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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE FARMÁCIA JOANA ANGÉLICA AVENA DE OLIVEIRA E SOUZA FITOTERAPIA COMO PRÁTICA INTEGRATIVA E COMPLEMENTAR: Discussão do risco de interações com fármacos utilizados no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 Rio de Janeiro 2017 Joana Angélica Avena de Oliveira e Souza FITOTERAPIA COMO PRÁTICA INTEGRATIVA E COMPLEMENTAR: Discussão do risco de interações com fármacos utilizados no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Farmacêutica, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência e Tecnologia Farmacêutica. Orientador: José Carlos Saraiva Gonçalves Co-orientadora: Elisângela da Costa Lima Rio de Janeiro 2017 Joana Angélica Avena de Oliveira e Souza FITOTERAPIA COMO PRÁTICA INTEGRATIVA E COMPLEMENTAR: Discussão do risco de interações com fármacos utilizados no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Farmacêutica, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisitos parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência e Tecnologia Farmacêutica. Aprovada em ____/____/____ ______________________________________________________________ José Carlos Saraiva Gonçalves, Doutor, Universidade Federal do Rio de Janeiro ______________________________________________________________ Elisângela da Costa Lima, Doutora, Universidade Federal do Rio de Janeiro ______________________________________________________________ Ana Cláudia Macêdo Vieira; Doutora; Universidade Federal do Rio de Janeiro ______________________________________________________________ Glorimar Rosa; Doutora; Universidade Federal do Rio de Janeiro ______________________________________________________________ Lenita Zajdenverg; Doutora; Universidade Federal do Rio de Janeiro Esse trabalho é dedicado a todos os que foram meus queridos pacientes e todos que ainda serão, que são minha força motriz a aprender e a me qualificar mais. Que esse trabalho seja uma pequena luz na qualificação do atendimento a eles e que possa, de alguma forma, contribuir com o seu cuidado e com a melhoria da sua qualidade de vida. AGRADECIMENTOS À Deus, pois nele, tudo posso. E à Jesus, pois a fé no mestre dos mestres foi o que me fez continuar. Ao meu amado marido Pedro, o maior impulsionador de todos os grandes projetos da minha vida. Meu combustível na busca da felicidade e meu porto seguro. Aos meus saudosos pais, Teresinha e João, dos quais sempre me lembrarei nos grandes momentos da minha vida e que me deixaram como herança: a cultura do estudo, da dedicação e da perseverança. A minha família, pela compreensão nas minhas ausências e pelas palavras de carinho e ajuda nos momentos necessários. À minha sogra Regina, pelo colo e palavras sempre acolhedoras. Aos meus queridos orientadores, pelas valiosas lições, ideias e direcionamentos. A todos os amigos e àqueles, que direta ou indiretamente, contribuíram na realização desse trabalho. Ainda que falasse a língua dos homens, que falasse a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria. Renato Russo Patients needs to be supported, not blamed. Cipolle RESUMO SOUZA, Joana Angélica Avena de Oliveira. Fitoterapia como prática integrativa e complementar: discussão do risco de interações com fármacos utilizados no tratamento do diabetes mellitus tipo 2. Rio de Janeiro, 2017. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia Farmacêutica)- Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. O objetivo desse trabalho foi identificar possíveis interações farmacocinéticas entre as espécies vegetais relacionadas aos fitoterápicos mais consumidos em uma rede de farmácias de manipulação amplamente distribuída no Rio de Janeiro (8) e Petrópolis (1) e medicamentos utilizados no tratamento do diabetes mellitus tipo 2, com a finalidade de sugerir recomendações a respeito do uso concomitante. Para isso, a partir dos registros informatizados dos receituários aviados nessa rede e com o auxílio dos programas Microsoft EXCEL e ACESS, foi construída uma lista com todos os fitoterápicos de uso interno dispensados, frequência e número de prescritores associados a cada um deles. A partir dessa lista, foram identificadas vinte espécies de maior frequência de dispensação, eleitas para a realização da revisão da literatura. A investigação das interações foi baseada em critérios relacionados ao medicamento (classe BDDCS, afinidade por grupos de biotransporte significativos na ocorrência de interações, enzimas envolvidas nas principais vias de biotransformação) e às evidências encontradas (adequação aos critérios sugeridos pelo FDA e EMEA para a investigação de interações fármaco-fármaco). Camellia sinensis (L.) Kuntze foi a espécie com o maior risco de interações, por ter sido a única na qual foi observada inibição da biotransformação in vitro e também aumento da área sob a curva da buspirona em estudo clínico, condizente à essa inibição. Silybum marianum (L.) Gaertn., apesar de demonstrar interações nos estudos in vitro, foi considerada segura por não haver alterações significantes nos estudos clínicos, e possuindo ação de melhoria do controle glicêmico, pode ser uma boa opção para o uso concomitante. O medicamento para o qual menos houve evidências relacionadas à interação foi a metformina. Entretanto, a falta de evidências não garante a ausência de risco. Cautela sempre é recomendada em grupos vulneráveis como idosos em uso de polifarmácia. A subnotificação e falta de dados em farmacovigilância prejudica a consciência de risco em quem consome e comercializa esses produtos. Esse trabalho deixa como contribuição uma ferramenta, construída baseada no seu método e nas características do paciente, que sugere um ranqueamento do risco de ocorrência de interação entre espécies vegetais e medicamentos, podendo ser aplicada a outras classes além dos antidiabéticos, que pode ser útil na decisão da prescrição ou planejamento da atenção farmacêutica. A validação desse instrumento fica como perspectiva futura desse trabalho. Palavras-chave: Antidiabéticos, Fitoterápicos, Interações planta-medicamento ABSTRACT SOUZA, Joana Angélica Avena de Oliveira. Fitoterapia como prática integrativa e complementar: discussão do risco de interações com fármacos utilizados no tratamento do diabetes mellitus tipo 2. Rio de Janeiro, 2017. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia Farmacêutica)- Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. The objective of this work consists in identifying possible pharmacokinetic herb- drug interations between plant species related to the most consumed fitoterapics in a manipulation pharmacy network, which distributes in both Rio de Janeiro and Petropolis cities and medicines used in Type II diabetes mellitus treatment with the objective of suggesting recommendations concerning its concomitant use. In this sense, based on electronic registrations of prescriptions dispensed in this network and supported by MS Excel and MS Access, a list with all dispensed internal use fitoterapics, itsfrequency of dispensation and number of prescriptors was constructed. Therefore, analysis from this list enabled the identification of the twenty species with the highest dispensation frequency, being these species elected for literature review. The interaction´s investigation was based in criteria related to medicines (BDDCS class, biotransport groups significative in interaction occurrences, enzymes involved in major metabolism pathways) and evidence found (adequation to suggested FDA and EMEA criteria for drug-drug interaction). Camellia sinensis (L.) Kuntze was the species with the higher interations risk, mostly for being the only one in which was observed an in vitro metabolism inhibition and also increase of the area under the curve of buspirona under clinical study, which was consistent to such inhibition. Silybum marianum (L.) Gaertn., despite of showing in vitro studies interations, was considered safe for not showing significant alterations in clinical studies, and for enabling glycemic control improvements, can be considered a nice option for concomitant use. The drug which showed less evidence concerning interaction was metformin. Nevertheless, lack of evidence does not guarantee risk absence for all the species studied. Caution is always recommended for more vulnerable groups such as elderly people using polypharmacy. Underreporting and lack of data concerning pharmacovigilance underestimates the risk probability for those who consume and commercialize these products. Furthermore, this work leaves as a contribution a tool, constructed based in its method as well in patient´s characteristics, which suggests interaction´s risk ranking in herb-drug interactions, and could be applied to other drug classes beyond antidiabetics, being useful in supporting prescription decisions, as well as pharmaceutical care planning. The validation of this tool is a future perspective of this work. Keywords: antidiabetics, phytoterapics, herbal medicines, herb-drug interactions LISTA DE FIGURAS Figura 1: Análise dos resultados da busca TITLE-ABS-KEY ("herb drug interactions"), na base SCOPUS, por ano 38. 38 Figura 2: Análise dos resultados da busca TITLE-ABS-KEY ("herb drug interactions"), na base SCOPUS, por país de publicação 38. 39 Figura 3: Recomendações gerais na farmacoterapia antihiperglicêmica, segundo a ADA e a EASD. 44 Figura 4: Etapas da administração à chegada ao sítio ativo do antidiabético. 46 Figura 5: : Transportadores selecionados para a investigação das interações e suas localizações. 51 Figura 6: Metformina. 56 Figura 7: Sulfoniluréias. 59 Figura 8: Meglitinidas ou Glinidas. 61 Figura 9: Pioglitazona 63 Figura 10: Interações planta-medicamento. Figura criada adaptada de 10,13,120. 71 Figura 11: Estudos in vitro. Baseado nas considerações de 147 80 Figura 12: Estudos in vivo. Traduzido e adaptado de 147. 81 Figura 13: Roteiro para a chegada às recomendações a respeito da possibilidade de interação entre as espécies vegetais e os antidiabéticos Classe 2 BDDCS. 107 Figura 14: Roteiro para a chegada as recomendações a respeito da possibilidade de interação entre as espécies vegetais e os antidiabéticos Classe 3 BDDCS. 108 Figura 15: Resultados obtidos a partir dos dados disponibilizados pela rede de farmácias de manipulação. 110 Figura 16: Resultados da pesquisa de trabalhos indexados à SCOPUS. 115 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993730 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993731 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993731 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993732 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993733 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993734 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993735 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993739 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993739 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993740 file:///C:/Users/Joana/Desktop/dissertação%20após%20correções/DISSERTAÇÃO%20Joana%20-07-08-2017%20final%20impressao%2008-04-2018%20formatações%202.docx%23_Toc510993740 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Transportadores potencialmente influentes na farmacocinética dos antidiabéticos e efeitos da sua inibição/indução 52 Quadro 2: Parâmetros Farmacocinéticos dos Antidiabéticos selecionados. 65 Quadro 3: Avaliação dos fatores influentes na biodisponibilidade do fármaco de acordo com a classificação BDDCS. 89 Quadro 4: Valoração dos estudos in vitro 97 Quadro 5: Valoração dos estudos clínicos em humanos 101 Quadro 6: Resultados previstos da inibição de enzimas metabólicas e biotransportadores 105 Quadro 7: Recomendações gerais a respeito do risco de ocorrência de interações entre a espécie vegetal e o antidiabético. 