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i UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES NATALIA CHRISTOFOLETTI BARRENHA ESPAÇOS EM CONFLITO ENSAIOS SOBRE A CIDADE NO CINEMA ARGENTINO CONTEMPORÂNEO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Multimeios. Orientadora: MIRIAM VIVIANA GÁRATE CAMPINAS 2016 ii iii RESUMO Nos últimos 20 anos, a relação entre cinema e cidade tem sido objeto de sucessivas conferências ao redor do mundo, de um grande número de livros e coletâneas e de especiais em revistas científicas de várias áreas. Também há 20 anos emergia o que se convencionou denominar nuevo cine argentino: a retomada, após um período de crise, da produção cinematográfica argentina. O espaço urbano assumiu papel privilegiado nos filmes que inauguraram e consolidaram essa nova geração, aspecto abordado em inúmeros estudos. O presente trabalho pretende pensar como se concebe e se percebe a cidade nos filmes pós-nuevo cine: o espaço urbano ainda seria importante na cinematografia argentina contemporânea, após alguns anos de intensas modificações no panorama cinematográfico (com a consolidação das carreiras de diversos diretores e produtoras do nuevo cine e o incessante aparecimento de novos e diversificados cineastas, estéticas e modos de produção)? Sete longas-metragens irão compor o eixo do texto: El asaltante (2007) e La sangre brota (2008), ambos de Pablo Fendrik, nos quais as ruas da cidade são, quase exclusivamente, o espaço da ação, assim como em Castro (Alejo Moguillansky, 2009); Una semana solos (Celina Murga, 2008) que se desenvolve dentro de um condomínio fechado de alto padrão; El hombre de al lado (Gastón Duprat e Mariano Cohn, 2009) que se passa dentro de uma casa e no limiar da mesma; Elefante blanco (Pablo Trapero, 2012) cujos conflitos se dão em uma favela; e Historia del miedo (Benjamín Naishtat, 2014), no qual temos personagens que habitam um bairro privado, um alto edifício e a periferia. Nessas produções, a cidade constitui potente linha de força para perceber a vida social e seus conflitos e não é apenas cenário, mas elemento fundamental e estruturante. Localizam-se alguns temas que dialogam de forma prolífica com as obras escolhidas e que vão nortear o texto: a constante circulação dos personagens, o medo que os move ou os paralisa, os diversos tipos de violência, a fuga – todos relacionados à construção de novas fronteiras e à reconfiguração dos espaços públicos e privados. As aproximações propostas são, cada uma a seu modo, formas oblíquas de nos debruçarmos sobre essa relação entre a cidade e o cinema argentino contemporâneo. Assim, buscamos mobilizar este corpus como uma forma particular de panorama no qual transitam diversas questões, identificando recorrências e particularidades nos modos de filmar, escutar, experimentar e construir a cidade. iv v SUMÁRIO 1. Introdução, primeira parte: considerações sobre um trajeto ................................................................................... 1 2. Introdução, segunda parte: mise en scène do espaço como movimento ............................................................... 33 3. Histórias do medo ..................................................................................................... 71 3.1. O horror não está no horror: Historia del miedo .............................................. 74 3.2. A cidade partida: Una semana solos ................................................................ 86 3.3. Casa tomada: El hombre de al lado …………………………………….......... 96 4. Na cidade da fúria ……………………………………………………………....... 113 4.1. Distopias: La sangre brota …………………………………………..……... 117 4.2. Ruínas: Elefante blanco ………………………………………………...…... 130 5. Em transe-to …………………………………………………………………...…. 143 5.1. Cidade non-stop: Castro ………………………………………………......... 146 5.2. Cobrador: El asaltante …………………………………………………........ 155 6. Palavras finais: espaços em conflito …………………………………………………………......... 165 Bibliografia ……………..……………………………………………………....... 173 vi vii AGRADECIMENTOS Escrever esta tese foi tanto uma aflição quanto um profundo prazer; uma obrigação em alguns dias e um trabalho de amor em outros. Inúmeras pessoas foram fundamentais e especiais para encarar esse processo de quase cinco anos, desde a concepção do projeto até o momento da defesa: das trocas sempre valiosas em congressos e outros eventos às dicas de filmes e livros; dos e-mails e cafés atenciosos às conversas mais prosaicas e acolhedoras (imagino que várias foram sucedidas de um banho de sal grosso por parte de meus interlocutores, tamanha a encrenca que eu carregava com o doutorado, a tese, um ou outro texto). Obrigada a todos que me escutaram e partilharam ideias comigo nesse período. Também àqueles colaboradores anônimos das infinitas plataformas de compartilhamento gratuito de filmes e livros que me proporcionaram acesso a uma porção de obras inestimáveis para estas linhas e para a minha formação. Agradeço principalmente à Miriam Gárate que me abriu caminhos e me fez acreditar que eu poderia percorrê-los e realizar um trabalho sempre melhor, e por sua compreensão com meus prazos sempre fora do prazo e com meu perfil inquieto. À CAPES pela bolsa concedida durante quase todo o doutorado, crucial para que o trabalho se desenvolvesse da melhor maneira possível. A todos os professores do DECINE pelas aulas intrigantes e pela convivência espirituosa fora das classes – especialmente ao Alfredo Suppia e ao Francisco Elinaldo Teixeira que toparam ser suplentes na defesa, e mais uma vez ao Elinaldo, por propiciar minha primeira experiência docente através do PED. Aos alunos da Midialogia 2013, sua paciência e receptividade que resultaram, para mim, em uma vivência fascinante. Aos funcionários do IA pela generosidade com minhas demandas. Há uma crença de que ninguém tem certeza do que pensa sobre um determinado assunto até que tenha colocado esses pensamentos no papel; da mesma forma, acredito que compreendemos muito pouco o que pensamos até que tenhamos submetido nossa reflexão a alguém. Assim, agradeço ao José Alves de Freitas Neto, pelas contribuições durante o exame de qualificação, e a Cecília Mello, Gilberto Alexandre Sobrinho e Ismail Xavier, por aceitarem participar do momento tão importante para nos confrontarmos com nossos próprios pensamentos como é uma banca de defesa. Agradeço ao Fernando Passos (além de tudo, presente na qualificação e na defesa) e à Lucrecia Martel, parceiros do mestrado, por fazerem com que o cinema entrasse definitivamente em minha vida e que sua presença diária como trabalho nunca tirasse o prazer da paixão. À Regiane Ishii (cuja dissertação de mestrado foi iluminadora para a definição do objeto desta tese) pela amizade carinhosa e por me apresentar à Giuliana Bruno. À Marília Goulart que me ajudou com diversas sugestões, revisões e cuja dissertação também foi essencial no momento fundacional da tese. À Daniela Gillone e suas dicas preciosas na estruturação do projeto para a seleção do doutorado. À Maria do Socorro Senne, pela revisão cuidadosa do texto em tempo recorde. À Mônica Campo, fundamental em meu percurso intelectual desde o mestrado, tão inteligente e maravilhosa que encontrá-la significa passar, no mínimo, oito horas em sua viii companhia. Ao Yuji Kawasima e à Paula Ramos, pelos momentosmais festivos e divertidos. À Ana Carolina Lahr, Flávia Oliveira Machado, Gabriela Virdes e Paula Pulga pela cumplicidade fraterna. À Letizia Nicoli, por saber tudo do mundo inteiro e estar sempre disposta a dividir. À Lúcia Monteiro, Mariana Duccini, Marina da Costa Campos e Teresa Sanches pelas inúmeras parcerias que se transformaram em amizade afetuosa. À Ligia Aguilhar e nossos papos sempre contagiantes. Ao Josias Leme por ocupar com dedicação esse difícil papel de pai postiço. À Lili Fernandes, ao Fernando Hebling e à Laila Hebling, por terem me ensinado tanto em tão pouco tempo, e aos nossos amigos Alexandre Alvarenga, Caio Rosa, Danilo Couto, Diego Paganini, Henrique Bortolotti, José Antônio Catelani, Leonardo Bícego, Luís Guerreiro, Marcos Hummel, Renato Camarinho e Ricardo Bassani, por me lembrarem, nas buenas e nas malas, o que é união. À Monique Deheinzelin que, com um pequeno e prosaico comentário em um jantar, fez a fase final da escrita muito mais leve: “mas não é uma maravilha fazer um doutorado?”. Aos amigos do Multimeios Carla Paiva, Cássia Hosni, Felipe Bomfim, Jennifer Serra, Líllian Bento, Priscyla Bettim, Rafael de Almeida, Régis Rasia, Renato Coelho, Rodrigo Barreto, Teresa Noll e Viviana Echávez pelos intercâmbios intelectuais e pelo companheirismo. Aos integrantes do grupo de estudos Cinema da América Latina e vanguardas artísticas por todos os debates incríveis, especialmente à sua diretora Yanet Aguilera que, gentilmente, discutiu comigo sobre El asaltante e Elefante blanco e a quem devo diversas ideias que desenvolvo sobre esses filmes. Aos parceiros no comitê editorial da Imagofagia, com quem sempre aprendo muito – especialmente sobre trabalhar em equipe de verdade. Aos colegas argentinos do Centro de Investigación y Nuevos Estudios sobre Cine (CIyNE) com quem é um privilégio investigar e um prazer se encontrar, especialmente Anabella Castro Avelleyra, Ana Laura Lusnich, Andrea Cuarterolo, Pablo Piedras e Silvana Flores. Também à Irene Depetris Chauvin e à Julia Kratje pelos diálogos e dicas instigantes, mesmo que a distância. À AsAECA – Asociación Argentina de Estudios de Cine y Audiovisual pela oportunidade de participar de sua Clínica de Tesis e, novamente, a Ismail Xavier, meu supervisor nessa atividade, que interveio com propostas estimulantes em um momento árido do trabalho. À minha mãe Adriana, uma vez mais e sempre. Ao meu irmão Bruno que é todo fervor criativo e vida. Ao meu pai que, mesmo depois de tantos anos de ausência, continua sendo uma presença inspiradora. Ao Diego Cordes, “mi amor mi cómplice mi todo”. 