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Psicologia e a Pessoa com Deficiência ( EbooK )

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ser 
gente criando o futuro 
Presidente do Conselho de Administração Janguiê Diniz 
Diretor-presidente Jânyo Diniz 
Diretoria Executiva de Ensino Adriano Azevedo 
Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Joaldo D1mz 
Diretoria de Ensino a Distância Enzo Moreira 
Autoria Sofia Rafaela Oliveira de Aquino 
Projeto Gráfico e Capa DP Content 
DADOS DO FORNECEDOR 
Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design lnstrucional, 
Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão. 
© Ser Educacional 2021 
Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro 
Recife-PE - CEP 50100-160 
*Todos os gráficos. tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência . 
Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. 
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio 
ou forma sem autorização. 
Avlolação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do 
Código Penal. 
o 
Imagens de ícones/capa: © Shutterstock 
1 
ASSISTA 
Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple-
mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. 
1 
CITANDO 
Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa 
relevante para o estudo do conteúdo abordado. 
1 
CONTEXTUALIZANDO 
Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; 
demonstra-se a situação histórica do assunto. 
1 
CURIOSIDADE 
Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto 
\ 1 tratado. 
1 
DICA 
Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma 
informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado. 
1 
EXEMPLIFICANDO 
Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto. 
1 
EXPLICANDO 
Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da 
área de conhec imento trabalhada. 
Unidade 1 - Deficiência: histórico e contextualização 
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 12 
Evolução histórica do conceito de deficiência ......................................... .................... 13 
Construindo um novo paradigma .............. ...................................................... .............. 18 
Aspectos históricos da deficiência .................................................................................. 20 
Precisamos falar sobre o capacitismo ........................................................................ 21 
Capacitismo e a eugenia ............................................................................................... 22 
A pessoa com deficiência e os Direitos Humanos ................................................... 25 
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências 
e outros marcos ................................................................................................................ 26 
Questões relacionadas à classificação das doenças .................................................. 28 
Conhecendo a CID e a CIF ............................................................................................. 31 
Integração X inclusão .......................................................................................................... 33 
O que é integrar? ............................................................................................................ 34 
O que é incluir? ............................ ................................................................................... 35 
Sintetizando ........................................................................................................................... 38 
Referências bibliográficas ................................................................................................. 39 
Unidade 2 - Psicologia e a pessoa com deficiência: conceito, tipos e inclusão no 
contexto educacional 
Objetivos da unidade ........................................................................................................... 42 
Deficiência: conceituação contemporânea .................................................................... 43 
Conceituação da deficiência ......................................................................................... 44 
Capacitismo, estigma e preconceito ............................................................................ 45 
Deficiência e educação formal ......................................................................................... 48 
A importância da inclusão no ambiente escolar ...................................... ................. 49 
Tecnologias assistivas .................................................................................................... 52 
Família e escola: rede de apoio .................................................................................... 56 
Os tipos de deficiência ........................................................................................................ 58 
Deficiência sensorial: visual e auditiva ....................................................................... 59 
Deficiência física ...................................... ....................................................................... 64 
Deficiência intelectual .................................................................................................... 66 
Deficiências múltiplas .................................................................................................... 67 
Deficiências específicas .................................................................................................... 68 
Sintetizando ........................................................................................................................... 72 
Referências bibliográficas .............. ................................................................................... 74 
z / 
Unidade 3 - Psicologia e a pessoa com deficiência: saúde mental, transtornos e 
cuidado interdisciplinar 
Objetivos da unidade ....................................... .................................................................... 78 
Distúrbios de comportamento, cognitivo e de linguagem ........................................... 79 
Distúrbios do comportamento ...................................................................................... 79 
Distúrbios cognitivos ...................................................................................................... 81 
Distúrbios de linguagem ................................................................................................. 82 
Diferença entre deficiência e transtorno mental ........................................................... 87 
Implantação do SUS e da RAPS: garantindo direitos ............................................... 88 
Aproximações e separações: deficiência intelectual e transtorno mental .......... 93 
Definição de transtorno invasivo do desenvolvimento (TIO) ....................................... 94 
Síndrome de Williams .................................................................................................... 95 
Síndrome de Rett ............................................................................................................ 96 
Transtorno desintegrativo da infância (TDI) ............................................................... 97 
Transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação .................. 97 
A importância do atendimento multidisciplinar à pessoa com deficiência ............. 99 
Equipe de trabalho: conjunto de agentes ou equipe integrada ............................. 100 
Ações conjuntas e particulares ................................................ .................................. 101 
Sintetizando .........................................................................................................................105 
Referências bibliográficas ............................................................................................... 106 
Unidade 4 - A prática psicológica frente à deficiência e aos transtornos mentais 
Objetivos da unidade ......................................................................................................... 110 
A prática psicológica com pessoas com deficiência e transtornos ........................ 111 
Histórico do cuidado ............................................................................ ........................ 113 
As diferenças na prática .............................................................................................. 115 
O trabalho com pessoas com defic iências físicas e sensoriais ........................... 117 
O trabalho com pessoas com deficiência intelectual. ............................................ 118 
O trabalho com pessoas com transtornos mentais ................................................. 118 
A Inclusão Social da pessoa com deficiência ............................................................. 124 
Tipos de barreiras ......................................................................................................... 125 
Desenho universal e adaptação razoável ................................................................ 127 
Os novos direitos da pessoa com deficiência .............................................................. 129 
Decla ração de Salamanca .......................................................................................... 130 
As formas de tratamento e intervenção das instituições, particulares e públicas, 
com relação às pessoas com deficiência .................................................................... 131 
Psicoterapia e psicoeducação ................................................................................... 132 
Habilitação e reabilitação ............................................................................................ 132 
Sintetizando ........................................ ................................................................................. 134 
Referências bibliográficas ............................................................................................... 136 
Nesta disciplina, vamos nos aprofundar na relação entre a Psicologia e as 
pessoas com deficiência. Para isso, iremos embarcar na história e conhecer as 
diversas práticas e concepções direcionadas às deficiências ao longo do tempo, 
bem como as teorias que baseiam hoje a percepção desses fenômenos. 
Ainda iremos compreender a deficiência a partir do contexto social, familiar, 
legal e subjetivo. Será abordado o que é a deficiência, quais os seus tipos e a 
diferenciação desse conceito de outros relacionados, como doença, transtorno 
ou distúrbio. Também falaremos sobre qual o lugar da psicologia no cuidado 
integral e multidisciplinar à pessoa com deficiência e como essa classe profis-
sional atua na promoção da inclusão. 
Serão abordados, ainda, os direitos da pessoa com deficiência, as principais 
teorias e práticas, bem como as formas de intervenção psicológica e promoção 
de saúde junto à PCD nas mais diversas instituições. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
A professora Sofia Rafaela Oliveira 
de Aquino é graduada em Psicologia 
pela Universidade Federal de Per-
nambuco - UFPE (2019) e fez especia-
lização em Psicopedagogia pela Fa-
culdade Frassinetti do Recife - FAFIRE 
(2021). Realiza estudos e pesquisas no 
campo da educação, incluindo temas 
transversais como aprendizagem, in-
clusão, evasão escolar, experiência 
de escolarização da população negra 
e metacognição. Atua como psicólo-
ga escolar, prestando acolhimento, 
orientação e desenvolvimento de es-
tratégias em contexto multidisciplinar 
para estudantes da Educação Infantil 
ao Ensino Médio. 
Currículo Lattes: 
http://lattes.cn pq. br/5237488321343520 
Dedico esse trabalho a Deus, grata pelo presente que é aprender e ensinar. A 
meus pais, meu noivo e meus amigos, pela força compartilhada e confiança 
depositada. Dedico a todas as pessoas com deficiência e a todos e todas que 
se comprometem com a inclusão e o respeito à diversidade humana. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
UNIDADE 
1 
ser 
educacional 
Objetivos da unidade 
Conhecer as concepções de deficiência desenvolvidas ao longo da história, 
bem como seu impacto nas práticas atuais; 
Entender os princípios e concepções teóricas que sustentam a visão 
contemporânea acerca da pessoa com deficiência; 
Apresentar os principais eventos históricos relacionados às pessoas com 
deficiência e seu impacto na sociedade atual; 
Entender como a deficiência é conceituada, quais as suas diferenças em 
relação ao conceito de doença e como se dá essa classificação; 
Diferenciar os conceitos de integração e inclusão a partir de sua concepção 
teórica e de suas práticas, a fim de promover a inclusão e a igualdade de 
oportunidades à pessoa com deficiência. 
de deficiência 
Construindo um novo paradigma 
Aspectos históricos da deficiência 
Precisamos falar sobre o 
capacitismo 
Capacitismo e a eugenia 
A pessoa com deficiência e os 
Direitos Humanos 
A Convenção Internacional so-
bre os Direitos das Pessoas com 
Deficiências e outros marcos 
ficação das doenças 
Conhecendo a CID e a CIF 
Integração X inclusão 
O que é integrar? 
