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profa_ana_paula_boleti Microbiota intestinal e papel na imunidade Introdução Os seres humanos contemporâneos são geneticamente adaptados ao ambiente em que seus ancestrais sobreviveram e que condicionou sua composição genética. Nos mamíferos, tanto a dieta quanto a filogenia influenciam o aumento da diversidade bacteriana de carnívoro para onívoro e herbívoro. Os hábitos alimentares são considerados um dos principais fatores que contribuem para a diversidade da microbiota intestinal humana. Mudanças profundas nas condições de alimentação e estilo de vida começaram com a chamada “revolução neolítica” com a introdução da agricultura e pecuária ≈ 10.000 a trás. Após essa época, os recursos alimentares tornaram-se mais abundantes e constantes, a concentração de grandes populações em áreas limitadas criou pressão seletiva que favoreceu patógenos especializados em colonizar hospedeiros humanos e provavelmente produziu a primeira onda de doenças humanas emergentes. Tem sido levantada a “hipótese de que bactérias especializadas em nichos associados ao homem, incluindo a flora comensal do nosso intestino, sofreram intensa transformação durante as mudanças sociais e demográficas que ocorreram com os primeiros assentamentos neolíticos”. Profa Dra. Ana Paula Boleti Imunologia facilitada Esses termos são comumente utilizados como sinônimos, mas é preciso voltar às aulas de biologia para entender suas diferenças. Bioma é definindo como uma comunidade estável, desenvolvida e adaptada às condições de determinada região —geralmente caracterizada por uma determinada flora e fauna. Diferença entre microbiota e microbioma Os países desenvolvidos ocidentais controlaram com sucesso as doenças infecciosas durante a segunda metade do século passado, melhorando o saneamento e usando antibióticos e vacinas. Ao mesmo tempo, tem sido observado o surgimento de novas doenças, como alergias, doenças autoimunes e doença inflamatória intestinal (DII), tanto em adultos quanto em crianças, e hipotetiza- se que as melhorias na higiene, juntamente com a diminuição da exposição microbiana na infância, sejam consideradas responsáveis por esse aumento. A microflora gastrointestinal desempenha um papel crucial na patogênese das DII, e estudos recentes demonstram que a obesidade está associada ao desequilíbrio na microbiota intestinal normal. profa_ana_paula_boleti MICROBIOMA HUMANO referi-se aos trilhões de diferentes microrganismos —e seus genes— que convivem em nosso organismo de forma equilibrada. MICROBIOTA são os tipos de microrganismos que compõem uma região específica, como por exemplo, o intestino, a vagina ou a pele. No passado, usava-se o termo flora intestinal ou vaginal para se referir à microbiota desses específicos ecossistemas. Atualmente esse conceito evoluiu e se entendeu que o termo já não era adequado para defini-los. Função da microbiota humana O microbioma intestinal é o mais bem estudado e de maior abundância, havendo 1,3 vezes mais células e genes microbianos do que humanos. O microbioma intestinal possui diversas funções como a produção de algumas vitaminas; digestão de fibras alimentares; proteção contra patógenos; maturação, educação e estimulação do sistema imunológico; ativação e inibição da ação de medicamentos; modificação do humor através da produção de neurotransmissores dentre outros. Ao conhecer a composição do microbioma é possível identificar alterações na sua diversidade, que pode estar associada a doenças, bem como servir como instrumento para avaliação e acompanhamento da conduta clínica e nutricional. Apesar da variação interindividual da composição do microbioma intestinal, a sua capacidade funcional em um adulto saudável é relativamente consistente, já nos idosos esta microbiota se torna instável e menos diversificada. Diferença entre disbiose e simbiose Enquanto a simbiose reina e promove a paz entre os microrganismos que povoam seu organismo, os vários exércitos de microrganismos cumprem essas atividades benéficas dia e noite, garantindo a saúde. Mas a diplomacia entre eles pode ser abalada por circunstâncias específicas que levam à chamada disbiose, o desequilíbrio entre bactérias boas e ruins que também desencadeia um padrão de microbiota pró-inflamatório, especialmente no intestino. Quais fatores que influenciam a composição da comunidade microbiana intestinal ? a) Infecção e inflamação. A disbiose causada por infecção entérica foi observada pela primeira vez em modelos de camundongos de infecção por Citrobacter rodentium e Salmonella enterica. Além da infecção intestinal, o crescimento induzido por inflamação de membros da família Enterobacteriaceae (bactérias