1 A ele está dedicada esta tese e tudo aquilo que não cabe em palavras. Agradeço ainda alguns interlocutores teóricos (felizmente presentes em minha vida não apenas através dos livros, mas pessoalmente) sem os quais não teria escrito o que escrevi aqui: Gonzalo Aguilar, David Oubiña e, outra vez mais, Ismail Xavier. Uma mínima parte da felicidade intelectual que produz lê-los é a que desejo para os leitores deste texto. 1 BENEDETTI, Mario. “Te quiero” in Inventario uno (1950-1985). Buenos Aires: Sudamericana, 1963. 1 1. Introdução, primeira parte: considerações sobre um trajeto No momento de finalmente juntar todas as anotações, fichamentos, ideias – ou seja, escrever pra valer –, retomar dois filmes, um livro e uma videoinstalação que haviam cruzado meu caminho um pouco antes, foi fundamental para espantar aquela sensação de “barata voa” e encarar o word em branco. Alguns deles não têm relação direta com os objetos ou objetivos da tese, mas ajudaram a organizar as reflexões e por isso os incluo neste percurso. Um dos filmes foi Caro diário (Caro diario, 1993), 1 de Nanni Moretti; especialmente seu primeiro segmento, intitulado “Na vespa”. Ainda não conhecia este longa do diretor italiano e tive de vê-lo para uma disciplina que visitei sem compromisso, já na fase final do doutorado, na Universidade de São Paulo, ministrada pela Profa. Cecília Mello, quem eu andava lendo na ocasião devido a seu trabalho sobre movimento e cidade no cinema contemporâneo – tema, também, da dita disciplina. Vi uma parte do filme antes de sair para a aula, vi novamente a primeira parte em sala e, de novo, dessa vez completo, quando voltei pra casa. Fascinante. “Na vespa” começa com o plano-detalhe de uma mão escrevendo em um caderno: “Caro diário, existe uma coisa que gosto de fazer mais que tudo!”, cortando para uma câmera que flutua seguindo o protagonista em sua atividade favorita – andar de vespa por Roma, ver as casas, os bairros, adentrar algumas residências, imaginar-se morando nelas, passar por lugares que ama. O filme é como um fluxo de pensamento convertido em imagens e músicas pelo narrador-personagem que, durante suas divagações pelas ruas da cidade, vai também divagando sobre pequenos e grandes acontecimentos que o afetam. O cinema tem lugar preponderante nas reflexões de Moretti: da cômica investida contra os críticos ao triste caminho percorrido para vislumbrar o local onde Pasolini foi morto, passando pelo encontro com a atriz Jennifer Beals, os filmes dão voltas na cabeça de Moretti como ele dá voltas por Roma, entrelaçando a cidade, o cinema e a sua vida, tanto nos momentos mais banais quanto nos mais especiais. Meu projeto anterior – a dissertação de mestrado que trabalhava com o som e o processo de criação na obra da cineasta argentina Lucrecia Martel – me levou a Buenos 1 Os filmes que possuem título em português estrearam comercialmente no Brasil. 2 Aires, e uma breve estadia para um estágio de pesquisa transformou-se em uma vivência de alguns anos. Devido ao permanente interesse pelo cinema argentino contemporâneo, parecia apropriado que o próximo passo, o doutorado, seguisse esse caminho: foi delineado um projeto sobre Martín Rejtman, um diretor da geração de Martel. Porém, quando esse estudo deveria ter sido iniciado, outra coisa foi tomando minha atenção: a volta ao Brasil. Um retorno que não se configurava exatamente como um retorno, já que eu me instalaria em uma cidade que nunca havia habitado: São Paulo. A exploração de uma cidade nova fazia-me atentar e frequentemente provocava comparações sobre os modos de habitar, transitar e se relacionar nessas duas urbes latino-americanas. Enquanto a presença de São Paulo se dava fisicamente, Buenos Aires aparecia de maneira bastante reconhecível na obra de Rejtman. Seus longas de ficção – Rapado (1992, estreia em 1995), Silvia Prieto (1999) e Los guantes mágicos (2003) – me serviam para pensar certas questões com as quais me deparava, ao colocar a cidade não como mero marco cenográfico ou ambiental, mas como um elemento essencial ao assunto e a sua impostação narrativa. Como diria Geoffrey Nowell-Smith (2001), tais produções não poderiam prescindir do uso da locação utilizada sem que isso as alterasse de maneira radical. Dessa forma, filmes me davam voltas na cabeça, enquanto eu dava voltas pelas ruas paulistanas, entrelaçando a(s) cidade(s), o cinema e meu dia a dia on ou off tese. Encontrar-me com Caro diário alguns anos depois deu um novo sentido a esses primeiros passos da reestruturação do projeto de doutorado. E em seguida, entra o livro que mencionei no primeiro parágrafo. Em Atlas of emotion. Journeys in art, architecture, and film (2007), a arquiteta napolitana e professora da Universidade de Harvard Giuliana Bruno explora as relações entre arquitetura, artes visuais, geografia, design, moda e, especialmente, cinema. A escolha do conceito de atlas para intitular seu texto é estratégica para nuclear seus objetivos teóricos e críticos: incitada por um impulso cartográfico de conectar espaços e emoções, o trabalho de mapeamento é onipresente. Simultaneamente, ajornada à qual ela faz alusão no título é um percurso pessoal. A Carte du pays de Tendre (em tradução livre, Mapa do país da Ternura), que Madeleine de Scudéry desenhou para ilustrar sua novela Clélie, histoire romaine (publicada em 10 volumes em Paris, entre 1654 e 1660), acompanhou Bruno por anos, não apenas impulsionando a escrita do Atlas, mas também pontuando sua viagem 3 interior, incorporando as múltiplas trajetórias de sua vida cultural e como manifestação de seu próprio senso de geografia. A Carte incorpora uma narrativa de viagem; dispõe, na forma de paisagem, um itinerário de emoções. Faz um mundo de afetos visíveis para nós – é a imagem que transmite uma paisagem interior. Para Bruno, ao traçar o movimento de emoções, o mapa de Scudéry torna-se, além de um objeto de pesquisa, itinerário e modelo cartográfico. A descoberta deste livro de Giuliana Bruno significou, para mim, o mesmo que a Carte du pays de Tendre significou para ela. Sua potência analítica e a maneira como conduz seu texto foram especialmente inspiradoras, sobretudo no que toca ao emprego da primeira pessoa em um texto geralmente pouco afeito a essa forma de enunciação como é uma tese. Assim, Atlas of emotion tomou lugar de destaque na minha imaginação e permitiu que eu me sentisse à vontade para incorporar aqui minha própria experiência de espectadora, moradora e viajante. Senti-me compelida a estender uma ponte entre a linguagem acadêmica e a subjetiva e, ao mesclar os percursos teórico, analítico e afetivo nestas linhas, vi minha pesquisa sendo arquitetada como o livro de Bruno, a Carte de Scudéry ou o filme de Moretti, os quais se fundamentam em recorridos emocionais. Vai um pouco nesse sentido o segundo filme que trago para este texto: João Bénard da Costa – Outros amarão as coisas que amei (Manuel Mozos, 2014), biografia inusual de um dos nomes incontornáveis do cinema de Portugal contada através de suas reflexões e de seus amores (é um filme de amor, como o título promete). João Bénard foi diretor da Cinemateca Portuguesa por 18 anos, professor, crítico, programador, ator e, especialmente, alguém que fez do cinema uma ponte para a compreensão da vida e do mundo – dimensão que o filme de Mozos traz de maneira integral. O documentário reúne narração em off (feita pelo filho de João Bénard, cuja voz é bastante parecida à do pai) de escritos do personagem, 2 imagens de arquivo, visitas aos lugares marcantes de sua vida e cenas de filmes nos quais atuou ou sobre os quais discorreu apaixonadamente. Destes últimos, há três que se destacam: Johnny Guitar (Nicholas Ray, 1954), A palavra (Ordet, Carl Theodor Dreyer, 1955) e O fantasma apaixonado (The ghost and Mrs. Muir, Joseph Mankiewicz, 1947). Produções 2 A maioria desses escritos são crônicas e críticas publicadas nos jornais portugueses O Independente e Público. Os textos de O Independente foram reunidos no livro Os filmes da minha vida – Os meus filmes da vida em 1990. Parte deles está disponível no blog http://filmesvida.blogspot.com.br/. http://filmesvida.blogspot.com.br/ 4 que, obviamente, tratam da morte – entretanto, Outros amarão as coisas que amei se imprime como uma vibrante celebração da vida. E, também, da inteligência e da sensibilidade. Houve longos aplausos na sessão em que o vi e, por isso, pensei que o diretor estivesse presente, mas não. O público festejava e agradecia aos belos 75 minutos que havia compartilhado com o filme. Eu agradeceria outra vez, mais tarde, a descoberta dos textos de João Bénard que não conhecia e pelos quais terminei obcecada. Em suas críticas, há uma mescla de fervor amoroso com análise meticulosa, tanto das obras quanto de seus contextos de produção e recepção. O encontro com esse material proporcionou um reencontro com meus objetivos de escrever e pensar o cinema que andavam um tanto perdidos, apesar de parecerem evidentes, ao serem puxados um pouco pelo trabalho construído até ali, um pouco pela carreira almejada a se construir. Mas, como firmou o próprio Bénard, “(...) quando nos pegam na mão para nos lembrar o óbvio, é porque o óbvio não é tão óbvio