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O Tempo no Cinema Contemporâneo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
INSTITUTO DE HISTÓRIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA 
 
 
ISAAC HARILLO JEREZ 
 
 
O OCASO DO FUTURO: INDÍCIOS DO FIM DO CRONÓTOPO MODERNO 
NOS CINEMAS DE ALEJANDRO GONZALEZ IÑÁRRITU E CHRISTOPHER 
NOLAN EM PERSPECTIVA COMPARADA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2018 
 
 
ISAAC HARILLO JEREZ 
 
 
O OCASO DO FUTURO: INDÍCIOS DO FIM DO CRONÓTOPO MODERNO 
NOS CINEMAS DE ALEJANDRO GONZALEZ IÑÁRRITU E CHRISTOPHER 
NOLAN EM PERSPECTIVA COMPARADA 
 
 
 
Tese apresentada para obtenção do título de Doutor em 
História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em 
História Comparada da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro. 
 
 
Orientador: Bruno Sciberras de Carvalho 
Co-orientação: Eliska Altmann de Carvalho 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2018 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ISAAC HARILLO JEREZ 
 
 
O OCASO DO FUTURO: INDÍCIOS DO FIM DO CRONÓTOPO MODERNO 
NOS CINEMAS DE ALEJANDRO GONZALEZ IÑÁRRITU E CHRISTOPHER 
NOLAN EM PERSPECTIVA COMPARADA 
 
 
 
Tese apresentada para obtenção do título de Doutor em 
História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em 
História Comparada da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro. 
 
 
 
Aprovada em ___ de _______ de 2018. 
 
 
 
_______________________________________________________ 
Bruno Sciberras de Carvalho, Professor Doutor, UFRJ 
 
 
_______________________________________________________ 
José D’Assunção Barros, Professor Doutor, UFRRJ 
 
 
_______________________________________________________ 
Ivo Jose de Aquino Coser, Professor Doutor, UFRJ 
 
 
_______________________________________________________ 
João Alfredo Costa de Campos Melo Júnior, Professor Doutor, UFV 
 
 
_______________________________________________________ 
Debora Breder Barreto, Professora Doutora, UCP 
 
 
 
 
Agradecimentos 
 
 Essa jornada de formação, investigação e escrita não seria possível sem a ajuda da minha 
companheira, Rebeca, que esteve ao meu lado compartilhando os pequenos sucessos e me 
mantendo firme quando vieram os momentos mais duros. Entre as sombras que se levantam no 
horizonte de expectativas deste amado país e os momentos de delírio – e luta, uma vez que a 
educadores como nós não nos bastará sonhar - que me permitem escapar dele, espero sempre 
encontrar esse refúgio seguro. 
 Agradeço ao Professor Wagner Pereira pela confiança e inestimáveis contribuições 
nesses primeiros passos, tanto na orientação como enquanto professor. Esta tese tampouco seria 
possível sem a solidariedade, confiança e compreensão do Professor Bruno Sciberras ao se 
encarregar da minha orientação, deixando ao longo das suas aulas e dos férteis encontros marcas 
na minha formação enquanto docente e pesquisador. 
 Agradeço à coorientação da Professora Eliska Altman, com suas importantes indicações 
e esforço de leitura; ao Professor André Chevitarese pela excelente experiência proporcionada 
na disciplina de Seminário de História Comparada, assim como a irretocável – e humana - 
postura acadêmica; à contribuição e confiança do Professor Fábio Lessa na condição de 
Coordenador do PPGHC, assim como aos Professores Ivo Coser, José D’Assunção, Debora 
Breder e João Mello que aceitaram fazer parte deste momento tão importante, na condição de 
membros da banca de defesa. 
 Sou grato ao Programa de Pós-graduação em História Comparada e à CAPES por 
investirem na minha qualificação e pesquisa por meio de uma bolsa de incentivo, sem a qual 
tampouco teria chegado até aqui. Espero que outros estudantes tenham a oportunidade que tive, 
de estudar em instituições públicas de excelência – como a UERJ ou a UFRJ –, com formação 
gratuita, onde existam condições de desenvolver, entre docentes, discentes e técnicos, o ensino, 
a pesquisa e a extensão de forma articulada. 
 Agradeço também ao Prof. Marcelo Jasmin por ter me apresentado ao conjunto de 
reflexões e leituras tão caras à minha pesquisa, para além das estimulantes aulas que me 
ajudaram a crescer. Neste mesmo sentido não posso deixar de mencionar o papel da Professora 
Cristina Dias, do Prof. Valter Sinder e do Prof. Carlos Eduardo Rebelo, já que por meio deles 
descobri o educador que gostaria de me tornar. 
 Por fim, agradeço aos maravilhosos amigos – cada um deles sabe que tem o seu nome 
aqui, gravado – e aos meus pais, José Botin e Maria Dolores Jerez, por me ajudarem em cada 
passo, sofrerem com os meus tropeços e festejarem as alegrias que pude lhes dar. 
 
 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho investiga a construção do tempo no cinema transnacional 
contemporâneo, mais precisamente algumas das maneiras de produzir, perceber e perceber-se 
no tempo oferecidas por produtos de entretenimento audiovisual. Inspirado pelos trabalhos de 
autores como Hans Ulrich Gumbrecht acerca da constituição de uma nova estrutura temporal a 
partir, ao menos, da segunda metade do século XX, pretendo buscar indícios da desmontagem 
do “tempo histórico”. Seguindo a estela de Reinhart Koselleck, a tese operacionalizará aportes 
teórico-metodológicos acerca da linguagem cinematográfica – com especial destaque para os 
estudos de David Bordwell sobre a narrativa no cinema e de Gilles Lipovetsky sobre o cinema 
hipermoderno -, de forma a pensar as relações entre “espaço de experiência e horizonte de 
expectativas” inscritas e produzidas por filmes atuais. 
A análise fílmica de seis longas distribuídos em dois dos mais importantes diretores do 
cinema transnacional, Alejandro Gonzalez Iñárritu e Christopher Nolan, buscará nessas obras 
indícios da desmontagem do cronótopo moderno - Amores Perros, Babel e The Revenant, de 
um lado, e Memento, Inception e Interstellar, do outro. 
 
Palavras-chave: Cinema, Narrativa, Temporalidade, Cronótopo e História Comparada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
This work investigates time construction in contemporary transnational cinema, more 
precisely some of the ways of producing, perceiving and perceive itself in time on offered 
audiovisual entertainment products. Inspired by the works of authors such as Hans Ulrich 
Gumbrecht on the constitution of a new temporal structure starting at least in the second half of 
the twentieth century, I intend to research indications of the deconstruction of "historical time." 
Following Reinhart Koselleck’s path, the thesis will operationalize theoretical-methodological 
contributions about the cinematographic language - with special emphasis on the studies of 
David Bordwell on the narrative in the cinema and of Gilles Lipovetsky on the hypermodern 
cinema - in order to think the relations between "Experience space and horizon of expectations" 
inscribed and produced by current films. 
The film analysis of six feature films distributed in two of the most important directors 
of the transnational cinema, Alejandro Gonzalez Iñárritu and Christopher Nolan, will seek in 
their works for indications of deconstruction of the modern chronotope - Amores Perros, Babel 
and The Revenant, on one hand, and Memento, Inception and Interstellar, on the other. 
 
Keywords: Cinema, Narrative, Temporality, Chronotope and Comparative History. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9 
A busca do presente ................................................................................................................ 12 
A centralidade do cinema ....................................................................................................... 18 
Direção, autoria e recorte ....................................................................................................... 22 
CAPÍTULO I - IÑÁRRITU E A INEVITABILIDADE DO REAL .............................. 27 
1.1 AmoresPerros ................................................................................................................... 27 
1.1.1 Entrecruzamentos urbanos ............................................................................................ 34 
1.1.2 Da trama à história ......................................................................................................... 36 
1.1.3 Refúgios familiares ......................................................................................................... 40 
1.2 Babel .................................................................................................................................. 45 
1.2.1 (frágeis) Conexões em rede ........................................................................................... 51 
1.2.2 Uma narrativa multicultural ........................................................................................... 57 
1.3 O deslocamento do sujeito na narrativa fílmica ............................................................... 62 
CAPITULO II - NOLAN E OS LABIRINTOS DA PÓS-MODERNIDADE ............... 66 
2.1 Memento ........................................................................................................................... 67 
2.1.1 Duas tramas em rota de colisão ..................................................................................... 73 
2.1.2 A fragilidade do relato .................................................................................................... 79 
2.2 Inception ........................................................................................................................... 82 
2.2.1 Sonhos dentro de sonhos ............................................................................................... 85 
2.2.2 Multiplicidade em camadas de profundidade ............................................................... 93 
2.3 O passado como a dimensão do presente ...................................................................... 100 
CAPÍTULO III - IÑÁRRITU, NOLAN E O CINEMA SEM FUTURO ..................... 103 
3.1 The Revenant .................................................................................................................. 108 
3.2 Interstellar ....................................................................................................................... 116 
3.3 Sem saída, sem entrada .................................................................................................. 126 
Considerações finais ..................................................................................................... 139 
REFERENCIAS ........................................................................................................... 145 
 
 
 