Gram-negativa) pode promover o desenvolvimento de câncer colorretal e sepse. Os mecanismos moleculares que levam ao estabelecimento de Enterobacteriaceae no intestino inflamado são múltiplos e incluem a liberação de nutrientes, o uso de íons metálicos, competição intermicrobiana e transferência horizontal de genes, a exploração de peptídeos antimicrobianos, bem como o aproveitamento de respiração celular anaeróbica. b) Dieta e xenobióticos. A dieta tem uma influência considerável de curto e longo prazo na composição da microbiota intestinal. Indivíduos alimentados com uma dieta pobre em fibras, a diversidade microbiana é progressivamente reduzida ao longo de gerações consecutivas. Da mesma forma, uma dieta rica em gordura reduz a diversidade microbiana. Além do conteúdo nutricional dos alimentos, os xenobióticos dietéticos têm o potencial de alterar a colonização comensal homeostática. Isso é mais intuitivo no caso de antibióticos, mas também foi descrito para adoçantes artificiais não calóricos e emulsificantes dietéticos, embora os mecanismos pelos quais os dois últimos exemplos moldam o microbioma ainda precisam ser determinados. c) Genética. Fatores genéticos do hospedeiro também estão envolvido na formação da composição da microbiota intestinal. Um estudo duplo identificou a abundância de múltiplos táxons da microbiota intestinal influenciados pela genética do hospedeiro, como a associação do gênero Bifidobacterium e o locus do gene humano que codifica a lactase. Além disso, o locus que codifica o receptor de vitamina D humano e vários outros loci humanos envolvidos em funções imunológicas e metabólicas foram destacados como potenciais condutores do controle microbiano através da genética do hospedeiro. No entanto, o impacto da dieta parece superar o histórico genético do hospedeiro em modelos de camundongos, o que sugere que uma dieta específica pode compensar a predisposição genética do hospedeiro para colonização intestinal com um microrganismo específico. d) Transmissão familiar. A sucessão precoce da colonização intestinal após o nascimento é determinada pela microbiota materna e, em particular, pela via de parto. Assim, a transmissão entre gerações é um importante contribuinte que molda os microbiomas individuais, embora estudos em camundongos livres de germes e neonatos humanos tenham demonstrado que os fatores maternos por si só não são suficientes para explicar a montagem da microbiota de um indivíduo. Causas da disbiose A disbiose intestinal ocorre quando a um desequilíbrio na composição e função dos microrganismos localizados neste tecido. A disbiose pode influenciar na capacidade de absorção dos nutrientes ou inclusive desencadear problemas neurológicos, respiratórios, metabólicos, hepáticos e cardiovasculares. Este desequilíbrio está associado a uma diminuição de bactérias benéficas e aumento das bactérias vinculadas a condições clínicas, sintomas intestinais e condições metabólicas prejudiciais à saúde. profa_ana_paula_boleti A reconstituição mais dramática é alcançada pelo transplante de microbiota fecal (TMF), no qual toda a comunidade intestinal de um paciente é substituída pela microbiota de um doador saudável. TMF alcançou resultados espetaculares em pacientes com colite pseudomembranosa causada por infecção recorrente com C. difficile resistente a antibióticos. O sucessodo TMF na infecção por C. difficile deu origem à esperança de que este procedimento possa ter o potencial de ser igualmente eficaz no tratamento de outras doenças que envolvem disbiose, como DII e câncer colorretal. No entanto, a estabilidade crônica do microbioma transferido no TMF permanece indefinida, assim como a eficácia a longo prazo do TMF quando realizado repetidamente. Outra forma de tratamento do microbioma consiste na administração de probióticos, como espécies de Lactobacillus e Bifidobacterium, para apoiar a expansão de uma microbiota saudável. No entanto, há evidências muito limitadas que apoiam a eficácia dos probióticos em distúrbios associados ao microbioma. Por exemplo, um grande número de estudos foi realizado sobre o uso de probióticos na doença de Crohn, mas atualmente não há evidências gerais para apoiar seu uso generalizado. A razão para as inconsistências entre os estudos em relação aos antibióticos e probióticos para o tratamento da disbiose na DII pode estar na forte variabilidade interindividual na suscetibilidade da comunidade microbiana intestinal à intervenção biótica. Em contraste com a administração de probióticos, os prebióticos dietéticos visam modificar a composição do ecossistema intestinal por meio de alterações nutricionais. Dada a resposta rápida e reprodutível da microbiota à intervenção