como aparenta sê-lo”. Eu pude recordar, então, do cinema como aquilo que imprime novo impulso ao girar das coisas, como oração noturna antes de dormir, como lugar de confluência de amizades. E, enfim, se conto tudo isso aqui, é para (re)afirmar meu desejo em fazer destas palavras um conjunto de apontamentos para uma conversa inacabada que busca aproximar-se de outros interlocutores e, assim, uma ponte para a compreensão da vida e do mundo através do cinema, desejo compreendido ou reacendido pelas linhas que Bénard deixou. *** Estes apontamentos têm origem em uma proposta de investigação das relações entre cotidianidade, banalidade e política na obra de Rejtman. A reestruturação deste projeto começou, como já comentei, com minha mudança de país e com o deslocamento de minha atenção para outros aspectos da obra do cineasta argentino, mais ligados à presença da cidade em seus longas, e sofreu turning point decisivo quando me deparei com o artigo “Una nueva cartografía para el cine argentino”, da crítica de cinema Marcela Gamberini. Nesse texto, a autora discutia a fuga da cidade em alguns dos mais destacados filmes da Competição Argentina do BAFICI (Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente) de 2012: 5 (...) chama a atenção que três dos filmes mostrados pelo BAFICI nesta última edição trabalhem com tantos espaços abertos, territórios imensos. (...) Este espaço virgem, desabitado, inquietante (…) é o protagonista de Los salvajes, de Alejandro Fadel, de Germania, de Maximiliano Schonfeld, de La araña vampiro, de Gabriel Medina. Um espaço a recorrer, a transitar, um espaço vazio que lentamente se enche de corpos, de árvores, de rios, de violência, de casas, de enfrentamentos. (...) O recorrido desses exteriores, incomensuráveis e excessivos, é a prova que os personagens devem superar. (...) O verdadeiramente importante é o recorrido desses espaços, o transcorrer. O resultado desse caminhar, fugir, escapar, buscar é uma forte sensação de desorientação (GAMBERINI, 2012). 3 Para Gamberini, esses filmes apresentavam uma nova maneira de narrar, já que esse espaço seria o protagonista e se conectava com a perda de sentido da urbanidade. Se essa é uma nova cartografia, como sugere o título, em que consistia a cartografia anterior? Primeiramente, a questão da fuga, tal como colocada pela autora, é trabalhada por Esteban Dipaola como uma constante na literatura e no cinema nascentes na década de 1990 que atravessa os anos e segue se manifestando nas obras de hoje. Em seu livro Todo el resto. Estética y pulsión de los años ‘90, 4 Dipaola pensa os anos 1990 como uma pulsão de referência na cultura e na política argentinas atuais; anos que seguem irrompendo nas experiências, nos vínculos e nas formas de compreender a multiplicidade de narrativas presentes do país (2012a, p. 14). A noção de fuga é chave para o pesquisador em sua exploração. No cinema, especificamente, Dipaola aponta que os filmes do que se conheceu como nuevo cine argentino recorriam permanentemente à estética de uma experiência de fuga e de traslados. Para ele: Os dois filmes precursores desse novo cinema, Rapado (Martín Rejtman, 1995) e Pizza, birra, faso (Adrián Caetano e Bruno Stagnaro, 1998) se inserem especificamente nesse modelo. No primeiro, a sequência do roubo da moto de Lucio, o personagem principal, com a que se inicia o filme, inaugura as trajetórias e derivas que esse personagem terá a partir de então, toda uma forma de circulação que mostra a insistência do espaço público e da temporalidade em decurso que, no discurso padrão sobre a época, parece negada ou obstruída. Da mesma maneira, os personagensde Pizza, birra, faso transitam a cidade, a compõem nesses traslados e acabam fugindo da polícia, da cidade e da própria vida sobre essa mesma experiência e narrativa da fuga. Em 3 Todos os textos que não possuem edição em português foram traduzidos por mim. 4 Agradeço à Anabella Castro Avelleyra a indicação desse livro. 6 outro plano, o mundo do trabalho, do desemprego e do desarraigo são também projetados sobre essa dimensão da fuga em Mundo grúa de Pablo Trapero (1999), no qual Rulo, ao ficar sem trabalho, deve optar por trasladar-se a outra cidade e recomeçar com um emprego novo (DIPAOLA, 2012a, p. 14-15). Dipaola também associa a fuga a uma transformação na representação da identidade, que ele vai caracterizar como uma fuga do Eu. O autor parte da mudança de registro e perspectiva que se dá nos anos 1990 – entre os 1980 de ebulição democrática e greves gerais e o pós-2001 caracterizado por uma reacomodação cidadã às novas lógicas políticas e sociais da globalização –, intermédio que põe em crise o sentimento da necessidade de um Grande relato nacional (enfatizando não a questão do relato, inexistente por si mesmo, mas da necessidade dele). Assim, a década de 1990 se expressa como a puesta en crisis da obstinação pela necessidade de um Grande relato; deixa-se de perseguir a universalidade de um relato histórico único, constituindo esses anos como os portadores de uma narração diáfana, mais aberta, mais propensa a uma perpétua ressignificação. Referindo-se à literatura, o autor discorre que, enquanto o reclamo de identidade e a apresentação deixam de ser exigidos, aparece uma nova dinâmica e proceder dos vínculos: os personagens já não têm relações fixas entre si, mas mutantes; as subjetividades mais fluidas nunca terminam de concretizar uma figura identitária. Essa fluidez e dinâmica de cruzamentos e trajetórias de diferentes personagens é também o que começa a se vislumbrar no cinema nacional, pois aqui tampouco se revela uma exigência identitária, mas toda narrativa do Eu vai sendo concebida nas distintas formas de compor os vínculos (DIPAOLA, 2012a, p. 23). Sábado (Juan Villegas, 2001), Tan de repente (Diego Lerman, 2002) e o já citado Silvia Prieto são filmes emblemáticos para compreender essa fuga do Eu, segundo Dipaola. Neles, os personagens vão derivando entre vínculos entrecruzados, fazendo possível uma composição narrativa do Eu de acordo com circunstâncias fortuitas – já não é possível pensar em uma unidade do Eu, mas em uma permanente transformação e metamorfose. As narrativas descentradas ou na forma de um trajeto e as 7 derivas identitárias, a partir da transposição permanente de vínculos, conformam uma espécie de indeterminação e de fuga do Eu. 5 Em Los salvajes, Germania e La araña vampiro, tomados por Gamberini como base para sua observação, podemos encontrar tanto essa questão da fuga quanto alguns resquícios da fuga do Eu (como a movimentação entre o dialeto do Volga e o castelhano entre os jovens de Germania; ou o enfrentamento do protagonista de La araña vampiro com sua personalidade, guiado por figuras misteriosas que o vão passando de mão em mão), presentes nos filmes evocados por Dipaola. O que os diferencia especialmente é o espaço que seus personagens percorrem: no primeiro caso, o campo, como já exposto por Gamberini; no segundo, a cidade. A cidade aparece como um proeminente elemento da narrativa não só nos filmes citados até agora, mas em outras produções consagradas do nuevo cine como Fuga de cérebros (Fernando Musa, 1998), Mala época (Mariano de Rosa, Nicolás Saad, Rodrigo Moreno e Salvador Roselli, 1998), 76 89 03 (Cristian Bernard e Flavio Nardini, 1999), Bolivia (Adrián Caetano, 2001), Caja negra (Luis Ortega, 2001), La fe del volcán (Ana Poliak, 2001), Solo por hoy (Ariel Rotter, 2001), Vagón fumador (Verónica Chen, 2001) e Todo juntos (Federico León, 2002), além dos inúmeros filmes de Raúl Perrone. O chamado nuevo cine argentino (NCA) foi a retomada, após um período de crise, da produção cinematográfica argentina. O nuevo cine floresceu em meados da década de 1990, impulsionado por uma série de fatores como a criação de uma lei de fomento ao setor (que apoiava a produção através de créditos, subsídios, concursos e programas de ação através do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales – INCAA), a reativação da cota de tela para filmes nacionais, o surgimento de inúmeras escolas de cinema e o acesso a equipamentos devido à convertibilidade cambiária (1 peso = 1 dólar), que provocaram uma imediata reativação da indústria e um dinamismo inédito no setor. Uma nova geração entrou em cena, trazendo novas sensibilidades estéticas e novos princípios ideológicos. Negando com veemência o cinema produzido anteriormente, geralmente desenvolvido dentro de estúdios, o nuevo cine carrega suas câmeras leves, equipes reduzidas e orçamento restrito para filmar nas ruas (BARRENHA, 2013). 5 Mariana Sanjurjo, no texto “Derivas de la identidad en la filmografía de Martín Rejtman” (2007), faz uma interessante análise dos filmes de dito diretor a partir dessa perspectiva. 8 Apesar de existir uma negação sistemática dos realizadores do nuevo cine em pertencer a um movimento, não é difícil encontrar elementos comuns entre suas obras. 