 
9 
 
INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho investiga a construção do tempo no cinema transnacional 
contemporâneo, mais precisamente algumas das maneiras de produzir, perceber e perceber-se 
no tempo oferecidas por produtos de entretenimento audiovisual. As articulações entre as 
diversas camadas do passado, presente e futuro; os lugares (papéis) dos sujeitos na construção 
da trama, do entorno, das trajetórias; os processos de afastamento ou imersão, sentido ou 
presença1, entendidos em função das estratégias narrativas, de uma pluralidade de canais - como 
“o olhar da câmera, a organização do décor e da mise-en-scène, emoldurados pelos 
agenciamentos de imagem e som feitos na montagem2” -, serão investigados por meio da análise 
fílmica de longas-metragens. 
Inspirado pelos trabalhos de autores como Hans Ulrich Gumbrecht acerca da 
constituição de uma nova estrutura temporal a partir, ao menos, da segunda metade do século 
XX, pretendo buscar indícios da desmontagem do “tempo histórico” por eles sinalizada3. 
Seguindo a estela de Reinhart Koselleck, a tese operacionalizará aportes teórico-metodológicos 
acerca da linguagem cinematográfica – com especial destaque para os estudos de David 
Bordwell sobre a narrativa no cinema e de Gilles Lipovetsky sobre o “cinema hipermoderno” 
– ao lado de leituras interdisciplinares sobre a experiência pós-moderna – os ritmos, a(s) 
espacialidade(s), a multiplicação de pontos de referência e as crises de identidade, representação 
e reconhecimento típicos desta paisagem transcultural -, de forma a pensar as relações entre 
“espaço de experiência e horizonte de expectativas” inscritas e produzidas por filmes atuais4. 
As profundas relações entre temporalidade e política5 permitirão pensar o lugar da 
utopia6, da crença assim como da descrença no homem enquanto legítimo fabricador de 
 
1 Em alusão ao par conceitual em: GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido 
não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010. 
2 XAVIER, Ismail. O olhar e a voz: A narração multifocal do cinema e a cifra da História em “São 
Bernardo”. Literatura e Sociedade. Revista de Teoria Literária e Literatura Comparada, n. 2, p. 130, 1997. 
3 Respeitadas as distâncias entre eles. É evidente que conceitos como “cronótopo”, de Gumbrecht, 
“compressão do espaço-tempo”, de David Harvey, ou “regimes de historicidade”, de François Hartog não 
são intercambiáveis, assim como existem diferenças importantes entre as concepções de história e tempo 
nas obras desses autores. 
4 Entre os últimos anos da década de noventa e os primeiros anos do século XXI parece se montar um 
cenário distinto para a produção cinematográfica, tanto pela proliferação de telas e de produtos 
audiovisuais conexos (games, longas, curtas, animações, seriados), como tão bem discutem Lipovetsky e 
Serroy em “A Tela Global”, quanto pela intensificação de produções que não estão voltadas para 
mercados nacionais e resultam da colaboração de agentes de distintas partes do globo. A este período 
chamo de “atual”. 
5 Tão bem estudadas por autores como Hannah Arendt e Reinhart Koselleck. 
6 No sentido atribuído por Raymond Willians em “Utopia e Ficção Científica”: WILLIANS, Raymond. 
Cultura e materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 267-290. 
10 
 
cenários futuros. Se a modernidade enquanto auto-referência histórica não pode ser 
compreendida sem o recurso ao papel e a natureza do sujeito histórico, o tempo, portanto, 
deverá ser tratado como objeto privilegiado de análise para a investigação sobre seu possível 
desmantelamento – enquanto auto-referência válida para o presente. 
O trabalho confronta modelos teóricos interdisciplinares caros à teoria da história com 
um restrito grupo de artefatos culturais. Se a escolha pelo cinema como fonte responde tanto à 
centralidade da imagem no mundo contemporâneo quanto à sua recente expressão 
transnacional, a obra do mexicano Alejandro Gonzalez Iñárritu e do britânico Christopher 
Nolan, em particular, estão relacionadas com a representatividade nessa indústria de 
entretenimento. O sucesso nas bilheterias e entre a crítica especializada; sua importância na 
renovação da linguagem cinematográfica; e as pretensões de ultrapassar a esfera dos estados 
nacionais – na produção, na circulação e nas tramas que oferecem – fazem de filmes como 
Amores Perros, Babel, e The Revenant, no primeiro, ou Memento, Inception e Interstellar, no 
outro, peças importantes desse complexo mosaico multicultural. 
Este trabalho não pretende - nem poderia - esgotar as possibilidades de análise dessas 
obras. O tratamento das suas formas narrativas será privilegiado por oferecer um fértil caminho 
para a compreensão das relações entre experiência e expectativa. Trata-se, portanto, de uma 
pesquisa que parte de questões pertinentes à teoria da história e a estas se dirige, sem 
negligenciar os principais temas oferecidos por suas tramas, os diálogos com os dilemas do seu 
tempo; seu lugar enquanto produto de entretenimento; e, claro, como se colocam dentro da 
própria história do cinema. 
A viagem pelos universos e narrativasdessas obras ficcionais7 estará atenta a outra, dos 
entrecruzamentos dos seus autores: estrangeiros que, por diferentes trajetórias, convergiram 
para os grandes estúdios e produtoras, do rico e onipresente cinema estadunidense. As histórias 
e contra-histórias8 destes filmes ajudarão a compreender a importância do cinema no mundo 
contemporâneo. Contribuições para a história do cinema, para o fazer da história pelo cinema, 
mas principalmente, para melhor entender o lugar e o papel do próprio saber historiográfico. 
 
7 São bem conhecidas as fragilidades das tentativas de distinguir a ficção da realidade no cinema – assim 
como na literatura e, para alguns, nas própria narrativa construídas pela história. A distinção entre gêneros 
como filme documentário e de ficção. Por outro lado, penso ser possível lançar mão deste termo para 
diferenciar àqueles filmes com pretensão de reconstruir acontecimentos “reais” – por meio da 
mobilização de versões produzidas por historiadores, recurso a documentos históricos – e aqueles que 
não, mesmo quando comprometidos com a reconstrução de um cenário verossímil. 
8 FERRO, M. Filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, J.; NORA, P. (Orgs.). História: 
novos objetos. Trad.: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. 
11 
 
Estou preocupado aqui com o fim da modernidade e início de uma experiência que não 
seria mais propriamente moderna. Mas o que queremos dizer com isso? Antiquitas e 
modernitas; modernidade e pós ou hiper-modernidade; período histórico e pós-histórico; são 
palavras que expressam “autoconsciência de nosso tempo como época em oposição ao 
passado9”, como se através delas fosse possível nomear “a despedida de um passado pela 
autoconsciência histórica de um novo presente10”. A onipresente expressão “mundo moderno”, 
então, abarca, ao mesmo tempo, ruptura e unidade, na pretensão de caracterizar nostra aetas 
por meio da oposição a um tempo outro, acabado e superado. 
Mas apenas por meio dessa oposição nos depararíamos com tantas modernidades quanto 
sociedades. “Seríamos então a idade média de uma futura modernidade11”? E a “pós-
modernidade, seria algo como uma modernidade ainda mais moderna”12? 
Ainda que a reflexão que monta o problema de pesquisa seja devedora de contribuições 
de autores diversos, como François Hartog, Octavio Paz, David Harvey, Jean-François Lyotard, 
Niklas Luhmann, Zygmunt Bauman, Hans Robert Jauss, ou Hannah Arendt, o quadro de 
referências básico para pensar o tema da temporalidade é oferecido por Reinhart Koselleck, 
principalmente com operacionalização da relação entre “espaço de experiência e horizonte de 
expectativas”13, da qual surge articulação entre tempo, história (seu sentido, papel e estrutura 
narrativa) e política. As intuições de Gumbrecht – jamais convertidas em sistema, como bem 
reclama o autor – e os conceitos presentes em sua obra, tais como as noções de “cronótopo14”; 
“presente dilatado”, convertido em um “espaço de simultaneidades”; além de outras como 
“latência”, “presença”, guiarão toda a investigação. 
 
9 JAUSS, Hans Robert. Tradição literária e consciência atual da modernidade. In: Historias de literatura. 
Rio de Janeiro: Editora Ática. p. 47 
10 Ibid., p. 50 
11 PAZ, Octavio. La busqueda del presente. Ciudad de Mexico: Vuelta, vol. 170, Janeiro de 1992, p. 12 
12 Ibid., p. 12 
13 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006. 
14 “Gumbrecht toma de empréstimo o conceito de ‘cronótopo’ cunhado por Mikhail Bakhtin no texto 
"Formas do tempo e do cronótopo no romance: notas para uma poética histórica". Na teoria literária 
bakthiniana, "cronótopo" é o termo que indica como uma determinada articulação entre tempo e espaço se 
configura em certos gêneros, autores ou obras literárias específicos. Embora Gumbrecht, como Bakhtin, 
esteja interessado na historicidade de formas de temporalidade literárias, seu uso do termo "cronótopo" 
indica, antes de tudo, diferentes tipos de consciência histórica ou experiências da temporalidade e da 
historicidade da existência humana que variam, eles próprios, historicamente. Parece-me que o conceito 
de "cronótopo" em Gumbrecht é bastante próximo da categoria de "regimes de historicidade" de François 
Hartog, já que ambos, em seus diálogos com a teoria da história koselleckiana, estão atentos aos 
momentos de crise e transformação da experiência histórica do tempo. (MELLO, Luiza Laranjeira da 
Silva. Resenha. Hans Ulrich Gumbrecht. Depois de 1945: latência como origem do presente. Trad. Ana 
Isabel Soares. São Paulo, Editora da Unesp, 2014. Tempo soc. vol.27 no.2 São Paulo July/Dec. 2015, p. 
339). 
12 
 
O amadurecimento desta pesquisa é devedor das leituras da sociologia do cinema de 
Pierre Sorlin e das contribuições dos trabalhos de Ismail Xavier e Jacques Aumont para a teoria 
do cinema e a análise fílmica. Mas foi nas reflexões Gilles Lippovetsky sobre a cultura 
audiovisual nos tempos hipermodernos e nos estudos sobre a narrativa cinematográfica de 
David Bordwell que encontrei importantes interseções entre o cinema transnacional e a crise da 
auto-referência moderna. 
 