dietética, uma abordagem promissora de modulação do microbioma consiste no desenho racional de dietas personalizadas. No caso de doença metabólica, o conhecimento da composição da microbiota auxilia na predição das respostas individuais à intervenção dietética. Diagnóstico e tratamento da disbiose intestinal Dada a associação da disbiose com a etiologia de inúmeras doenças, é importante a possibilidade de usar informações sobre o estado e a função da microbiota para o diagnóstico e terapia de doenças imunomediadas ou imuno-associadas humanas. De fato, temos uma revolução nas ferramentas de análise para levantamento do microbioma, incluindo sequenciamento de DNA para a identificação de cepas e seus genomas, sequenciamento de RNA para a determinação da atividade de genes microbianos e análise de metaboloma. Diversas doenças estão associadas ao desenvolvimento precoce da disbiose, como o observado em pacientes com doença de Crohn, um “índice de disbiose” está associado a parâmetros clínicos. O fenótipo da doença pode ser mais eficaz no que diz respeito ao diagnóstico da progressão precoce da doença com base em biomarcadores microbianos. O potencial do microbioma como ferramenta de diagnóstico para doenças imunomediadas vai muito além do intestino. Na doença de Parkinson, por exemplo, a constipação crônica e alterações na composição da microbiota precedem os sintomas motores em anos e podem ser biomarcadores promissores para testes de triagem para auxiliar na detecção precoce da doença em indivíduos com risco de desenvolver esse distúrbio. Da mesma forma, a microbiota tem sido implicada no desenvolvimento da doença de Alzheimer, o que enfatiza a noção de que o diagnóstico baseado no microbioma pode oferecer oportunidades para a detecção precoce de doenças neurodegenerativas. Direcionamento da disbiose para terapia profa_ana_paula_boleti DE ONDE VEM TANTA BACTÉRIA ? A compreensão dos mecanismos da contribuição da dieta e do microbioma para a doença imunomediada pode facilitar o desenho de novas opções de tratamento está relacionado à aterosclerose. O metabolismo da fosfatidilcolina lipídica da dieta, bem como da l-carnitina, um componente da carne vermelha, por bactérias comensais resulta no acúmulo de N-óxido de trimetilamina (TMAO), que promove aterosclerose e trombose. A inibição direcionada dessa reação pode reverter o acúmulo de TMAO e melhorar o desenvolvimento da doença. Diferentes tipos de bactérias, mas também vírus, fungos, arqueias e protozoários compõem os trilhões de microrganismos que formam o seu microbioma; e tal "patrimômio" microbiano já começa a ser formado desde o período da gestação, momento no qual ele sofrerá influência dos hábitos de saúde maternos. Dependendo do tipo de dieta da mãe, seu peso, atividade física, uso ou não de antibiótico e tabaco, a microbiota do bebê será modulada positiva ou negativamente. “Além disso, o parto natural e o aleitamento materno exclusivo são essências para boa microbiota.” profa_ana_paula_boleti Diferença entre probióticos, prebióticos e simbióticos Com o aumento na expectativa de vida da população, aliado ao crescimento exponencial dos custos médico hospitalares, a sociedade necessita vencer novos desafios, através do desenvolvimento de novos conhecimentos científicos e de novas tecnologias que resultem em modificações importantes no estilo de vida das pessoas. A nutrição precisa se adaptar a esses novos desafios, através do desenvolvimento de novos conceitos. A nutrição otimizada é um desses novos conceitos, dirigida no sentido de maximizar as funções fisiológicas de cada indivíduo, de maneira a assegurar tanto o bem-estar quanto a saúde, como também o risco mínimo de desenvolvimento de doenças ao longo da vida. Nesse contexto, os alimentos funcionais e especialmente os probióticos e prebióticos são conceitos novos e estimulantes. São considerados alimentos funcionais aqueles que, além de fornecerem a nutrição básica, promovem a saúde. O trato gastrintestinal humano é um microecossistema cinético que possibilita o desempenho normal das funções fisiológicas do hospedeiro, a menos que microrganismos prejudiciais e potencialmente patogênicos dominem. Manter um equilíbrio apropriado da microbiota pode ser assegurado por uma suplementação sistemática da dieta com probióticos, prebióticos e simbiótico. PROBIÓTICOS eram classicamente definidos como suplementos alimentares à base de microrganismos vivos, que afetam beneficamente o animal hospedeiro, promovendo o balanço de sua microbiota intestinal (tipos de lactobacilos e Bifidobacteria, bem como a Saccharomyces). Entretanto, a definição atualmente aceita internacionalmente é que eles são microrganismos vivos, administrados em