6 Em realidade, não houve uma busca programática por parte dos novos cineastas, e suas poéticas são variadas. Porém, estabeleceu-se um novo regime criativo, no qual todos estavam atravessados por preocupações como a austeridade da mise en scène e com um realismo estético. Para Malena Verardi (2009), a busca por colocar em cena uma nova representação da cidade e um novo modo de vinculação com o mundo urbano também atravessava grande parte dos filmes. Como reforça Alberto Chamorro em seu livro Argentina, cine y ciudad: espacio urbano y la narrativa fílmica de los últimos años: (...) apesar da grande variedade de temas e estilos existentes nas produções fílmicas da época, os diretores e os filmes do nuevo cine argentino sim tiveram elementos em comum. Entre eles, o fato de ter apresentado de forma consistente, através de sua narrativa, a relação entre os espaços urbanos – tanto reais ou físicos como intangíveis – que faz parte do imaginário cidadão (CHAMORRO, 2011, p.13). Os filmes que inauguraram e consolidaram essa nova geração se empenharam em cartografar as consequências da implantação das políticas neoliberais no país nos anos 1990, seguindo uma necessidade de representar os novos atores sociais que irromperam na sociedade argentina ou alcançaram novas formas de visibilidade. Tais transformações se davam especialmente no espaço urbano, atraindo os cineastas a delinear novos mapas sociais e geográficos através dos filmes, nos quais predominava um olhar documental e realista devido à urgência de testemunhar e registrar o presente (VELIZ, 2010). 7 Em seu estudo sobre o nuevo cine argentino, Jens Andermann (2015) dedica um capítulo à cidade como locação principal para a mise en scène da crise social. Após uma breve discussão que aponta o estouro da crise de dezembro de 2001 6 Ademais, como comenta Nicolás Prividera, não se trata de generalizar, mas de pensar em termos geracionais: “Se todas as gerações têm suas irreconciliáveis diferenças, também as une um mesmo pertencimento (mesmo que seja apenas a um tempo e espaço determinados, e aos conflitos que as atravessam), e essa inevitável comunidade não pode senão produzir uma obra em comum” (2014, p. 46). 7 Como comenta Sergio Wolf, parece haver “uma espécie de grande consciência por parte dos diretores [do NCA] de que o único que podem contar é o que tem defronte de si agora, diantede seus olhos, e não houvesse nada atrás ou à frente” (2004, p. 179). Sobre essa imersão dos cineastas do nuevo cine no presente, ver a tese de doutorado História e cinema. O tempo como representação em Lucrecia Martel e Beto Brant (2010), da historiadora Mônica Brincalepe Campo. Ver também El país del cine (2014), de Nicolás Prividera, que segue um caminho diferente aos de Wolf e Campo, ao fazer uma crítica contundente a essa ancoragem no presente, considerando os filmes (especialmente as ficções) a-históricos e apolíticos. 9 como uma intervenção cinemático-urbana, o autor considera quatro itinerários pela cidade contemporânea como lugar da crise: o espaço nômade das margens sociais, o interior doméstico ameaçado da classe média, os espaços noturnos e codificados da diversidade sexual e a cidade desfamiliarizada, alternativa e habitada por imigrantes e exilados. Para Andermann, “todos esses itinerários podem ser pensados como tentativas de construir uma perspectiva distanciada e deslocada para dar conta do estranhamento que todos os habitantes de Buenos Aires experimentam como resultado da crise urbana” (2015, p. 18). No primeiro tópico proposto, o teórico destaca como as margens e os marginalizados provocaram uma fissura no urbano com o qual o cinema argentino estava acostumado: o que antes ficava fora de campo torna-se o cerne dos filmes. Andermann se ocupa especialmente de Pizza, birra, faso para abordar essa questão. Considerado o filme inaugural do NCA, o longa de Caetano e Stagnaro foi analisado amiúde com respeito à relação que estabelece com a cidade – relação cujas características iriam ecoar em muitas outras produções, como as aqui citadas. Uma dessas características, destacada por Andermann, é a desiconização da cidade: ao invés de pontos reconhecíveis, a ação transcorre em esquinas anônimas, entre postos de comida barata e descampados suburbanos às margens do rio. O Obelisco, postal portenho por excelência, é literalmente invertido, (...) com a monumentalidade de sua superfície visível corroída pela podridão social, não só porque se descobre que o mesmo é oco por dentro, mas por conter um refúgio temporário para vagabundos, com recortes de revistas pornôs como papel de parede. Mais ainda, a ascensão dos jovens até o topo do monumento não produz nenhuma vista panorâmica da cidade a seus pés, como uma espécie de empoderamento visual momentâneo e compensatório dos excluídos (...). De fato, [tal empoderamento] é deixado de lado quando Frula (Walter Díaz) se apoia em uma das janelas, dando as costas ao espetáculo de luzes que podemos apenas entrever atrás dele (ANDERMANN, 2015, p. 76). Seguindo a Joanna Page (2009), Andermann pensa ainda como a marginalização, em Pizza, birra, faso, se explora principalmente mais como uma disjunção temporal que como um deslocamento espacial: na urbe globalizada, de fluxos e movimentos acelerados, estar sentado, sem fazer nada, como ocorre com os jovens do filme, é ser identificado como parte dos párias da cidade. O autor considera as imagens 10 que abrem o longa uma espécie de manifesto fundador de um cinema que se coloca do outro lado do limite de velocidade do neoliberalismo. No artigo “Pizza, birra, faso: la ciudad y el margen” (2009), Malena Verardi faz um dos mais interessantes exames do filme que, segundo ela, permite dar conta das transformações dos modos de representar a cidade e da relação entre os espaços urbanos e suburbanos no NCA. Analisando a estruturação de espaços, Verardi encontra, como princípio construtivo, a constante delimitação de um dentro e um fora, configurando uma cidade dual de espaços exclusivos e marginais. Nessa cidade, as exclusões espacial e social se determinam mutuamente: A partir da perspectiva espacial, o relato apresenta a cidade como demarcada por fronteiras que separam as zonas de possível ação para os jovens protagonistas de aquelas cujo acesso não lhes é permitido. A narração manifesta a polarização de uma cidade que, cada vez mais, vincula os espaços com a capacidade de consumo de seus habitantes. Embora os protagonistas circulem livremente pelas ruas da cidade, toda vez que ingressam em uma “zona proibida” a imagem se encarrega de fazer visível certo incômodo, certa defasagem, evidenciando o não pertencimento dos jovens. Ao contrário, quando circulam pelos espaços marginais que habitam cotidianamente, produz-se um encaixe com a paisagem. A mise en scène dessa polarização questiona a naturalização de um olhar que demonstra a indiferença quando a miséria – dos espaços e dos personagens – se circunscreve a determinado âmbito, e incômodo se essa miserabilidade atravessa as fronteiras de seu nicho para se introduzir nesse outro espaço (...). A resolução da tensão entre permitido- proibido e dentro-fora se dá com o encurralamento dos marginais em direção, justamente, à margem da cidade, onde se efetiva sua expulsão final. A partir da perspectiva social, o relato dá conta da impossibilidade de inscrição no tecido da sociedade que vigora para os protagonistas (VERARDI, 2009). Gonzalo Aguilar também utiliza o filme para desenvolver o conceito de nomadismo, em seu seminal ensaio sobre o NCA, Otros mundos (2006). Nesse estudo, o autor entende o nomadismo como um estado contemporâneo de permanentes movimentos, translações, situações de não pertencimento e dissolução de qualquer instância de permanência, 89 e o opõe ao sedentarismo. Porém, ainda que a mobilidade seja importante para determinar se a narração é nômade ou sedentária, o pesquisador 8 Como afirma Aguilar, é possível falar de migração ou de diáspora, mas a virtude do termo nomadismo é que excede a questão nacional ou comunitária. 9 Essa descrição nos remete à fuga da qual se ocupa Dipaola e, por vezes, Aguilar usa essa denominação para referir-se ao nomadismo. 11 desenvolve as noções de nomadismo e sedentarismo mais a partir do papel que as famílias ocupam nas narrativas – ainda que se trate de famílias em crise. Segundo Aguilar, Quando os personagens insistem em manter essa ordem (patriarcal), nos encontramos ante um processo de desagregação e uma imobilidade, uma paralisia e uma letargia que merece a denominação de sedentarismo. Quando a família, ao contrário, está ausente e os personagens não têm um lugar de pertencimento nem um lar ao qual retornar, nos encontramos ante um caso de nomadismo. Na verdade, nomadismo e sedentarismo são signos complementares dos novos tempos, mas mostram estados diferentes: enquanto o nomadismo é a ausência de lar, a falta de poderosos laços de pertencimento (restritivos e normativos) e uma mobilidade permanente e imprevisível, o sedentarismo mostra a decomposição dos lares e das famílias, a ineficácia dos laços de associação tradicionais e modernos e a paralisia daqueles que insistem em perpetuar essa ordem (AGUILAR, 2006, p. 41). Assim, o que é decisivo nessa classificação do autor é a família como mundo de referência e a existência ou não de um lugar estável (algo como um lar) para o qual os regressos sejam sempre possíveis. De qualquer forma, tanto nomadismo como sedentarismo pressupõem deslocamentos: o primeiro trata do trânsito por espaços nos quais nenhum chega a se converter em ponto de retorno; predominam os itinerários erráticos ou em direção ao mundo dos dejetos, da vagabundagem e da delinquência (tudo aquilo que o capitalismo pretende colocar, imaginariamente, nas margens, como assinala Aguilar). O segundo se refere a um movimento espiralado e em direção aos interiores; vence a claustrofobia e a desintegração. Pizza, birra, faso sintetizaria as coordenadas do cinema nômade, enquanto O pântano (La ciénaga, Lucrecia Martel, 2001) seria o representante mais incisivo do cinema sedentário. O sedentarismo do qualfala Aguilar conecta-se com o segundo tópico desenvolvido por Jens Andermann: o do interior doméstico ameaçado da classe média. O