A busca do presente 
 
 
La modernidad es una palabra en busca de su significado: ¿es una idea, un 
espejismo o un momento de la historia? ¿Somos hijos de la modernidad o ella es 
nuestra creación? Nadie lo sabe a ciencia cierta. Poco importa: la seguimos, la 
perseguimos. Para mí, en aquellos años, la modernidad se confundía con el presente 
o, más bien, lo producía: el presente era su flor extrema y última. Mi caso no es único 
ni excepcional: todos los poetas de nuestra época, desde el período simbolista, 
fascinados por esa figura a un tiempo magnética y elusiva, han corrido tras ella. El 
primero fue Baudelaire. El primero también que logró tocarla y así descubrir que no 
es sino tiempo que se deshace entre las manos. No referiré mis aventuras en la 
persecusión de la modernidad: son las de casi todos los poetas de nuestro siglo. La 
modernidad ha sido una pasión universal. Desde 1850 ha sido nuestra diosa y nuestro 
demonio. En los últimos años se ha pretendido exorcizarla y se habla mucho de la 
"postmodernidad". ¿Pero qué es la postmodernidad sino una modernidad aún más 
moderna? 
 
(Octavio Paz, 1990, em seu discurso na Fundação Nobel) 
 
 
A história do conceito de modernidade realizada por Hans Robert Jauss acena para ao 
menos duas contribuições para uma melhor compreensão da relação do uso do termo moderno 
com a autoconsciência de uma época e a forma de ordenação do tempo: a modernidade cada 
vez deixaria de ganhar sentido na oposição e na referência à um antigo qualquer, mas única e 
somente na oposição à si mesma – as aceleradas transformações da moda, por exemplo, ou 
demarcações artísticas e literárias que não durariam mais que uma geração -; a atualidade e 
fluidez da experiência moderna – a qual o termo moderno em parte faz referência – conviveria, 
por outro lado, com a percepção da existência de um passado familiar, integrado em nossa 
experiência e outro “ultrapassado”. 
13 
 
Se dessa “dupla natureza” do termo modernidade pretendêssemos extrair um conceito, 
teríamos que falar de uma época que rompeu com o passado, estando abandonada, desde então, 
ao movimento acelerado e descontrolado de mudanças, onde nada é estável e tudo lhe escapa – 
tudo que é sólido desmancha no ar15. Esse conceito fala agora de um tempo que é 
ontologicamente moderno, seja pelo culto ao novo, à atualidade dos objetos da experiência; seja 
porque perdeu qualquer outra referencia que não sua própria atualidade – ou seja, a ruptura 
como princípio confere a unidade e a singularidade da qual uma ideia de época não pode 
prescindir. 
Desde sua história dos conceitos [Begriffsgeschichte], Reinhart Koselleck apontaria 
para mudanças semânticas que expressariam uma assimetriacrescente entre espaço de 
experiência e horizonte de expectativas16. Usos lingüísticos em torno de conceitos como 
moderno, modernidade e história, identificariam um desencapsulamento do futuro; a crescente 
percepção da aceleração do tempo; e o abandono da exemplaridade do passado - o fim do velho 
topos da historia magistra vitae. A história, por tanto, ganharia os contornos de “um processo 
sucessivo, linear, e que jamais se repete17”. 
Segundo Gumbrecht, a concepção do tempo como “agente natural e inevitável de 
mudança” solaparia pouco a pouco a validade dos exemplos históricos18. O caráter pedagógico 
das narrativas passadas acabaria deslocando os esforços para uma nova forma de “aprender com 
a história”: a “filosofia da História [...] transformou as estruturas do conhecimento sobre o 
passado, de uma coleção de historias isoladas (ou ‘exemplos’) para uma imagem totalizante da 
Historia como um movimento que transformaria continuamente as condições estruturais da 
ação humana19”. 
Em meio a uma profunda antropologização do tempo, a sequência determinada pela 
natureza – o movimento das estrelas e a transposição hereditária de governantes -, cederia 
espaço para uma marcação propriamente histórica20. A Revolução Francesa pode ser um dos 
eventos emblemáticos desta passagem: instaurou o inesperado e completamente novo; fez ecoar 
as promessas de progresso, de um futuro luminoso; universalizou seu conteúdo em “coletivos 
 
15 Como afirmara certa vez Karl Marx. Uma expressão que ganharia um sentido ainda mais sofisticado 
com Bergson. Ver em HALL, Stuart . A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 
2003. 
16 KOSELLECK, Reinhart. Op.cit., 2006. 
17 PAZ, Octavio. La busqueda del presente. Ciudad de Mexico: Vuelta, vol. 170, Janeiro de 1992, p. 12 
18GUMBRECHT, Hans Ulrich. Em 1926: vivendo no limite do tempo. Rio de Janeiro: Record, 1999, 
p. 460. 
19 Ibid., p. 460-461. 
20 KOSELLECK, Reinhart. Op.cit.,p. 55. 
14 
 
singulares” que se estenderiam para a humanidade inteira – liberdade em face de “liberdades”, 
por exemplo -; e propôs a reforma de toda a historia e do próprio calendário à luz daquilo que 
ela inaugurara. Mas, talvez a principal ideia que ela tenha proclamado – e certamente imposto 
-, é a de que o homem é o senhor do seu destino, ator de uma história que é seu produto e que 
também o produz21. 
Koselleck reconhece a importância do cristianismo na montagem do cronótopo histórico 
– pela linearidade, irreversibilidade da historia profana; o caminhar em direção à um fim, e a 
secularização. A percepção de uma aceleração do tempo teria se alimentado tanto da expectativa 
salvífica quanto da experiência produzida por épocas de crise e da maior dinâmica civilizacional 
das sociedades industriais22. Mas, o “sol da história [no mundo moderno] se chama ‘futuro’ e o 
nome do movimento em direção ao futuro é Progresso23”. O sujeito da mudança é, portanto, o 
homem, ainda que frequentemente tomado em abstrato: enquanto gênero humano, ou enquanto 
entes coletivos na forma de ocidente, nação, raça, ou até mesmo de “História”. 
A aceleração do tempo correspondente as mudanças que tanto desconforto provocaram 
- dada a perda da continuidade das formas e da validade da experiência -, se desdobraria, na 
modernidade, na engenhosa combinação do prognóstico racional com a ideia de progresso, o 
que não só implicou no reconhecimento do “novo”, mas também na esperança de superação 
dos infortúnios presentes. Uma vez que o futuro passou a ser reconhecido como produto da 
ação humana, permite-se ao agente a concepção de projetos, a construção do amanhã desejado 
através da agencia orientada racionalmente. E mesmo quando o futuro imaginado apareceu 
como destino inexorável, como produto antecipado pelas das “leis da história”, sempre esteve 
à disposição do homem a possibilidade de acelerá-lo, de interferir em seu ritmo a fim de reduzir 
sua distância para com o tempo presente. 
Como encontramos nas palavras de Arendt em “Entre o passado e futuro”, a teoria 
científica moderna tinha se tornado “uma hipótese de trabalho que muda conforme os resultados 
que produz e que depende, para sua validade, não do que ‘revela’, mas do fato de fazer 
funcionar24”. A história, que desde Vico encontrara sua possibilidade de cognição humana no 
fato de ser produto dos próprios homens25, “não mais compôs-se de feitos e sofrimentos dos 
 
21 Algo que um século depois ganharia sua máxima expressão pelas mãos de Karl Marx, no conceito de 
auto-criação humana – um homem que ao criar o mundo recria sua própria humanidade. 
22 PEREIRA, Matheus H. F.; Mata, Sergio da. Transformações da experiência do tempo e pluralização 
do presente. In: Varella, Flavia Florentino. et al. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012, p 13 
23 PAZ, Octavio. Op.cit. p. 12 
24 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 68 
25 Ibid., p. 88 
15 
 
homens [imortalizados pela memória, como na historiografia grega,] e não contou mais a estória 
de eventos que afetaram a vida dos homens; tornou-se um processo feito pelo homem26”. E em 
meio a esse deslocamento das “coisas” para os “processos”, que fez das primeiras “subprodutos 
quase que acidentais” – incluído aqui o próprio homem -, o pensamento teria tentado apropriar-
se de passado, presente e futuro como fez com os produtos do fabrico. 
A historia e a política ver-se-iam conquistadas no espírito por uma forma de pensar que 
em muito se assemelha ao que já as tinha dominado em todo o resto: a racionalidade técnica, 
arte de realização de fins através dos meios mais eficientes, regia, desde então, o trabalho na 
fabrica; a administração dos negócios; o ritmo e o tipo das descobertas; mas também a guerra 
e as coisas de estado. Precisão; previsão; controle; projeto; método; eficácia; razão, termos 
comuns ao burguês, ao cientista, ao político e ao historiador. “Ser ‘científico’ implicava que 
alguém poderia ser capaz de controlar o futuro27”. Este “futuro-projeto” faria do presente mero 
meio para a realização de fins outros28. 
As categorias de “espaço de experiência” e “horizonte de expectativas” aparecem aqui 
como duas categorias criadas por Koselleck para compreender de que maneira passado e futuro 
se articulam, sempre no presente. Permitem pensar como “cada uma das temporalidades (...) 
pode imaginariamente se alterar, contrair ou se expandir conforme cada época ou sociedade, 
modificando-se também a maneira como são pensadas e sentidas as relações entre eles29”. 
Como bem sinaliza José D’Assunção Barros: 
É importante ressaltar ainda que o “Passado presente” e o “Futuro 
presente”, ou o “campo de experiências” e o “horizonte de 
expectativas”, não constituem conceitos simétricos – ou “imagens 
especulares recíprocas” como alerta Koselleck. Imaginariamente, o 
campo de experiência, o presente, e o horizonte de expectativas podem 
produzir as relações mais diversas, e assim ocorre no decorrer da 
própria história. Há épocas em que o tempo parece aos seus 
contemporâneos desenrolar-se lentamente, outras, que parece 
acelerado, em função da rapidez das transformações políticas ou 
tecnológicas. Existem períodos da história crivados de movimentos 
revolucionários, nos quais os agentes que deles participam 
desenvolvem a sensação de que o futuro é aqui, agora, tendo se fundido 
ao presente. Em outros, inclusive, o futuro parece permanecer “atrelado 
 