106 Quadro 8: Espécies selecionadas, suas ações e principais fitoconstituintes. 113 Quadro 9: Resultados da busca bibliográfica para as espécies C. sinensis, C, asiatica, C. aurantium, C. sinensis, C. scolymus, E. arvense, G. sylvestre, P. alata e P. edulis e S. marianum. 116 Quadro 10: Resumo dos estudos in vitro – Camellia sinensis (L.) Kuntze 121 Quadro 11: Valoração das evidências in vitro - Camellia sinensis (L.) Kuntze 123 Quadro 12: Valoração dos estudos clínicos – Camellia sinensis (L.) Kuntze 123 Quadro 13: Resumo dos estudos in vitro: Centella asiatica (L.) urb. 128 Quadro 14:Valoração das evidências in vitro: Centella asiatica (L.) urb. 129 Quadro 15: Resumo dos estudos in vitro: Citrus × aurantium L. 132 Quadro 16: Valoração das evidências in vitro – Citrus × aurantium L. 133 Quadro 17: Valoração do estudo clínico – Citrus × aurantium L. 133 Quadro 18: Resumo dos estudos in vitro: Citrus sinensis (L.) Osbeck 136 Quadro 19: Valoração das evidências in vitro: Citrus sinensis (L.) Osbeck 137 Quadro 20: Resumo do estudo in vitro: Equisetum arvense L. 139 Quadro 21: Valoração da evidência in vitro: Equisetum arvense L. 139 Quadro 22: Valoração dos estudos clínicos – Gymnema sylvestre (Retz) R.Br. ex Sm. 142 Quadro 23: Resumo dos estudos in vitro recuperados 143 Quadro 24: Valoração das evidências in vitro - Passiflora incarnata L. 144 Quadro 25: Resumo dos estudos in vitro: Silybum marianum (L.) Gaertn. 148 Quadro 26: Resumo dos estudos clínicos: Silybum marianum (L.) Gaertn. 153 Quadro 27: Valoração dos estudos clínicos - Silybum marianum (L.) Gaertn. 154 Quadro 28: Valoração das evidências in vitro - Silybum marianum (L.) Gaertn. 155 Quadro 29: Valoração discriminada dos estudos clínicos: Silybum marianum (L.) Gaertn. 156 Quadro 30: Reações específicas recomendadas pela FDA para estudos in vitro. 215 Quadro 31: Substratos padrão para estudos in vitro avaliando biotransporte, recomendados pelo FDA 215 Quadro 32: Substratosde enzimas de biotransformação recomendados pelo FDA para estudos clínicos. 217 Quadro 33: Substratos de biotransportadores recomendados pelo FDA para estudos clínicos 217 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Enzimas e transportadores envolvidos na cinética dos antidiabéticos e utilizados na consulta bibliográfica. 91 Tabela 2: Espécies de maior frequência de dispensação. 111 Tabela 3: Lista com as descrições dos fitoterápicos de uso interno, respectivas formas farmacêuticas, suas frequências e número de profissionais solicitantes, as espécies vegetais relacionadas e famílias botânicas. 205 LISTA DE ANEXO E APÊNDICES ANEXO 1: Algumas definições presentes na RDC n° 26/ 2014 e IN n° 4/2014 193 APÊNDICE 1: Lista de referências consultadas relativas à identificação das espécies vegetais relacionadas aos ifav do estudo 195 APÊNDICE 2: Lista dos 144 fitoterápicos de uso interno consumidos em uma rede de farmácias de manipulação, no período de um ano 205 APÊNDICE 3: Reações e substratos padrão para estudos in vitro, cujo uso é recomendado pelo FDA. 215 APÊNDICE 4: Substratos de enzimas metabolizadoras e biotransportadores para estudos clínicos, sugeridos pelo FDA. 217 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADA Associação Americana de Diabetes AhR Receptor de aril-hidrocarboneto AMPK AMP quinase ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária APS Atenção Primária em Saúde ASC Área sob a curva ATP Adenosina trifosfato BCRP Breast Cancer Resistance Protein BCS Sistema de Classificação Biofarmacêutica BDDCS Biopharmaceutics Drug Disposition Classification System BFC 7-benziloxi-4-trifluorometil-cumarina BPM Boas Práticas de Manipulação Cáp. Cápsula CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAR Receptor constitutivo do androstano CAS Camellia sinensis (L.) Kuntze CCK-8 Colecistocinina octapeptídeo cDNA DNA complementar CEA Centella asiatica (L.) urb. Cél. tub. ren Célula tubular renal CG-EM Cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas CIAU Citrus × aurantium L. CIS Citrus sinensis (L.) Osbeck CIT Comissão Intergestores Tripartite 𝐶𝑚á𝑥 Concentração máxima COMT Catecol O-metiltransferases CYP Família do Citocromo P450 CYS Cynara scolymus L. DCNT Doenças crônicas não transmissíveis Desc. Descrição DM Diabetes mellitus DM1 Diabetes mellitus tipo 1 DM2 Diabetes mellitus tipo 2 DPP-4 Dipeptidilpeptidase-4 DPP-4 i Gliptinas / Inibidores de Dipeptidilpeptidase EAR Equisetum arvense L. EASD European Association for the Study of Diabetes 𝐸𝐶50 Concentração efetiva de 50% do efeito máximo EC Epicatequina ECG Epicatequina galato ECS Modelo do Clearance estendido Ef. Adv. Efeitos adversos EGC Epigalocatequina EGCG Epigalocatequina galato EMEA European Medicines Agency E.S. Extrato seco E.S.Padron. Extrato seco padronizado Est. significante Estatisticamente significante Excs. Excipientes F Biodisponibilidade sistêmica F (Figura 4) Fármaco F.F. Forma Farmacêutica Fab Fração absorvida Fárm. Fármaco FDA Food and Drug Administration Fg Fração restante após metabolismo intestinal Fh Fração restante após metabolismo hepático FMO Monooxigenase contendo Flavina FR Fármaco ligado ao receptor FR* Fármaco ligado, ativando o receptor Freq. Frequência FT Fratura GIT Grupo de Trabalho Interministerial GLP-1 ar Mimético e Análogos do GLP-1 / Agonista do receptor GLP-1 GST Glutationa-S-transferases GYS Gymnema sylvestre (Retz) R.Br. ex Sm. HbA1c Hemoglobina glicosilada HEK Células renais embrionárias Hipo Hipoglicemia HPLC Cromatografia líquida de alta eficiência 𝐼𝐶50 Concentração inibitória de 50% da atividade enzimática IC Insuficiência cardíaca IFA Insumos farmacêuticos ativos IFAV Insumo Farmacêutico Ativo Vegetal IN Instrução Normativa