O que é incluir? 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
•• 
A evolução histórica do conceito de deficiência 
A deficiência nem sempre foi compreendida tal como é na atualidade. Na ver-
dade, a percepção conceituai e as práticas relacionadas ao fenômeno da defi-
ciência não são estáticas, mas variam ao longo do tempo. Essa variação acontece 
naturalmente, pois à medida que o tempo passa, os aspectos culturais e ideoló-
gicos de determinadas épocas afetam nossa percepção de tudo ao nosso redor. 
Assim, para compreendermos de fato o que é a deficiência, precisamos en-
tender as percepções ao longo da história sobre ela, quais as limitações dessas 
ideias e como cada uma delas impacta diretamente as ações direcionadas às 
pessoas com deficiência. 
Lowenfeld (1977 apud SANCHES, 1995), considerando isso, propõe que a his-
tória da relação e da atitude coletiva em relação à pessoa com deficiência (PCD), 
especialmente no contexto ocidental, pode ser organizada e analisada em qua-
tro períodos ou paradigmas. 
o primeiro paradigma identificado na relação das sociedades com a deficiên-
cia é o da separação ou segregação, e remete ao período que vai desde a Anti-
guidade até a Idade Média. Nesse período, a cultura e as relações sofriam forte 
influência mística, mitológica e religiosa, sendo estas as principais lentes pelas 
quais se enxergavam os fenômenos. E com a deficiência não era diferente; esta, 
trazendo diferença evidente, era alvo de diversas hipóteses místicas acerca de 
sua natureza e origem. 
Em alguns contextos, a deficiência suscitava medo e repulsa, sendo associa-
da ao que era mau, à ira das divindades ou mesmo a algo demoníaco. Ter um 
filho portador de deficiência era, para sociedades como a da Roma Antiga, sinô-
nimo de castigo divino e, por isso, a pessoa com deficiência era excluída, isolada, 
abandonada ou até morta. Na Idade Média, a desumanização dessas pessoas 
persistia, sendo evidenciada na figura, por exemplo, do Bobo da Corte, que mui-
tas vezes consistia na exploração de pessoas portadoras de deficiência - fosse 
física ou intelectual - como forma de entretenimento. 
Essas práticas podem ser associadas tanto ao pensamento mítico predomi-
nante nesses oeríodos auanto à extrema militarizacão dessas sociedades. aue 
consideravam o status social e importância dos indivíduos - especialmente ho-
mens - com base também em sua utilidade militar. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Apesar de ter sido combatida no campo teórico, jurídico e até mesmo 
religioso, essa compreensãoainda deixa marcas na forma como nos rela-
cionamos com a PCD. O modelo de separação é evidenciado, por exemplo, 
no estigma de criminalização e marginalização das pessoas com deficiência 
intelectual e transtornos mentais, que, frequentemente, são tratadas como 
perigosas e violentas. 
Após esse paradigma, emergiu um novo: o da proteção. Sob influência da 
expansão da Igreja Católica, iniciou-se 
um movimento de atenção a essas 
pessoas que tinham sido tão despreza-
das. Foram criadas instituições, como 
hospitais e hospícios, a fim de oferecer 
abrigo e condições de sobrevivência 
para as PCDs, inaugurando uma pers-
pectiva de caridade e assistencialismo. 
Essas novas práticas baseavam-se nos 
numerosos relatos de curas e milagres 
contidos nos evangelhos, sagrados 
para os cristãos. 
A Igreja passou a assumir, então, o 
cuidado às pessoas com deficiência e 
a outros grupos marginalizados como 
uma missão. Vale ressaltar que essas 
instituições, geralmente mantidas pela Igreja e coordenadas por freiras e gru-
pos religiosos, não se tratavam de um direito desses indivíduos, mas de obras 
de caridade mantidas por doações. 
Na Figura 1, é possível observar um dos exemplos de como as práticas de 
proteção eram experienciadas: a chamada Roda dos Expostos. Tratava-se de 
um local onde mães que não podiam ou queriam criar seus filhos os deixavam 
aos cuidados da Igreja, geralmente à noite e de forma anônima. Não se tratava 
de uma prática exclusiva para lidar com crianças nascidas com deficiência, mas 
esse grupo era especialmente deixado nesses espaços, fosse pela ausência de 
recursos das famílias para cuidar dessas crianças ou mesmo por rejeição. Cruz 
(2012) caracteriza o uso desses espaços da seguinte forma: 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
A Roda dos Expostos foi um instrumento criado pela Igreja Católica, 
no final da Idade Média, com a finalidade de salvaguardar e proteger 
as crianças abandonadas, de forma que se evitasse, primeiramente, 
u 11 lldi IULIUIU uu u dUdi IUUi IU t:I i l Lji,Jd l l.jUt:J IULdl t:i l i iU ~u 4ut= .::>t: ~4u1-
pararia, tendo em vista que aumentava a vulnerabilidade da criança 
frente aos an imais e ao clima) através da garantia do anonimato para 
o expositor, para que, assim estimulado, não deixasse a criança a 
esmo, com risco de morrer sem que lhe fosse dado sequer o batis-
mo. A garantia do bat ismo representa a iniciação na vida cristã e sem 
o qual não se obtinha a salvação da alma, que passaria a penar no 
limbo sem jamais ter a visão de Deus (CRUZ, 2012, p. 13). 
Figura 1 Imagem 1lustrat1va da Roda dos Expostos. Fonte: CRUZ. 2012, p. '4. 
Dito isso, fica claro que essas instituições de proteção promovidas pela Igre-
ja não funcionavam como garantia de direito ou política estatal de proteção a 
crianças ou pessoas com deficiência. Ao contrário, tratava-se de uma forma 
caridosa de lidar com a lógica vigente nesse período: a de que essas pessoas 
podiam ser descartadas. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Um dos motivos da adesão a essas práticas por parte das instituições reli-
giosas era a ideia de que as PCDs, especialmente as crianças e as pessoas com 
deficiência intelectual, não têm pecado, e ajudá-las seria uma demonstração 
de virtude e misericórdia. Nesse mesmo período, iniciaram-se as primeiras ten-
tativas de inserção das PCDs no contexto do trabalho, considerando-as como 
possíveis fontes de renda e utilidade. 
Figura 2 Instituto dos surdos-mudos, criado em 1889. Fonte CABRAL, 2019. 
Vale ressaltar que a perspectiva da proteção é uma das mais influentes nas 
práticas e discursos atuais. acarretando em políticas públicas assistencialistas 
e na infantilização da PCD. Esta é, então, tratada como permanentemente ino-
cente e dependente, que deve ser cuidada e protegida, mas que é incapaz de 
tomar decisões e gerir sua existência com autonomia. 
o 
\ 
CURIOSIDADE 
A categorização da proteção objetiva ajudar a entender as diferentes visões 
acerca da deficiência. Isso não significa que, ao emergir uma visão, a outra 
foi abolida por completo. Exemplo disso é que, durante a Reforma Protestan-
te, a visão de pessoas com deficiência como diabólicas voltou a ganhar ex-
pressividade, sendo defendida, por exemplo, por Martinho Lutero. Até hoje, 
essas diferentes visões circulam e conflitam entre si no imaginário social. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
O paradigma da emancipação vem a seguir, constituído sob influência de 
um mundo pós-Revolução Industrial e em constante desenvolvimento científi-
co. Nesses anos, a ciência passou a ser priorizada em detrimento dos discursos 
religiosos ou filosóficos, e os fenômenos passaram a ser ressignificados a par-
tir do que a ciência até então constituída afirmava sobre eles. É nesse contexto 
que a Med icina tomou o protagonismo da discussão sobre a deficiência, segui-
da pela Psicologia e Pedagogia, tal qual conhecemos hoje. 
Com a ascensão do método científico, rejeita-se a associação das defi-
ciências a causas espirituais e passa-se a buscar suas causas orgânicas. O 
behaviorismo e o determinismo cultural emergem, com práticas experimen-
tais que visam "curar" os indivíduos e mostrar a capacidade do estímulo do 
meio em superar as características inatas. Ou seja, nesse processo, o obje-
tivo é de "normalizar" e "normatizar" a PCD, tornando-a o mais semelhante 
possível às pessoas sem deficiência. Nessa busca por tornar as pessoas com 
deficiência "funcionais", adaptadas ao mundo, foram desenvolvidas práticas 
relevantes, como a oralização de surdos, a assistência médica e a escolariza-
ção de pessoas com deficiência. 