quantidades adequadas, que conferem benefícios à saúde do hospedeiro (Food and Agriculture Organization of United Nations; World Health Organization, 2001; Sanders, 2003). A influência benéfica dos probióticos sobre a microbiota intestinal humana inclui fatores como efeitos antagônicos, competição e efeitos imunológicos, resultando em um aumento da resistência contra patógenos. PREBIÓTICOS são componentes alimentares não digeríveis (são as fibras alimentares) que afetam beneficamente o hospedeiro, por estimularem seletivamente a proliferação ou atividade de populações de bactérias desejáveis no cólon. Adicionalmente, o prebiótico pode inibir a multiplicação de patógenos, garantindo benefícios adicionais à saúde do hospedeiro. Esses componentes atuam mais freqüentemente no intestino grosso, embora eles possam ter também algum impacto sobre os microrganismos do intestino delgado. Quando usar probióticos ? Bactérias pertencentes aos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium e, em menor escala, Enterococcus faecium, são mais freqüentemente empregadas como suplementos probióticos para alimentos, uma vez que elas têm sido isoladas de todas as porções do trato gastrintestinal do humano saudável. O íleo terminal e o cólon parecem ser, respectivamente, o local de preferência para colonização intestinal dos lactobacilos e bifidobactérias. Entretanto, deve ser salientado que o efeito de uma bactéria é específico para cada cepa, não podendo ser extrapolado, inclusive para outras cepas da mesma espécie. A influência benéfica dos probióticos sobre a microbiota intestinal humana inclui fatores como os efeitos antagônicos e a competição contra microrganismos indesejáveis e os efeitos imunológicos. Dados experimentais indicam que diversos probióticos são capazes de modular algumas características da fisiologia digestiva, como a imunidade da mucosa e a permeabilidade intestinal. A ligação de bactérias probióticas aos receptores da superfíciecelular dos enterócitos também dá início às reações em cascata que resultam na síntese de citocinas. As recomendações mais recentes da AGA (Associação Americana de Gastroenterologia) indicam uso de probióticos nas seguintes situações: Enterocolite em bebês prematuros com peso inferior a 2,5 kg; Prevenção de infecção por Clostridiodes difficile consequente ao uso de antibiótico em adultos e crianças; Bolsite (complicação do tratamento cirúrgico da retocolite ulcerativa). A literatura científica sobre a microbiota também tem mostrado que a terapia com probióticos é promissora nas seguintes hipóteses: Dermatite atópica, Diarreia aguda infecciosa (em pediatria), Síndrome do intestino irritável, Hipercolesterolemia, Doenças do SNC (degenerativas, comportamentais, espectro autista etc.), Obesidade, Doenças do fígado, Colite ulcerativa, Doença de Crohn, Câncer colorretal, Diabetes e Doenças autoimune. Um produto referido como SIMBIÓTICO é aquele no qual um probiótico e um prebiótico estão combinados. A interação entre o probiótico e o prebiótico in vivo pode ser favorecida por uma adaptação do probiótico ao substrato prebiótico anterior ao consumo. Isto pode, em alguns casos, resultar em uma vantagem competitiva para o probiótico, se ele for consumido juntamente com o prebiótico. Alternativamente, esse efeito simbiótico pode ser direcionado às diferentes regiões “alvo” do trato gastrintestinal, os intestinos delgado e grosso. profa_ana_paula_boleti Microbiota e papel na imunidade Existe uma relação recíproca entre microbiota e organismo humano: os microrganismos residentes do corpo têm um papel significativo na regulação da fisiologia de seus hospedeiros e na prevenção de infecções patogênicas, enquanto o sistema imune dos hospedeiros é importante na determinação da composição da microbiota. Esse equilíbrio representa um desafio em especial para o intestino, visto que a microbiota desse órgão é separada do interior do hospedeiro por uma única camada de células epiteliais. Cerca de 70% das células imunes de cada indivíduo se encontram nesse nicho. Desta forma, a microbiota intestinal, além de já reconhecido estado nutricional, desempenha um papel fundamental na maturação, desenvolvimento e regulação do sistema imunológico. As bactérias comensais do intestino são extremamente benéficas para a saúde humana, facilitando o metabolismo dos nutrientes e a resistência à colonização patogênica, promovendo a integridade das células epiteliais, além do claro desenvolvimento do sistema imunológico. Esta relação entre microbiota e sistema imune vai além do intestino, influenciando positivamente as respostas imunes a patógenos em órgãos extra-intestinais como pulmão e trato urinário. Desta forma, perturbações na