ISMP Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos ITC Internacional Transporter Consortium 𝐾𝑖 Constante de dissociação no equilíbrio do complexo enzima-inibidor 𝐾𝑖𝑛𝑎𝑐𝑡 Constante de taxa máxima de inativação 𝐾𝑚 Constante de Michaelis-Menten MA Membrana apical MATE Multidrug and Toxic Compound Extrusion MBI Inibição baseada em mecanismo ou Mechanism-based inhibition MBL Membrana basolateral MC Membrana canalicular MCA Medicina Complementar e Alternativa MCT Ministério da Ciência e Tecnologia MDR1 Gene de resistência múltipla a drogas 1 mEH Epóxido hidrolase microssomal Met Metformina MetS Metabólitos secundários MF Medicamento Fitoterápico MHH Microssomos hepáticos humanos MIH Microssomos intestinais humanos MPP+ 1-metil-4-fenilpiridínio MRP3 Proteína de multirresistência a fármacos 3 MS Ministério da Saúde MT Medicina Tradicional MTBT Metabólitos NA Não se aplica NAT N-acetiltransferase ND Não definido NOTIVISA Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária OAT Organic Anion Transporter OATP Organic Anion Transporting Polypeptide OCT Organic Cation Transporter OMS Organização Mundial de Saúde Perc.(%) Percentual na frequência total P-gp Glicoproteína P PhIP 2-amino-1-metil-6-phenylimidazo[4,5-b]piridina PI Passiflora alata Curtis/ Passiflora edulis Sims PIC Prática Integrativa e Complementar PMAT Plasma Membrane Monoamine Transporter PNPIC Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares PNPMF Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos PNS Pesquisa Nacional de Saúde PPAR-γ Receptor Ativado por Proliferadores de Peroxissoma Gama Presc.(%) Percentual do total de prescritores de fitoterápicos Prescrit. Número de prescritores PrNPMF Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos PTF Produto Tradicional Fitoterápico PXR Receptor X do pregnano R Receptor RDC Resolução de Diretoria Colegiada REC. Recomendação Ref. Referência RENAME Relação Nacional de Medicamentos Essenciais RENISUS Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse para o SUS RNAmsg RNA mensageiro RS Revisões sistemáticas SBD Sociedade Brasileira de Diabetes sEH Epóxido hidrolase solúvel SGLT2 Co-transportador sódio/glicose SGLT2 i Inibidores da SGLT2 SLC Solute Carrier Transporter SM Silybum marianum (L.) Gaertn. SU Sulfoniluréia(s) SULT Sulfotransferases SUR Receptores de sulfoniluréias SUS Sistema Único de Saúde T1/2 Tempo de meia-vida 𝑇1 2⁄ 𝛽 Tempo de meia-vida (eliminação) 𝑇𝑚á𝑥 Tempo para alcançar a concentração máxima TDI Inibição tempo-dependente TEA Tetraetilamônio TNFα Fator de necrose tumoral alfa TPMT Tiopurina S-metiltransferases TZD Tiazolidinedionas ou Glitazonas UDP-UGT Uridina 5´-difosfo-glucuronosiltransferases UGT UDP-glucoronosiltransferases VIGITEL Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por Inquérito Telefônico 𝑉𝑚á𝑥 Velocidade máxima da reação VO Via oral SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 25 2 OBJETIVO 29 2.1 OBJETIVO GERAL 29 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 29 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 31 3.1 MEDICINA TRADICIONAL – PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES NA ATENÇÃO À SAÚDE 31 3.2 POLÍTICA NACIONAL DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES (PNPIC) 32 3.3 POLÍTICA NACIONAL DE PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERÁPICOS (PNPMF) 33 3.4 O PAPEL DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA) NA PNPMF 35 3.5 A ATUAL PRÁTICA DA FITOTERAPIA NO BRASIL 35 3.6 PANORAMA DOS ESTUDOS DE INVESTIGAÇÃO A RESPEITO DE INTERAÇÕES PLANTA-MEDICAMENTO (HERB-DRUG INTERACTIONS) 37 3.7 DIABETES MELLITUS 40 3.7.1 O Tratamento do paciente com diabetes mellitus tipo 2 42 3.8 BASES FARMACOLÓGICASNA ABORDAGEM DAS INTERAÇÕES PLANTA- MEDICAMENTO 45 3.8.1 Fase Biofarmacêutica, Farmacocinética e Farmacodinâmica 45 3.8.1.1 Fase Biofarmacêutica 45 3.8.1.2 Fase Farmacocinética 45 3.8.1.2.1 Absorção 45 3.8.1.2.2 Transportadores de Influxo e Efluxo 48 3.8.1.2.3 Vias metabólicas de Fase 0 e III 53 3.8.1.2.4 Biotransformação de Fase I 53 3.8.1.2.5 Biotransformação de Fase II 55 3.8.1.3 Farmacocinética e riscos associados à farmacoterapia da DM2 56 3.8.1.3.1 Farmacocinética e riscos da Biguanida Metformina 56 3.8.1.3.2 Farmacocinética e riscos das Sulfoniluréias: Glibenclamida, Glimepirida, Gliclazida e Glipizida 58 3.8.1.3.3 Farmacocinética e riscos das Meglitinidas: Repaglinida e Nateglinida 60 3.8.1.3.4 Farmacocinética e riscos da Tiazolidinediona Pioglitazona 63 3.8.1.4 Fase Farmacodinâmica 66 3.8.1.4.1 Farmacodinâmica da Metformina 66 3.8.1.4.2 Farmacodinâmica das Sulfoniluréias 66 3.8.1.4.3 Farmacodinâmica das Meglitinidas ou Glinidas 67 3.8.1.4.4 Farmacodinâmica das Glitazonas ou Tiazolidinedionas 67 3.9 INTERAÇÃO PLANTA-MEDICAMENTO: CONSTITUINTES DAS ESPÉCIES VEGETAIS 68 3.10 MECANISMOS DE INTERAÇÃO PLANTA-MEDICAMENTO NA FARMACOTERAPIA COM ANTIDIABÉTICOS 69 3.10.1 Interações farmacocinéticas 71 3.10.1.1 Modulação dos sistemas de biotransformação e de biotransporte. 71 3.10.1.2 Deslocamento de ligação à proteína plasmática 74 3.10.1.3 lnteração clinicamente significante na ocorrência da interação espécie vegetal-medicamento 74 3.11 FATORES RELACIONADOS À OCORRRÊNCIA DA INTERAÇÃO PLANTA-MEDICAMENTO 75 3.11.1 Quanto a espécie vegetal 76 3.11.2 Quanto ao medicamento afetado 77 3.11.3 Quanto ao paciente 77 3.11.3.1 Conteúdo/atividade de CYP3A/ ABC 77 3.11.3.2 Farmacogenética do paciente 78 3.12 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO DE INTERAÇÕES PLANTA-MEDICAMENTO 79 3.13 FUNDAMENTOS PARA ESTUDOS SOBRE INTERAÇÕES PLANTA- MEDICAMENTO 81 3.13.1 Estudos in vitro de inibição enzimática 81 3.13.2 Estudos in vitro de indução enzimática 83 3.13.3 Estudos in vitro de inibição de biotransporte 84 3.13.4 Estudos clínicos 85 4 MÉTODO 87 4.1 PARA ALCANÇAR O OBJETIVO I: DETERMINAR A FREQUÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DE