Esse paradigma sofre influência da demanda capitalista por produtividade, 
em que a utilidade e dignidade de uma pessoa se mede a partir da sua capa-
cidade de produzir. Apesar de significativas contribuições para a introdução 
de pessoas com deficiência em diversos contextos, observa-se, nesse modelo, 
que não há uma busca por tornar os espaços e a estrutura social mais inclusiva 
para as pessoas com deficiência, mas, sim, mudá-las para que se enquadrem 
às demandas sociais projetadas para pessoas típicas. De certa forma, as práti-
cas emancipatórias eram também segregadoras e excludentes. 
Posteriormente, a partir do desenvolvimento dessa perspectiva, emergiu o 
t,Jt:1 IUUU Ud li llt:1:,1 d',-dU. 1..UI 11 d LUI 1:,u11Ud',-dU Ud CUULd',-dU c:,t,Jt:Lldl t:: LUI 11 UI l ld 
maior clareza da possibilidade de introduzir pessoas com deficiência 
no contexto educacional e do trabalho, tanto as organizações civis 
quanto, a partir delas, as entidades políticas e científicas 
passaram a demandar que as pessoas com deficiên-
cia tenham oportunidades e direitos estabelecidos, 
principalmente com a finalidade de evitar violações e 
violências normalizadas dos períodos anteriores. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Nessa fase também é ampliado o conceito de deficiente - como até então se 
nomeava -, passando a englobar for-
malmente mais categorias de deficiên-
cia intelectual, física e sensorial. Foi 
nesse período que os principais mar-
cos legais, nacionais e internacionais, 
para os direitos da pessoa com defi-
ciência foram implementados. Apesar 
de sua significativa relevância para as 
práticas de atenção à PCD e para a ga-
rantia de seus direitos, atualmente, o 
paradigma da emancipação, marcado 
por práticas de integração, tem sido 
questionado, a fim de se abrir espaço 
para uma compreensão da deficiência 
mais coerente e cada vez menos capacitista, como veremos a seguir. 
Construindo um novo paradigma 
•• 
Mas e na atualidade, como podemos compreender a deficiência, a pessoa 
com deficiência e a relação da sociedade com essa pessoa? Veja o conceito de 
pessoa com deficiência a seguir, apresentado na Lei Nacional nº 13.146/2015, a 
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. 
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que cemimpe-
dimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou 
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode 
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade 
de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015). 
Observe que esse conceito muda por completo a perspectiva que temos 
da pessoa com deficiência (PCD). Agora, o foco não está no impedimento, mas 
na barreira. Ou seja, pela primeira vez, compreende-se que o problema - se 
a deficiência é encarada como um - não está na pessoa em si, mas no fato de 
que seus impedimentos encontram, na vida cotidiana, barreiras, obstáculos e 
dificuldades, que limitam sua participação social de forma igualitária. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
Nos períodos anteriores, o foco estava sobre o impedimento. Considera-
va-se que, se alguém tem uma deficiência, o problema está localizado nessa 
pessoa. Nessa perspectiva, a estrutura social não tem a obrigação de se adap-
tar ou incluir esse grupo, já que este foge à norma. Agora, porém, fica evidente 
que a desigualdade não é inerente à pessoa com deficiência nem decorre de 
seu impedimento. Ela surge em decorrência do encontro dos impedimentos 
da PCD com as barreiras presentes na sociedade (sejam elas barreiras físicas, 
institucionais, atitudinais, entre outras). Podemos resumir como: 
impedimento + barreira = desigualdade de condições = deficiência. 
Essa nova visão demanda não mais a simples integração da PCD nos diver-
sos espaços sociais, mas, sim, a sua inclusão. Apesar de esses conceitos pare-
cerem falar da mesma coisa, a ideia de inclusão propõe novas práticas frente à 
questão da deficiência, como veremos mais adiante. 
EXEMPLIFICANDO 
Quer entender melhor o conceito de deficiência? Pense no seguinte exem-
plo: Isa bela é uma jovem com miopia. Ela precisa usar óculos para realizar 
suas atividades cotidianas. Em outras palavras, podemos dizer que ela tem 
um impedimento sensorial de longo prazo. Entretanto, com os seus óculos, 
lsabela consegue estudar, trabalhar e viver coletivamente sem enfrentar 
nenhuma barreira, seja ela física ou mesmo referente à atitude das pesso-
as. Por isso, concluímos que, mesmo havendo um impedimento orgânico, 
não há deficiência. 
Dito isso, conseguimos entender que a visão atual do que é a deficiência, de 
quem são as pessoas com deficiência e de qual o seu lugar social é. na verdade 
fruto de uma constante construção e desconstrução de ideias e práticas. Essa 
síntese carrega influência de diversos paradigmas anteriores, inclu-
sive daqueles que já foram superados do ponto de vista teórico. 
Por isso, para que seja desenvolvida uma atuação pro-
fissional coerente e inclusiva, é essencial compreen-
der essa linha do tempo, evitando, assim, que prá-
ticas capacitistas do passado se repitam no tempo 
presente. O Diagrama 1 resume o conteúdo estuda-
do acerca do histórico da deficiência. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
DIAGRAMA 1. SÍNTESE DOS PARADIGMAS DE COMPREENSÃO E AÇÃO FRENTE À DEFICIÊNCIA 
~ 
História da deficiênt r ... u compreensão e ação 
,,. ........... ........... 
, e f 
........ • .... ,fD ......... 
•• 
Aspectos históricos da deficiência 
Ao nos aprofundarmos no estudo da deficiência ao longo do tempo, fica 
nítido que ocorreu uma evolução, não apenas no aspecto da compreensão e 
conceituação da questão, mas também nos direitos, ferramentas de assistên-
cia e no conhecimento técnico e científico - das mais diversas áreas de saber 
- aplicados ao cuidado com esse grupo. 
Por isso, esse olhar histórico é essencial. Ele evidencia que os direitos e as 
práticas que conhecemos hoje não são universais e nem surgiram ao acaso, 
mas foram fruto de lutas, reivindicações e pesqui-
sas por parte de cientistas, lideranças políticas e 
sociedade civil. Mais do que isso, esse olhar con-
textualizado nos ajuda a lembrar que há sem-
pre mais possibilidades de evolução e aperfeiçoa-
mento e que é necessário quebrar as barreiras que 
ainda existem e atrapalham a qualidade de vida das pessoas 
com deficiência. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Uma vez que já compreendemos os tipos de pensamento e conceituação da 
deficiência, agora nos aprofundaremos em alguns eventos históricos específi-
cos relacionados à percepção e às vivências da PCD. Vale ressaltar que, apesar 
de uma pessoa com deficiência não se limitar ao seu histórico de sofrimento e 
exclusões, é impossível ignorar que, ao longo de toda a história humana, pre-
senciamos os mais diversos tipos de capacitismo, e é por ele que começaremos . 
•• 
Precisamos falar sobre o capacitismo 
O que é, então, o capacitismo? Esse é o nome, em língua portuguesa, utili-
zado para referir-se a toda e qualquer diferenciação de caráter discriminatório, 
pejorativo, preconceituoso ou desigual para com pessoas com deficiência. De 
acordo com a Convenção sobre os Direitos da Pessoa Com Deficiência, da ONU, 
essa discriminação se descreve: 
[ ... ] como qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em 
deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar 
o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de opor-
tunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos 
e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, 
cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de d iscri-
minação, inclusive a recusa de adaptação razoável (BRASIL, 2009). 
A partir disso, compreendemos que o capacitismo é um fator estrutural na 
nossa sociedade atual, presente tanto em atitudes intencionalmente discrimi-
natórias quanto em aspectos básicos, como, por exemplo, a falta de acessibili-
dade em espaços públicos e privados. 
Mas como será que todo esse capacitismo chegou 
até nós? Como dito, o capacitismo têm se reinven-
tado e resistido às mais diversas intervenções ao 
longo da história humana, emaranhado no pen-
samento religioso, cultural e até mesmo científico. 
Vimos que, na Idade Média, com a veemente influên-
cia da Igreja, os discursos sobre as deficiências eram 
imersos em misticismo. A associação com o mal ou com o pecado 
atrelaram a pessoa com deficiência a um lugar de desumanização. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
Outras hipóteses, porém, se apresentavam. Para o Papa Inocêncio 111, as defi-
ciências - ou, como chamavam, as "monstruosidades" - eram advindas do con-
tato de uma criança com sangue menstrual, associando tanto o corpo da PCD 
quanto o das mulheres a algo impuro, tóxico, degradado (DIAS, 2013). 
Observamos que, apesar do grande peso histórico da influência dessa visão 
capacitista de alguns discursos religiosos - não todos -, o discurso que pode 
ser descrito como a maior influência na perpetuação do capacitismo na con-
temporaneidade é o do projeto eugenista que ascendeu no século XIX . 
