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PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA Daiane Duarte O conceito de deficiência Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer as interpretações do conceito de deficiência ao longo da história. Analisar o conceito de deficiência a partir de abordagens atuais. Reconhecer que deficiência não é um sinônimo de incapacidade. Introdução Os debates em torno dos conceitos de deficiência envolvem uma mul- tiplicidade de elementos, que vão desde a necessidade de considerar a sua natureza política até a superação do modelo biomédico. Desse modo, a descrição da deficiência envolve questões de direitos humanos e reflexões acerca da soberania do modelo biomédico, a qual precisa ser superada. De forma geral, a questão da deficiência pode ser observada como intrínseca à natureza humana, considerando que quase todas as pessoas terão uma deficiência de ordem temporária ou permanente em alguma etapa de seu desenvolvimento. Neste capítulo, você vai estudar o conceito de deficiência ao longo da história, de acordo com o pensamento e a cultura de cada época. A seguir, vai conhecer diferentes abordagens para o conceito de deficiên- cia e, por fim, identificar a deficiência como lugar para a diferença e potencializadora da diversidade e superação das barreiras de todas as ordens — e não como sinônimo de incapacidade. História do conceito de deficiência As diferenças nos modos de ser e existir são consideradas, analisadas e pon- deradas desde os tempos mais longínquos. Na Grécia Antiga, a defi ciência — principalmente a referida na ordem intelectual — chegou a ocupar o status de privilégio, por se caracterizar como certa liberdade presente nos indivíduos que a manifestavam, sob a forma de delírios (PELBART, 1989). Sócrates e Platão ressaltaram aspectos da deficiência em seus discursos. Platão deixou registrada, em seus escritos como Banquete e Fedro, a defi- ciência manifesta como Manikê, referindo-se ao delirante, para em seguida relacioná-la à arte divinatória Mantikê. Assim, as deficiências e os modos de estar no mundo se manifestavam por meio das diferenças — algo ao mesmo tempo especial e limitador (PELBART, 1989). O filósofo Hipócrates, considerado o “pai da medicina” (460–377 a.C.), conectou o que denominou “loucura” a implicações orgânicas. Nesse sentido, foi pioneiro ao propor uma interpretação conectada a doenças ou deficiências baseadas em origens e manifestações biológicas (PESSOTI, 1997). Nesse sentido, surgiram no século XVI maneiras de tratar os diferentes, os que não se encaixavam no cumprimento das regras, ao mesmo tempo em que eles foram removidos do convívio social. Além de pensões e hospedarias específicas para esse público, cujo intuito era retirá-los da circulação das ruas e ainda usá-los como objetos de estudo, havia a chamada Nau dos Loucos. Tratava-se de uma embarcação que se propunha a navegar pelas águas calmas de rios e canais da Europa como um depósito para “loucos” e “leprosos” (FOUCAULT, 1978, p. 12). Entretanto, foi somente no início do século XIX, depois de muita barbárie no tratamento de pessoas com algum tipo de deficiência, que Philippe Pinel conseguiu inserir uma evolução do conceito de loucura, ao caracterizá-la como doença mental e, em seguida, como deficiência mental. Considerado o fundador da psiquiatria, Pinel estabeleceu a necessidade de permitir que o modo de ser dos sujeitos pudesse se expressar, determinando o desencarce- ramento dessas pessoas com deficiências intelectuais e indicando a criação de lugares específicos para tratamento com estímulos adequados. Foi assim que Pinel se tornou também um dos fundadores da clínica médica (FRAYZE- -PEREIRA, 1993). Apesar de todo o esforço para a condução de um tratamento moral das pessoas com deficiência intelectual, houve, ao longo de todo o século XIX, um alastramento da criação de asilos, os quais acabaram sendo concebidos O conceito de deficiência 2 como manicômios. Nesses locais, os tratamentos visavam à cura e, para isso, não mediam esforços para aplicar métodos que moldassem os comportamentos dos deficientes. Por meio de técnicas, aparelhos e medicações, buscavam a contenção dos sintomas, sem considerar as singularidades e peculiaridades de cada sujeito. Foi durante a transição do século XIX para o século XX que surgiu uma preocupação com a linearidade das manifestações das deficiências. A partir disso, os fisiatras e estudiosos da época se preocuparam em contabilizar e categorizar as deficiências intelectuais sob o ângulo de suas funcionalidades. Então, estabeleceu-se na América do Norte, em 1880, uma espécie de censo com o primeiro esboço de um manual diagnóstico, no qual as deficiências intelectuais foram organizadas em sete categorias: mania, melancolia, mono- mania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia (BLACK; GRANT, 2015). O primeiro esboço da formulação da declaração dos direitos humanos também ocorreu nos Estados Unidos. O documento alertava para a necessidade de fiscalizar e orientar as instituições que ofereciam tratamento às pessoas com deficiências intelectuais, buscando inibir internações arbitrárias e maus tratos que poderiam estar disfarçados sob a forma de tratamento. Esses mo- vimentos em direção à garantia de direitos e tratamento digno promoveram avanços na psiquiatria enquanto ciência e conduziram inspirações para as ciências naturais. Além disso, auxiliaram no despertar de descobertas médicas e bacteriológicas, da anatomia patológica e da então recente neurologia, que se propunha a conectar os aspectos ligados à organicidade e à funcionalidade da estrutura cerebral aos comportamentos humanos (LAPLANTINE, 2010). Com a demanda por compreensão dos sujeitos com deficiências e das suas especificidades, tornou-se mais viável buscar tratamentos que se ancorassem no desenvolvimento das necessidades específicas de cada um. Despertou-se para a importância de conduzir tratamentos que escapassem de uma lógica que rotula e acaba por aniquilar o princípio individual, enxergando apenas as limitações e os sintomas, e seguindo as suas intervenções somente na direção de uma normatização e um silenciamento das diferenças (FERREIRA, 2000). No Brasil, até a construção da Constituição Federal de 1988, os termos “excepcional” e “deficiente” eram utilizados para definir as pessoas com deficiência. Entretanto, por se tratar de uma definição limitada e por vezes pejorativa, implicava necessidade de mudanças. Assim, a atenção às pessoas com deficiências aparece em momentos bem pontuais da Constituição, como consta nos seguintes artigos (BRASIL, 1988, documento on-line): 3 O conceito de deficiência Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, indepen- dentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à pró- pria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: […] III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; […] V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. […] II - criação de programas deprevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. Somente em 1990, com a assinatura na Declaração de Caracas, documento que buscou propor uma reestruturação da assistência psiquiátrica, os direitos das pessoas com deficiência começaram a ser constituídos enquanto política pública (OPAS/OMS, 1990). Esse documento alertou para a necessidade de criação de políticas públicas no Brasil e levou à criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que se estabeleceu a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU e o seu Protocolo Facultativo, ratificados na forma do Artigo 5º da Constituição Federal. O Estatuto da Pessoa com Deficiência é destinado a estabelecer as diretrizes e normas gerais, bem como os critérios básicos para assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência. Além disso, esse Estatuto visa à inclusão social e cidadania plena e efetiva da pessoa com deficiência, seja por ordem física, sensorial (auditiva e visual) ou intelectual (BRASIL, 2015). O conceito de deficiência 4 A Organização Mundial de Saúde (OMS) (2004) possui duas classificações que se referem aos estados de saúde: a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, que corresponde à décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). A CIF (conhecida como CIF1) tem como objetivo geral proporcionar uma linguagem unificada e padronizada, assim como uma estrutura de trabalho para a descrição da saúde e de estados relacionados com a saúde. A classificação define os componentes da saúde e alguns componentes do bem-estar relacionados com a saúde, que envolvem aspectos psicossociais, como educação e trabalho. Nesse sentido, a CIF1 se organiza em torno de domínios descritos com base na perspectiva do corpo, do sujeito e da sociedade em duas listas básicas: funções e estruturas do corpo, e atividades e participação. Ela busca compreender como o sujeito se organiza em seu viver por meio da deficiência, ou seja, quais as facilidade e dificuldades em viver com uma deficiência. A CIF também relaciona os fatores ambientais que interagem com todos esses constructos. Assim, ela permite ao utilizador registrar perfis úteis da funcionalidade, incapacidade e saúde dos sujeitos em vários domínios. O documento completo está disponível no link a seguir. https://goo.gl/8KKZeW Nas discussões mais recentes sobre a caracterização do conceito de deficiên- cia, é possível acompanhar uma transição para o reconhecimento e a expansão das possibilidades de existir de cada pessoa, para além de normas e padrões. Gaudenzi e Ortega (2016) propõem a visualização do conceito de deficiência em conformidade com a normatividade, escapando das lógicas enclausurantes da normalidade. Normatividade refere-se ao desenvolvimento de autonomia em conformidade com a subjetividade e as especificidades de cada sujeito. Abordagens atuais sobre deficiência A partir dos anos 2000, o conceito de defi ciência passou a ser percebido de maneira ampliada, buscando compreender o sujeito de maneira integrada ao seu contexto. Dessa maneira, as políticas que promovem o apoio e o assis- tencialismo buscam se caracterizar como instrumentos de emancipação da pessoa com defi ciência (FONSECA, 2008). Desse modo, faz-se prevalecer o equilíbrio para assegurar condições mínimas à efetiva inclusão social. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi realizada na sede das Nações Unidas, em Nova York, no ano de 2006. Nela, é a palavra 5 O conceito de deficiência respeito que conduz o reconhecimento pleno do direito das pessoas com deficiência de viver de forma autônoma e plena em sociedade — ou seja, nem desprezo, nem indiferença, nem simpatia, mas simplesmente respeito. Essa convenção da ONU não visava à criação de novos direitos, mas especificou os existentes, que preferencialmente deveriam se ater às condições individuais das pessoas com deficiência, para que elas pudessem ter as mesmas oportunidades que a maioria dos seres humanos (FERREIA; OLIVEIRA, 2007). Assim, a Convenção Internacional Sobre os Direitos da Pessoa com De- ficiência, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007, também refere um conceito de deficiência muito mais adequado à contemporaneidade. Em seu primeiro artigo, descreve que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (ARAUJO, 2011). Nesse sentido, consta em documentos como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído a partir da Lei13.146, de 6 de julho de 2015 (BRASIL, 2015), que os direitos das pessoas com deficiência devem ser assegurados em conformidade com as suas singularidades. Além disso, devem estar fun- damentados nos princípios da universalidade e da solidariedade. Para isso, o Estado é responsável por propiciar condições mínimas para que as pessoas com deficiência possam de fato se inserir na sociedade, com participação plena e efetiva, em que seja possível viver com independência e dignidade (BRASIL, 2015). As políticas públicas da atualidade utilizam um conceito de deficiência, de forma geral, no qual o sujeito possa conquistar espaço para existir, sem precisar se limitar por barreiras arquitetônicas, estruturais, sociais, culturais ou econômicas que o coloquem em desvantagem em relação a quem não possui deficiência. Conforme o relatório mundial sobre a deficiência (ORGANIZA- ÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2012), as pessoas com deficiência representam 15% da população mundial, o que significa cerca de um bilhão de sujeitos. Dessa maneira, configura-se na minoria mais presente no planeta, sendo esse fato promovedor de urgências para a criação, priorização e seguridade dos direitos, além do estabelecimento de políticas públicas específicas. Outro ponto desse relatório pode ser relacionado às desigualdades encon- tradas pelas pessoas com deficiência, como carências no acesso à saúde e à educação, além das constantes exposições a violências e à vulnerabilidade social e econômica, impactando negativamente no desenvolvimento desses sujeitos. As deficiências circulam pelos mais variados aspectos dos sujeitos, O conceito de deficiência 6 no que se refere aos tipos e graus de deficiência. Em outras palavras, o sujeito pode apresentar desde alguma dificuldade ou uma grande dificuldade até incapacidade de locomoção, visual, auditiva ou deficiência intelectual. É possível ainda apresentar deficiências múltiplas, com duas ou mais deficiên- cias associadas, como na paralisia cerebral, na qual é comum que a pessoa apresente deficiência intelectual, dificuldades para locomoção e audição e, em alguns casos, até mesmo na visão (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2012). Tais aspectos tornam as pessoas com deficiências um grupo social extremamente heterogêneo e com uma imensa diversidade de manifestações. O Relatório Mundial sobre as Deficiências (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2012), criado pela OMS, foca em medidas para melhorar a acessibilidade e igualdade de oportunidades, promover a participação e inclusão, e elevar o respeito pela autonomia e dignidadedas pessoas com deficiência. Em sua manifestação escrita, define termos como deficiência, discutindo a prevenção e as suas considerações éticas. Apresenta também a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), e discutindo deficiência e direitos humanos, bem como deficiência e desenvolvimento. Além disso, aborda outros aspectos relacionados à prevalência da deficiência e à situação das pessoas com deficiência em todo o mundo, apresentando o acesso aos principais serviços de saúde para pessoas com