando em resposta neurotóxica. Estresse crônico causado pela doença ou trauma ativos o sistema nervoso simpático e o eixo hipotálamo- hipófise-adrenal, resultando em aumento de citocinas e hipercortisolismo crônico. O aumento mantido de cortisol também leva a efeitos deletérios em receptores de serotonina 5-HT1A. ➥ Ainda são escassos os estudos sobre fatores genéticos que possam estar relacionados com a gênese do delirium, acreditando-se que tenham mais influência nos casos que o desenvolvem a despeito da escassez de fatores causais e predisponentes. Os candidatos mais fortes são o gene da ApoE ε4 e do receptor de dopamina DR2. ➥ Entendidos esses fatores, pode-se compreender melhor o motivo pelo qual, apesar de poder ocorrer em qualquer idade, os extremos da vida estão sob risco maior de aparecimento do delirium. A criança tem as redes neuronais ainda em desenvolvimento e, assim, mais facilmente perturbadas por fatores externos, enquanto os indivíduos mais velhos acumulam dano neuronal permanente gradualmente ao longo da vida. Apesar de classicamente considerado uma condição reversível, dependendo do mecanismo causal, da duração do quadro e da fragilidade do paciente, este poderá sair do estado sem qualquer lesão residual ou apresentar sequelas neurocognitivas permanentes. ➨ Fatores predisponentes e causais: ➨ Diagnóstico e característica clínicas: ➥ O delirium é uma emergência médica. Como tal, exige tratamento imediato e direcionado, como um infarto agudo de miocárdio. Apesar disso, com frequência não é reconhecido e acaba por ser negligenciado pela equipe de saúde. Suas principais características são início agudo e curso flutuante, com prejuízos principais na atenção, consciência, orientação, memória e linguagem. Alterações que dão suporte ao diagnóstico são desregulações do ciclo sono-vigília, alterações sensoperceptivas (ilusões e alucinações), delírios, alterações da psicomotricidade, comportamento inadequado e labilidade emocional. ➥ As perturbações da atenção (maior dificuldade para direcionar, focar, manter e mudar o foco da atenção) e da consciência (turvação com redução da clareza do reconhecimento do ambiente) são elementos-chave que explicam muitas das demais manifestações psicopatológicas. É comum a alteração de orientação, que ocorre inicialmente em relação ao tempo e depois em relação ao espaço, podendo o paciente começar a identificar o hospital como sendo sua casa e passar a fazer falsos reconhecimentos (profissionais de saúde como amigos ou familiares). A dificuldade em manter a atenção influencia os déficits de memória nas áreas de registro, retenção e evocação. O indivíduo começa a apresentar pensamento desorganizado e ilógico, manifestado por discurso incoerente e um fluxo de ideias desconexo, que se articulam frouxamente, podendo chegar a um conteúdo inusitado e bizarro. Quando ocorrem sintomas psicóticos, em geral os delírios são frouxos e pouco @karina_oliveiraq estruturados. As alterações de sensopercepção ocorrem em 30% dos casos, sendo as mais marcantes a ilusão e as alucinações dos tipos visuais ou táteis, que em geral ocorrem nos períodos do dia com menos estímulos, em especial ao entardecer e à noite, sendo agravadas em ambientes estranhos e sem referências pessoais. O conhecido fenômeno do entardecer (sundowning) é uma manifestação característica, havendo em geral piora global da sintomatologia nesse horário. Assim, entende-se que muitas vezes o indivíduo, durante a evolução e as visitas de enfermaria, se apresente com exame mental completamente inalterado. ➥ Duas variações encontradas em relação a alterações psicomotoras são atualmente incluídas como especificadoras no DSM-5: a forma hiperativa, caracterizada por hipervigilância e agitação, e a forma hipoativa, caracterizada por letargia com marcante diminuição da atividade motora. O delirium costuma estar associado à perturbação do ciclo sono-vigília, a qual é considerada um dos critérios principais, usualmente com sonolência diurna, insônia e fragmentação do sono noturno. Em certos casos há inclusive total inversão do ciclo sono-vigília. São comuns também perturbações emocionais com ansiedade, medo, depressão, irritabilidade, raiva, euforia e apatia.➥ Quando um indivíduo com quadro confusional agudo é admitido em um serviço de saúde, a determinação do tempo de início consiste no primeiro passo da avaliação. Caso a história não possa ser obtida por meio de acompanhantes, num quadro clínico compatível com delirium deve-se assumir essa hipótese até que se prove o contrário. Várias ferramentas encontram-se disponíveis para avaliação e diagnóstico do delirium, havendo mais de 20 instrumentos utilizados em estudos. Atualmente, têm sido utilizados como referência padronizada os critérios diagnósticos do DSM-5 e a 10ª. O instrumento clínico mais utilizado para identificação do delirium, comumente empregado como auxiliar no diagnóstico, é o CAM (Confusion Assessment Method), o qual é validado em vários estudos de alta qualidade. O CAM apresenta alta