• 
Capacitismo e a eugenia 
Se você está familiarizado com a palavra eugenia, deve saber que essa 
ideia é quase diretamente associada ao nazismo, porém, de acordo com Dias 
(2013), ela é anterior a este. O marco histórico tido como precursor da eugenia 
é a ascensão de uma aplicação divergente do darwinismo. Enquanto Charles 
Darwin desenvolveu uma teoria de hierarquização de espécies por meio de 
sua adaptabilidade, seu primo, Sir Francis Galton, fez a inferência de que era 
possível alcançar uma descendência perfeita, uma espécie humana superior, 
mais evoluída e capaz. Para isso, era necessário combinar pares sexuais de 
boa qualidade, evitando relações degradantes à espécie. Em outras palavras, o 
que Galton defendia era que os frutos dessa chamada seleção artificial seriam 
superiores, mais adaptáveis e, dessa forma, a salvação da espécie humana. 
De forma pouco surpreendente, as pessoas consideradas desejáveis eram as 
brancas, de classe social alta e sem deficiências. As pessoas com deficiência e 
as negras eram tidas, então, como indesejáveis e inferiores. 
Apesar de hojese mostrar grande uma aberração científica, esse discurso 
encontrou muitos adeptos, corroborando com práticas elitistas, racistas e, cla-
ro, capacitistas. Sua disseminação na sociedade norte-americana foi 
expressiva, como uma forma de proteger a nação do impacto social 
trazido pela imigração e avanço de populações mais po-
bres para os grandes centros. A eugenia foi tratada 
como uma estratégia de segurança para o país, im-
..... 1:- ........ ...J .... : ..... -1. , .-: •. ,.. ---- .._ ..... ..J:..J ... - ...J ......... - ....... -:1: ___ ::::; .... ...J ..... 
pessoas com deficiência (DIAS, 2013). 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
A naturalização da eugenia nos Estados Unidos foi tão ampla e fervorosa 
que, em 1927, a esterilização para tais fins foi considerada, além de legal, cons-
titucional na nação. A decisão teve como objeto de estudo o direito ou não à 
reprodução de uma jovem descrita como "débil mental", e essas práticas não 
apenas se assemelham, mas serviram, posteriormente, como exemplo para o 
projeto de sociedade nazista de Adolf Hitler. 
Para Hitler, o plano eugenista saiu do campo ideológico para tomar forma de 
leis e ações estatais, de forma semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos. 
Em 1933, foi instituída a chamada Lei GezVeN (Gesetz zur Verhütung erbkranken 
Nachwuchses, em português, Lei para a prevenção contra uma descendência here-
ditariamente doente), que obrigava um grupo significativo de pessoas a serem 
esterilizadas, a fim de impedir sua procriação. Entre essas pessoas, estavam 
aquelas que apresentavam as chamadas condições congênitas, que incluíam 
deficiências físicas, sensoriais, intelectuais e transtornos mentais (DIAS, 2013). 
Figura 3. Castelo Harthe1m, utilizado durante o regime nazista como centro de extermínio por eutanásia. 
Fonte: Enciclopédia do Holocausto, 2019. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
A esterilização foi apenas um dos passos nesse projeto de tentativa de ex-
tinção das deficiências. O passo seguinte foi, em 
1939, a autorização do programa T4, que realizava 
a "eutanásia" de pessoas com deficiência, que, 
na verdade, referia-se ao extermínio de crian-
ças e adultos com deficiência. O projeto nazista 
justificava essas mortes sob o argumento de que 
essas pessoas eram inúteis à nação e ameaçavam o 
projeto de desenvolvimento da raça ariana. 
Apesar do genocídio promovido pelo nazismo 
ser associado principalmente aos judeus, esse não 
foi o único grupo. Estima-se que, em virtude do pro-
grama T4, mais de 260 mil pessoas com deficiência 
tenham sido assassinadas na Alemanha, além do impacto do discurso nazista 
que refletiu em ações similares em outros países. A Lei GezVeN perpetuou-se 
mesmo após o fim do regime nazista, sendo condenada como lei nazista apenas 
em 1988, e finalmente revogada no ano de 2007. 
Não podemos pensar que o Brasil ficou ileso quanto à eugenia. No início 
do século XX, tais ideias começaram a ser divulgadas no País, especialmente 
se posicionando contra a miscigenação. Entendia-se que a mistura de raças re-
sultava em degradação genética e, consequentemente, social. As pessoas com 
deficiência também foram alvo de esterilização, além de diversas legislações 
passarem a regular e, por fim, proibir a entrada de estrangeiros com deficiência 
no país (DIAS, 2013). 
Apenas em 2009 essas legislações excludentes foram limitadas por comple-
to, com a promulgação local da Convenção Internacional sobre os Direitos das 
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, de 2007. 
Relembrando outros pactos e convenções internacionais, o texto 
estabelece como princípios gerais o respeito à dignidade humana, 
à autonomia individual e às diferenças, preconizando a não discri-
minação e a aceitação das pessoas com deficiência como parte da 
diversidade humana. Portanto, o documento revela a mudança de 
perspectiva em relação ao deficiente, seja estrangeiro ou nato, do 
final do século XX até o século XXI (RIBEIRO, 2019, p. 219). 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
Esses eventos evidenciam que, ao longo da história, frequentemente tanto 
o poder estatal quanto o saber médico e científico se propõem a criar e imple-
mentar práticas capacitistas, excludentes e discriminatórias. Mais do que isso, 
mostram que, mesmo quando um governo não promove essas práticas, ele 
pode perpetuar o capacitismo e a desumanização da PCD, quando se omite em 
combater e reconhecer sua responsabilidade sobre essas práticas. A ciência e 
o Estado, por terem sido vetores de perpetuação do capacitismo, devem ago-
ra, não apenas parar de fazê-lo, pois seu papel é de enfrentar diretamente as 
consequências das práticas anteriores e assumir-se como defensores ativos da 
inclusão. Por isso, é essencial conhecer a história da deficiência; apenas conhe-
cendo o passado é possível compreender o fenômeno presente e promover 
ações futuras adequadas (DIAS, 2013). 
•• 
A pessoa com deficiência e os Direitos Humanos 
ta, que, a princípio, parecia apenas uma teoria científica questionável, reve-
lou-se como base e gatilho para a realização de uma série de atrocidades 
e violências contra diversos grupos humanos e contra a humanidade como 
um todo. 
Em outras palavras, o nazismo expôs a vulnerabilidade da civilização hu-
mana a discursos que desumanizam a diferença. Evidenciou também que 
essas ideias e práticas precisam ser combatidas de forma direta, evitando 
que se repitam. Nesse sentido, o valor da dignidade humana precisa ser en-
fatizado no âmbito da educação, das relações interpessoais e também nas 
construções legais, políticas e diplomáticas, a nível local e global. Por isso, 
no ano de 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, tendo como propó-
sito evitar outros conflitos dessa dimensão e promover relações diplomáti-
cas entre as nações, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU). A 
Carta das Nações Unidas, que oficializou a criação da ONU, foi, inicialmente, 
assinada por 50 países como forma coletiva de reconhecimento de que to-
das as violências e destruição decorrentes da Segunda Guerra e de conflitos 
anteriores eram nocivos aos grupos a que atingiram, mas também à huma-
nidade como um todo. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Um dos principais marcos históricos no avanço dos direitos da pessoa hu-
mana se deu em 1948, quando a ONU elaborou a Declaração Universal dos 
Direitos Humanos (DUDH). Essa declaração, que ouvimos hoje como tema de 
debate na mídia, na educação e nos mais diversos espaços, pode ser compreen-
dida como o principal documento histórico de combate às desigualdades. De 
acordo com a declaração, "todos os seres humanos nascem livres e iguais em 
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em rela-
ção uns aos outros com espírito de fraternidade" (ONU, 1948). 
Perceba que, apesar de tratar de di-
reitos comuns a todos os seres huma-
nos, a DUDH passou a incluir grupos 
que anteriormente não acessavam es-
sas garantias. Ou seja, a dignidade, a li -
berdade, o reconhecimento da razão e 
da consciência humanas não são mais 
tratados de forma condicional por 
pertencimento a um grupo. Em outras 
passaram, então, a ser oficialmente 
possuidoras de direitos individuais, 
sociais e coletivos, e ter sua dignidade 
humana reconhecida. 
•• 
A Convenção Internacional sobre os Direitos das 
Pessoas com Deficiências e outros marcos 
Apesar de seu valor formal e discursivo ao direcionar e restringir práticas 
aos seus Estados-membros, a Declaração Universal dos Direitos Humanos 
é um documento de cunho geral, não se debruçando em discutir grupos ou 
demandas específicos. 