26 Ibid., p. 89 
27 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Depois de 1945: latência como origem do presente. São Paulo: Editora 
Unesp, 2014. 
28 Ver ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. 
29 BARROS, José D’Assunção. Rupturas entre o presente e o passado: Leituras sobre as concepções de 
tempo de Koselleck e Hannah Arendt. Revista Páginas de Filosofia, v. 2, n.2, p. 65-88, jul/dez. 2010, p. 
67. 
16 
 
ao passado”, como naqueles em que as expectativas do futuro não se 
referem a este mundo, mas sim a outro que será escatologicamente 
trazido pela redenção dos tempos. As fusões e clivagens que se 
estabelecem imaginariamente entre as três temporalidades – passado, 
presente e futuro – podem aparecer ao ambiente mental predominante 
em cada época, e às consciências daqueles que vivem nestas várias 
épocas, de maneiras bem diferenciadas. 
Para Koselleck, o tempo histórico é ditado, de forma sempre diferente, 
pela tensão entre expectativas e experiência. Há, por exemplo, ações e 
práticas humanas que são constituídas precisamente desta tensão, como 
ocorre com a elaboração de “prognósticos”, que sempre exprimem uma 
expectativa a partir de certo campo de experiências (portanto, a partir 
de um “diagnóstico”). Diz-nos também o historiador alemão que “o que 
estende o horizonte de expectativa é o espaço de experiência aberto para 
o futuro”, o que se pode dar de múltiplas maneiras, conforme a relação 
estabelecida entre as duas instâncias. Como se disse, em cada época 
pode haver uma tendência distinta a reavaliar a tensão entre o espaço de 
experiência e o horizonte de expectativas (ou entre o passado e o futuro, 
por intermédio da mediação do presente). Apenas para ilustrar com uma 
das hipóteses de Koselleck, na modernidade “as expectativas passam a 
distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então”; em 
contrapartida, em todo o ambiente mental predominante no ocidente até 
meados do século XVII, o futuro parecia permanecer fortemente 
atrelado ao próprio passado. Poderíamos mesmo pensar em duas 
representações para os dois momentos da história das sensibilidades 
europeias em relação ao tempo, já que, no período propriamente 
moderno, “o espaço de experiência deixa de estar limitado pelo 
horizonte de expectativa; os limites de um e de outro se separam”30. 
 
O percurso desenhado até aqui compõe o quadro de referência sobre o qual autores 
contemporâneos (com trabalhos dos anos 80 até os dias atuais) contrapõem seu próprio tempo, 
além de herdarem boa parte desse instrumental teórico. O presente foi entendido em contraste 
ou extensão com o passado – moderno. Porém, os caminhos são, agora, bem distintos daqueles 
de uma história conceitual, política ou das idéias. 
O hoje, para Octavio Paz, se distinguiria fundamentalmente pelo “ocaso do futuro31”, 
acompanhado de um perigoso mergulho no presente. Em discurso realizado na entrega do Nobel 
de literatura, sintetizaria sua época da seguinte maneira: 
 
Está em cheque a concepção de um processo aberto em direção ao 
infinito e sinônimo de progresso contínuo. (...) causamos danos talvez 
 
30 BARROS, José D’Assunção. Op.cit. 2010. p. 72-74 
31 Termo empregado por Octavio Paz em obras diversas obras. 
17 
 
irreparáveis ao meio natural e a própria espécie está ameaçada. Por 
outra parte, os instrumentos do progresso – a ciência e a técnica - 
demonstraram com terrível clareza que podem se converter facilmente 
em agentes de destruição. 
(...) A sorte do sujeito histórico, ou seja, a coletividade humana: poucas 
vezes povos e indivíduos sofreram tanto: duas guerras mundiais, 
despotismos nos cinco continentes, a bomba atômica e, enfim, a 
multiplicação de uma das instituições mais cruéis e mortíferas que 
conheceram os homens, o campo de concentração. Os benefícios da 
técnica moderna são intocáveis, mas é impossível fechar os olhos para 
(...) os danos sofridos milhares de inocentes no nosso século. 
[Para além disso], a ruína de todas as hipóteses filosóficas e históricas 
que pretendiam conhecer as leis do desenvolvimento histórico. Seus 
crentes, confiantes em serem donos das chaves da história, edificaram 
poderosos estados sobre pirâmides de cadáveres. Essas orgulhosas 
construções, destinadas em teoria a libertar os homens, se converteram 
rapidamente em gigantescas prisões32. 
 
Ao sintomático discurso de Paz, podemos adicionar um sem número de sintomas 
apontados por Gumbrecht,33 de maneira ensaística e muito pessoal – nem por isso menos 
sofisticada e elegante: o medo em relação ao futuro e o desejo de que o tempo não passe; o 
interesse pela história, mais precisamente pelo consumo do passado em museus, salas de 
cinema, antiquários, biografias, obras de fantasia-épica34; a dilatação do presente 
experimentada pela conservação de outras formas arquitetônicas e de reprodução artificial de 
cenários de décadas anteriores; a proliferação de seriados e filmes de futuro distópico, seja pela 
extensão do presente em um amanhã sombrio, seja pelo consumo de eventos cataclísmicos ou 
pós-cataclísmicos35; a procura por artefatos culturais que produzem presença, imersão, em face 
do afastamento de culturas de sentido36. 
A compreensão da constituição do sujeito na modernidade e sua transformação em 
“espaços de tempo pós-modernos” parece ser decisiva aqui37. Se o homem moderno viu a si 
mesmo como algo separado do corpo e ao mesmo tempo em uma posição excêntrica ao mundo, 
teríamos hoje, não apenas uma importante retomada do tema do corpo, do espaço e do tempo, 
como a confluência de espaços e tempo simultâneos, experimentados em transito: como em 
aeroportos ou na experiência cinematográfica e televisiva. 
 
32 PAZ, Octavio. p. 13 
33 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Lento presente: sintomatología del nuevo tiempo histórico. Madrid: 
Escolar y Mayo Editores, 2010. 
34 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Op cit., 1999. 
35 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Op cit., 2010. 
36 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Op cit, 2010b. 
37 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Op cit., 2010. 
18 
 
O cinema, então, consistiria ao mesmo tempo em expressão do desejo pela 
desaceleração, pela presentificação do passado, quanto em agente da constituição dessa nova 
maneira de estar no(s) espaço(s)-tempo. O aprimoramento dos recursos técnicos – como o 3D, 
o cinema interativo, a reprodução impecável de efeitos audiovisuais -; o cuidado na 
reconstrução de cenários passados; o aparecimento de linguagens que privilegiam a imersão e 
rompem com a linearidade. Gumbrecht, mesmo enquanto professor e pesquisador de literatura 
espanhola, assume que essas formas talvez sejam mais significativas para entender o presente 
do que documentos escritos ou análises de historia conceitual38. 
François Hartog, construindo um novo instrumental conceitual mas ainda partindo dos 
trabalhos de Koselleck, em obras como “Regimes de historicidade: presentismo e experiências 
do tempo”, apresentará a crise da conjuntura temporal contemporânea, marcada, segundo ele, 
pela deterioração do futurismo, pela incapacidade de abandonar o passado – proliferação de 
mecanismos de memória e patrimônio – e pelo presentismo, lugar do imediato e efêmero. A 
sucessão de eventos, escândalos; a incapacidade de acompanhar a velocidade do mercado e seu 
desajuste com o tempo da economia, da política, dos políticos. O homem contemporâneo se vê 
mergulhado no acontecimento imediatamente transmitido, noticiado; a novidade técnica 
ultrapassada em seu lançamento. Em suas palavras, “o século XX aliou, finalmente, futurismo 
e presentismo. Se ele inicialmente foi mais futurista que presentista, terminou mais presentista 
do que futurista39”. A câmera, as mídias audiovisuais, são, mais uma vez, testemunha e agente. 
 