confiabilidade entre os avaliadores, com sensibilidade de 94% e especificidade de 89%. ➥ Em relação aos exames complementares realizados especificamente para o diagnóstico, ainda não há nenhum com indicação definitiva, mas possíveis biomarcadores têm sido estudados. O eletroencefalograma (EEG) tem papel limitado em razão das taxas de 17% de falso-negativos e 22% de falso-positivos. Pode ser usado para avaliação da atividade convulsiva ou diferenciação entre delirium e doenças psiquiátricas não orgânicas e tem o padrão clássico de alentecimento difuso com aumento das atividades teta e delta, com pobre organização da atividade de fundo cortical, tendo relação com a gravidade do quadro. Os exames de neuroimagem, como tomografia computadorizada (TC) de crânio sem contraste e ressonância nuclear magnética encefálica, têm baixo rendimento em pacientes não selecionados e devem ser reservados para os casos que apresentam novos déficits neurológicos focais, história de queda ou traumatismos cranianos recentes, febre e alteração aguda do estado mental com suspeita de encefalite, naqueles sem nenhuma outra causa identificável ou história clínica inacessível. Exames de imagem de encéfalo são normais em 98% dos casos de delirium com causa médica identificável. A punção lombar é reservada para as situações em que há suspeita de meningite, encefalite ou hemorragia subaracnóidea. ➥ O principal diagnóstico a ser realizado é o do fator causal do estado confusional. Devem ser realizados exames físico e neurológico cuidadosos, com atenção para sinais de infecção oculta, desidratação, dor abdominal aguda, trombose venosa profunda e sinais neurológicos focais e meníngeos. A avaliação laboratorial deve ser ampla, mas sempre direcionada de acordo com a história e o exame físico: convém considerar hemograma, sumário de urina, eletrólitos (incluindo cálcio e magnésio), glicemia, função renal, hepática e da tireoide, vitamina B12 e cortisol (este último em caso de suspeita de insuficiência de suprarrenal). Culturas de urina, escarro e sangue podem ser selecionadas caso uma causa evidente não esteja clara ou quando houver a mínima suspeita de infecção. Gasometria arterial, radiografia de tórax e eletrocardiograma devem ser considerados na admissão. A punção lombar deve ser reservada para avaliação de febre com cefaleia e suspeita de irritação meníngea. ➨ Prevenção e tratamento: @karina_oliveiraq ➥ O delirium pode ter graves consequências, especialmente em ambientes de maior gravidade, como os de terapia intensiva. Está associado a eventos adversos indesejáveis, como extubação, retirada de cateteres, tempo prolongado de ventilação mecânica e aumento da estadia hospitalar e em UTI. Sua prevenção é a estratégia mais eficaz para reduzir o índice de complicações, tornando-se necessários planos específicos de cuidados profiláticos. Essas medidas, quando implementadas, servem inclusive como indicadores da qualidade da prestação de serviço no ambiente hospitalar. Uma das abordagens mais disseminadas para prevenção do declínio cognitivo e funcional em idosos hospitalizados é o HELP (Hospital Elder Life Program), um modelo com multicomponentes com comprovada eficácia e custo-benefício, enfocando as seguintes estratégias: Protocolos de orientação com relógios, calendários, janelas com vista do ambiente externo. Atividades terapêuticas para casos de comprometimento cognitivo, especialmente em pacientes que já apresentam algum comprometimento cognitivo. Mobilização precoce do paciente e minimização de contenção física no leito. Medidas não farmacológicas para minimizar o uso de psicofármacos. Intervenções para prevenir a privação do sono. Uso de equipamentos necessários para comunicação (especialmente óculos e aparelhos auditivos). Intervenção precoce para depleção de volume. ➥ Medidas não farmacológicas devem ser instituídas em todos os indivíduos, como promover um ambiente calmo, confortável, com o uso de mecanismos de orientação, como calendários, relógios e objetos familiares, com comunicação adequada e humana da equipe profissional e envolvimento dos familiares. Também é importante evitar trocas constantes de quarto e de membros da equipe, racionalizar os procedimentos médicos e permitir um período ininterrupto de sono com baixos níveis de luminosidade e de barulho. Evitam-se privações sensoriais e, caso necessário, são fornecidas próteses auditivas e óculos. ➥ O tratamento farmacológico é reservado para os casos em que os sintomas comprometam a segurança do indivíduo ou de terceiros. Antipsicóticos são amplamente aceitos, principalmente nos pacientes agitados, havendo a expectativa de que encurtem o tempo de doença e diminuam sua gravidade. Entretanto, os dados são fundamentados em estudos ainda limitados, com literatura escassa e eventuais problemas metodológicos. O haloperidol, uma das medicações mais estudadas ao longo dos anos, tem a vantagem de apresentar meia-vida curta, poucos efeitos anticolinérgicos, pouca sedação e apresentações diversas (comprimidos, solução