estrutura, diversidade e quantidade das comunidades comensais intestinais, como a disbiose, têm relação causal com desenvolvimento de doenças imunomediadas e infecciosas. Neste contexto, a microbiota intestinal passa a ser um alvo terapêutico provável na prevenção e tratamento de doenças infecciosas. m desequilíbrio entre sistema imune e microbiota pode causar, por exemplo, a disbiose do trato vaginal, predispondo mulheres a desenvolverem infecções como a vaginose bacteriana e a candidíase vulvovaginal. O papel da microbiota intestinal na saúde e na doença tem considerável interesse científico. Especialmente, o desenvolvimento de novas técnicas independentes de cultura reacendeu o interesse na microbiota intestinal. A microbiota intestinal tem sido associada ao risco de doenças gastrointestinais, como síndrome do intestino irritável e enterocolite necrosante. No entanto, o papel da microbiota intestinal na saúde e na doença pode ir mesmo além do intestino, uma vez que também tem sido associado a doenças atópicas. Pesquisadores do Instituto Genoma Conjunto do Departamento de Energia dos EUA disponibilizaram um banco de dados com 52.515 genomas de microrganismos existentes ao redor do globo. Os microrganismos presentes nesse banco são dos mais variados. Tratam-se de fungos, bactérias e arqueas (organismos estruturalmente semelhantes às bactérias, mas geneticamente distintos) que vivem em diferentes solos, oceanos, plantações e até no corpo de animais, como os humanos. Além de reunir informações genéticas de milhares de seres em um só lugar, o catálogo GEM (sigla em inglês para Genoma dos Microbiomas da Terra) ainda traz 12 mil genomas inéditos, possivelmente de novas espécies. Para entender a complexidade do microbioma humano, é importante reconhecer as relações genéticas e evolutivas entre as espécies. Todos os organismos vivos são atualmente classificados hierarquicamente em oito níveis principais, com domínio sendo o mais geral e a espécie o mais específico. profa_ana_paula_boleti Organização hierárquica de níveis taxonômicos usados para classificar organismos. Fonte: Tyler et al., Am J Gastroenterol, 109 (7): 983-93, 2014. profa_ana_paula_boleti Existem três domínios da vida (Archaea, Bacteria e Eukarya). No cada nível mais baixo, os organismos são classificados com suas características mais semelhantes. Primos com base em características comuns. Para melhor ilustrar a natureza desse sistema hierárquico, pode-se considerar nossa própria espécie Homo sapiens e a conhecida bactéria Escherichia coli. Embora as informações mais precisas sejam obtidas de análise em nível de espécie, também há valor em análises de nível superior, especialmente nos casos em que a identificação das espécies não é possível. No caso de H. sapiens, a relação filogenética entre ele e espécies relacionadas é extremamente bem definido. Bactérias, em por outro lado, apresentam relações evolutivas mais complexas, e novas espécies e até filos ainda estão sendo descobertos. Além disso, a plasticidade genômica microbiana confunde a análise de comunidades microbianas mistas, pois a transferência horizontal de genes e as diferenças fenotípicas subsequentes entre cepas ostensivamente relacionadas tornam a definição de espécie no contexto de micróbios muito mais fluido. Disbiose e sistema imune A presença de uma comunidade microbiana estável contribui funcionalmente para a etiologia, diagnóstico ou tratamento de uma doença disbiótica. A imunidade inata e adaptativa controla o nicho de colonização da microbiota (intestinal) por meio de mecanismos que incluem a produção de peptídeos antimicrobianos e anticorpos IgA. A microbiota (disbiótica) pode influenciar ativamente seu nicho de colonização, alterando as funções da imunidade intestinal inata e adaptativa. Então em condições homeostáticas, comunidades bacterianas diversas e equilibradas são mantidas por mecanismos complexos que envolvem a produção de diversos repertórios de IgAs selecionados nos centros germinativos por antígenos e células TFH. Essas células B IgA+ selecionadas se diferenciam em células plasmáticas produzindo grandes quantidades de IgAs. Após sua secreção no lúmen intestinal, as IgAs revestem os comensais e controlam sua expansão ou invasão sob o epitélio. As células T Foxp3+, que são induzidas por espécies de bactérias formadoras de esporos (isto é, Clostridia), também estão contribuindo para a homeostase intestinal, controlando a expansão das células Foxp3 na lâmina própria e também atuando como células TFR. Defeitos no sistema imunológico adaptativo têm efeitos profundos na microbiota, manifestados por baixa diversidade, localização imprópria e composição distorcida devido à expansão