teórico alemão agrega mais uma camada ao conceito de Aguilar: para ele, o foco do sedentarismo no lar e em suas extensões implica a possibilidade de narrar não apenas a crise, mas, também, a recuperação (uma possibilidade de “retorno” que não está à disposição do nomadismo). Assim, o espaço interior é uma esfera de pertencimento pela qual se deve tomar partido e defender de um exterior hostil (o da debacle financeira) e em torno da qual a comunidade pode se reunir e recuperar sua força. Invoca-se e, ao mesmo tempo, nega-se a crise da cidade e da nação, que se “resolve” através da retirada 12 a espaços interiores que albergam um núcleo de valores (ANDERMANN, 2015, p. 87). Segundo Andermann, os filmes de Juan José Campanella O filho da noiva (El hijo de la novia, 2001) e Clube da lua (Luna de Avellaneda, 2004), com o restaurante familiar e o clube de bairro, respectivamente, seriam representativos dessa reconstrução da comunidade, 10 assim como Esperando o messias (Esperando al mesías, 2000), O abraço partido (El abrazo partido, 2003) e As leis de família (Derecho de familia, 2005), de Daniel Burman. O terceiro tópico exposto por Andermann discute a cidade como um espaço erotizado, conectado de forma imediata e intensa com sua condição de mercado enquanto cenário para o espetáculo da mercadoria. Trata-se de uma cidade noturna que corresponde tanto ao lado escuro do neoliberalismo 11 como a um plano onírico povoado de fantasias que abordam a experiência urbana da diversidade sexual. Nos filmes que se encaixam nessa tendência – o autor destaca Un año sin amor (Anahí Berneri, 2004), Ronda nocturna (de Edgardo Cozarinsky, escritor e importante figura do cinema under dos anos 1970 que volta a filmar na Argentina após vinte anos em Paris, 2005) e o já citado Vagón fumador –, a atitude frente à crise costuma ser mais ambígua e complexa, já que não se busca a recomposição de nada. Aparecem outras temporalidades, problemáticas e modos de experimentar e codificar o espaço urbano que, ao ser mais múltiplo e fluído, propõe outras questões para além das mais frequentes como centro/margem, ricos/pobres, família/desagregação. Em sua tese de doutorado sobre figuras fantasmagóricas no cinema latino- americano do século XXI e as marcas da crise no imaginário da cidade contemporânea, Carolina Rueda considera que, na produção cinematográfica pós-2000 do continente, o mapa físico da cidade adquire importância visceral e se converte em uma ferramenta fundamental mediante a qual se exibem a marginalização de comunidades, as grandes diferenças sociais e a desordem do espaço urbano em geral, entre outros efeitos da 10 Apesar de ser considerado parte do NCA, especialmente no exterior, Campanella trabalha com modos de produção e poéticas bastante diferentes aos do nuevo cine, sendo mais ligado aos grandes conglomerados de comunicação e a grandes estúdios. Fabián Bielinsky e Marcelo Piñeyro, junto a Campanella, são alguns realizadores que se destacam entre esses “diretores industriais”. Tais esquemas mais “industriais” de produção também foram renovados a partir de meados dos anos 1990 para acompanhar os novos padrões de consumo. Podemos notar renovações estéticas e temáticas que se correspondem com as propostas do NCA, sendo a presença da cidade uma delas – filmes como Nove rainhas (Nueve reinas, Bielinsky, 2000) e Taxi, un encuentro (Gabriela David, 2000) são exemplos notáveis da importância do espaço urbano nas tramas. 11 Nesse sentido, Verardi (2009) já chamava a atenção para Pizza, birra, faso como um filme noturno, no qual a noite parecia ser o cenário mais adequado para a observação daquelas cenas que o dia invisibilizava. 13 economia global/neoliberal (2012, p. 17). A cidade se descobre como um espaço simbólico que contém tanto sinais do passado como dos efeitos das mais recentes políticas econômicas – sinais que a autora vai interpretar através do conceito de fantasmagoria: aquilo que se encontra oculto no inconsciente coletivo e histórico, e que o cinema vai colocar em cena. Ronda nocturna é um dos filmes privilegiados por Rueda para abordar as capacidades de resistência e de desfrute do outro rechaçado em meio de uma vida incerta, mas não totalmente desafortunada, em megas urbes – entrecruzando o primeiro e o terceiro tópicos de Andermann. Para Rueda, o filme de Cozarinsky expõe tanto a vida “sem-teto” (nesse sentido, repercutindo também o nomadismo de Aguilar) e sua precariedade como propõe um giro que busca ressignificar a rua (enquanto referente do abjeto) ao apresentá-la nos termos de um espaço propício para a autonomia pessoal, a liberdade e o gozo. Sem ocultar os problemas da marginalidade urbana, o filme retrata o potencial do espaço físico da cidade e do sujeito que vive na rua e da rua. A autora conclui repercutindo Walter Benjamin (quando este se referia à Paris do século XIX), que afirmava que aqueles que vivem na rua e aproveitam o que ali se encontra são sujeitos revolucionários: por um lado, por serem capazes de modificar marcas passadas para gerar formas de resistência em relação às crescentes redes de controle e aos ditames sociais e, por outro, por serem capazes de contribuir com a criação de formas alternativas de agir, geralmente rejeitadas pelos setores convencionais da sociedade (Rueda, 2012, p. 135-136). As ideias de Andermann e de Rueda continuam dialogando ao tratarem de Bolivia – analisado, pelo primeiro, sob o tópico da cidade desfamiliarizada, alternativa e habitada por imigrantes e exilados; e, pela segunda, a partir dos problemas de (i)migração, especialmente do campo à cidade. Sendo que o NCA encontra na cidade uma maneira de localizar a crise, como afirma Andermann, para este autor a migração, a diáspora e o exílio capturam esse traço fragmentário e desarticulado da cidade cinematográfica melhor que qualquer outra forma de experiência. A virada daquela Argentina que atraía as pessoas nos anos 1990 para a Argentina que ultrapassava os 20% de desemprego em 2001 acabou fazendo com que muitos imigrantes sem condições de retorno ao local de origem (ou sem ter para onde ir) tivessem de se adaptar à nova realidade do país. Como coloca Andermann, “o migrante preso em um lugar que, 14 ao invés de um refúgio seguro, resulta ser um lugar de desastre socioeconômico, sofre um duplo deslocamento, desligado tanto do lar que abandonou como do destino que, em algum momento, parecia albergar a promessa de um futuro melhor” (2015, p. 99). Os filmes (além de Bolivia, alguns documentários) aos quais se dedica Andermann nesse último tópico, intitulado por ele como “Cidades em trânsito”, proporcionam, segundo o teórico, um ponto de vista diverso sobre uma cidade e um país em crise. No longa de Caetano, a atenção recai sobre o lugar no qual se dá a ação (um bar/café em Buenos Aires), utilizando tal espaço para pensar como as pessoas o ocupam e como isso as coloca, automaticamente, em um papel social: o lugar como localização e como função, dependendo de onde cada um se encontre na cadeia de produção capitalista. Como comenta Gonzalo Aguilar (2006), a morte do protagonista, o boliviano Freddy, se dá no umbral entre o bar e a rua, como se este fosse um lugar que ele não deveria ultrapassar. Rueda se concentra mais na história de ressentimento e “ódio” do outro (no caso, o imigrante boliviano) e na persistência no presente da discriminação racial e da xenofobia de acordo com o remoto conceito de “civilização e barbárie”, remetendo ao violento processo segregacionista de formação da nação argentina. Porém, a autora também reconhece como se conforma uma série de territórios dentro do reduzido espaço do café, os quaisse correspondem com o ofício e a subjetividade de cada personagem. Para ela, esses territórios encontram-se divididos por linhas imaginárias de certa forma análogas aos extensos territórios que, dentro do mapa do país, narram uma história de hierarquias e de subalternização – forma de organização que também se repete na cidade, como podemos lembrar no já comentado Pizza, birra, faso. Em seu trabalho sobre a renovação do espaço no nuevo cine, Marcos Adrián Pérez Llahí (2007) prefere se debruçar sobre produções que se situam nas antípodas de um realismo reinante, como Picado fino (Esteban Sapir, 1996), sobre a qual comenta que “a opacidade que a vocação experimental dá ao filme não termina nunca de apagar seu compromisso oblíquo com o lugar real que o filme não chega a atualizar completamente, pois está aferrado aos enquadramentos fragmentários e aos planos detalhes” (p. 76), característica que estende a El nadador inmóvil (Fernán Rudnik, 2000). O autor ainda cita Hoteles (Aldo Paparella, 2004) e Monobloc (Luis Ortega, 2005), nos quais há um corte definitivo com a identificação do lugar real – independente disso, o espaço continua tendo uma função marcante nos relatos. 