ESPÉCIES VEGETAIS CONSTITUINTES DOS FITOTERÁPICOS E DAS SUAS RESPECTIVAS FORMAS FARMACÊUTICAS, DE USO ORAL 87 4.2 PARA ALCANÇAR O OBJETIVO II - IDENTIFICAR POSSÍVEIS INTERAÇÕES PLANTA-MEDICAMENTO ENTRE AS ESPÉCIES VEGETAIS DE MAIOR FREQUÊNCIA NA DISPENSAÇÃO DE FITOTERÁPICOS, E OS ANTIDIABÉTICOS88 4.2.1 Busca bibliográfica das espécies vegetais e enzimas de biotransformação e biotransportadores 91 4.2.2 Valoração das evidências 92 4.2.2.1 Evidências experimentais in vitro 94 4.2.2.2 Evidências experimentais in vivo – estudos clínicos 98 4.2.3 Organização dos estudos recuperados na Busca Bibliográfica 102 4.2.3.1 Critérios de inclusão dos estudos 102 4.2.3.2 Critérios de exclusão dos estudos 104 4.3 PARA ALCANÇAR O OBJETIVO III: SUGERIR RECOMENDAÇÕES AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE PARA ORIENTAÇÃO DO USO CONCOMITANTE DAS ESPÉCIES VEGETAIS E ANTIDIABÉTICOS 104 5 RESULTADOS 109 5.1 TRATAMENTO DOS DADOS DISPONIBILIZADOS PELA FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO 109 5.2 REVISÃO DA LITERATURA: BUSCA E SELEÇÃO DE ESTUDOS SOBRE INTERAÇÃO ENTRE AS ESPÉCIES VEGETAIS ELENCADAS E ANTIDIABÉTICOS 114 5.2.1 Resultados dos estudos selecionados relevantes aos objetivos desse trabalho, considerações a respeito do risco de interação e recomendações 117 5.2.1.1 Camellia sinensis (L.) Kuntze (CAS) 117 5.2.1.1.1 Evidências in vitro 118 5.2.1.1.2 Evidências in vivo 122 5.2.1.1.3 Considerações pertinentes aos estudos de revisão 122 5.2.1.1.4 Valoração das evidências a respeito de CAS 123 5.2.1.1.5 Possibilidade de interação entre CAS e antidiabéticos e orientações 124 5.2.1.2 Centella asiatica (L.) urb. (CEA) 126 5.2.1.2.1 Evidências in vitro 126 5.2.1.2.2 Evidências in vivo 128 5.2.1.2.3 Considerações pertinentes aos estudos de revisão 128 5.2.1.2.4 Valoração das evidências a respeito de CEA 129 5.2.1.2.5 Possibilidade de interação entre CEA e antidiabéticos e orientações 129 5.2.1.3 Citrus × aurantium L. (CIAU) 131 5.2.1.3.1 Evidências in vitro: 131 5.2.1.3.2 Evidência in vivo 132 5.2.1.3.3 Valoração dos estudos de CIAU: 133 5.2.1.3.4 Possibilidade de interação entre CIAU e antidiabéticos e orientações: 133 5.2.1.4 Citrus sinensis (L.) Osbeck (CIS) 134 5.2.1.4.1 Evidências in vitro 135 5.2.1.4.2 Valoração das evidências a respeito de CIS 136 5.2.1.4.3 Possibilidade de interação entre CIS e antidiabéticos e orientações: 137 5.2.1.5 Cynara scolymus L. (CYS) 138 5.2.1.6 Equisetum arvense L. (EAR) 138 5.2.1.6.1 Evidência in vitro 138 5.2.1.6.2 Valoração da evidência in vitro de EAR 139 5.2.1.6.3 Possibilidade de interação entre EAR e antidiabéticos e orientações. 139 5.2.1.7 Gymnema sylvestre (Retz) R.Br. ex Sm. (GYS) 140 5.2.1.7.1 Estudo clínicos que observaram a ação hipoglicemiante - GYS: 141 5.2.1.7.2 Possível mecanismo de ação hipoglicemiante da GYS 142 5.2.1.7.3 Valoração das evidências a respeito de GYS 142 5.2.1.7.4 Possibilidade de interação entre GYS e antidiabéticos e orientações. 142 5.2.1.8 Passiflora alata Curtis/ Passiflora edulis Sims (PI) 142 5.2.1.8.1 Evidências in vitro: 143 5.2.1.8.2 Evidências in vivo: estudos clínicos: 143 5.2.1.8.3 Considerações pertinentes aos estudos de revisão: 143 5.2.1.8.4 Valoração das evidências a respeito de Passiflora incarnata L. 144 5.2.1.8.5 Possibilidade de interação entre Passiflora incarnata L. e antidiabéticos e orientações: 144 5.2.1.9 Silybum marianum (L.) Gaertn. (SM) 144 5.2.1.9.1 Evidências in vitro 145 5.2.1.9.2 Evidências in vivo: Estudos clínicos 149 5.2.1.9.3 Considerações pertinentes aos estudos de revisão 154 5.2.1.9.4 Valoração das evidências a respeito de SM 154 5.2.1.9.5 Possibilidade de interação entre SM e antidiabéticos 157 5.3 FERRAMENTA QUE SUGERE NÍVEIS DE RISCO DO USO CONCOMITANTE FITOTERAPIA-FARMACOTERAPIA 160 6 DISCUSSÃO 163 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 171 25 1 INTRODUÇÃO A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002, após um trabalho envolvendo profissionais da Medicina Tradicional (MT) em debates e consultas sobre práticas da MT no âmbito dos seus estados membros, elaborou uma estratégia de atenção à saúde contemplando o uso dessas práticas, formalizada no documento “Estrategia de la OMS sobre medicina tradicional 2002-2005” 1. A terminologia MT contempla práticas da Medicina Tradicional Chinesa, da Ayurveda Indiana e Indígena, que podem incluir ou não o uso de medicamentos de origem natural, dentre eles as plantas medicinais. Em países onde predomina a medicina alopática, a MT é denominada de medicina complementar, medicina alternativa ou integrativa. No Brasil, as Práticas Integrativas e Complementares (PICs) na atenção à saúde humana se consolidaram como proposta depois de sucessivas ações de organizações sociais de profissionais da saúde, dos Ministérios da Saúde (MS) e da Ciência e Tecnologia (MCT) que induziram a criação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), aprovada pelo Decreto Nº 5.813, de 22 de junho de 2006 2,3. Essa política, mais do que apontar o uso de produtos à base de plantas medicinais no Sistema Único de Saúde (SUS), estabelece diretrizes que envolveram ações nos vários setores associados aos temas Plantas Medicinais e Fitoterápicos, desde a cadeia produtiva à oferta e garantia do acesso a produtos com eficácia e segurança. A inserção da Fitoterapia como PICs no Sistema Único de Saúde foi formalizada através da Portaria N° 971 de 03 de maio de 2006. Dentre os vários impactos da PNPMF destacamos o aumento do número de profissionais de saúde com habilitação e especialização na área, maior número de usuários, pesquisadores e população em geral, mobilizados para o uso correto dos produtos à base de plantas medicinais 4. Além de médicose odontólogos, os Conselhos Profissionais da Nutrição e da Farmácia, no âmbito de suas atribuições tem regulamentado, por meio de resoluções, a possibilidade da prescrição de Fitoterápicos como PIC 5–7. Dada a recente Lei n° 13.021/2014 , é obrigatório ao farmacêutico da Farmácia Magistral estar preparado a prestar orientação e atenção farmacêutica ao paciente, em relação ao benefício e risco do uso de fitoterápicos, particularmente na concomitância da farmacoterapia 8. 