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ESTRUTURAS EM CONCRETO ARMADO Priscila Marques Correa Introdução aos blocos e sapatas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever blocos de fundações com uma, duas e três estacas, e suas ligações com os pilares. � Comparar sapatas isoladas, sapatas associadas e vigas. � Reconhecer como funciona a transmissão de esforços das sapatas e vigas para a fundação. Introdução Todas as edificações possuem, em algum ponto, contato com o solo. Isso se dá porque as cargas devem ser descarregadas no solo, de forma que não ocorram manifestações patológicas e as tensões sejam dissipadas de maneira correta. Existem fundações rasas e profundas. As fundações rasas são utilizadas, na maioria das vezes, para obras pequenas, nas quais não ocorre um carregamento muito alto. É assim que são caracterizadas as sapatas, as sapatas associadas e as vigas de fundação. Desse modo, deve-se entender como as cargas são transmitidas dos pilares para esse tipo de fundação. Neste texto, você vai estudar blocos de fundações com uma duas e três estacas, e suas ligações com os pilares, também vai ver a comparação entre sapatas isoladas, sapatas associadas e cintas, bem como o funciona- mento e a transmissão de esforços das sapatas e cintas para a fundação. Blocos de fundação Para compreender o conceito de blocos de fundação, deve-se entender como a carga chega até esses blocos. Na verdade, trata-se de uma cascata de cargas que se iniciam na laje, onde se tem o carregamento permanente e o carrega- mento variável. Com esses dois carregamentos, pode-se estimar a carga que será descarregada em cada uma das vigas, que são as reações das lajes. Essas reações dependem do tipo de vinculação da laje e do seu tamanho. Com a reação das lajes somando-se ao peso próprio da viga, mais a carga da alvenaria, tem-se o peso total da viga. Calculando-se as reações das vigas, têm-se as cargas que descarregam nos pilares; estes, por sua vez, recebem carga de todos os pavimentos e, assim, descarregam em uma fundação. Contudo, essa carga pode ser muito alta, e a fundação escolhida pode não suportá-la sozinha. Isso pode ocorrer porque o solo tem pouca capacidade resistiva. Existem solos em que as camadas mais próximas à superfície são compostas de argilas moles — os solos poucos rígidos. Assim, coloca-se um bloco de fundação para absorver e dissipar as cargas por duas ou mais estacas. Dessa forma, divide-se essa carga, dissipando as tensões em áreas de contato maior. Na Figura 1, você pode ver uma representação da distribuição de cargas em um prédio. Figura 1. Cargas em um prédio. Introdução aos blocos e sapatas50 A principal função do bloco de fundação é transmitir carga às fundações. Esse bloco pode ser de uma, duas e três estacas — os mais comuns são os de duas ou três estacas. Em alguns casos, o bloco distribui as cargas para um tubulão, quando este for o tipo de fundação. Blocos de uma estaca Esse tipo de bloco é utilizado para uniformizar a carga que vem do pilar e descarrega na estaca. O bloco de uma estaca funciona como elemento de transição de esforços verticais. São colocados estribos horizontais, para evitar esforços de punção; os estribos verticais são colocados nas duas direções, por questões de simplificação da montagem. A Figura 2 apresenta esse tipo de bloco. Figura 2. Bloco de uma estaca. Fonte: Bastos (2017). Blocos de duas estacas Esse bloco funciona basicamente dividindo a normal do pilar para duas estacas. Ele é necessário quando se tem uma carga do pilar maior que a capacidade resistiva da estaca. Assim, observa-se, na Figura 3, que essa força normal é dividida em componentes (pois sabemos que forças são vetores): duas verticais e duas horizontais. Como a força percorre um caminho até as estacas, as compo- nentes horizontais criam esforços de tração no interior do bloco, uma vez 51Introdução aos blocos e sapatas que estão apontadas em sentidos opostos, enquanto as componentes verticais criam componentes de compressão. Figura 3. Bloco de duas estacas. Existem diversos métodos para se dimensionar blocos de fundação. Entre- tanto, o método mais utilizado é o de bielas e tirantes. Nesse método, é como se fosse criada uma treliça dentro da estrutura do bloco — um caminho que as forças vão percorrer. Sabe-se que as forças vão criar linhas de tensões, que são a maneira como as tensões se dissipam dentro do elemento. Nesse tipo de bloco com duas estacas, a