15 Há ainda os filmes de ficção científica que trazem cidades inventadas ou reinventadas: Moebius (Gustavo Mosquera, 1996), La sonámbula (Fernando Spiner, 1998) e La antena (Esteban Sapir, 2007). Para falar do cinema de ficção científica argentino, Andrea Cuarterolo (2007) parte de uma referência inevitável dentro da cinematografia do país: Invasión, de Hugo Santiago (1969). Com argumento de Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares e roteiro do diretor junto a Borges, para muitos o filme se encontra mais próximo do cinema fantástico ou noir que da ficção científica; porém, a autora o considera um solitário antecedente que traça diversas linhas que serão seguidas pela maioria das obras nacionais do gênero: (...) Os caminhos abertos pelo filme de Santiago permitirão, por um lado, o surgimento de uma versão vernácula do gênero com identidade própria e, por outro, ajudarão a outorgar verossimilhança a uma temática, até então, ligada ao imaginário hollywoodiano. A primeira dessas linhas se relaciona com a construção do espaço. Santiago situa a ação do filme em Aquilea, uma cidade imaginária, mas que remete, inconfundivelmente, a Buenos Aires. (...) O próprio Santiago reconhece que “Aquilea é Buenos Aires mas é Aquilea e é a Argentina mas é Aquilea”. Desta maneira, identifica o referente para depois desnaturalizá-lo. Nesta operação, toma diversos aspectos da cidade real (as ruas centrais, a paisagem portuária, o típico café portenho, a Bombonera) e os reorganiza com uma nova lógica, criando um espaço, ao mesmo tempo, estranho e familiar, ameaçador e cotidiano, imaginário e real. Com mais ou menos variações, é esta forma de construir o espaço que vai marcar a maioria dos filmes argentinos de ficção científica das décadas seguintes (CUARTEROLO, 2007, p. 83- 84). 12 Assim, as produções de ficção científica do nuevo cine também mantêm a atenção voltada para o espaço urbano: seja representando cidades fictícias que seguem convenções do gênero; seja recuperando índices da cidade contemporânea para projetar uma cidade construída; ou quando a concepção visual pareceria não diferir da cidade atual, mas por efeito da narração a transforma em uma cidade imaginária (BRIGNARDELLO, PÉREZ RIAL e TURQUET, 2008). *** 12 Pérez Llahí, no texto citado anteriormente, também invoca o filme de Santiago para tratar da reinvenção do espaço no cinema argentino: “Invasión é, definitivamente, o primeiro expoente de um cinema argentino que vai começar a lutar com seu território para inventar um lugar próprio no qual transcorrer, mesmo que nunca deixe de estar tingido de uma inevitável localidade” (2007, p. 75). 16 No livro World film locations: Buenos Aires (2014), 13 uma série de pesquisadores abordam inúmeros filmes (especialmente argentinos) do cinema silencioso aos dias atuais em sua relação com a cidade de Buenos Aires. 14 Questões bastante interessantes sobre tal relação são sugeridas, porém pouco desenvolvidas – em sintonia com a breve extensão do material, e de seu perfil pouco acadêmico (de caráter divulgador, destinado a um público amplo e plural). De qualquer maneira, os pontos abordados oferecem um panorama preliminar bastante completo da ligação entre o espaço urbano da capital argentina e a cinematografia do país, pinçando aspectos como: - a oposição entre a vida idílica no campo e a cidade corruptora, ou a nostálgica e pitoresca vida rural versus a exaltação do progresso modernizador de Buenos Aires que caracterizaram por muitos anos a produção local dos primeiros tempos; - a chegada do som que demandava lugares, ruídos, idioma e músicas reconhecíveis; - os filmes de tango que ofereciam um mapeamento particular de Buenos Aires com a presença dos arrabales (arrabaldes, subúrbios), conventillos (cortiços), casas modestas em partes não tão famosas da cidade, esquinas particulares de La Boca, cafés e bares de bairro, cabarés e milongas; - o peronismo que transformou Buenos Aires em um espaço social e politicamente contestado, ao mesmo tempo em que impulsionou o cinema nacional com diversas leis de fomento e proteção; - a apresentação da cidade como possibilidade revolucionária pelos cineastas das décadas de 1960 e 1970, cuja clandestinidade fazia da realização e da exibição cinematográfica urbana um ato político; - a reconfiguração do espaço urbano nos filmes pós-redemocratização, com a ocupação e reemergência da cidade: o espaço público, antes opressivo, é aberto, e as ruas são lugares privilegiados para se pensar o passado recente; 13 Este exemplar faz parte da coleção World Film Locations, cujo objetivo, segundo o site da Intellect Books (uma das editoras), é explorar e revelar as relações entre a cidade e o cinema usando uma aproximação predominantemente visual (http://www.intellectbooks.co.uk/books/view-Series,id=27/). Inspirada pela seção “On location” da revista The Big Picture (também editada pela Intellect: http://thebigpicturemagazine.com/), a série já lançou mais de quarenta livros desde 2011. 14 Na introdução da compilação, os organizadores Santiago Oyarzabal e Michael Pigott esclarecem que a Ciudad Autónoma de Buenos Aires é delimitada pelo Riachuelo e pela autopista General Paz, mas que o livro abarca também os subúrbios que a permeiam e penetram: tais áreas, que compõem a Grande Buenos Aires, não são apenas essenciais à identidade da Capital Federal, mas as diferenças, as interações e os ideais que surgem dessa coexistência estão intimamente imbricados no cotidiano da(s) cidade(s). http://www.intellectbooks.co.uk/books/view-Series,id=27/ http://thebigpicturemagazine.com/ 17 - finalmente, e como viemos discutindo até aqui, a consolidação do espaço urbano como um lugar privilegiado para se pensar as relações sociais, políticas e culturais nos filmes do NCA – os quais, geralmente, ignoram ícones arquitetônicos e promovem uma rica exposição da vida na cidade. E como se dá a relação entre a cidade e o cinema argentino nos últimos anos? Como afirma Gonzalo Aguilar em um breve epílogo para a edição de Otros mundos publicada em 2010, “muitos dos princípios que regiam o cinema a princípios dos anos 2000 se modificaram radicalmente, e o que antes eram casos isolados hoje configuram uma tendência cujos caminhos são muito difíceis de prever” (p. 238). Há mais de uma década já se discute que o nuevo cine transitou o tempo de uma geração inteira, lapso demasiado extenso para a dinâmica própria de um movimento cinematográfico. David Oubiña, por exemplo, escreve em 2004 que, após dez anos, a renovaçãoterminou por construir outro establishment, renunciando frequentemente à experimentação para refugiar-se nas convenções, na autoindulgência e no conservadorismo. Sergio Wolf, em um debate promovido pela revista Otros Cines em 2007, denominado “Qual é a verdadeira situação do cinema argentino?”, prefere propor outro enfoque e fixar uma periodização do NCA a partir da estreia, naquele ano, de dois filmes que ele considera definidores, devido à capacidade de refletir sobre suas próprias problemáticas: Estrellas (Federico León e Marcos Martínez) e UPA – Una película argentina (Camila Toker, Santiago Giralt e Tamae Garateguy). Justamente, a autoconsciência de dois filmes recentes como Estrellas e UPA me faz pensar em um modelo que já é um circuito fechado, encerrado. A ironia sobre os não atores e o cruzamento entre o documental e o ficcional em Estrellas; a ironia sobre o cálculo dos novos diretores que fazem filmes pensando nos festivais em UPA demonstram o esgotamento de um período e propõem (inclusive através do jogo e do humor) a necessidade de passar a outra fase (WOLF, 2007). Historias extraordinarias (Mariano Llinás, 2008) é outro filme considerado divisor de águas entre o NCA e o que virá depois. Houve grande furor entre a crítica argentina, que o comparou, várias vezes, com Pizza, birra, faso, no sentido que, depois dele, o cinema nacional não seria o mesmo. Agustín Campero escolheu a produção de 18 Llinás para fechar seu livro Nuevo cine argentino. De Rapado a Historias extraordinarias (2009), Jaime Pena utilizou o título para nomear a compilação organizada por ele Historias extraordinarias. Nuevo cine argentino 1999-2008 (2009), localizando-o como arremate da primeira década de NCA ou inaugurador de um NCA 2.0 que então se iniciava, e Gonzalo Aguilar o colocou como principal representante do que chamou de cinema anômalo. A consolidação do cinema anômalo, segundo Aguilar, foi um dos acontecimentos mais significativos no cinema argentino entre 2006 e 2010, período entre a publicação de Otros cines e de sua reedição. Com este termo, ele se refere a uma série de filmes que não se vinculam ao INCAA para conseguir orçamento e que buscam instaurar outros circuitos de exibição. Partindo do subtítulo do livro de Campero, Aguilar acredita que o NCA traçou o caminho de um filme independente a outro. Porém, enquanto Rapado foi uma obra independente em um contexto hostil; descobrimento e aprendizagem ante a escassez de opções, Historias extraordinarias tem a independência como uma escolha, uma postura estética, política e vital; estratégia e fortalecimento de um modo de pensar o cinema (AGUILAR, 2010, p. 240). Dessa forma, o cinema anômalo não se enfrenta necessariamente a uma ordem, mas se faz à margem dela, e foi o filme de Llinás que realizou essa torção e inaugurou uma nova modalidade de realização fora dos moldes de produção previsíveis e convencionais 15 e de busca do público em outros lugares que não os cinemas – como os museus. Assim, apesar de sua narrativa de aventuras, do excesso de elementos e da voz over predominante que confronta a estética minimalista de grande parte dos filmes do NCA, Historias extraordinarias se configura como ponto de inflexão mais por sua forma de produção que pelo paradigma estético que promove. Como provoca Nicolás Prividera (2014), o filme de Llinás não possui nada de extraordinário em si mesmo – construindo-se, na verdade, como uma profusão de histórias mínimas e reproduzindo o modelo do título a que parece contestar: Historias mínimas, de Carlos Sorín (2002) – e 15 Mais especificamente, q ue se convencionaram a partir das leis de fomento de meados da década de 1990, que citamos anteriormente. Tais leis, benéficas para estabilizar o fenômeno do nuevo cine, deveriam ser repensadas e atualizadas, segundo propõem esses novos cineastas (que, aliás, não deixam de produzir através de outros caminhos enquanto se envolvem nesse debate). 