oral líquida e injetável). No entanto, seu uso é limitado em razão da incidência elevada de efeitos extrapiramidais (especialmente em doses > 3mg/dia), risco de prolongamento de intervalo QTc e síndrome neuroléptica maligna. A dose empregada costuma estar entre 0,5 e 1,0mg, duas vezes ao dia, com doses adicionais a cada 4 horas, se necessário. ➤ Delirium versus demência: ➥ Há uma série de características clínicas que ajudam a fazer a distinção entre delirium e demência. Os principais pontos diferenciais entre ambos são o tempo de desenvolvimento da condição e a oscilação no nível de atenção no delirium em comparação com a atenção relativamente consistente na demência. O tempo de desenvolvimento dos sintomas costuma ser curto no delirium, e, com exceção de demência vascular causada por acidente vascular, o início de demência é gradual e insidioso. Embora as duas condições incluam prejuízo cognitivo, as alterações na demência são mais estáveis com o passar do tempo e, por exemplo, em geral não oscilam ao longo de um dia. Um paciente com demência costuma estar alerta; um paciente com delirium apresenta episódios de redução da consciência. Eventualmente, delirium ocorre em um paciente com demência, uma condição conhecida como demência nebulosa. Um diagnóstico duplo de delirium pode ser realizado quando houver uma história bem estabelecida de demência preexistente. ➤ Delirium versus esquizofrenia ou depressão: ➥ Deve-se fazer a distinção também entre delirium e esquizofrenia ou transtorno depressivo. Alguns pacientes com transtornos psicóticos, em geral esquizofrenia ou episódios maníacos, podem apresentar períodos de comportamento extremamente @karina_oliveiraqdesorganizado, de difícil distinção. De modo geral, no entanto, as alucinações e os delírios de indivíduos com esquizofrenia são mais constantes e mais bem organizados do que os daqueles com delirium. O paciente com esquizofrenia costuma não experimentar alteração em seu nível de consciência nem em sua orientação. Aquele com sintomas hipoativos de delirium pode parecer um pouco semelhante a uma pessoa gravemente deprimida, mas os dois podem ser diferenciados por meio de um EEG. Outros diagnósticos psiquiátricos a serem considerados no diagnóstico diferencial de delirium são os transtornos psicótico breve, esquizofreniforme e dissociativos. Um paciente com transtornos factícios pode tentar simular os sintomas de delirium, mas geralmente revela a natureza falsa de seus sintomas devido a inconsistências em seu exame do estado mental, e um EEG pode separar os dois diagnósticos com facilidade. • Estado onírico: ➥ É o termo da psicopatologia clássica para designar uma alteração da consciência na qual, paralelamente à turvação da consciência, o indivíduo entra em um estado semelhante a um sonho muito vívido (Peters, 1984). Em geral, predomina a atividade alucinatória visual intensa com caráter cênico e fantástico. A pessoa vê cenas complexas, ricas em detalhes, às vezes. terríficas, com lutas, matanças, fogo, assaltos, sangue etc. Há carga emocional marcante na experiência onírica, com angústia, terror ou pavor. O doente manifesta esse estado onírico angustioso gritando, movimentando se, debatendo-se na cama e apresentando, às vezes, sudorese profusa. Há geralmente amnésia consecutiva ao período em que o doente permaneceu nesse estado onírico. Tal estado ocorre com mais frequência devido a psicoses tóxicas, síndromes de abstinência de substâncias (com maior frequência no delirium tremens) e quadros febris tóxico-infecciosos. Alguns autores descrevem estados oníricos em pacientes com psicose (esquizofrenia, mania e depressão psicóticas), mas, nessa acepção, o termo não tem sido mais utilizado. Na prática, o estado onírico ou estado tipo-sonho tem sido cada vez mais absorvido pela categoria ampla do delirium. O termo amência era utilizado na psiquiatria clássica para designar quadros mais ou menos intensos de confusão mental por rebaixamento do nível de consciência, com excitação psicomotora, marcada incoerência do pensamento, perplexidade e sintomas alucinatórios com aspecto de sonho (oniroide). Assim como para o estado onírico, atualmente se tende a designar a amência com o termo delirium. ➥ Referencias: - Dalgalarrondo, P Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre, 2000. Editora Artes Médicas do Sul. - Koch S, Rupp L, Prager C, et al. Delirium ao despertar em crianças está relacionado a descargas epileptiformes durante a indução anestésica: um estudo observacional. Eur J Anestesiol 2018; - Shen WK, Sheldon RS, Benditt DG, et al. Diretriz ACC/AHA/HRS 2017 para Avaliação e Manejo de Pacientes com Síncope: Resumo Executivo: Relatório da Força-Tarefa do American College of Cardiology/American Heart Association sobre Diretrizes de Prática Clínica e a Heart Rhythm Society. Circulação 2017; - WILSON, Jo Ellen et al. Delirium. Nature Reviews Disease Primers, v. 6, n. 1, p. 1-26, 2020. - MATTISON, Melissa LP. Delirium. Annals of internal medicine, v. 173, n. 7, p. ITC49-ITC64, 2020.