carga vinda do pilar tende a se dividir para as duas estacas, de forma a ocorrer um equilíbrio interno de forças; a força normal divide-se em duas componentes. É claro que, nessa divisão, criam-se componentes horizontais em sentidos diferentes, caracterizando o efeito de tração. Assim, o bloco deve ser armado para resistir a esses esforços. A colocação da armadura contribui para esse efeito, pois, como o módulo de elasticidade do aço é maior que o do concreto, o material com maior rigidez “puxa” a carga para ele. Na Figura 4, observa-se como se desenvolvem as bielas comprimidas internamente — que é a trajetória dos esforços dentro do bloco. É como se as bielas comprimidas tivessem uma espessura dentro do elemento estudado. Introdução aos blocos e sapatas52 Figura 4. Bielas comprimidas em bloco de duas estacas. Blocos de três estacas Nesse tipo de bloco, supõe-se que a distribuição de forças é similar à do bloco de duas estacas. Nesse caso, a distribuição das forças é espacial, com distribuição de componentes que tracionam e componentes que comprimem. Nesse sentido, criam-se bielas da mesma forma que nos blocos com duas estacas. O bloco de três estacas tem esse formato devido à formação de uma treliça espacial, na qual as componentes da força se dividem no espaço. Por questão de economia de concreto, o bloco tem a forma triangular, já que um bloco com outras dimensões seria um desperdício de material, implicando em desperdício de dinheiro. Veja como funciona a divisão de forças em blocos de três estacas na Figura 5. 53Introdução aos blocos e sapatas Figura 5. Bloco de três estacas. Nesse esquema, as forças são divididas por três componentes, pelas me- dianas de um triângulo para cada estaca. Dessa forma, tem-se um ângulo de inclinação da biela α de 40° a 55°. Existem diversas formas de se colocar a armadura principal; todavia, uma das principais é colocar as barras paralelas aos lados. Além disso, deve-se colocar uma armadura positiva adicional, de acordo com a Figura 6. Figura 6. Esquema de montagem das armaduras. Introdução aos blocos e sapatas54 Blocos rígidos Existe uma relação entre as dimensões do bloco, que faz com que ele seja classificado como um bloco rígido ou flexível. Em um comportamento parecido com o das sapatas, quando a relação entre as dimensões estiver de acordo com a Figura 7, tem-se um bloco rígido. Figura 7. Relação entre as dimensões do bloco rígido. Uma das grandes características do bloco de fundação rígido é que ele não pode ser dimensionado para atender à teoria da flexão. Da forma como as forças se desenvolvem internamente, a melhor maneira de representar isso é utilizando o método de bielas e tirantes. O pilar gera esforços in- ternos de cisalhamento nas duas direções, o que permite uma analogia ao cisalhamento de uma viga em concreto armado: simplifica-se o processo supondo-se que a viga é como se fosse uma treliça com bielas comprimidas e tirantes tracionados. A ruptura se dá por compressão das bielas: o bloco é projetado para que a sua ruptura seja por essas bielas comprimidas, e não pelos tirantes tracionados. Blocos flexíveis Nesse bloco, a altura é menor que as especificações citadas anteriormente. Dessa forma, devem ser analisados os esforços de punção, realizando-se também uma análise completa, com verificação dos tirantes tracionados. 55Introdução aos blocos e sapatas O método de bielas e tirantes pode ser utilizado para resolver diversas estruturas,como blocos, vigas-parede, elementos com furos e consoles de pilares pré-moldados. Ligações dos blocos com os pilares Como já vimos, os blocos são elementos de volume que têm a função de trans- ferir os esforços do pilar para as fundações; logo, deve-se garantir que esses esforços sejam transferidos. Entretanto, existe nessa região uma perturbação na continuidade dos esforços. Esses pontos são frágeis, e neles ocorrem con- centrações de tensões. Assim, devem ser estudados de modo que não ocorram problemas como fissuras. O método de bielas e tirantes exemplifica como pode ser o caminho das tensões, como na Figura 8. Como mostra a figura, foi realizado um corte no meio do bloco e verificado como são as forças internamente. Essa é uma análise realizada em elementos finitos, em que se observa que surgem tensões de tração perpendiculares à biela comprimida. Assim, a simplificação da Figura 8 (a) está na Figura 8 (b). Figura 8. Caminho das tensões pelo método de bielas e tirantes. Fonte: Mesquita (2015). Em relação ao esquema de como se cria a analogia da treliça em blocos de duas estacas, essa treliça tem esforços de compressão e tração. No local onde Introdução aos blocos e sapatas56 é aplicada a força, tem-se um nó que dissipa a força, gerando componentes, que são apresentadas na Figura 9. Figura 9. Analogia da treliça. Fonte: Almeida [(200-?)]