19 seu maior mérito é obrigar a uma revisão do cinema argentino em geral e do NCA em particular. 16 Pensar e expor todo esse itinerário me pareceu importante para, finalmente, sistematizar o que me interessa explorar neste trabalho: como se concebe e se percebe a cidade nos filmes pós-NCA. O espaço urbano ainda seria privilegiado na cinematografia argentina contemporânea, após alguns anos de intensas modificações no panorama cinematográfico (com a consolidação das carreiras de diversos diretores e produtoras do nuevo cine e o incessante aparecimento de novos e diversificados cineastas, estéticas e modos de produção), como questiona Gamberini? Ainda são válidos conceitos como os de fuga, nomadismo, sedentarismo, entre outras categorias que expusemos anteriormente, como as propostas por Jens Andermann? A decisão de adotar uma perspectiva do presente não obedece tanto a uma opção metodológica, mas a uma estratégia que permite a análise crítica simultânea ao relato pessoal: tal recorte me interpela tanto teórica quanto intimamente. Ademais, me faz pensar que lugar ocupa minha própria produção na elaboração do conhecimento (especialmente se tratando de uma mirada estrangeira), e é também por isso que assumo os riscos do ensaio, com o que esta forma implica de envolvimento subjetivo e de pensamento em marcha. Nesse sentido, também me sinto mais à vontade para puxar algumas linhas e deixá-las soltas. Sete filmes irão compor o eixo do texto: El asaltante (2007) e La sangre brota (2008), ambos de Pablo Fendrik, cujas ruas da cidade são, quase exclusivamente, o espaço da ação, assim como em Castro (Alejo Moguillansky, 2009); Una semana solos (Celina Murga, 2008) que se desenvolve dentro de um condomínio fechado de alto padrão; O homem ao lado (El hombre de al lado, Gastón Duprat e Mariano Cohn, 2009) que se passa dentro de uma casa e no limiar da mesma, dramatizando a questão dos espaços público e privado; Elefante branco (Elefante blanco, Pablo Trapero, 2012) cujos conflitos se dão em uma favela; e Bem perto de 16 A despeito do ânimo de manifesto que o longa de Llinás gerou, é importante não esquecer que Raúl Perrone (considerado um dos pioneiros e inspiradores do NCA) filma e exibe por fora dos circuitos tradicionais desde suas primeiras produções do fim dos anos 1980 até hoje (somando em seu currículo mais de 30 obras). Há também todo um universo de produção de filmes B que se concentra no já consolidado Buenos Aires Rojo Sangre – Festival Internacional de Cine de Terror, Fantástico y Bizarro, que se realiza desde 2000. Imagino que, com o cada vez mais disseminado uso do digital, devem existir inúmeras outras redes de realização e difusão independentes que não lograram a visibilidade do filme de Llinás, mas integram o que Aguilar denomina cinema anômalo. 20 Buenos Aires (Historia del miedo, Benjamín Naishtat, 2014), no qual temos personagens que habitam um bairro privado, um alto edifício no centro da cidade e a periferia. A partir deles, poderão ser estendidas conversas com outros filmes do país e também latino-americanos, especialmente brasileiros, para complexificar e dimensionar de forma relacional as proposições apresentadas – sendo que não se configura um compromisso com reflexões aprofundadas dos mesmos, mantendo maior atenção sobre a cinematografia argentina. Nessas produções, a cidade constitui potente linha de força para perceber a vida social e seus conflitos e não é apenas cenário, mas elemento fundamental e estruturante, como explorarei nas análises. Sergio Wolf afirma que, ademais de poder examinar os modos como o espaço é construído no cinema, o mesmo também pode ser pensado como tema. Para o crítico argentino, “há filmes nos quais a topografia demarca e expande outras coordenadas,conota e informa algo mais que o referido a seu valor de uso para o relato ou para os personagens” (1993, p. 45, destacados no original). 17 Nos últimos 20 anos, a relação entre cinema e cidade tem sido objeto de sucessivas conferências ao redor do mundo, de um grande número de livros e coletâneas (especialmente em língua inglesa) e de especiais em revistas científicas de várias áreas. Dita relação tem alcances enormes e enfoques que convocam a quase qualquer disciplina humanística, tendo geralmente caráter interdisciplinar e possibilitando inúmeros cruzamentos metodológicos, especialmente com a Arquitetura, a Cartografia, a Geografia e a Sociologia. Grande parte dessa literatura acadêmica toma como embasamento teórico o reconhecimento, a partir da década de 1970, do espaço como categoria organizadora, e da espacialização como termo de análise e descrição da sociedade e culturas moderna e pós-moderna (MELLO, 2011). Esse fenômeno, intitulado spatial turn (guinada ou virada espacial), tem em Henri Lefebvre e Michel Foucault seus principais referentes, já que suas análises do espaço contribuíram bastante para o entendimento da organização e da coerência do mundo moderno, influenciando consideravelmente o interesse cada vez maior no espaço. Aos trabalhos dos filósofos 17 De maneira similar, Giuliana Bruno constata: “Lugares e até meios de transporte são específicos a gêneros fílmicos e ciclos que, por sua vez, mudam a maneira como remapeamos esses lugares. A estrada de ferro e a paisagem aberta geraram e moldaram o western, o espaço sideral definiu o domínio da ficção científica, o carro determinou o road movie, e a casa delimitou a fronteira do melodrama – uma fronteira não transgredida facilmente. Em muitos casos, no entanto, essas fronteiras existem apenas para serem transgredidas” (BRUNO, 2007, p. 28). 21 franceses unem-se os estudos de David Harvey, impulsionando uma reavaliação crítica do espaço e da espacialidade no pensamento social (ARIAS e WARF, 2009 apud ANDREWS, 2014). Costuma-se apontar a consolidação e o avigoramento do debate cinema/cidade a partir da conversa entre Karen Lury e Doreen Massey, em uma edição especial da revista Screen intitulada “Space/Place/City and Film”, publicada em 1999, na qual as pesquisadoras identificaram o foco no espaço (com uma inclinação desproporcional para o espaço urbano) e no filme como um subcampo de investigação. Apesar do interesse não apenas pelo histórico da relação entre cinema e cidade, mas também pelos updates dos tratamentos sobre o tema, não tenho a intenção de fazer um raconto dessas teorias. 18 O que me interessa – e frente à extensa possibilidade de engajamentos entre o cinema e a cidade – é expor as reflexões que deslindam a maneira como abordarei essa relação e que atravessarão e guiarão as análises. *** Jean-Louis Comolli (2008) aponta que filmar uma cidade recoloca a questão do sentido: reprodução do mesmo ou produção de outro? Sua interrogação me transporta à famosa frase de Marco Polo à Kublai Khan em As cidades invisíveis: “(...) jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe uma ligação entre eles” (CALVINO, 2003, p. 27). Essa ligação é constantemente destacada ao se tratar da cidade cinematográfica – ademais, em via de mão dupla: por um lado, quando os universos ficcionais se ancoram em lugares reais; por outro, quando tais universos afetam a maneira como o mundo é percebido. Conforme afirma Maria Helena Braga e Vaz da Costa (2006), um filme não somente retrata as cidades e os lugares, mas assume papel central na construção das 18 Vários títulos poderão ser consultados nas referências, ao final do texto, e muitas obras já trataram de recuperar e sistematizar tal bibliografia, entre as quais gostaria de destacar a introdução de Julia Hallam e Les Roberts ao livro organizado por eles Locating the moving image (2014), na qual buscam esclarecer denominações e delinear teórica e metodologicamente perspectivas pertencentes à virada espacial nos estudos de cinema, identificando áreas temáticas e indicando seus autores; e Film and urban space: critical possibilities (2014), de Geraldine Pratt e Rose Marie San Juan, cujo título já diz a que vem. Um dos poucos materiais em português que podem ser consultados é o excelente relatório de pós-doutorado de Cecília Mello: Movimento e espaços urbanos no cinema mundial contemporâneo (2011). 22 imaginações geográficas dos indivíduos, ajudando tanto a “inventar” esses espaços quanto influenciando o entendimento dos mesmos. Adrián Gorelik (2004) reforça essa perspectiva, ao sustentar que a cidade e suas representações se produzem mutuamente: não há cidade sem sua representação, e as representações não apenas decodificam o texto urbano em conhecimento social como incidem no próprio sentido de transformação social da cidade. Para Pérez Llahí (2013), a cidade já se constitui como um discurso prévio ao filme: a figuração da cidade no filme supõe, pois, uma relação intertextual entre esse discurso anterior e aquele que se erige, então, em forma audiovisual. Para Prysthon (2006), há muitos modos de representar o urbano: modos estes que vão gerando padrões estéticos, os quais vão imaginando, desenhando e construindo outras cidades, outras formas de traduzi-las. Da mesma maneira, para Sylvia Caiuby Novaes (2012), a cidade é um acervo de imagens que se constroem ao longo da história, que se preservam na memória coletiva e que são apropriadas pela memória individual – imagens que, de diversos modos, ativam o imaginário sobre este espaço e que os cineastas, por sua vez, nos devolvem, construindo novas imagens. Assim, não busco opor a “cidade real” à “cidade cinematográfica”, mas entrecruzá-las. Os filmes do corpus foram realizados em locações e é claro o anseio de localizá-las, seja por externas ou internas de marcos reconhecíveis ou, na ausência deles, por meio de referências através de diálogos ou da caracterização dos personagens. Afinal, como afirma Davi Arrigucci Jr., a ficção não se traduz em realidade imediata – os filmes inventam suas próprias verdades imaginárias por meio de procedimentos de linguagem e de construção, afastando-se do mero documento. “Essa verdade humana inventada é muito mais viva e reveladora da experiência histórica e de uma tremenda realidade, do que se ele [o cinema] se limitasse a reproduzir fatos da realidade aparente” (2006, p. 12). Segundo Sergio Wolf (1993), a problemática do espaço é central no relato cinematográfico, já que consiste em transformar o que comumente é uma multiplicidade de lugares heterogêneos em uma unidade de lugares, dado que estes existem da maneira determinada pelos criadores apenas dentro do filme. Assim, mais que representar, o 23 cinema intervém no espaço. 