A fim de caminhar no aprofundamento das demandas específicas das 
pessoas com deficiência, a ONU promoveu a Convenção Internacional sobre 
os Direitos das Pessoas com Deficiências. No ano de 2007, o texto da Con-
venção foi formalizado, representando um importante avanço dos direi tose das novas concepções acerca da deficiência. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
O texto da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com 
Deficiências apresenta conceitos e definições, obrigações dos Estados-mem-
bros e diversas outras restrições e proposições, considerando temáticas 
como a saúde e a educação da PCD, o papel da conscientização e da acessi-
bilidade para a inclusão, os direitos individuais da pessoa com deficiência, o 
seu direito à liberdade, participação social e política e a inclusão no trabalho 
e emprego. Também apresenta discussões acerca da intersecção entre a de-
ficiência e outros fatores referentes à socialização humana, como a classe, o 
gênero e a idade. O Diagrama 2 lista os princípios desse documento. 
DIAGRAMA 2. CONJUNTO DE PRINCÍPIOS DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS 
DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 
Não diuriminaç..io 
Plena e efetiva participação e 
inclusão na sociedade 
Respeito ~ difmnça • 
aceitação da diversidade 
lgualdad• de oportunidades 
Princípios da Convenção 
Internacional sobre os 
Direitos das 
Pessoas com Deficiências 
RO!p•ito p•I• dignidad•. 
autonomia. liberdade e 
independência 
Resp•ito pelo desenvolvimento 
• 1d•ntldad• das crianças 
com deficiência 
Igualdade entro o homem 
• a mulher 
Amslbilidade 
Outro aspecto relevante no texto da Convenção foi a substituição dos di-
versos termos utilizados anteriormente pelo atual: pessoa com deficiência. 
Essa decisão objet ivou superar o estigma da limitação contido em palavras 
como deficiente, portador de deficiência ou especial. A proposta passa, en-
tão, a ressaltar a dignidade das pessoas com deficiência enquanto pessoa, 
indivíduo, sujeito da sua própria história, e compreender a deficiência como 
uma característica, não como todo, mas como uma parte de suas vidas. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
No Brasil, o texto da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pes-
soas com Deficiências passou a ter status de emenda constitucional, tendo 
sido promulgado em 2009, por meio do Decreto nº 6.949/2009. Anos depois, 
em 2015, foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência 
(Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Defi-
ciência. Essas leis têm um papel essencial na defesa 
e na garantia de direitos para as pessoas com de-
ficiência no território local, permitindo que esses 
direitos possam ser reivindicados em todo o terri-
tório nacional. Essas construções legais, teóricas e 
práticas visam a alcançar a tão buscada igualda-
de de oportunidades, valorizar a diversidade 
humana e permitir o desenvolvimento amplo, 
integral e saudável de todos, a despeito da 
presença ou não de deficiências. 
Questões relacionadas à classificação das doenças 
•• 
Alguma vez você já ouviu uma PCD ser chamada de doente devido à sua de-
ficiência? A ideia de que as pessoas com deficiência convivem com uma doença 
é um equívoco comum no pensamento coletivo. Por vezes, as deficiências são 
compreendidas como se fossem um tipo de doença mais grave. Entretanto, 
é essencial entendermos que essas duas categorias, apesar de poderem se 
relacionar, descrevem coisas diferentes. Deficiência não é doença, bem como 
doença não é deficiência 
A doença e a deficiência: diferenças e semelhanças 
Essa diferenciação, bem como a definição dessas duas categorias, não se dá 
tão facilmente. De fato, encontrar um conceito de doença que englobe todas 
as categorias possíveis desse fenômeno é desafiador. Como podemos definir 
de forma que as doenças crônicas, as transmissíveis, as mórbidas, enfim, as 
de qualquer tipo sejam contempladas? O mesmo questionamento vale para 
as deficiências. No campo da Medicina, a conceituação de doença é ambígua e 
divergente devido a essa dificuldade de englobar tantos fenômenos diferentes 
em uma única categoria. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Para Georges Canguilhem (2002), referência nos estudos da Psicologia da 
Saúde, a relação entre saúde e doença diz respeito à existência da norma, isto 
é, ao que se espera e se experiencia com mais frequência. As normas que esta-
belecem o que é saúde e o que é doença se baseiam na média e nas variações 
tidas como aceitáveis entre elas, de forma que aquilo que torna-se discrepan-
te extrapola a norma e é considerado doença. Porém, é possível imaginar que, 
dada a inconstância e a variabilidade humana, em todos os seus níveis, nenhu-
ma norma é estática. E "se o normal não tem a rigidez de um fato coercitivo 
coletivo, e sim a flexibilidade de uma norma que se transforma em sua relação 
com condições individuais, é claro que o limite entre o normal e o patológico 
torna-se ImprecISO" lLANl:JUILH tlVI, LUUL, p. :>::IJ. 
Em síntese, Canguilhem entende que "não há distúrbio patológico em si, 
o anormal só pode ser apreciado em uma relação" (2002, p. 61). Apenas em 
comparação ao outro, e apenas a partir dos parâmetros estabelecidos pela 
existência de um outro, é que torna-se possível estabelecer os conceitos de 
saúde e doença. 
Isso não significa que o adoecimento é ficcional. Na verdade, podemos 
compreender a doença mais facilmente como um fenômeno, agudo ou crô-
nico, que desestabiliza o funcionamento normal de um organismo. Porém, 
o que compreendemos aqui é que a definição de doença não decorre unica-
mente do fator orgânico, mas, sim, da convenção de normas, já que mesmo 
esse fator só pode ser observado a partir de pactos sociais como a medicina 
e a pesquisa científica. 
Quanto à deficiência, como já vimos, compreende-se que se trata de um 
"impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou senso-
rial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua partici-
pação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais 
pessoas" (BRASIL, 2015). A presença de doença não é critério para 
que haja deficiência. A deficiência é um conceito princi-
palmente de ordem social, definido a partir de quais 
implicações um determinado impedimento gera na 
funcionalidade e na socialização da pessoa, e não 
necessariamente decorre de um fenômeno deses-
tabilizador do organismo, como no caso da doença. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
Isso significa que doenças e deficiências não têm nenhuma relação? De ma-
neira alguma. Quando se trata da saúde, é importante ter um olhar para a in-
tegralidade do sujeito e o modo como cada parte dele se relaciona com esse 
todo. Vale lembrar que existem as deficiências inatas e as adquiridas, que 
podem decorrer de doenças. Pense no seguinte exemplo: José tem o diagnós-
tico de diabetes, e convive com a doença há alguns anos. Porém, devido a uma 
complicação causada por ela, o paciente perdeu a visão. Nesse caso, José tem 
deficiência visual adquirida em decorrência de uma doença. 
Por outro lado, as barreiras e a falta de acesso a recursos de qualidade 
enfrentadas por pessoas com deficiência podem gerar sofrimento psíquico e 
físico, levando ao adoecimento. Um exemplo disso é o aumento do risco de de-
pressão em pessoas com deficiência física quando associados a fatores como 
a presença de dor, apoio social insuficiente, baixa qualidade de vida e falta de 
acesso a serviços de saúde (ALMEIDA; SILVA; NASCIMENTO, 2018). 
Por isso, no contexto da saúde, o cuidado integral é essencial tanto na pre-
venção de deficiências decorrentes de doenças quanto na prevenção ao adoe-
cimento de PCDs. 
EXPLICANDO 
No campo das ciências da saúde, os conceitos de inato e adquirido são 
especialmente importantes e utilizados para explicar a origem de fenô-
menos. Inato é aquilo que nasce com o indivíduo, geralmente de origem 
1 
yt:llt:lll..cJ . J(l U ouyu111uu t: U IOLUI yut: t: Ut:;)t:IIVUIVIUU cJU 1u11yu UCI VIU<l, JJUI 
meio da experiência. As deficiências também podem ser categorizadas 
dessa forma. 
Para definir claramente se um indivíduo possui alguma deficiência, é neces-sário um olhar integral e multidisciplinar sobre o contexto. Isso porque, como 
vimos, a deficiência não se limita ao impedimento, mas à decorrência de barrei-
ras na interação desses impedimentos com a sociedade. As doenças, . 
na atualidade, também precisam ser enxergadas de forma integral. 
Doença é um conceito social e coletivo, de forma que até 
mesmo os nomes, critérios diagnósticos e tratamentos 
vão se transformando ao longo do tempo, a fim de se en-
contrar uma definição mais coerente com a realidade. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Para isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) dispõe de dois documen-
tos que servem de referência para todos os profissionais da saúde na descri-
ção, definição e diagnóstico: a Classificação Internacional de Doenças (CID) e a 
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) . 
•• 
Conhecendo a CID e a CIF 
A CID é uma ferramenta mais antiga, que permite o estabelecimento mais 
claro dos conceitos de cada doença humana conhecida. Essa classificação é de 
tamanha importância que, periodicamente, é revisada para fins de atualização 
e aperfeiçoamento. Foi nesse contexto de revisão e compreensão das deman-
das sociais frente à classificação que se percebeu a limitação da CID para lidar 
com as pessoas com deficiência. Segundo Oi Nubila e Buchalla: 
A falta de uma definição clara de "deficiência ou incapacidade" tem 
sido apresentada como um impedimento para a promoção da saúde 
de pessoas com deficiência. A vigilância e a intervenção depende-
riam da capacidade para identificar as pessoas que deveriam ser 
incluídas nesta definição (2008, p. 325). 