descontrolada de poucas espécies bacterianas. Tais alterações disbioticas, causam ativação descontrolada do sistema imunológico, levando a patologias do sistema imunológico e de outros sistemas fisiológicos importantes. Células do sistema imune e microbiota intestinal. Fonte: Kato et al., Immunol Rev, 260(1):67-75, 2014. A visão tradicional de que os efeitos da microbiota intestinal estão limitados à digestão do hospedeiro, ou mais recentemente estendido ao metabolismo e estado imunológico, deu caminho para a percepção de que esses microrganismos podem teramplo impacto em diversos aspectos da fisiologia de um hospedeiro. Forças externas, como dieta ou antibióticos, resultam em rápidas alterações da microbiota, afetando assim o status das relações da microbiota-hospedeiro. Uma infinidade de estudos tem implicado a disbiose da microbiota em uma lista de doenças ocidentais, como síndrome metabólica, doenças intestinais e câncer. Matando nosso sistema microbiano de fome: as consequências deletérias de uma dieta deficiente em carboidratos acessíveis à microbiota. profa_ana_paula_boleti MACS - CARBOIDRATOS ACESSÍVEIS A MICROBIOTA Grande parte do carbono e da energia para os microrganismos da microbiota provém de plantas e carboidratos dietéticos derivados de animais. Os carboidratos são compostos de monossacarídeos que estão conectados através de vários tipos de ligações glicosídicas e, em alguns casos, ainda modificados por substituintes químicos como grupos acetil e sulfato. A variação na sua composição química, solubilidade e tamanho diferencia esses carboidratos em uma vasta gama de nichos ecológicos. No entanto, a competição dos microrganismos dentro do intestino é intensa pelo acesso à energia metabólica e sequestro de carbono dessas moléculas. Carboidratos para fermentação de microrganismos intestinais podem vir de uma variedade de fontes, incluindo: (1) glicanos de origem animal derivados da dieta ou do hospedeiro; (2) sintetizados por outros microrganismos, como pela parede celular de levedura ou residentes no intestino, e; (3) material vegetal dietético, comumente referido como fibra dietética, que é o combustível mais comum para a microbiota de muitos humanos. Tipos de disbiose A disbiose normalmente apresenta uma ou mais características não mutuamente exclusivas: a) Patobiontes. Os membros da microbiota comensal que têm o potencial de causar patologia foram denominados patobiontes. Tais bactérias estão tipicamente presentes em baixas quantidades, mas proliferam quando ocorrem alterações no ecossistema intestinal. Um exemplo prototípico dessa expansão populacional é o crescimento da família bacteriana Enterobacteriaceae, que é frequentemente observada em infecções e inflamações entéricas. b) Perda de comensais. Ao contrário do crescimento de patobiontes, a disbiose frequentemente apresenta a redução ou perda completa de membros da microbiota normalmente residentes, o que pode ser consequência da morte microbiana ou diminuição da proliferação bacteriana. Tal perda de comensais pode ser funcionalmente importante, e a restauração das bactérias abolidas ou seus metabólitos tem o potencial de reverter os fenótipos associados à disbiose. A reposição de bactérias comensais diminuídas mostra-se eficaz contra a infecção entérica, como no caso da inflamação induzida por Clostridium difficile, que foi melhorada pela colonização por Clostridium scindens. c) Perda de diversidade. Uma característica recorrente da disbiose associada à doença é a redução da diversidade. A riqueza da microbiota intestinal aumenta durante os primeiros anos de vida, pode ser influenciada pelos padrões alimentares e está associada à saúde metabólica. Por outro lado, a baixa diversidade bacteriana foi documentada no contexto de disbiose induzida por composição dietética anormal, DII, AIDS e diabetes tipo 1 (DT1), entre muitas outras condições. Os principais componentes da imunidade inata são: A defesa contra microrganismos é mediada pelas reações iniciais da imunidade inata e pelas respostas tardias da imunidade adaptativa. A imunidade inata fornece a primeira linha de defesa contra microrganismos. Ela consiste em mecanismos de defesa celulares e bioquímicos que estão em vigor mesmo antes da infecção e são preparados para responder rapidamente a infecções. Esses mecanismos reagem aos produtos dos microrganismos e células lesionadas, e elas respondem essencialmente da mesma forma para exposições repetidas. Os mecanismos da imunidade inata são específicos para estruturas que são comuns a grupos de microrganismos relacionados e podem não distinguir pequenas diferenças entre os microrganismos. IMUNIDADE INATA E ADAPTATIVA NA REGULAÇÃO DA HOMEOSTASE MICROBIANA (1) barreiras físicas e químicas, tais como epitélio e agentes antimicrobianos produzidos nas superfícies epiteliais; (2) células fagocíticas (neutrófilos, macrófagos), células dendríticas e células assassinas naturais (NK, do inglês natural killer) e outras células linfoides; e (3) proteínas sanguíneas, incluindo membros do sistema complemento e outros mediadores da inflamação. profa_ana_paula_boleti Contrapondo-se à imunidade inata, existem outras respostas imunes que são estimuladas pela exposição a agentes infecciosos e aumentam em magnitude e capacidade defensiva em cada exposição subsequente a um microrganismo particular. Pelo fato de esta forma de imunidade se desenvolver como uma resposta à infecção e se adaptar à infecção, ela é chamada de imunidade adaptativa (também denominada imunidade adquirida ou específica). O sistema imune adaptativo reconhece e reage a um grande número de substâncias microbianas e não microbianas. As características que definem a imunidade adaptativa são a habilidade de distinguir entre diferentes substâncias, chamada especificidade, e a habilidade de responder mais vigorosamente a exposições repetidas ao mesmo microrganismo, conhecida como memória. Os componentes exclusivos da imunidade adaptativa são células denominadas linfócitos e seus produtos secretados, tais como anticorpos. Substâncias estranhas que induzem as respostas imunes específicas ou são reconhecidas pelos linfócitos ou anticorpos chamam-se antígenos. As citocinas constituem um grande grupo de proteínas secretadas com diversas estruturas e funções, que regulam e coordenam muitas atividades das células da imunidade inata e adaptativa. Todas as células do sistema imune secretam, pelo menos, algumas citocinas e expressam receptores específicos de sinalização para várias citocinas. A detecção microbiana através de receptores de reconhecimento de padrões (RRPs, capazes de reconhecer os padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs)) foi sugerido para influenciar a colonização microbiana em ratos. Além disso, a perda da sinalização MYD88 especificamente nas células epiteliais resulta em aumento do número de bactérias associadas à mucosa e aumento da translocação de bactérias para os linfonodos mesentéricos, bem como composição bacteriana alterada. Um TLR em particular que foi sugerido estar envolvido na prevenção da disbiose é o sensor de flagelina TLR5. Apesar das diferenças relatadas na composição microbiana, o papel da sinalização TLR no controle da ecologia microbiana intestinal permanece desconhecido, já que estudos de acompanhamento sugeriram que a transmissão materna, em vez da deficiência genética, pode explicar a infecção microbiana. RRPs adicionais com uma ligação sugerida à disbiose microbiana são os receptores do tipo NOD. NOD1 reconhece o ácido diaminopimético (iE-DAP), ambos padrões moleculares associados a PAMPs encontrados no peptideoglicano de bactérias Gram-negativas, com o aumento de Clostridiales comensais, Bacteroides spp., bactérias filamentosas segmentadas e Enterobacteriaceae. Polimorfismos de NOD2 humanos (NOD2 é responsável pela detecção intracelular do muramil dipeptideo (MDP)), também estão associados à disbiose na doença de Crohn. Além disso, NOD1 e NOD2, algumas proteínas NLR (NOD-like receptor) se montam em complexos multiproteicos conhecidos como inflamassomas, levando à ativação da caspase 1, que então processa as citocinas interleucina-1β (IL-1β) e IL-18. NOD-, LRR- (repetições ricas em leucina) e domínio de pirina contendo 6 (NLRP6) é uma dessas proteínas que induz ou afeta a formação do inflamassoma epitelial intestinal. O NLRP6 demonstrou ter um papel na manutenção de uma comunidade microbiana estável no intestino. A maior congruência funcional do que composicional dos microbiomas associados à deficiência de NLRP6 em modelo animal está de acordo com os achadosem humanos, nos quais as funções metagenômicas centrais são compartilhadas em uma ampla variabilidade de variedades taxonômicas. Isso foi recentemente exemplificado pela descoberta de que um protista comensal, Tritrichomonas musculis, induz a ativação do inflamassoma nas células epiteliais que resulta na secreção de IL-18 e na ativação a jusante do sistema imunológico intestinal, incluindo alterações nas células mieloides e células linfoides inatas. (ILCs) e a expansão das células T helper 1 (TH1) e TH17. Assim, a colonização por protozoários altera marcadamente a sinalização do inflamassoma epitelial e o estado de ativação do sistema imunológico. Controle imunológico da homeostase microbiana Innate and adaptive immunity in the regulation of microbial homeostasis.fonte: Levy et al., Nature Reviews Immunolog, 17, pages219–232 (2017) https://pt.wikipedia.org/wiki/Padr%C3%B5es_moleculares_associados_a_pat%C3%B3genos https://www.nature.com/nri profa_ana_paula_boleti Sinalização para a imunidade inata Embora os mecanismos acima estejam envolvidos na prevenção do desenvolvimento da disbiose, uma comunidade microbiana disbiótica, uma vez estabelecida, afeta substancialmente tanto a mucosa local quanto a paisagem sistêmica das células imunes, criando assim um ciclo de feedback no qual o sistema imunológico do hospedeiro e sua microbiota regulam-se mutuamente. A microbiota apresenta um grande repertório de sinais e mecanismos pelos quais pode afetar a ativação imune, incluindo remodelação epigenética e expressão gênica alterada. Curiosamente, no contexto da disbiose, a sinalização microbiana ao sistema imunológico pode ser importante para a manutenção do estado disbiótico, que é alcançado por pelo menos dois fenômenos. Primeiro, os patobiontes que surgem sob condições inflamatórias contribuem para a perpetuação da inflamação, preservando assim as condições que favorecem seu próprio crescimento. Em segundo lugar, uma microbiota disbiótica pode, em alguns casos, ser predominantemente transferida para um novo hospedeiro, no qual o sequestro do sistema imunológico altera o nicho de colonização microbiana. Uma microbiota saudável ou disbiótica pode influenciar o sistema imunológico inato do hospedeiro por meio de dois tipos de sinal: componentes celulares microbianos e metabólitos. Em um estado disbiótico, alterações nas moléculas microbianas detectadas pelo hospedeiro podem levar a um estado de ativação diferente do sistema imunológico. É importante ressaltar que o LPS menos imunogênico foi produzido por espécies bacterianas em crianças de países em que há alta prevalência de doença autoimune, o que sugere uma ligação direta entre estrutura da microbiota, ativação imune e suscetibilidade à doença. Um TLR adicional que é modulado por bactérias é o TLR2. A bactéria anaeróbica oral Porphyromonas gingivalis transforma a microbiota oral em uma comunidade disbiótica e contribui para a inflamação. P. gingivalis tem a capacidade de manipular a resposta imune do hospedeiro promovendo a degradação de MYD88 e, assim, inibindo a resposta antimicrobiana enquanto mantém a inflamação por meio de diafonia entre TLR2 e o receptor do complemento C5aR. Impacto da disbiose no sistema imunológico do hospedeiro Innate and adaptive immunity in the regulation of microbial homeostasis.fonte: Levy et al., Nature Reviews Immunolog, 17, pages219–232 (2017) https://www.nature.com/nri profa_ana_paula_boleti O desacoplamento da erradicação bacteriana da inflamação tecidual é um exemplo em que um único comensal pode perturbar a homeostase da microbiota do hospedeiro para causar inflamação e manter a disbiose persistente. Da mesma forma, a microbiota perpetua a imunidade tecidual anormal após infecção por Yersinia pseudotuberculosis, induzindo vazamento linfático para o tecido adiposo mesentérico. Considerações Finais Ao longo do século passado, assistimos ao surgimento de um grande número de doenças multifatoriais, incluindo doenças inflamatórias, autoimunes, metabólicas, neoplásicas e neurodegenerativas, muitas das quais foram recentemente associadas à disbiose intestinal, ou seja, alterações composicionais e funcionais do microbioma intestinal. Ao vincular a patogênese de doenças comuns à disbiose, o campo do microbioma é desafiado a decifrar os mecanismos envolvidos na persistência das configurações disbióticas do microbioma e diferenciar as associações causais hospedeiro-microbioma de alterações microbianas secundárias que acompanham o curso da doença. Neste curso demos ênfase a disbiose em termos conceituais e fornecendo uma visão geral das associações imunológicas; as causas e consequências da disbiose bacteriana e seu envolvimento na etiologia molecular de doenças comuns; e implicações para o desenho racional de novas abordagens terapêuticas. Uma compreensão em nível molecular das origens da disbiose, seus processos regulatórios endógenos e ambientais e seus efeitos a jusante podem nos permitir desenvolver terapias direcionadas ao microbioma para uma infinidade de doenças imunomediadas comuns. Referências Abbas Abul K. Imunologia celular e molecular / Abul K. Abbas, Andrew H. Lichtman, Shiv Pillai; ilustrações de David L. Baker, Alexandra Baker ; [tradução de Tatiana Ferreira Robaina ...et al]. - 8. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2015. Para a apostila utilizou-se de artigos disponíveis em periódicos indexados em bases de dados como Pubmed, Web of Science, Scopus e Scielo, acessados via Portal Periódicos Capes.
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