A centralidade do cinema 
 
Marc Ferro – um dos pioneiros na utilização da cinema como fonte para a história e na 
reflexão metodológica - atribui centralidade ao cinema ficcional por integrar e exprimir o 
imaginário social. Assim, se o imaginário constitui “um dos motores da atividade humana”, 
força integrante da História, “o cinema, sobretudo a ficção, abre uma via real na direção de 
zonas psico-sócio-históricas jamais atingidas pela análise dos ‘documentos’40”. O filme de 
ficção, portanto, mesmo quando não nos fala sobre verdadeshistóricas, é um documento 
 
38 O que se expressa no pensamento de Gumbrecht no projeto de realização do livro Em 1926. 
39 PEREIRA, Matheus H. F.; Mata, Sergio da. Transformações da experiência do tempo e pluralização 
do presente. In: Varella, Flavia Florentino. et al. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012, p. 20. 
40 Ibid p. 23 
19 
 
histórico que pode informar acerca da maneira que imaginamos no presente – do qual presta 
testemunho. 
Não há dúvida de que o cinema coexiste – nas duas últimas décadas - com outras formas 
audiovisuais que talvez possam vir a desempenhar um papel mais importante – e talvez já o 
tenham – nas sociedades ocidentais contemporâneas41. A televisão o computador e os 
videogames ocupam um lugar central – a primeira é a principal “fonte de massa” na história 
imediata42 -, além de criarem maiores condições de interatividade. Isso, porém, não reduz sua 
importância nas décadas anteriores, nem o coloca em lugar menos privilegiado em uma 
hierarquia das práticas e artefatos culturais – se é que isso faz algum sentido. 
Por outro lado, “as publicações, os colóquios e as associações como a IAHIST 
(International Association for Audiovisual Media in History), se multiplicam para afirmar a 
afinidade entre cinema e história”43. Outros, mais prudentes, como Pierre Sorlin, nos recordam 
que “se o século XX viu se modificar nossa relação com o mundo das imagens (...) e somos 
mais condicionados pela mediação audiovisual, conhecemos ainda bem mal as modalidades e, 
sobretudo, os efeitos destas44. 
Lipovetsky e Serroy apresentam interessantes interseções entre o cinema e as telas que 
compõe essa espécie de tudo-tela global45. Nos painéis – por vezes incógnitos - de 
segurança/controle que monitoram a vida cotidiana nos mais diversos espaços; nas telas que 
decoram ambientes corporativos; nos pequenos smart-fones; em computadores pessoais; ou nas 
grandes TVs que se destacam nos mais nobres cômodos de cada residência. Não importa se são 
destinadas para fins estéticos; publicitários; informacionais; de entretenimento; de 
sociabilidade; ou de trabalho – quase sempre todas essas dimensões se encontram em uma 
mesma superfície -, em todas poderíamos encontrar profundas influências da cultura e da 
linguagem cinematográfica, assim como o sentido inverso também parece verdadeiro. 
Os autores oferecem uma série de exemplos, como das relações entre o star system e a 
cultura do selfie, da exibição - e invenção - da vida privada em espaços públicos; da utilização 
das técnicas de filmagem, edição e montagem na construção de games, anúncios ou ambientes 
 
41 Ver MACHADO, Arlindo. Cinema e virtualidade. In: XAVIER, Ismail,(org.). O cinema no século. Rio 
de Janeiro: Imago, 1996. 
42 LAGNY, Michele. O cinema como fonte de História. In: Cinematógrafo. São Paulo: Ed. UNESP, 2009. 
p. 101 
43 Ibid., p. 100 
44 Ibid., p. 100 
45 LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A tela global: mídias culturais e cinema na era hipermoderna. 
Porto Alegre: Sulina, 2009. 
20 
 
virtuais; ou na própria construção de narrativas em múltiplas mídias. Em meio à 
desnarrativização e à crise de representação experimentadas por outras artes, como a literatura, 
nas primeiras décadas do século XX, o cinema teria se assentado como principal mola 
propulsora da “função expressiva-narrativa-onírica”, invadindo inclusive nossos esquemas de 
percepção: 
 
O cinema é o que constrói uma percepção do mundo. Não apenas 
segundo o papel clássico que se atribui à arte, cuja função estética é 
fazer ver, através da obra, o que a princípio não se vê da realidade. Mas, 
de maneira mais radical, produzindo realidade. O que o cinema mostra 
não é somente um outro mundo, o do sonho e do irreal, mas nosso 
mundo mesmo transformado num misto de real e imagem-cinema. Ele 
produz sonho e realidade, uma realidade remodelada pelo espírito 
cinema, mas de maneira nenhuma irreal. Se permite a evasão, ele 
também convida a refazer os contornos do mundo. Oferece uma visão 
do mundo: o que chamamos a cinevisão.46 
 
Os últimos anos da década de 90 e, principalmente, as duas primeiras décadas do século 
XXI consolidaram o assalto internacional de uma geração de cineastas “estrangeiros” nos 
grandes estúdios estadunidenses: o sucesso dos “três amigos” - Alfonso Cuarón – vencedor do 
Oscar de melhor diretor e melhor filme com Gravity - Alejandro Gonzalez Iñárritu, e Gillermo 
Del Toro – com duas verdadeiras peças de realismo-fantástico, como El espinazo del diablo e 
El Laberinto del Fauno, ou seus sucessos dirigindo franquias como Hellboy -; ao lado de outros 
latino-americanos como Walter Salles, Fernando Meireles ou Alejandro Agresti; do indiano 
Night Shyamalan – autor de obras carregadas de simbolismo como The Sixth Sense; do 
neozelandês Peter Jackson – com seus famosos épicos de fantasia, como a trilogia de O senhor 
dos Anéis -; do australiano Baz Luhrmann – marcado pelo transito entre a linguagem 
cinematográfica hollywoodiana e aquela que se consagrou nos clipes musicais, como Moulin 
Rouge ou O grande Gatsby. 
As conquistas de mercado e crítica, com direito a nominações e estatuetas em eventos 
como o Academy Awards, Golden Globe Awards ou o Festival international du film, em 
Cannes, por outro lado, dificilmente poderão ser tomadas como um renascimento do “cine 
mexicano” propriamente dito, tampouco como simples cooptação de talentos pela a indústria 
 
46 Ibid., p. 304. 
21 
 
de cinema hollywoodiana. A internacionalização de realizadores do cinema47 – em suas 
diversas funções na produção e distribuição –, somada ao gradativo desaparecimento das 
“marcas de origem”; à multiplicação de fontes de investimento; às parcerias entre estúdios, 
agências de fomento estatais e poderosos grupos de entretenimento audiovisual; ao consumo e 
circulação de bens de cultura por “comunidades de sentimento”; e à dificuldade existente em 
operar nos velhos marcos nacionais48 em um mundo marcado por hibridismos, pelo trânsito 
entre o local e o global, pela configuração de “entre-lugares” que seriam melhor definidos como 
paisagens do que como fronteiras49, permitiriam fazer referência à uma cultura cinematográfica 
outra: o cinema transnacional. 
Superadas as posturas ingênuas que olvidam a posição desigual dos atores na com-
posição deste novo cenário e a interferência por parte dos estados nas “políticas culturais” que 
tanto podem determinar a sorte e a natureza de segmentos do cinema, multiplicam-se férteis 
abordagens que acenam para um duplo movimento: padronização das formas e temas em torno 
da narrativa e dos gêneros da indústria de Hollywood; e reconfiguração da estética, da narrativa 
e dos enredos do cinema estadunidense em função da influência estrangeira e da recepção de 
outros mercados. Esta transnacionalidade, responsável por tantos problemas para historiadores 
e cientistas sociais acostumados aos velhos e confortáveis recortes, abriria, então, novas chaves 
de análise para os estudos culturais. 
 Tendo em vista que a crise do “tempo histórico” e a emergência de um novo cronótopo 
é entendida, aqui, como parte de uma “teia cultural global de contornos históricos 
específicos50”, a utilização de fontes dessa natureza resultou estratégica para esta investigação. 
Ao mesmo tempo, atento à multiplicidade de lugares de fala e a assimetria entre as diversas 
culturas nessa realidade multicultural – “a constituição de um mercado transnacional e os 
debates sobre o multiculturalismo parecem andar juntos51” –, mas também à possibilidade da 
coexistência entre cronótopos distintos produzidos no centro e na periferia do mundo 
capitalista, essa escolha não deve silenciar as diferenças. 
 
47 Sobre o tema, recomendo o texto de EDUARDO, Cléber. Diretores transnacionaislatino-americanos 
(1985-2007). In: BAPTISTA, Mauro e MASCARELLO, Fernando (orgs.). Cinema mundial 
contemporâneo. Campinas: Papirus, 2012. 
48 O texto “Reinventando o conceito de cinema nacional” apresenta uma rica discussão sobre a 
importância de repensar teoricamente a categoria “nacional” como recorte espacial em um mundo 
globalizado. 
49 LOPES, Denílson. Paisagens Transculturais. In: MACHADO, SOARES e ARAÚJO (orgs). Estudos 
de cinema Socine. São Paulo: Annablume/Sccine, 2007. 
50 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Op cit., 2014. p. 248 
51 BENTES, Ivana. Do Nacional ao Transnacional. In.: Cinemais: Revista de cinema e outras questões 
audiovisuais. Rio de Janeiro: Editorial Cinemais, junho de 1998. 
22 
 
Também resultou interessante a representatividade dessas obras no imaginário 
contemporâneo e no próprio mercado cinematográfico. A ampla circulação; a expressividade 
nas bilheterias; atenção da crítica especializada; a presença em festivais e diversas premiações 
ou indicações contribuíram para a escolha dessas fontes. A temática dos filmes, o momento da 
produção e a sua linguagem cinematográfica – como veremos nos próximos capítulos -, foram 
igualmente decisivas. 
 