. Deve-se ter uma armadura de ancoragem entre o bloco e o pilar, que está apresentada na Figura 10, na qual se observam os arranques da fundação e a ligação do pilar com o bloco de fundação. Essa armadura de ancoragem deve ser calculada de acordo com alguns preceitos de concreto armado, como o comprimento de ancoragem necessário. Figura 10. Ancoragem do bloco com o pilar. Fonte: Provazzi [(200-?)]. 57Introdução aos blocos e sapatas Para saber a quantidade de estacas que se deve ter, basta utilizar a força normal do pilar e dividir pela capacidade de cada estaca. Assim, tem-se uma ideia da quantidade de carga que vai se dividir em cada estaca. Diferença entre sapatas isoladas e sapatas associadas Sapatas isoladas são um tipo de fundação superficial muito utilizada na constru- ção civil. Elas recebem cargas dos pilares e das colunas, podendo ter o formato quadrangular, circular ou retangular. Deve-se utilizar sapatas quando se tem um solo com resistência importante; dessa forma, as tensões são dissipadas no solo de forma eficaz, sem a necessidade de fundações mais profundas. As tensões são transmitidas ao terreno pela base da fundação; por isso, deve-se levar em consideração a área de contato entre a base e o solo. Existem sapatas só em concreto e elementos em que as tensões de tração são absorvidas pela armadura. O esquema de sapatas está representado na Figura 11. Figura 11. Sapatas. Fonte: Bastos (2016). As sapatas têm vantagens em relação a outros tipos de fundação, como as estacas e os tubulões, devido ao seu baixo custo. Quando se dimensiona uma sapata, como qualquer outro tipo de fundação, deve-se levar em consideração Introdução aos blocos e sapatas58 a tensão admissível no solo. As sapatas podem ter várias relações entre os lados, de acordo com o que é mostrado na Figura 12. Figura 12. Tipos de sapatas. Fonte: Bastos (2016). A distribuição das tensões no solo depende de como é o carregamento. Alguns fatores são preponderantes, como a excentricidade do carregamento, a existência de momentos fletores aplicados, a rigidez da fundação, as pro- priedades do solo e a rugosidade da fundação. As tensões no solo se comportam de forma diferente, de acordo com o tipo de sapata e o tipo de solo. Em sapatas rígidas, não existe deformação ou ela é muito pequena; dessa forma, o recalque no solo é uniforme. Contudo, se há forças diferentes nelas, as tensões no solo não são uniformes. Quando se tem um elemento rígido, ele não se deforma. Assim, ele vai comprimir o solo de maneira igual, com um recalque uniforme. No entanto, recalque uniforme não quer dizer que a distribuição de tensões seja uniforme. O estudo para sapatas flexíveis é um pouco diferente, pois sua deformabi- lidade é maior e, assim, a pressão no solo é constante. Na Figura 13, é possível verificar as diferenças de tensão de sapatas rígidas e flexíveis, dependendo do tipo de solo. No exemplo da Figura 13 (a), temos uma sapata flexível em um solo argiloso, que é amplamente deformável. Assim, as pressões são menores no centro. Na Figura 13 (b), temos sapatas flexíveis apoiadas em solos granulares, como areia. Nesse contexto, a pressão é maior no meio e menor nas pontas; desse modo, as deformações são maiores no centro. 59Introdução aos blocos e sapatas A Figura 13 (c) traz uma sapata rígida sobre um solo argiloso. Sabe-se que, em uma sapata rígida, as deformações são iguais, mas as tensões não são. Logo, as tensões se comportam de forma paraboloide. Já a Figura 13 (d) apresenta uma sapata rígida em solo granular. Esse tipo de sapata tem as deformações iguais, mas as tensões são diferentes. Figura 13. Comportamento das tensões de acordo com o tipo de solo: (a) sapata flexível sobre argila; (b) sapata flexível sobre areia; (c) sapata rígida sobre argila; (d) sapata rígida sobre areia. Sapatas associadas ocorrem quando se tem pilares muito próximos, e os bulbos de tensões das sapatas podem se sobrepor. Assim, concreta-se uma sapata para receber a carga de dois pilares. Muito utilizadas quando se tem sobreposição de efeitos, também podem ser chamadas de sapatas