26 Um trabalho realizado anteriormente9, no qual foi investigada a ocorrência das espécies vegetais de fitoterápicos prescritos na nutrição clínica, que poderiam comprometer a efetividade de fármacos utilizados no tratamento do diabetes mellitus tipo 2, verificou que apenas para 53% das espécies mais utilizadas, haviam estudos relacionados à interação, sendo que, em sua maioria, ensaios in vitro. Como conclusão desse trabalho, foi sugerida cautela na utilização das espécies Camellia sinensis (L.) Kuntze, Centella asiatica (L.) urb., Gymnema sylvestre (Retz) R.Br. ex Sm. e Panax ginseng C.A.Mey. em concomitância com sulfoniluréias e glinidas, em especial a glibenclamida, e Equisetum arvense L., em concomitância com pioglitazona e repaglinida9. Além disso, os resultados desse trabalho incentivaram a ampliação e o aprofundamento da investigação considerando a possibilidade de existir concomitância do uso desses produtos na farmacoterapia do diabetes mellitus tipo 2 (DM2), pois essa concomitância pode induzir alterações na biodisponibilidade dos antidiabéticos orais. Alterações na biodisponibilidade dos fármacos podem comprometer a efetividade e a segurança dos antidiabéticos, por uma ação sinérgica do extrato, ou intensificação dos efeitos adversos 10. Essas alterações podem modificar a segurança e eficácia conhecida do fármaco 11. Por isso, o FDA em seu guia “Drug Interaction Studies – Study Design, Data Analysis, Implications for Dosing, and Labeling Recommendations”11 afirma que é importante conhecer a magnitude e a natureza das interações medicamentosas. Essa previsão serve como um sinal de alerta a possíveis casos de interação fármaco-planta medicinal, mesmo que ainda não haja correlação estabelecida a resultados in vivo, o que ocorre principalmente devido a falta de dados em farmacovigilância12. As alterações na biodisponibilidade têm origem: na inibição ou ativação dos sistemas enzimáticos envolvidos nas etapas de absorção, biotransformação, biodistribuição ou excreção dos antidiabéticos; alterações nas atividades de biotransporte através das membranas; nas inter-relações biotransformação- biotransporte13,14 e são dependentes de características do medicamento afetado. As classes de medicamentos utilizados no tratamento do DM2 compreendem: biguanidas, sulfoniluréias, glinidas, tiazolidinedionas, inibidores de α-glicosidase, gliptinas, análogos do GLP-1 e inibidores de SGLT2. Optamos por dar enfoque ao estudo da glibenclamida, glimepirida, gliclazida, glipizida (sulfoniluréias de 2° geração), nateglinida, repaglinida (glinidas), pioglitazona (tiazolidinediona) e 27 metformina (biguanida) por se tratarem de antidiabéticos de uso aprovado no Brasil, segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes15, cujas classes são apontadas na revisão bibliográfica de May e Schindler (2016) como as mais envolvidas em interações medicamentosas clinicamente significantes16. Sulfoniluréias de primeira geração (clorpropamida) foram desconsideradas por estarem em desuso. Além disso, as Sulfoniluréias, Glinidas e a Metformina são considerados medicamentos de alta vigilância pelo Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP), por possuírem alto risco de causar dano permanente ao paciente quando utilizados incorretamente 17. Esse fato justifica a necessidade de investigar possíveis alterações farmacocinéticas, a fim de prevenirmos alterações na sua eficácia e toxicidade. Tendo como base as espécies vegetais empregadas na fabricação de fitoterápicos dispensados em uma rede de farmácias de manipulação no Rio de Janeiro e Petrópolis, este trabalho investiga o risco de interações potenciais entre essas espécies e os antidiabéticos glibenclamida, glimepirida, gliclazida, glipizida, nateglinida, repaglinida, pioglitazona e metformina. Subsidiado com os dados da literatura, sugere recomendações no emprego da fitoterapia nos casos de concomitância com farmacoterapia. 28 29 2 OBJETIVO 2.1 OBJETIVO GERAL O presente estudo objetivou a investigação de potenciais interações entre antidiabéticos e as espécies vegetais frequentemente dispensadas, sob a forma de fitoterápicos, por uma rede de farmácias de manipulação, para a orientação dos profissionais de saúde nos casos em que esses sejam utilizados em concomitância. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS I. Determinar a frequência de prescrição de espécies vegetais constituintes dos fitoterápicos, bem como das formas farmacêuticas de uso oral, em uma rede de Farmácias de Manipulação. II. Identificar possíveis interações planta-medicamento entre as espécies de maior frequência na dispensação de fitoterápicos e os antidiabéticos metformina, glibenclamida, glimepirida, gliclazida, glipizida, nateglinida, repaglinida e pioglitazona. III. Sugerir recomendações aos profissionais de saúde para a orientação do uso concomitante das espécies vegetais de maior frequência e os antidiabéticos metformina, glibenclamida, glimepirida, gliclazida, glipizida, nateglinida, repaglinida e pioglitazona. 