Direção, autoria e recorte 
 
Ao lançar nosso olhar sobre o cinema, percebemos paralelamente ao poder de 
Hollywood, uma profunda internacionalização das produções. Para além disso, a identificação 
da autoria e da nacionalidade é muito mais complicada no cinema do que em fontes escritas, 
como a literária. A criação de um filme depende de um grande número de agentes que intervém 
no processo de criação, sendo extremamente difícil isolar as contribuições de cada um deles: 
estúdios, agências fomentadoras, produtores e, claro, roteiristas e diretores – para listar aqueles 
que detém um maior nível de controle formal, mas sabemos que inúmeros outros, como atores, 
técnicos de filmagem, direção artística, cenografia e maquiagem, intercedem no processo 
criativo. 
O filme é produto de um feixe de forças e atores que disputam o sentido, a forma e cada 
elemento entre a produção, pós-produção, circulação e consumo. É possível reconhecer a 
fotografia de um Emmanuel Lubezki em um filme dirigido por alguém com fortes marcas 
autorais – como em A árvore da vida, de Terrence Malick -, assim como seria absurdo supor 
que a franquia Star Wars seria a mesma sem a trilha sonora de John Williams. Guillermo 
Arriaga, roteirista dos três primeiros longas de Alejandro Gonzalez Iñárritu, recentemente 
provocou grande controvérsia na cerimônia de entrega do “oscar” ao reclamar a co-autoria de 
Babel. 
Muito se disse sobre o poder dos produtores e a pequena liberdade dos diretores no 
studio system, algo que ainda alimenta a valorização de segmentos alternativos e/ou 
independentes. Porém, um olhar atento para a produção cinematográfica nas últimas décadas 
nos permite perceber que tanto o cinema hollywoodiano parece cada vez mais preocupado com 
a renovação da sua linguagem e temática – em função do assédio de outras mídias de 
entretenimento, das mudanças do perfil de consumo e da busca por novos mercados 
23 
 
consumidores -, como a multiplicação de agências de fomento, de políticas públicas estatais e 
de parcerias entre estúdios e distribuidoras criaram novos caminhos para intervenções autorais, 
capazes de negociar ou até mesmo violar os princípios narrativos e temáticos do cinema de 
gênero. 
O tema da autoria é um problema teórico-metodológico – dentre outras coisas - em 
diversos universos artísticos. Porém podemos assumir como critérios para a autoria a evidência 
do envolvimento do diretor com todos os processos de produção e criação do filme e a 
existência de uma “assinatura”, seja pela estilística, seja pela temática52. Essas marcas, por outro 
lado, só poderiam ser avaliadas pela análise da obra do cineasta como um todo - mas é sem 
dúvida um traço característico da cultura cinematográfica estadunidense buscar por elas, algo 
que vale tanto para cineastas quanto para estúdios e consumidores53. 
Não será pretensão da pesquisa avaliar a qualidade ou relevância de artefatos fílmicos 
pela sua natureza “autoral”. A escolha desse critério possibilita, na verdade, a criação de 
unidades de análise maiores que as próprias obras. Sendo possível, com isso, perceber as 
mudanças e permanências na temática, na estilística e na linguagem dos filmes à luz dos 
processos de entrecruzamento dos autores com o ponto para o qual convergem – ou do qual se 
afastam -, da pré à pós-produção. Procuraremos não perder de vista que: 
 
O cinema se insere em uma complexa indústria cultural que se empenha 
em levar ao mercado aquela novidade que trará um atrativo especial ao 
produto fílmico, mas situando esta novidade em cuidadoso plano de 
equilíbrio em relação ao que o público pode assimilar naquele 
momento. Ao mesmo tempo, o novo alterna-se com a prática de citação 
de outros filmes, muito comum entre os cineastas, sem falar da 
possibilidade de assimilar idéias e soluções imagéticas singulares sem 
deixar claro que se trata de uma citação (...)”54. 
 
Estúdios de Hollywood, com capital e influência transnacional, detém controle sobre as 
grandes produções, ainda que por vezes apenas na distribuição e que não seja mais possível 
 
52 AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Análisis del film. Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 
1990, p.41. 
53 BERNARDET, Jean-Claude. O Autor no Cinema. São Paulo: Brasiliense, 1994. 
54 BARROS, D’assunção. A Cidade-Cinema Pós-Moderna, in NÓVOA, Jorge - org., Cinematógrafo: um 
olhar sobre a história. Salvador: EDUFBA, São Paulo: Ed. UNESP, 2009. p. 467 
24 
 
encontrar nelas um caráter marcantemente local ou nacional.55 Configura-se desta forma, como 
um privilegiado ponto de interseção. 
A escolha dos dois autores teve por finalidade privilegiar esses deslocamentos e ajudar 
na identificação de múltiplas influencias culturais. Estes diretores são reconhecidos por levarem 
elementos novos para uma prática que apresentava sinais de esgotamento. Da mesma forma, o 
bem conhecido funcionamento da indústria de entretenimento hollywoodiana nos leva a pensar 
que foram cooptados por se adequarem àquela percepção “estatística” dos gostos e interesses 
dos consumidores, da mesma forma, por serem capazes de inserir alguma novidade que possa 
ser assimilada pelo grande público56. 
Diretores Nolan e Iñárritu se posicionam no mercado e são mobilizados por agências de 
publicidade justamente enquanto representantes de determinados temas, estilos ou técnicas, 
quase sempre atrelados a algum sucesso de bilheteria e/ou número de estatuetas conquistadas 
em festivais. Podemos então tomá-los tanto como agentes como quanto referências para 
determinadas modalidades de intervenção. A comparação do cinema e das trajetórias de dois 
ou mais diretores podem ajudar a distinguir aquilo que é singular de cada obra das tendências 
mais gerais – do cinema assim como de algumas das maneiras de estar-no-mundo. 
Esses diretores são, indiscutivelmente, dois dos nomes mais emblemáticos desse cinema 
transnacional. Suas obras são representantes de dispositivos narrativos e mudanças estéticas – 
como a não-linearidade; a construção de uma network narrative; a utilização de “planos 
sequência”; ou na construção de narrativas labirínticas, os puzzle films – que produzem 
temporalidades distintas daquela correspondente ao velho cronótopo. 
 
Ao menos desde a década de 30 do século XX, historiadores parecem tornar-se mais 
conscientes dos problemas relacionados com uma historiografia comprometida com as velhas 
e artificiais molduras nacionais57. Em um primeiro momento, a comparação entre unidades mais 
rígidas como estados-nacionais parecia romper com o isolamento, abrir o diálogo, além de 
 
55 LAGNY, Michele. O cinema como fonte de História. In: Cinematógrafo. São Paulo: Ed.UNESP, 2009. 
p. 101 
56 Ver ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 
1985. 
57 Como podemos ver em BARROS, José D'Assunção. História Comparada - um novo modo de ver e 
fazer história. Revista de História Comparada. Junho 2007, v.1, n.1. p. 9; e em HEINZ, Flávio M.; 
KORNDÖRFER, Ana Paula. Comparações e comparatistas. In: HEINZ, Flávio M. (Org.). Experiências 
nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina. São Leopoldo: 
Oikos, 2009. 
25 
 
permitir um estudo mais atento para a complexidade, semelhanças e diferenças entre 
sociedades. Porém, a globalização e os fenômenos transnacionais colocaram em problemas esse 
tipo de recorte, além de dificultar a criação de matrizes comparativas – ao menos para um 
grande número de fenômenos. 
Algumas das saídas encontradas para tais dificuldades apareceram nos primeiros anos 
do século XX, através do que vem sendo chamado de história conectada, história cruzada e de 
circulações – para alguns, com diferenças tão sutis que permitiriam ser trabalhadas como uma 
coisa só ou em conjunto. Aqui, trata-se da compreensão de um fenômeno através das interações 
e interconexões. Para a realização desta pesquisa procuro procurei seguir algumas das 
indicações de Michael Werner, Bénédicte Zimmnermann e Yves Cohen. 
Os dois primeiros defendem a identificação de um ponto de interseção onde se 
produzem elementos que influenciam a todos. O cruzamento com esse ponto transformaria os 
fenômenos e os atores que o atravessam, logo, transcendendo espaços nacionais e sendo 
apreensíveis apenas tendo em vista esses entrecruzamentos. Podemos, então, entender 
fenômenos que se produzem em realidades nacionais através de feixes de forças originados fora 
desses espaços58. 
Com Cohen59, por outro lado, aprendemos caminhos para identificar processos de 
migração de pessoas, idéias e artefatos, em idas e vindas que produzem, sempre, 
reconfigurações. O espaço é desenhado, então, pela rede de interações, pelos movimentos 
desses objetos, em vez de entendido como algo fixo e previamente definido. Estes referenciais 
orientaram, em primeiro lugar, na construção do recorte, operacionalizando assim a pesquisa 
posterior. 
A comparação se dará entre obras e unidades (os próprios autores). A utilização de 
metodologias relacionais implicam também na comparação entre elementos em diferentes 
níveis, ainda que não sejam satisfeitos requisitos próprios de uma historiografia comparada 
tradicional. Aqui, como em Bloch60 ou Detienne61, buscar: 
 
(...) iluminação recíproca (...) se dispõe a confrontar dois objetos 
ou realidades ainda não conhecidos de modo a que os traços 
 
58 Ver em WERNER,Michael; ZIMMERMANN, Bénédicte. Beyond Comparison: Histoire Croisée and 
the challenge of reflexivity. History and Theory, 45, february 2006, 30-50. 
59 COHEN, Deborah. Comparative History: buyer beware. GHI Bulletin, n.29 (Fall 2001), p.23-33 
60 BLOCH, Marc. História e historiadores. Lisboa: Teorema, v. 31, 1998. 
61 DETIENNE, Marcel. Comparar o incomparável. São Paulo: Idéias e Letras, 2004. 
26 
 
fundamentais de um ponham em relevo aspectos do outro, as variações 
de intensidade relativas à mútua presença de algum elemento comum. 
Será por fim possível, se o que se observa são dois objetos ou realidades 
dinâmicas em transformação, verificar como os elementos identificados 
através da comparação vão variando em alguma direção mais específica 
– de modo que se possa identificar um certo padrão de transformações 
no decurso de um tempo – e, mais ainda se temos duas realidades 
contíguas, como uma influência a outra e como as duas a partir da 
relação recíproca terminam por se transformar mutuamente62. 
 