combinadas ou conjuntas. Elas podem ainda ser projetadas sem viga de rigidez ou com viga de rigidez (Figura 14). Introdução aos blocos e sapatas60 Figura 14. Sapatas associadas. Fonte: Alva (2007). Uma consideração importante é quando se deve utilizar um bloco de fundação. Há casos em que as cargas são relativamente altas, excedendo assim a capacidade de um solo superficialmente. Dessa forma, tem-se a necessidade projetar um bloco que possa dividir a carga em estacas diferentes. Vigas de fundação As vigas de fundação constituem um tipo de fundação rasa. Trata-se de uma viga apoiada no solo, que suporta a carga da estrutura e redistribui para o solo. Sua construção é bastante econômica e muito comum em pequenas edificações, devendo ser utilizadas em casos em que não ocorre muita carga, além de receber pilares alinhados. A viga de fundação ou viga baldrame tem a finalidade de absorver a carga das paredes e dissipá-la no solo por toda a sua extensão. Diferentemente das sapatas, que têm uma carga mais concentrada, as vigas de fundação distribuem melhor as cargas. Entretanto, para a sua utilização, deve-se ter um solo firme. Você pode ver um exemplo de viga de fundação na Figura 15. 61Introdução aos blocos e sapatas Figura 15. Viga de fundação. Fonte: Canal do Engenheiro [(200-?)]. Avaliando os tipos de fundações estudadas no capítulo, deve-se utilizar blocos de fundações quando se tem cargas mais elevadas, com a necessidade de estacas. Assim, são necessários blocos, a fim de linearizar as tensões. As sapatas isoladas devem ser utilizadas quando se tem um solo com uma boa capacidade de suporte, seguido de pequenas cargas. Por último, há vigas de fundação, que devem ser utilizadas em casas com pouca carga e solos com tensão admissível. Transmissão de esforços das sapatas e vigas de fundação Quando se tem um tipo de fundação direta, como as sapatas, o esforço dos pilares descarrega diretamente na fundação — sem ter o bloco de fundação antes, que ajuda a dissipar essa concentração de tensões. Conforme já vimos neste capítulo, existem dois tipos de sapatas: as rígidas e as f lexíveis. As rígidas estão sujeitas a ruptura por punção, por serem menos f lexíveis, enquanto as f lexíveis têm pouca altura. Essa classificação depende da relação entre a altura, a base da sapata e o ângulo beta: se 0,5 ≤ tgβ ≤ 1,5, a sapata é considerada rígida; se tgβ ≤ 0,5, a sapata é f lexível; e se tgβ ≥ 1,5, não é uma sapata. A Figura 16 apresenta umexemplo de transmissão de esforços em sapatas. Introdução aos blocos e sapatas62 Figura 16. Esquema de transmissão de esforços. Fonte: Bastos (2016). Nessa figura, apresentam-se as seguintes variáveis: aP = área do pilar; β = inclinação das bielas comprimidas; h = altura da sapata. 63Introdução aos blocos e sapatas ALMEIDA, L. C. de. Blocos sobre estacas. [200-?]. Disponível em: <http://www.fec. unicamp.br/~almeida/ec802/Blocos%20sobre%20estacas/Blocos_sobre_estacas. pdf>. Acesso em: 19 dez. 2017. ALVA, G. M. S. Projeto estrutural de sapatas. Santa Maria: [s.n.], 2007. Disponível em: <http:// coral.ufsm.br/decc/ECC1008/Downloads/Sapatas.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2017. BASTOS, P. S. dos S. Blocos de fundação. Bauru: [s.n.], 2017. Disponível em: <http://wwwp. feb.unesp.br/pbastos/concreto3/Blocos.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2017. BASTOS, P. S. dos S. Sapatas de fundação. Bauru: [s.n.], 2016. Disponível em: <http:// wwwp.feb.unesp.br/pbastos/concreto3/Sapatas.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2017. CANAL DO ENGENHEIRO. [Viga de fundação]. (200-?). Disponível em: <http://www. canaldoengenheiro.com/wp-content/uploads/asweb-b0d4daf1ae98250062fa- 9b5be73579280.jpg>. MESQUITA, A. C. A influência da ligação pilar-bloco nos mecanismos de ruptura de blocos de fundação sobre duas estacas. 165 f. 2015. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Universidade Federal de Goiás, Escola de Engenharia Civil, 2015. Disponível em: <https:// repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/5317/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20 Adelson%20C%C3%A2ndido%20Mesquita%20-%202015.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2017. PROVAZZI, S. Concreto armado II: 05 cc det concreto armado. (200-?). Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAgcgYAL/concreto-armado-ii-05-cc-det- -concreto-armado?part=3>. Acesso em: 19 dez. 2017. 64Introdução aos blocos e sapatas