30 31 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 MEDICINA TRADICIONAL – PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES NA ATENÇÃO À SAÚDE A Medicina Tradicional (MT) foi primariamente definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como se tratando de “práticas, enfoques e conhecimentos incorporando plantas, animais e/ou minerais, terapias espirituais, técnicas manuais e exercícios, aplicados isoladamente ou em combinação, para manter o bem-estar, além de tratar, diagnosticar e prevenir doenças”. Essas abordagens de tratamento, baseada na necessidade das pessoas, tem como base que um tem sua própria constituição e circunstâncias sociais, que dão como resultado distintas reações para as causas da doença e seu tratamento. Em países em que as práticas da Medicina Tradicional não estão integradas ao sistema de saúde prevalente, são também chamadas de Complementares ou Alternativas 1. A MT engloba as práticas da Medicina Tradicional Chinesa, da Ayurveda Indiana e Indígena que podem incluir ou não o uso de medicamentos naturais, dentre eles as plantas medicinais 1. Em 2002, a partir da observação do uso crescente e disseminado da MT e Medicina Complementar e Alternativa (MCA) em todo o mundo, em debates e consultas sobre práticas da MT no âmbito dos seus estados membros, foi elaborada uma estratégia definindo o papel da OMS no apoio aos temas associados à política, à segurança, à eficácia, à qualidade, ao acesso e ao uso racional da MT/MCA 1. Essa estratégia, formalizada no documento “Estrategia de la OMS sobre medicina tradicional 2002-2005” 1, possui quatro objetivos: 1. Integrar a MT/MCA nos sistemas de saúde nacionais, desenvolvendo e implantando políticas e programas nacionais sobre MT/MCA; 2. Fomentar a Segurança, Eficácia e Qualidade, difundindo conhecimentos básicos sobre MT/MCA e oferecendo diretrizes sobre normas e regulamentação para assegurar a qualidade; 3. Incrementar a disponibilidade e a acessibilidade da MT/MCA, de acordo com o apropriado, enfatizando o acesso às populações pobres; 4. Fomentar o uso terapêutico adequado de MT/MCA por provedores do cuidado e pacientes. 32 Sobre o uso de plantas medicinais, foram diagnosticados desafios a serem superados, para que fosse maximizado o potencial da MT/MCA como fonte docuidado em saúde. Esses desafios ocorrem, principalmente, no âmbito da Segurança, Eficácia e Qualidade e do Uso Racional, e envolvem a diversidade de fatores que influenciam a segurança, eficácia e qualidade das plantas medicinais. Esses fatores são: limitações nos estudos e conhecimento a respeito de efeitos não esperados; o uso adequado de produtos de qualidade assegurada, a fim de reduzir o risco associado a esses produtos; a prescrição por profissionais qualificados e licenciados; a boa interlocução entre esses profissionais, os médicos alopáticos e os pacientes e o fornecimento de informação científica e orientação ao público 1. O compromisso da OMS naquele momento foi, dentre outros, auxiliar aos seus estados membros a desenvolver suas próprias políticas nacionais que integrassem a MT/MCA aos seus sistemas de saúde, além de incentivar o desenvolvimento de estudos científicos para o melhor conhecimento de sua segurança, eficácia e qualidade. No Brasil, surge em 2005 a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde e publicada por meio de Portaria GM nº 971, de 03 de maio de 2006 18. 3.2 POLÍTICA NACIONAL DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES (PNPIC) Com o objetivo de avançar a institucionalização dessas práticas no âmbito do SUS, a PNPIC contempla diretrizes e responsabilidades institucionais das três esferas de governo na implantação/adequação de ações e serviços relativos a medicina tradicional chinesa/acupuntura, plantas medicinais e fitoterapia, homeopatia, termalismo social/crenoterapia e medicina antroposófica, no âmbito do SUS 18,19. As plantas medicinais e seus derivados vêm sendo utilizados pela população brasileira há muito tempo em seus cuidados à saúde e, segundo Diagnóstico do Ministério da Saúde, trata-se da Prática Integrativa e Complementar (PIC) mais empregada no Sistema 20. A partir da década de 80, vários documentos foram elaborados enfatizando a inserção das plantas medicinais e fitoterápicos na Atenção Primária em Saúde, 33 havendo inclusive a sua menção na Política Nacional de Medicamentos (Portaria n° 3916/98) 21 e Política Nacional de Assistência Farmacêutica (Resolução n° 338/04) 22. Àquela época, já existia uma ampla gama de experiências nessa atividade no país, desde programas implementados há mais de 10 anos a programas recém implantados. Todas essas iniciativas culminariam na criação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), em 2006 18. As diretrizes da PNPIC relacionadas às plantas medicinais e fitoterápicos contemplam: Elaboração da Relação Nacional de Plantas Medicinais e da Relação Nacional de Fitoterápicos; Provimento do acesso a essas tecnologias no âmbito do SUS; Formação e educação permanente dos profissionais de saúde; Acompanhamento e avaliação da inserção e implementação dessas práticas no SUS, Fortalecimento e ampliação da participação popular e do controle social; Estabelecimento da política de financiamento para o desenvolvimento das ações voltadas a sua implantação; Incentivo à pesquisa e desenvolvimento; Promoção do uso racional e Garantia do monitoramento da qualidade dos fitoterápicos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária 19. 3.3 POLÍTICA NACIONAL DE PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERÁPICOS (PNPMF) A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) foi elaborada por meio de um Grupo de Trabalho Interministerial (GIT), constituído por decreto presidencial, em 17 de fevereiro de 2005 2. Foi aprovada na forma do decreto presidencial n° 5.813 em 22 de junho de 2006, que instituiu também a criação do GIT para elaboração do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, com base nas diretrizes da nova política 3. Seu objetivo é “Garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional” e ela contempla ações e diretrizes para toda a cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos, desde o cultivo, manejo sustentável, produção, distribuição, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, estímulo a produção industrial, ao reconhecimento de práticas populares de utilização 2. 