Afinal, o método comparativo permite pensar não apenas duas ou mais realidades 
histórico-sociais distintas, mas também repertórios de representações, práticas sociais, histórias 
de vida, mentalidades, desde que por mútua iluminação63. 
Cada capítulo será centrado na análise de dois longas-metragens. No primeiro nos 
debruçaremos sobre Amores Perros e Babel, de Alejandro Gonzalez Iñárritu. No segundo sobre 
Memento e Inception, de Christopher Nolan. No terceiro, a análise de The Revenant e 
Interstellar será acompanhada por um balanço acerca da obra dos autores em perspectiva 
comparada e pelas maneiras como articulam passado, presente e futuro. Esta tese de 
doutoramento se propõe a entender não apenas como os protagonistas constroem as relações 
entre espaço de experiência e horizonte de expectativas, mas também sobre os dispositivos 
narrativos utilizados, as negociações com a legibilidade e a experiência dos espectadores na 
fruição da trama, ou as possibilidades oferecidas para com ela comporem a história – sendo, 
para tal, profundamente devedora dos estudos sobre a narrativa no cinema realizados por David 
Bordwell. 
Nas considerações finais faremos breves apontamentos sobre as tendências dos produtos 
de entretenimento audiovisual nos últimos anos e as portas abertas para investigações futuras, 
assim sobre os alcances e limites destas. 
 
 
 
 
 
 
62 BARROS, José D'Assunção. História Comparada - um novo modo de ver e fazer história. Revista de 
História Comparada. Junho 2007, v.1, n.1. p 6 
63 Idem., p. 24 
27 
 
CAPÍTULO I - IÑÁRRITU E A INEVITABILIDADE DO REAL 
 
 
1.1 Amores Perros 
 
Lançado em 14 de maio do ano 2000 durante o festival de Cannes, na França - ganhando 
três prêmios, dentre eles, o prestigiado “Prêmio da Semana da Crítica” -, Amores Perros não 
tardou em ser identificado pela crítica internacional como a obra que representava “a renovação 
do cinema mexicano”. O realismo; a violência; a visceralidade; o ritmo vertiginoso; a 
multiplicação de “histórias” e de pontos de referência, foram alguns dos elementos evocados 
neste sentido. A sua estreia no circuito mexicano foi antecedida por uma dispendiosa campanha 
publicitária que atingiu diversas mídias e foi responsável pelo lançamento de músicas de bandas 
de crescente destaque, presentes na sua trilha sonora. 
O filme não passou pelas engrenagens burocráticas do estado, por meio dos incentivos 
e do controle do Instituto Mexicano de Cinematografía, nem o seu diretor pelos centros de 
formação convencionais. Alejandro González Iñárritu teve uma carreira anterior como locutor 
de rádio, diretor e produtor de comerciais televisivos, além de estar a frente de uma agência 
publicitária. A parceria entre produtoras como Altavista e Zeta films e o investimento do capital 
privado de diversas fontes demandaram uma estratégia de promoção que encontrou justamente 
na crítica estrangeira a legitimação necessária. 
 
Não é de forma alguma por acaso que o êxito internacional do filme 
precedeu o seu êxito nacional. Uma vez que a enorme campanha de 
publicidade do filme se assentou no reconhecimento em Cannes, as 
audiências mexicanas adquiriram um renovado sentido de orgulho 
nacional e foram assisti-lo. Para dizer isso de uma maneira ainda menos 
eufemística, uma vez que a intelectualidade metropolitana aprovou o 
filme como representante de um “cinema mexicano” aceitável, os 
mexicanos se convenceram que o filme os representava 
orgulhosamente64. 
 
 Para além de uma arrecadação ao redor dos 10 milhões de dólares no circuito nacional, 
os 54 prêmios em festivais e outras 23 indicações parecem ter uma direta relação com outros 5 
 
64 No original: No es en absoluto casual que el éxito internacional de la película precediera al éxito nacional. 
Una vez que la enorme campaña de publicidad de la película redituó en el reconocimiento en Cannes, las 
audiencias mexicanas adquirieron un sentido renovado de orgullo nacional y fueron a ver la película.50 
Para ponerlo de um modo aún menos eufemístico, una vez que la intelectualidadmetropolitana aprobó la 
película como representante de un «cine mexicano» aceptable, los mexicanos se convencieron de que el 
filme los representaba orgullosamente. (PRADO, Ignacio M. Sánchez. Amores Perros: Violencia exótica y 
miedo neoliberal. Revista de la Casa de las Américas, n 240, 2005, p.139-153). 
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milhões arrecadados nos EUA e cerca de 20 milhões no resto do mundo, números muito 
expressivos para uma produção concebida, fundamentalmente, para atender o mercado 
mexicano65. O sucesso junto ao público e a crítica especializada estrangeira colocaram o seu 
diretor e o roteirista com que trabalharia em outros dois longas (21 gramms e Babel), Guillermo 
Ariaga, no centro das atenções do mercado cinematográfico, além de alimentar um grande 
volume de publicações acadêmicas. 
A crítica latino-americana se viu bem mais dividida do que a europeia ou a 
estadunidense. Iñárritu foi muito questionado pelo valor artístico de Amores perros, tanto por 
ser difícil enquadra-lo no cinema de autor que emergira no México pelas mãos de cineastas 
como Arturo Ripstein e Jorge Fons; por romper com a estilística do realismo-mágico que 
marcou o sucesso de como agua para chocolate, de Alfonso Arau; quanto por abraçar uma 
estratégia mais “comercial”, reinventando o exotismo periférico, latino, construído agora em 
torno da violência; ou por expressar o ideário político que levou Vicente Fox e o seu partido 
(PAN) ao governo – uma bem conhecida mistura de propostas neoliberais com a defesa da 
moral cristã e do conservadorismo típico das classes médias. 
Não tenho qualquer intenção de discutir neste trabalho se produtos de entretenimento 
audiovisual podem ou não ser considerados mais ou menos artísticos – na verdade mantenho 
enormes suspeitas sobre a relevância desta discussão no âmbito da pesquisa contemporânea em 
história ou em ciências sociais, salvo quando o que está em questão são as formas pelas quais 
sociedades atribuem legitimidade e operam a distinção entre os artefatos culturais. Como 
mencionado anteriormente, a complexidade do cinema contemporâneo, a multiplicidade de 
atores intervindo durante todo o processo de planejamento, produção e pós-produção também 
trazem problemas para pensa-lo a partir da velha política de autores que marcou parte do século 
XX. O tema da autoria já foi tratado no capítulo anterior, mas a análise fílmica de Amores perros 
demanda desde já a devida atenção aos dois últimos termos dessa crítica. 
Quando indagado sobre a mexicanidad em suas obras, Iñárritu manifestou inúmeras 
vezes a sua disposição em se afastar das representações do México sujo dos filmes de Western 
estadunidenses ou daquele folclorizado, repleto de guitarras e narcotraficantes66. A violência, 
segundo Ignacio Sánches Prado, ocuparia aqui o lugar de símbolo da experiência urbana latino-
americana. 
 
65 Dados extraídos do site www.imdb.com e do artigo de Paul Julian Smith (SMITH, Paul Julian. Amores 
Perros. London: Britsh Film Institute, 2003). 
66 PRADO, Ignacio M. Sánchez. Amores Perros: Violencia exótica y miedo neoliberal. Revista de la Casa 
de las Américas, n 240, 2005, p.139-153. 
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Neste sentido, desde a época do seu lançamento – e utilizados inclusive como apelo 
comercial na sua divulgação em festivais - foram comuns os paralelismos estabelecidos entre a 
centralidade da violência na estética do filme e na obra de Quentin Tarantino, principalmente 
em Pulp Fiction, ou em filmes como Lola rennt, de Tom Tykwer; Crash, de David Cronenberg; 
e Crouching Tiger, Hidden Dragon, de Ang Lee. Exemplos como o de Tarantino nos falam da 
“violência que se torna espetáculo em si mesma, seja como um desafio ao horizonte do 
representável ou como parodia da nonsense violence”67, em meio ao labirinto de referências 
cinematográficas sobre as quais se estruturam esses filmes. 
O violência no filme do referido cineasta mexicano não deve ser tratada como 
“metacinematográfica”, não está voltada para o próprio cinema de gênero, rendendo-lhe alguma 
homenagem, nem presta serviço apenas a sua espetacularização. Reencena na verdade a 
experiência pós-moderna das grandes urbes, apresentando um espaço marcado pela 
insegurança, onde a criminalidade e a ameaça do assassinato caminham juntas com a corrupção 
e a ausência do estado na proteção dos cidadãos. Está, ao lado do dinheiro e do “amor”, no 
centro de todas as experiências dos protagonistas, quase sempre atuando de forma 
intercambiável ou ao menos como se um fosse subproduto do outro – amores sempre 
“callejeros”, “perros”, no sentido de algo violento, irracional, associado muitas vezes à miséria 
material, à falta de caráter, mas também atribuído ao colonizado, usos comuns para essa 
adjetivação tão típica entre os mexicanos68. 
Para Iñárritu, a violência “é parte da nossa natureza, lamentavelmente. Leva muita dor 
para quem a gera ou a recebe, também confusão. Ficar contra a nossa natureza é parte de nós”69. 
Ela aparece naturalizada de sobremaneira entre as classes baixas, formando parte de sua 
existência, das práticas cotidianas; é meio para qualquer fim, principalmente para conseguir 
dinheiro – o trabalho aparece como um meio secundário -; é parte fundamental daquilo que nos 
define; e o resultado acidental – ainda que esperado - do choque entre protagonistas em meio 
aos contrastes, à velocidade e a desorientação. Ela produz a sutura de causalidade entre as 
histórias e os seus protagonistas por meio de um acidente de carro, mas a todo tempo conecta 
os elementos da trama, oferece ligações emocionais na montagem. Com fortes pretensões 
 