O que isso significa? Como dito anteriormente, o diagnóstico de deficiência, 
no Brasil, é feito de forma multidisciplinar, a partir da contribuição de vários 
campos de saber. Porém, sem uma definição clara do ponto de vista da saúde, 
como podemos saber se um médico, por exemplo, fez uma avaliação justa? 
Além disso, como garantir que uma pessoa com deficiência que vive em um 
país será reconhecida como tal e terá seus direitos garantidos se viajar para 
outro? 
Ou seja, é inquestionável que a falta de diagnóstico da deficiência compro-
mete significativamente a promoção da saúde e a construção de políticas para 
esse grupo. Foi por isso que a OMS, no ano de 2001, passou a publicar a CIF. 
O objectivo geral da classificação é proporcionar uma linguagem uni-
ficada e padronizada assim como uma estrutura de trabalho para a 
descrição da saúde e de estados relacionados com a saúde. A classi-
ficação define os componentes da saúde e alguns componentes do 
bem-estar relacionados com a saúde (tais como educação e t raba-
lho) (OMS, 2001, p. 02). 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
A CIF, vale ressaltar, não trata diretamente de deficiências, mas, sim, de três 
conceitos - apresentados no próprio nome - que as circundam: a funcionalida-
de, a incapacidade e a saúde. 
Tratando de funcionalidade e incapacidade, consideramos dois elementos-
-base, considerando a CIF (OMS, 2001 ): 
· O corpo: esse fator diz respeito ao maior objeto de enfoque da discussão 
sobre a deficiência e a funcionalidade. Isso porque, evidentemente, essas expe-
riências se localizam e são vivenciadas por via do corpo. Por isso, os profissio-
nais de saúde devem considerar as funções dos sistemas orgânicos do corpo e 
também sua composição estrutural. De forma mais prática, nos interessa quais 
as partes desse corpo e como elas interagem entre si; 
• Atividades e participação: a funcionalidade do corpo não tem a ver ape-
nas com os seus sistemas internos, mas também com o lugar que ele ocupa nos 
sistemas externos, ou seja, na sociedade. O conceito de funcional parte, por-
tanto, tanto da perspectiva individual quanto da social. O Diagrama 3 ilustra os 
domínios que são considerados para compreender a funcionalidade a partir 
das atividades e da participação. 
DIAGRAMA 3. FATORES CONSIDERADOS NA AVALIAÇÃO DE ATIVIDADES E PARTICIPAÇÃO 
PARA A DESCRIÇÃO DE FUNCIONALIDADE OU INCAPACIDADE, DE ACORDO COM A CIF 
Comunicação 
Mobilidade 
Aprendizagens e aplicação 
dos conhecimentos 
Autocuidados Vida doméstica 
Vida comunitária, 
social e cívica 
1 nterações e 
relacionamentos 
interpessoais 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
Já ao tratarmos dos fatores contextuais, consideramos outros componen-
tes. São eles os componentes ambientais. A CIF lista diversos elementos que 
podem ser identificados no contexto em que o indivíduo está envolto. Esses 
componentes ambientais têm um impacto significativo na manifestação de in-
capacidade ou de funcionalidade. Vale ressaltar, porém, que o contexto é am-
pio e nem todos os seus elementos têm o mesmo impacto. 
Por isso, a classificação propõe que se avalie partindo do ambiente mais 
imediato (família, grupos de socialização secundária, comunidade) e, posterior-
mente, siga para o ambiente menos imediato (características do país, cultura 
da sociedade, geração etc). Aqui, fatores pessoais também são considerados e 
é necessário manter a abertura para entender que os elementos de impacto 
na saúde de alguém são tão múltiplos quanto a própria diversidade humana 
(OMS, 2001). 
A CIF pode ser usada tanto para a identificação de contextos problemáticos 
- casos de "incapacidade, limitação de actividade ou restrição de participação 
designadas pelo termo genérico deficiência" (OMS, 2001, p. 07) - quanto para 
contextos não problemáticos, quando não se observa restrição, denominados 
casos de funcionalidade. Aqui, vale lembrarmos, a saúde e a incapacidade não 
são percebidas como polos contrários, pois podem coexistir. 
Vale ressaltar que a CIF tem um objetivo mais descritivo que diagnóstico. 
Ela não visa a limitar a pessoa às suas características funcionais, tampouco a 
uma possível deficiência. Seu objetivo é fazer uma síntese biopsicossocial que 
permita promover a saúde da pessoa de forma integral, ampla e contextuali-
zada. É essencial o conhecimento tanto da CID quanto da CIF nos contextos de 
atenção à pessoa com deficiência, a fim de que as classificações ocorram de 
forma adequada. 
•• 
Integração X inclusão 
Ao longo do tempo, vemos que, mesmo na busca por igualdade de condi -
ções, existem contradições e diferenças quanto ao modo como isso deve ser 
colocado em prática. É o que observamos na atualidade, quando se busca 
superar práticas chamadas de integrativas, a fim de se instituir o paradig-
ma da inclusão. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Quando se fala em integrar ou incluir uma pessoa com deficiência à socie-
dade, podemos achar que trata-se de uma mesma ideia. Porém, não é isso que 
se compreende do ponto de vista teórico. Observe que, no Quadro 1, apesar de 
conectadas, essas duas perspectivas têm diferenças significativas para a com-
preensão da deficiência e para implementação de ações direcionadas. 
QUADRO 1. DIFERENÇAS ENTRE INTEGRAÇÃO E INCLUSÃO 
~ 
•• 
O que é integrar? 
As práticas integrativas junto às pessoas com deficiência têm como princi-
pal objetivo a inserção da PCD nos espaços e práticas sociais. Em contraste com 
o paradigma da segregação, a integração entende que o sujeito com deficiência 
deve conviver socialmente. Entretanto, podemos observar uma centralidade 
do saber médico nessas práticas, que acaba tratando a deficiência como uma 
doença a ser curada, superada ou, pelo menos, tratada. Busca-se minimizar a 
expressão da deficiência - seja ela funcional ou até estética -, a fim de que a 
PCD seja "normalizada". 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
No modelo integrativo, a PCD é vista como capaz de superar os obstácu-
los que vivencia em virtude de sua deficiência. Porém, essa superação é de-
mandada no âmbito individual ou privado. É o próprio indivíduo, bem como 
sua família, que precisa promover as adaptações que se fazem necessárias. 
No contexto educacional, por exemplo, consolida-se a EducaçãoEspecial, com 
espaços voltados apenas para pessoas com deficiência. Como mostra a ima-
gem, as PCDs tornam-se um subgrupo e, mesmo que tenham direito a serem 
inseridas, não necessariamente serão consideradas como parte. 
Uma das principais influências desse movimento é a política neoliberal, 
dada essa visão de mundo individualizada. Nela, "a mediação se organiza em 
torno do corpo normal e de sua busca por individualidade e auto-sustentação 
(sic) e nunca por uma coletividade" (DIAS, 2013, p. 11), não havendo, portanto, 
transformações estruturais nos espaços e contextos em que a pessoa com de-
ficiência passa a integrar. A qualidade da integração, aqui, é medida de acordo 
com a adequação funcional do indivíduo às demandas de uma sociedade pau-
tada na produção. 
•• 
O que é incluir? 
A inclusão pode ser resumida como a busca por reduzir ou eliminar barrei-
ras, permitindo que as pessoas com deficiência tenham igualdade de oportuni-
dades, a despeito de seus impedimentos de qualquer ordem. Para a perspec-
tiva inclusiva, as pessoas com deficiência não devem precisar ser modificadas 
ou "normalizadas" para integrarem os espaços coletivos. Ao contrário disso, 
são esses espaços que devem buscar fornecer, por meio de um novo desenho 
de funcionamento, tecnologias assistivas e mudanças metodológicas e atitudi-
nais, uma experiência acessível e igualitária para as pessoas com deficiência. 
Incluir significa, também, oferecer as ferramentas necessárias para que a 
pessoa com deficiência desenvolva seu potencial físico, cognitivo e social. No 
contexto escolar, por exemplo, a integração de estudantes com deficiência 
pode ser vista na simples possibilidade de ingresso na escola regular. Já a 
inclusão é efetivada quando o aluno tem, nesse contexto, igualdade de con-
dições em relação aos seus colegas, mesmo que seja necessário o uso de 
tecnologias assistivas. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Um dos fatores mais relevantes da inclusão é a percepção da pessoa com 
deficiência como um indivíduo singular, e não apenas como parte de um grupo. 