deficiência. Ainda, discute reabilitação, incluindo terapias e dispositivos assistivos, investiga serviços de suporte e assistência e explora os ambientes inclusivos, tanto em termos de acesso físico a edifícios, transporte e demais, como o acesso aos ambientes virtuais da tecnologia da informação e comunicação. Deficiência não é sinônimo de incapacidade Ainda na primeira metade do século XX, surgiu o modelo biomédico sobre o conceito de defi ciência, interpretando-a como mera barreira ou incapacidade a ser superada pela pessoa que a portava. Em seguida, instalou-se a transição para o modelo social do conceito de defi ciência, relacionado à inclusão da pessoa com defi ciência e à superação das barreiras estruturais. Atualmente, o paradigma dos direitos humanos é inserido, no intuito de garantir a dignidade, a autonomia e o acesso a todos os direitos sociais da pessoa com defi ciência, bem como o combate à violação de seus direitos (SCHMIDT, 1997). 7 O conceito de deficiência Na atualidade, há uma preocupação para além das limitações impostas pela própria deficiência: construir constantemente espaço para a superação de barreiras ao pleno desenvolvimento do sujeito com deficiência. As políticas públicas direcionadas às pessoas com deficiência, assim como as problema- tizações do contexto estimuladas pelas convenções sobre os seus direitos, buscam distanciar o conceito de deficiência do de incapacidade, a fim de não restringir o conceito de deficiência a aspectos médicos. Ao mesmo tempo, são incorporados aspectos sociais, ou seja, a pessoa com deficiência deve ser compreendida para além dos aspectos físicos, sensoriais, intelectuais e mentais, destacando a conjuntura social e cultural em que o sujeito com deficiência está inserido (FONSECA, 2008). Assim, o sujeito, visto além da deficiência e de suas barreiras de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, pode ser contemplado por meio de outros cenários para o desenvolvimento integral de suas potencialidades. Nesse sentido, as políticas públicas garantem à pessoa com deficiência o recebimento de benefício assistencial (quando o indivíduo se encaixa em critérios socioeconômicos), tendo garantia de benefícios como isenção de impostos como o IPI; preenchimento do percentual de funcionários com deficiência em empresas com mais de cem empregados; vagas destinadas às pessoas com deficiência em concursos públicos; participação nas paraolim- píadas e atendimento prioritário (FONSECA, 2008). Ademais, as políticas públicas promovem a garantia de espaço para que as pessoas com deficiência possam demonstrar as suas potencialidades e os seus talentos, especialmente nas áreas em que possuem maior desenvolvimento. A partir disso, o deficiente poderá encontrar uma maneira de ser visto enquanto sujeito integral, para além da deficiência. Ao longo da história, o conceito de deficiência e a visão sobre a pessoa com deficiência enfrentaram muitos percalços. Nem sempre foi possível priorizar o desenvolvimento do sujeito integral, com respeito e construção da autonomia. No entanto, toda essa bagagem conduziu à consideração de aspectos fundamentais e indispensáveis, como a compreensão do sujeito em sua integralidade e singularidade. O conceito de deficiência 8 Stephen William Hawking, físico teórico e cosmólogo britânico, tornou-se um dos mais consagrados cientistas do nosso século. Aos 21 anos, descobriu ser portador de esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença degenerativa incurável que provoca a paralisa dos músculos, sem atingir as funções cerebrais. Após uma traqueostomia, utilizava um sintetizador de voz para se comunicar. Além disso, foi perdendo o movimento dos braços e pernas, assim como do resto da musculatura voluntária, incluindo a força para manter a cabeça erguida, de modo que a sua mobilidade era praticamente nula. Hawking foi inspiração para o mundo inteiro ao jamais se limitar por sua deficiência. Em 2005, passou a usar os músculos da bochecha para controlar um sintetizador e, após isso, utilizou a sua capacidade cognitiva para seguir em frente e superar cada avanço da doença, chegando a se comunicar por um aparelho que fazia a leitura do movimento dos seus olhos. Mesmo em meio a todo esse cenário, Hawking publicou diversas teses e livros, deu aulas e seminários, e viajou por diversos lugares. Ele se casou duas vezes e teve três filho e três netos antes de falecer, em março de 2018. Nesse sentido, constituiu-se na contemporaneidade um novo conceito de deficiência, o qual expõe a evolução da cultura e da sociedade para o respeito às diferenças e à diversidade nos modos de ser e existir. Oportunizou-se assim que as pessoas com deficiência tenham livre acesso aos seus direitos, participando da vida social em igualdade e equidade. Tais aspectos atuam para a destruição das barreiras e buscam atuar em favor de uma inclusão íntegra e plenamente satisfatória para todos. 