67 No original: la violencia se vuelve espectáculo en sí misma, ya sea como un reto al horizonte de lo 
representable o como parodia de la “nonsense violence”. (SOLOMIANSKI, Alejandro. Significado 
estructural, historia y tercer mundo en Amores perros. A contra corriente. Vol. 3, No. 3, Spring 2006, 17-
36). 
68 LEIVAS, Regina Zauk. Amores Perros: Arquitetônica em espelho estilhaçado. Pelotas, 2015. 
69 No original: Es parte de nuestra naturaleza, lamentablemente. Lleva mucho dolor, para quien la genera 
o la recibe, también confusión. Ese estar en contra de nuestra naturaleza forma parte de nosotros. 
(PRADO, Ignacio M. Sánchez. Amores Perros: Violencia exótica y miedo neoliberal. Revista de la Casa 
de las Américas, n 240, 2005, p.139-153). 
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realistas, promove a urbanidade latino-americana e o encontro com o que nos define através do 
choque e da brutalidade, os quais cumprem, também, importantes funções estéticas e narrativas. 
Resulta importante ressaltar, como fazem Deleyto e Azcona, que a intensidade na 
representação da violência, da dor e dos sentimentos passionais que chamaram a atenção das 
plateias e da crítica no exterior não chamaram tanta atenção no México. A familiaridade da dor 
e a proximidade da morte estão muito presentes na cultura daquele país, algo que se expressa 
desde nas festas nacionais, com bonecos de esqueletos e personificações “da Morte”; na 
percepção da violência urbana e do poder do crime organizado – reforçados incansavelmente 
pelo cinema hollywoodiano -; mas também pela forte tradição do “melodrama” no cinema e na 
programação da TV. 
“As imagens ganham efeito ainda mais dramático pela utilização do processo de bleach-
bypass que aumenta o contraste intensificando pretos, brancos e os tons de vermelho do 
sangue70”. A brutalidade em Amores Perros está fortemente ligada a uma cultura audiovisual 
com alcance global que, como entendida por Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, 
 
faz vibrar não tanto pelos acontecimentos narrados quanto pelo efeito 
das cores, dos sons, das formas, dos ritmos, e que se dirige ao que foi 
chamado ‘um novo espectador’. Busca extremos sensitivos em todas as 
direções e vinculada ao presenteísmo contemporâneo, marcado pelo 
desejo de vibrar navelocidade, de viver da intensidade do momento 
descontínuo de experimentar sensações diretas e imediatas. A obra se 
torna filme-instante feito de imagens-excesso ou de imagens sensoriais 
em sintonia com um individualismo hedonista e descompartimentado, 
típico da Me Generation.71 
 
 
A violência não é uma novidade no cinema, de fato, assim como a sua banalização – 
principalmente nos blockbusters de ação. Mas ela agora aparece associada a um cinema cada 
vez mais voltado para as sensações, que busca romper com a velha separação entre sujeito e 
objeto, produzindo o mergulho profundo do espectador cada vez mais acostumado com a 
profusão de imagens em velocidade; a criação de mundos, personagens e ações por meio da 
computação gráfica que pareciam impossíveis a algumas décadas; pelas gigantescas telas 
IMAX; ou pelo consumo desenfreado, pela compulsão do sempre-mais, que parece ter tocado 
 
70 GIUNTINI, Mauro. A narrativa cinematográfica de Alejandro Gonzalez Iñárritu. Tese (Doutorado em 
Comunicação) Programa de Pós-Graduação em Comunicação. UNB, 2015. 
71 LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A Tela Global: mídias culturais e cinema na era 
hipermoderna. Porto Alegre: Sulina, 2009, p. 52-53. 
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todas as esferas da vida e, evidentemente, o entretenimento audiovisual. Esse cinema não está 
marcado pela ruptura, mas sim pela saturação e vertigem do espectador. 
Ela caminha de mãos dadas com o efeito-choque na montagem, onde o golpe, o 
movimento brusco ou o impacto são mimetizados pelo corte, pela proliferação de tomadas tão 
rápidas que não permitem que sejam visualizadas integralmente. Faz parte de um movimento 
para frente, permitindo sempre mais sexo; mais velocidade; maior número de elementos e 
personagens; maiores monstros e explosões; perversões cada vez mais desumanas; e maior 
número de protagonistas, das network narrative aos filmes de super-herói – não basta um 
grande vilão ou um grande herói, se faz necessário reuni-los em grande número. 
O sangue de humanos e cães é exibido em abundância e em primeiríssimo plano para 
uma plateia acostumada às sensações fortes que pode provocar. Amores Perros é, neste sentido, 
uma peça típica da “imagem-excesso”72, ao lado de Pulp Fiction (1994), The Passion of the 
Christ (2004) – onde não basta contar uma história de sofrimento e redenção, mas trata-se de 
colocar cada expectador em seu lugar -, ou Fight Club (1999). 
Não veremos ao longo da trama monumentos ou paisagens que permitam a clara 
identificação da cidade. Apesar dos traços marcadamente locais na linguagem, o filme não 
oferece outros elementos que caracterizem o espaço e os habitantes. Iñárritu omite inclusive a 
presença de elementos rurais na cidade que podem ser encontrados a poucas quadras das 
principais avenidas, como cavalos e homens com sombreiros, além “do segmento dos 
completamente excluídos, as massas etnicamente aborígenes que compõe a maioria dos 
cinturões de pobreza e marginalização da cidade do México, fiquem sem representação no 
filme”73. 
A Cidade do México de Iñárritu é um cenário marcado pelo contraste entre as classes 
sociais típicas de qualquer cidade no continente. Elas se entrecruzam em um mesmo espaço 
urbano, por mais que estejam completamente cindidas e isoladas em seus ambientes familiares, 
ou separadas em bairros com diferentes perfis de renda, o que se expressa nas fachadas, nos 
vestuários, nos ofícios, assim como na visibilidade. Encontram-se fragilmente conectadas por 
meio dos serviços que as mais baixas prestam às outras, assim como pelo emaranhado de ruas 
e velozes avenidas. 
 
72 Refiro-me a tipologia criada por Lipovetsky e Serroy em A Tela Global: mídias culturais e cinema na 
era hipermoderna. 
73 No original: el segmento de los excluídos por completo, las masas étnicamente aborígenes que 
componen la mayoría de los cinturones de pobreza y marginación de la ciudad de México quedan 
sin representación en el filme. (SOLOMIANSKI, Alejandro. Significado estructural, historia y tercer 
mundo en Amores perros. A contra corriente. Vol. 3, No. 3, Spring 2006, 17-36). 
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A mise-en-scène é reforçada pela linguagem cinematográfica, operando uma espécie de 
confinamento. As ações se desenrolam fundamentalmente em espaços fechados e pequenos 
onde se faz inevitável a proximidade entre os corpos. Raros planos abertos são oferecidos ao 
longo do filme, optando quase sempre por enquadramentos fechados em primeira ou 
primeiríssima pessoa. A expressão facial, as interpretações que valorizem as emoções das 
personagens, são privilegiados desta maneira, reduzindo, porém, a quantidade de informações 
aos espectadores sobre o meio circundante. 
A utilização da câmera na mão, principalmente em cenas de alta tensão emocional, 
comprime ainda mais o espaço em cada cena, incluindo nele o próprio narrador. Como defende 
Mauro Giuntini, “a câmera é o artefato mediador do diretor ao narrar visualmente as histórias 
plano a plano e a instabilidade inerente de sua utilização na mão torna mais vívida sua presença, 
o que evidencia a narração visual do diretor74”. Iñárritu também defenderia em entrevista o uso 
da câmera na mão como um recurso mais próximo da maneira como experimentamos o mundo, 
em detrimento de recursos como a grua ou o tripé, considerados por ele como formas 
antinaturais de experimentar o mundo75. 
Pelas mãos de Rodrigo Prieto, diretor de fotografia, Amores perros logra incluir o 
próprio espectador no interior da cena, movendo-nos em meio aos personagens ou permitindo 
observar por seus olhos, como em alguns dos planos detalhe que abrem cada cena. Esta 
substituição do plano aberto pelo plano detalhe na abertura da cena - esquema típico de 
montagem do cinema hollywoodiano -, por si só, além de exigir da audiência uma maior atenção 
a fim de encaixar o pequeno fragmento apresentado no ambiente circundante e no fluxo de 
ações, reduz o nível de informação e dificulta que o espectador assuma a posição objetiva, 
distanciada, partindo de uma visão de conjunto. 
A velocidade do corte, tomadas com tempo médio inferior a dois segundos, 
principalmente em cenas de ação – como nas rinhas de cães ou na perseguição de carros que 
propicia o acidente – aumentam o ritmo ao mesmo tempo que produzem confusão. Somos 
arrastados pela profusão de imagens que se soma ao excesso de ruídos no som. Os cortes 
velozes; a transição entre planos fechados; a multiplicidade de elementos e figurantes exibidos 
parcialmente e por meros instantes – muitas vezes tomamos conhecimento deles apenas por 
partes dos seus corpos, por aparecerem fora de foco, pelos ruídos que produzem ou pelas 
 
74 GIUNTINI, Mauro. Op cit., 2015 
75 DELEYTO, Celestino; AZCONA, María del Mar. Alejandro Gonzáles Iñárritu: contemporary film 
directors. Illinois: University of Illinois Press, 2010. p. 134. 
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respostas nos corpos dos protagonistas – comprimem o espaço diegético e arrastam a audiência 
em meio à profusão. 
O mundo do enredo quase se restringe ao das falas, ações e reações dos personagens, 
para além de um ou outro objeto chave que circula entre cada núcleo e, de alguma forma, os 
conecta. Dinheiro, TVs ou cães são alguns desses objetos que operam ligações de sentido entre 
as cenas e os protagonistas. 
Amores Perros consiste naquilo que David Bordwell chama de network narrative76 – 
modalidade típica do cinema transnacional contemporâneo -, ou seja, uma trama composta por 
mais de um núcleo de ação, pelas histórias de diferentes protagonistas que se cruzam em algum 
momento de maneira fortuita, produzindo efeitos inesperados. O espectador é estimulado a 
buscar paralelismos entre cada núcleo, além de outros entre as cenas quando a montagem 
apresenta cada história de forma fragmentada, além de alimentar expectativa do

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