Mesmo que as pessoas com deficiência componham um grupo com deman-
das e lutas similares, cada uma tem as suas próprias demandas, de forma que 
não há um modelo rígido de inclusão. Se voltarmos ao nosso exemplo, perce-
beremos que, para incluir, essas particularidades precisam ser consideradas. 
Enquanto um estudante com deficiência física precisará, por exemplo, de adap-
tações referentes à sua locomoção, desenvolvimento de habilidades corporais 
e circu lação no espaço escolar, o estudante com deficiência visual poderá pre-
cisar de materiais didáticos em áudio ou em Braile. 
Integração Inclusão 
... : 
••••• ••• 
Figura 4. Esquema expl,cauvo sobre a diferença entre 1ntegraç~o e ,nclusJo. 
Ao integrar sem incluir, pode-se até mesmo trazer danos ao indivíduo ao 
invés de benefícios. Isso porque, ao simplesmente introduzir uma pessoa com 
deficiência em um espaço sem garantir essa igualdade de oportunidades, o 
sujeito fica mais vulnerável ao sofrimento psíquico, à fragilização da autoesti-
ma e à dificuldade de estabelecer bons vínculos com o grupo. Ou seja, integrar 
sem incluir limita a autonomia e relega a pessoa com deficiência a um nível 
inferior em relação aos demais. Já a inclusão promove a horizontalidade das 
relações, considerando as diferenças sem hierarquizá-las. Ela promove a auto-
nomia e garante o respeito à dignidade da pessoa. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
CURIOSIDADE 
Você sabia que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 
as pessoas com deficiência correspondem a aproximadamente 15% da 
população mundial? Já no Brasil, esse grupo corresponde a 24% da po-
pulação, porter uma ou mais deficiências (CENSO, 2010). Em contraste a 
esse valor, apenas 1% das PCDs brasileiras ocupam empregos formais, o 
que evidencia a necessidade de políticas e ações inclusivas. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
Sintetizando • 
Nessa unidade, aprendemos sobre a evolução histórica do conceito de defi-
ciência. Vimos que as pessoas com deficiência já foram percebidas e, consequen-
temente, tratadas de diversas formas ao longo da história humana. Essas formas 
de percepção sobre a deficiência são chamadas de paradigmas, os quais podem 
ser categorizados, nesse contexto, em paradigmas da segregação, da proteção, da 
integração e da inclusão. Vimos, também, que o paradigma da inclusão, o qual se 
busca implementar na atualidade, compreende a deficiência como um fenômeno 
social, uma vez que os impedimentos de ordem individual interagem com o meio e 
encontram barreiras que impedem a igualdade de oportunidades. 
Vimos que essa desigualdade e discriminação contra a pessoa com deficiência 
é nomeada como capacitismo, e que esse fenômeno teve grande influência do 
pensamento eugenista, muito influente no século XX. A eugenia defendia a cons-
trução de uma raça humana superior, excluindo aquelas pessoas consideradas 
indesejadas, como eram tratadas as pessoas com deficiência e outros grupos hu-
manos. A eugenia implicou em práticas degradantes, como a esterilização compul-
sória de pessoas com deficiência e até mesmo sua morte. 
Assim, a fim de evitar a repetição dessas violações e com o objetivo de garan-
tir o respeito à dignidade humana, foram instituídas a Organização das Nações 
Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo estabelecimento é 
considerado pontapé inicial para a produção de uma série de diretrizes de defesa 
à pessoa com deficiência. Uma delas é a Convenção Internacional sobre os Direitos 
das Pessoas com Deficiências, que tem peso de emenda constitucional no Brasil. 
Ainda vimos que, apesar de apresentarem conceitos complexos, doença e de-
ficiência são duas coisas diferentes. Enquanto a doença diz respeito a uma deses-
tabilização crônica ou aguda do organismo, a deficiência é a associação de um ou 
mais impedimentos de longo prazo com barreiras sociais. Vimos que as classifica-
ções CID e CIF visam a compreender, classificar e descrever doenças e deficiências 
a partir de um olhar integral. 
Por fim, entendemos o conceito de inclusão da pessoa com deficiência, dife-
renciando-se da integração, bem como as características de práticas interativas e 
inclusivas, e quais os focos de cada perspectiva. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
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U IDADE 
~ 
~ 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
ser 
educacional 
Objetivos da unidade 
Entender como a deficiência é conceituada na contemporaneidade; 
Correlacionar os conceitos de estigma e preconceito à experiência das 
pessoas com deficiência; 
Compreender o papel da rede de apoio no processo de inclusão educacional; 
Aprender o que são e quais as tecnologias assistivas utilizadas para a 
inclusão de pessoas com deficiência; 
Estudar a importância da inclusão no contexto educativo formal; 
Conceituar e diferenciar os diversos tipos de deficiência: física, sensorial e 
intelectual; 
Conhecer o conceito de deficiências múltiplas e suas implicações; 
Identificar semelhanças e diferenças entre a síndrome de Down, o transtorno 
do espectro autista e a deficiência. 
Tópicos de estudo 
Deficiência: conceituação 
contemporânea 
Conceituação da deficiência 
Capacitismo, estigma e 
preconceito 
Deficiência e educação formal 
A importância da inclusão no 
ambiente escolar 
Tecnologias assistivas 
Família e escola: rede de apoio 
Os tipos de deficiência 
Deficiência sensorial: visual e 
auditiva 
Deficiência física 
Deficiência intelectual 
Deficiências múltiplas 
Deficiências específicas 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
Deficiência: conceituação contemporânea 
Antes de apresentar a conceituação 
de deficiência, é importante ressaltar 
que todo fenômeno está situado em 
seu processo histórico e sofre diversas 
modificações em relação às suas con-
cepções ao longo do tempo. Estudar 
infância, idade adulta, velhice, loucura, 
saúde, doença, maternidade e diversos 
•• 
outros fenômenos implica em estudar e entender o processo histórico e a rede 
de significados atribuídos ao fenômeno. Estudar a deficiência não é diferente. 
Scliar, ao estudar a evolução histórica da concepção de saúde, afirma que 
ela sempre reflete a concepção econômica e política e o contexto social na qual 
está inserida. Assim, segundo o autor, "saúde não representa a mesma coisa 
para todas as pessoas. Dependerá da época, do lugar, da classe social. Depen-
derá de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas, 
filosóficas" (2007, p. 30). Embora nosso foco de estudo seja a deficiência, e di-
ferencie-se do fenômeno estudado por ele, ela também recebe todas essas 
influências em suas concepções. 
É importante destacar também que as concepções não estão desalinha-
das com as práticas. Pelo contrário: o ser humano busca criar teorias (mesmo 
que fundamentadas no senso comum), concepções e ideias que servem para 
nortear suas práticas sociais. Assim, a forma que o indivíduo enxerga e pensa 
um fenômeno como a deficiência orienta e direciona suas atitudes e compor-
tamentos frente a ele. 
Um exemplo de como as doenças refletem as concepções sociais é a história 
de Samuel Cartwright, um médico do séc. XIX do estado da Louisiana, conheci-
do por ser um dos mais escravagistas dos Estados Unidos. Ele diagnosticou a 
drapetomania, evidenciada pelo desejo dos escravos de fugir e também criou 
o diagnóstico da disestesia etiópica, que explicava a falta de motivação para 
o trabalho entre os escravos. Para ambas as situações, o tratamento médico 
recomendado por Cartwright era o açoite. Essa situação notabiliza a relação 
entre período histórico, concepções e práticas. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
•• 
Conceituação da deficiência 
Pensando no que foi apresentado, como é possível compreender a deficiên-
cia na atualidade? Primeiramente, vale ressaltar que o conceito que direcio-
na as práticas, ações e legislações na atualidade não é o único existente. Isso 
porque, ao longo da história, constrói-se uma perspectiva hegemônica sobre 
o fenômeno; mas as visões anteriores e as críticas que vão propor uma nova 
visão no futuro continuam coexistindo, visto que nenhum conceito é absoluto. 
Dito isso, pode-se afirmar que a perspectiva contemporânea de deficiência 
rompe com o discurso biomédico e o mítico-religioso por entender que o ser 
humano é um ser integral, que se constitui biologicamente, socialmente, psico-
logicamente e espiritualmente. Dessa forma, não se pode pensar em nenhum 
fenômeno que perpassa a humanidade sem considerar todas as nuances for-
mativas do indivíduo, o que também vale para a deficiência. 
De acordo com o Decreto n. 3.956/2001, que promulga a Convenção lnte-
ramericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as 
Pessoas Portadoras de Deficiência, a deficiência é "uma restrição física, mental 
ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade 
de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agra-
vada pelo ambiente econômico e social" (BRASIL, 2001a, n.p.). 