1. Aquilo que normalmente compreendemos por deficiência pode variar em razão da existência de diferentes culturas, crenças, orientações e abordagens científicas. Sobre o conceito de deficiência, é correto afirmar que: a) a definição do conceito não sofre interferências de ordem política ou econômica. b) a grosso modo, o conceito de deficiência independe dos tipos de paradigmas e da organização da sociedade. c) ao longo da história, apesar dos erros e acertos, as pessoas com deficiência foram majoritariamente bem cuidadas. d) no Brasil, já se encarou a pessoa com deficiência como pessoa altamente incapaz, e ainda hoje tal ideia é passível de ocorrer. e) quando se trabalha com a ideia de inclusão, deve-se 9 O conceito de deficiência compreender a deficiência como algo inexistente na vida da pessoa. 2. Joana decidiu matricular sua filha com síndrome de down em um estúdio de pilates. Joana, então, orienta a instrutora de pilates que sua filha é bastante determinada e que seu desempenho nos exercícios deverá ser cobrado como a qualquer outro aluno. A instrutora acolhe sua nova aluna, garantindo à menina que suas recomendações serão levadas a sério. Assim, a instrutora deve ter consciência de que: a) a criança deverá ser tratada sem que a instrutora considere os limites de sua deficiência. b) apenas para agradar à mãe é que se deve prometer e exigir algum desempenho da nova aluna. c) cada aluno deve ser cobrado de acordo com suas capacidades e limites e, portanto, a menina poderá ser estimulada dentro destes parâmetros. d) quando convivemos com pessoas com deficiência é necessário fingir que não conhecemos sua condição, dando-lhes assim um tratamento igualitário. e) será preciso criar um horário para atender à menina isoladamente. 3. Em seu livro Introdução à Educação Especial, Deborah Smith nos conta de uma ilha inglesa onde a população com surdez era bem maior que a média usual em outros conglomerados. Nesta ilha, todos os habitantes aprendiam a linguagem de sinais desde muito cedo. Por ser o modo majoritário com o qual os habitantes se comunicavam, quem chegasse à ilha, também tratava logo de aprender à linguagem local. Os mesmos moradores eram conhecedores do inglês, tanto que podiam ler e escrever neste idioma. Aparentemente a surdez nunca afetou a rotina da ilha (SMITH, 2015). Diante desta realidade apresentada pela autora, podemos afirmarque: a) a surdez não dificulta a vida em sociedade. b) a surdez não se configura como uma incapacidade. c) as pessoas surdas devem viver em comunidades próprias. d) os moradores da ilha pensavam ser absolutamente iguais. e) os moradores da ilha viveriam da mesma forma em outra sociedade. 4. O Decreto nº. 6.949, de 25 de agosto de 2009, promulga no Brasil a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. O governo brasileiro pode agir para que as diversas barreiras, que podem obstruir a participação plena e efetiva das pessoas com deficiência na sociedade, sejam minimizadas. Esta é uma tarefa a ser compartilhada com toda a sociedade, mas os governos têm um papel diferenciado. Assinale a alternativa em que as ações apresentadas cabem tão somente ao poder público. a) Abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a defesa da dignidade e da O conceito de deficiência 10 inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. b) Denunciar a desconformidade da arquitetura dos espaços públicos, tendo em vista às exigências de acessibilidade de todos os cidadãos aos serviços e espaços destinados à sociedade. c) Garantir que as pessoas com deficiência gozem de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. d) Respeitar a dignidade inerente à autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas. e) Sugerir medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência. 5. Ao longo da história, várias sociedades apresentaram uma definição, nem sempre acertada, acerca da deficiência. Para a construção de conceito de deficiência que ilumine corretamente os programas educacionais, apontando defesas e soluções eficazes, rumo a uma prática inclusiva, deve-se considerar que: a) a ideia de deficiência é uma criação das sociedades medievais. b) a situação de crianças com deficiência já está suficientemente humanizada. c) pessoas deficientes enfrentam problemas diferenciados, de acordo com a sociedade em que se encontram. d) somente a ciência poderá definir, de uma vez por todas, o conceito de deficiência. e) somente quando os deficientes forem totalmente autônomos é que a sociedade os aceitará. ARAUJO, L. A. D. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. Brasília: CORDE, 2011. BLACK, W., D., GRANT, E., J. Guia para o DSM-5: complemento essencial para o manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2015. BRASIL. 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