19 Irene Depetris Chauvin (2013) aponta que uma forma de compreender essa intervenção é através da categoria de prática espacial, a partir da qual Michel de Certeau (1994) concebe o espaço como um lugar praticado, resultado da mobilidade dos corpos, da experiência e da interação humana. Esse andar dos indivíduos configura uma enunciação pela qual, como resultado do movimento, da prática, os “lugares” adquirem novos sentidos que os convertem em “espaços”. (...) A ficção é entendida, também, desde esta perspectiva, como uma proposta de deslocamento na qual toda história seria uma história de viagem, uma prática espacial, cujos “recorridos” fazem ver os “lugares” de um modo particular e os convertem em “espaços”. Embora Certeau analise os trânsitos citadinos e nunca se refira diretamente ao cinema, a ênfase nas trajetórias e nas práticas é aplicável ao cinema. Muitos aspectos da imagem em movimento têm a ver com os atosde habitar e atravessar o espaço: os filmes realizam “recorridos” de seus espaços, mas, ao mesmo tempo, o aparato cinematográfico reinventa esses espaços antes que reproduzi-los mimeticamente (DEPETRIS CHAUVIN, 2013, p. 160). Cecília Mello também trabalha com a visão do cinema como prática espacial, mas se dedica a pensá-lo mais como produtor de espaços: ao movimentar-se através do espaço real, o cinema acaba criando um novo espaço, o espaço cinematográfico, construído a partir do enquadramento, dos ângulos e movimentos de câmera, da iluminação (natural ou artificial), da interação com os atores ou os habitantes reais de uma cidade, da montagem, em suma, de todos os recursos da arte cinematográfica e das outras artes com as quais o cinema interage (MELLO, 2011, p. 35). Além de Certeau, Mello 19 Stephen Heath, em seu texto Narrative space (1976), considera que o cinema manipula o espaço ao longo do desenvolvimento de uma narrativa. Para Heath, isso se dá especialmente através do movimento dos personagens, da câmera e de uma tomada para outra (por meio da montagem se representa a “passagem” de um espaço a outro no tempo). É possível também fragmentar o espaço como, por exemplo, através dos closes. Mark Garrett Cooper (2002) avança sobre as ideias de Heath, propondo que a construção do espaço fílmico também pode se dar em apenas um frame fixo – ou seja, mesmo que não haja movimento ou edição. Além das intervenções de Cooper, Cecília Mello observa como a abordagem de Heath foi sendo contestada a partir da identificação de uma qualidade sensorial da experiência cinematográfica por Gilles Deleuze que assinalou, nos anos 1980, uma passagem do modelo espectatorial de óptico para háptico, contribuindo assim para um distanciamento da noção de representação na teoria do cinema: “A ênfase na natureza háptica da experiência cinematográfica pôs em xeque abordagens acerca do espaço no cinema tais como a de Stephen Heath (1976), afinada à tradição teórica de inspiração semiótico-psicanalítica. Para Heath, a narrativa seria o elemento que asseguraria um posicionamento coerente ao espectador habituado ao ponto de visto estático da perspectiva renascentista, garantindo a coerência espacial a despeito da mobilidade inerente ao cinema. No processo de revisão pelo qual passou a teoria cinematográfica, a ideia do cinema como herdeiro direto da perspectiva Renascentista foi plenamente rechaçada, e a apreciação do espaço fílmico passou a ser considerada acima de tudo a partir da experiência tátil e do movimento” (MELLO, 2011, p. 57). Tratarei mais detidamente da qualidade háptica do cinema no capítulo 2. 24 utiliza as conceituações de Milton Santos e de Doreen Massey do espaço como elemento transitório e em constante mutação, centrais para que se dissipe a ideia do mesmo como algo fechado, imóvel e desprovido de movimento. Sob a perspectiva de Certeau, o espaço realiza-se enquanto vivenciado, ou seja, a partir de sua ocupação e apropriação, que o potencializa, atualiza, ressignifica constantemente – os sujeitos, em seus itinerários, simbolizam o lugar a partir das interferências, tanto corporais quanto cognitivas, nas configurações físicas do lugar. De maneira similar, Milton Santos (2014), partindo da noção de forma-conteúdo, 20 pensa o espaço como a articulação entre objeto e ação; potência e ato dialeticamente integrados. Para o geógrafo brasileiro, “a paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima” (2014, p. 103). A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse sentido, a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção transversal. O espaço é sempre um presente, uma construção horizontal, uma situação única. Cada paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos, providas de um conteúdo técnico específico. Já o espaço resulta da intrusão da sociedade nessas formas-objetos. Por isso, esses objetos não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é, de significação, de valor sistêmico. A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa condição, relativamente imutável; o espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente (SANTOS, 2014, p. 103-104). Já Doreen Massey (2008) concebe o espaço como uma imbricação de trajetórias, sempre aberto ao inesperado, ao acaso, e que, enquanto locus da existência contemporânea, é marcado pela multiplicidade, pelo encontro com o outro – colocando- nos permanentemente frente ao desafio do novo. Assim, o espaço não é fixo e está em permanente construção. Mello (2011) destaca como Massey, na entrevista a Lury, insiste na necessidade de se pensar o espaço como dotado de movimento, distinto de uma noção estática e divorciada do tempo, além de identificar a cidade como uma forma 20 “A cada evento, a forma se recria. Assim, a forma-conteúdo não pode ser considerada apenas como forma, nem apenas como conteúdo. Ela significa que o evento, para se realizar, encaixa-se na forma disponível mais adequada a que se realizem as funções de que é portador. Por outro lado, desde o momento em que o evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha uma outra significação, provinda desse encontro. Em termos de significação e de realidade, um não pode ser entendido sem o outro e, de fato, um não existe sem o outro. (...) Essa ideia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas de objetos [formas] e sistemas de ações [conteúdos]” (SANTOS, 2014, p. 102-103). 25 intensa de justaposições e simultaneidades e acreditar que o cinema (por ser um meio que viaja por espaços diversos) molda-se perfeitamente a essas características espaciais. Mello devota especial atenção aos estudos de Giuliana Bruno (2007) e a como ela define o espaço a partir de suas características dinâmicas, de seu constante movimento e oposto à ideia de representação ou recorte estático do tempo. Ainda seguindo a Bruno, a autora brasileira enfatiza a possibilidade do cinema em proporcionar o que se pode chamar de viagem do olhar – seu potencial de acessar, conhecer, criar impressões, sensações e até mesmo memórias urbanas a partir de um filme. Como assinala Pérez Llahí (2013), averiguar os vínculos entre cidade e cinema é dar conta dos laços possíveis entre a produção simbólica que implica o discurso audiovisual e aquela representada pela referência urbana. Ancorando-me nessas abordagens, procuro entender a cidade e o cinema como práticas espaciais, e foco na interconexão entre tais práticas na investigação da centralidade do espaço urbano, tanto para a compreensão dos conflitos e tensionamentos sociais que os filmes apontam quanto para a construção de suas imagens, sons e narrativas. Dessa forma, tento articular elementos da análise fílmica, da teoria e história do cinema e do processo criativo dos diretores a cidades que são tidas não apenas como estruturas físicas, mas também como espaços de significações, experiências, trocas e memórias, atentando para o que Regiane Ishii (2015) denomina investimentos espaciais, que envolvem complexos expedientes na passagem do espaço real para um novo, o espaço fílmico. *** Assim como Andermann distinguiu quatro itinerários pela cidade do NCA, localizo alguns temas que dialogam de forma prolífica com as sete obras escolhidas e que vão nortear o texto, intitulando os capítulos, como detalharemos a seguir. Entretanto, tais assuntos terminam por estar tão intrincados que, ao traçar a estrutura da tese, me veio à memória um jogo de espelhos contrapostos: um tópico se projeta em outro que se projeta em
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