Nessa perspectiva, é possível afirmar que a deficiência é um fenômeno que 
surge necessariamente do encontro entre restrições da estrutura fisiológica e/ 
ou psíquica com a forma de funcionamento do meio socioeconômico. Em outras 
palavras, a deficiência não é algo que 
está na pessoa, um "problema" indivi-
dual e de ordem biológica; tampouco é 
uma característica unicamente social, 
que não encontra evidência no corpo. A 
rl1>firi,=.nri;:i rnnfio11r;:i_,., rl1> fatn rnmn 
um fenômeno decorrente da intera-
ção, uma vez que o próprio ser huma-
no, seus ideais, parâmetros de saúde e 
funcionalidade, práticas e crenças tam-
bém decorrem dessa interação. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
•• 
Capacitismo, estigma e preconceito 
Para discutir a forma como se constroem preconceitos acerca do fenôme-
no da deficiência, é necessário discorrer sobre a temáticade capacitismo e de 
estigma e a cultura. Para início de conversa, é importante estudar a teoria de 
cultura do sociólogo clássico Sorokin e a maneira como ele acreditava que essa 
influencia os indivíduos e os faz compartilhar preconceitos. Para o autor, toda or-
ganização social adota o que ele chama de cultura ideológica, a qual consiste na: 
[ ... ) tota lidade dos va lores e normas adotados por indivíduos 
e grupos interagentes, o que consolida o aspecto cu ltu ral da 
interação significativa. As ações e reações significativas, por 
meio das quais os conteúdos da 'cultura ideológica' são obje-
tivados e socializados, constituem sua 'cultura comportamen-
tal' e, num tercei ro nível, a 'cultura material', significando to-
dos os demais objetos, veículos e energias materiais por meio 
dos quais a 'cultura ideológica' se manifesta, se socializa e se 
consolida (MAZZOTTA; D'ANTINO, 2011, p. 379). 
Assim, como forma de entender a si mesmo, aos outros e à estrutura social, 
o indivíduo utiliza-se das ações coletivas, manifestações verbais, símbolos, tex-
tos e construções materiais. Isso posto, a cultura ideológica é constituída pela 
forma como o ser humano se comporta e reage aos materiais que existem em 
determinada sociedade. 
O ser humano sempre discriminou de maneira positiva ou negativa fenô-
menos específicos, fazendo com que, de maneira simbólica, houvesse uma 
segregação de diferentes grupos ao longo da história. Ao longo da história hu-
mana, todos os indivíduos que apresentavam uma diferença muito acentua-
da do padrão eram tratados de forma segregadora, além de serem vítimas de 
violência simbólica. É possível entender a violência simbólica como uma ação 
estratégica que atua como maneira "de impedir outros indivíduos ou grupos de 
defender os seus próprios interesses" (FREITAG; ROUANET, 1993, p. 112). 
Embora a lista de grupos sociais que sofreram e sofrem com essa violência 
simbólica seja extensa, nosso objetivo aqui é apresentar de que maneira as 
pessoas com deficiência, seja ela física, mental ou múltipla, sofrem por meio de 
uma cultura de violência simbólica que os colocam como sujeitos da diferença. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
Lonrorme 01scuuao, a cu1cura poae ser 1merprecaaa como um conJumo ae 
formas simbólicas impregnadas nas pessoas e nos grupos estruturados que 
se exteriorizam nos comportamentos e nos recursos materiais" (MAZZOTTA; 
D'ANTINO, 2011, p. 379). Assim, toda expressão de preconceito é construída e 
alimentada por esse ciclo. Uma das formas que têm alimentado esse ciclo de 
violência simbólica é o capacitismo. 
É importante entender que o capacitismo, tal qual outros tipos de desigual-
dades, não se dá apenas por meio de ofensas e segregação voluntárias. Ao 
contrário: muitas pessoas, mesmo conscientes da importância da inclusão, 
continuam perpetuando discursos e práticas capacitistas. Por que isso aconte-
ce? Porque, como dito anteriormente, nós tendemos a reproduzir os valores de 
nossa cultura por meio da fala, de símbolos e de comportamentos. E, como a 
cultura na qual estamos inseridos é pautada em padrões, além de supervalori-
zar a produtividade dentro desses padrões, o capacitismo é uma das violências 
que podem ser reproduzidas de forma involuntária. 
Outro sociólogo que auxilia a compreender o processo psíquicosocial que 
ocorre com a deficiência é Erving Goffman. Por meio do estudo de populações 
marginalizadas, ele apresentou uma série de contribuições que se somam ao 
estudo das sociedades humanas. Em seu trajeto acadêmico, teve contato com 
o interacionismo simbólico, que defende que o "eu" individual é formado 
principalmente por meio das relações sociais que o ser humano estabelece 
com os outros. 
Por influência do interacionismo simbólico, em seus trabalhos Goffman es-
tudou profundamente as relações humanas e as dinâmicas interpessoais des-
sas relações. Seu trabalho discorre sobre como, nas relações dos indivíduos, há 
uma troca de significados, simbolismos e como se dão essas relações sociais 
em diferentes grupos, especialmente em grupos minoritários. 
Em sua obra Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada 
(1981), ele apresenta uma leitura bastante completa das relações humanas. A 
palavra estigma existe desde a Grécia Antiga e referia-se a uma marca no corpo 
dos escravos, feita para que a sociedade fosse capaz de identificar o sujeito e 
diferenciar-se dele. O estigma servia para que a sociedade em geral reconhe-
cesse os escravos e os retirassem de todo e qualquer convívio social que os 
demais cidadãos possuíam. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM O EFICIÊNCIA • 
O que Goffman apresenta enquanto novidade em sua teoria é que o estigma é 
uma característica de todas as sociedades. O estigma seria um desvio do padrão 
de conduta esperado e imposto a determinados grupos e indivíduos. Em sua obra 
A representação do eu na vida cotidiana (2002), Goffman evidencia a presença de 
papéis sociais que todo sujeito exerce ao participar de um grupo. Assim, a variân-
cia desse papel pode tornar o sujeito vítima de alguma forma de estigma. 
Existem três tipos de estigma, segundo Goffman. O primeiro deles seriam 
as abominações do corpo, as quais podem ser visualizadas de maneira mais 
físico-corpórea. Qualquer sujeito que possui um sinal ou marca visível em seu 
corpo que apresente qualquer característica destoante do padrão social esta-
belecido seria vítima desse estigma. Neste grupo encontram-se os sujeitos com 
alguma deficiência física e sujeitos acima ou abaixo do peso padrão estabeleci-
do, entre outros. 
Goffman acreditava que toda e qualquer característica física que denote 
um desvio do padrão social estabelecido caracteriza o sujeito como estigmati-
zado. Esse estigma demarca um aspecto da identidade social: a alteridade. Ao 
excluirmos o outro, ele é colocado em um patamar de diferenciação. Assim, so-
mente podemos tratar alguém de maneira diferente se ele é diferente de mim. 
Goffman ainda preconiza dois tipos de estigma, que não possuem tanta rela-
ção com a deficiência como o primeiro. O segundo estigma consiste nas culpas 
de caráter, sendo destinado para indivíduos como prostitutas, ladrões e homos-
sexuais, entre outros. Diferentemente do primeiro, este grupo recebe o estigma 
por ter condutas consideradas imorais e, por isso, também são vítimas de exclu-
são. No terceiro, encontram-se os estigmas de marcas tribais, raciais ou religio-
sas. Essas marcas denotam o pertencimento social dos indivíduos a tais grupos. 
Independentemente do tipo, o mesmo fenômeno empregado com os escra-
vos na Grécia Antiga se repete, agora com novas roupagens: a exclusão. E, para 
que haja exclusão, é preciso tratar a vít ima de estigma como alguém diferente 
do padrão, deteriorando assim a identidade do outro. Ao tratar o outro como 
alguém sem identidade, ainda retira-se dele toda e qualquer dignidade: o ou-
tro não é digno de ser humano, de receber compaixão ou de direitos. Por esse 
motivo, ao longo de vários anos, as pessoas com deficiência, junto ao grupo de 
pessoas com transtornos mentais, sofreram uma série de maus tratos em 
diversos hospitais psiquiátricos espalhados pelo Brasil. 
PSICOLOGIA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA • 
ASSISTA 
Para compreender melhor a história da institucionalização de pessoas 
com deficiência e com transtornos mentais no Brasil, assista ao docu-
mentário Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex. Ele mostra o sofrimen-
to desse público e o tratamento desumanizado que os indivíduos sofriam 
antes da reforma psiquiátrica. 
Goffman afirmava que os estigmas variam a depender do contexto. So-
bre isso, já foi discutido como todo fenômeno está inserido no conjunto de 
concepções histórico-políticas de seu tempo. É por esse mot ivo que é tão 
importante que a deficiência seja discutida nos mais variados cenários: aca-
dêmico, político, senso comum. À medida que diferentes pessoas dialogam, 
há

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