34 Dentre suas diretrizes destacamos duas como sendo relacionadas ao uso seguro e racional dessas terapêuticas: 1. “Fomentar pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação com base na biodiversidade brasileira, abrangendo espécies vegetais nativas e exóticas adaptadas, priorizando as necessidades epidemiológicas da população.”2 Esses estudos envolvem, dentre outros aspectos, a etnofarmacologia, farmacoepidemiologia, farmacovigilância e o uso racional 2. 2. “Garantir e promover a segurança, a eficácia e a qualidade no acesso a plantas medicinais e fitoterápicos.”2 Isso por meio da promoção do uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos e da criação e implementação do Formulário Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, dentre outras ações 2. O Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PrNPMF) foi criado por meio da Portaria Interministerial n° 2.960, de 8 de dezembro de 2008, com a finalidade de operacionalizar os princípios orientadores descritos na PNPMF em ações 23. Essas ações serão imprescindíveis para a melhoria do acesso da população aos medicamentos, à inclusão social e regional, ao desenvolvimento industrial e tecnológico, além do uso sustentável da biodiversidade brasileira e da valorização, da valoração e preservação do conhecimento tradicional associado das comunidades tradicionais e indígenas 2. O Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos também foi criado por meio da mesma Portaria, com a finalidade de instituir a coordenação dos mecanismos de monitoramento e avaliação da referida política 23. A PNPMF completou dez anos de existência em 2016, e teve como avanços a ampliação da oferta de serviços e produtos de fitoterapia na saúde pública, inserção de 12 fitoterápicos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), a instituição da Farmácia Viva no âmbito do SUS por meio da Portaria GM/MS nº 886, inclusão da fitoterapia na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde e na Rede de Pesquisas em Atenção Primária em Saúde (APS), a publicação da Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse para o SUS (RENISUS), além de outros progressos no desenvolvimento de políticas e programas municipais e estaduais 2,20,24. 35 Todos esses avanços no sentido de ampliar as opções terapêuticas dos usuários do SUS fortalecem o princípio do sistema da Integralidade das ações em saúde. 3.4 O PAPEL DA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA) NA PNPMF No exercício das suas atribuições estabelecidas pela Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999 25, a ANVISA contribuiu no alcance das diretrizes da PNPMF, nos dois quesitos relacionados ao uso seguro e racional da Fitoterapia, destacados na sessão anterior, na forma da: 1. Criação do Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Fitoterápica 1ª edição (aprovado na RDC 60, de 10 de novembro de 2011) contendo 83 monografias correspondendo a 59 espécies, com a finalidade de dar suporte às práticas de manipulação e dispensação de fitoterápicos nos Programas de Fitoterapia no SUS 26; 2. Publicação do Guia de orientação para registro de Medicamento Fitoterápico (MF) e registro e notificação de Produto Tradicional Fitoterápico (PTF), por meio da Instrução Normativa n°4, de 18 de junho de 2014 27; 3. Criação do Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira 1ª edição, contendo 28 monografias da Farmacopeia Fitoterápica. Tem como objetivo ser uma fonte de consultarápida ao profissional prescritor, possuindo monografias com conteúdos baseados em evidências científicas, a fim de contribuir com o uso racional dessa terapêutica, que no Brasil ainda apresenta várias lacunas a serem solucionadas 28. O NOTIVISA (Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária), sistema informatizado nacional desenvolvido para receber as notificações de eventos adversos e queixas técnicas relacionados ao uso de produtos e serviços sob vigilância sanitária, fortaleceu a vigilância pós uso das tecnologias em saúde, incluindo os fitoterápicos29. 3.5 A ATUAL PRÁTICA DA FITOTERAPIA NO BRASIL 36 A fitoterapia é a terapêutica caracterizada pela utilização de plantas medicinais (ou de suas partes, tais como folhas, flores, raízes ou rizomas, frutos e sementes, seja in natura ou sob outras formas de apresentação), em diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal18. A manipulação de produtos à base de plantas medicinais ou de seus ativos é regulada pela Resolução de Diretoria Colegiada RDC 67, de 8 de outubro de 2007, atualizada pela RDC 87, de 21 de novembro de 2008, que dispõe sobre as Boas Práticas de Manipulação (BPM) de Preparações Magistrais e Oficinais para Uso Humano em farmácias 30,31. A produção industrial dos mesmos é realizada por empresas também autorizadas pela ANVISA e tem sido regulada por diversas leis desde 1967 32. No momento atual, vigora a RDC 26, de 13 de maio de 2014, que dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos (MF) e o registro e notificação de produtos tradicionais fitoterápicos (PTF) 33. E maiores orientações quanto ao registro de MF e ao registro e notificação do PTF encontram-se no Guia publicado por meio da Instrução Normativa n°4 27. Ao longo desse processo, modificaram-se as exigências para a comprovação de segurança e eficácia para o registro do fitoterápico e as formas desse registro, para que seja possível a sua comercialização . Com relação ao produto industrializado, a RDC 26/2014 diferencia o Medicamento Fitoterápico do Produto Tradicional Fitoterápico quanto a quatro quesitos: forma de comprovação de segurança e eficácia, RDCs relativas às Boas Práticas de Fabricação, Forma de disponibilização de informações ao consumidor final e formas de se obter licença para comercialização junto à ANVISA 33. É definido como medicamento fitoterápico aquele obtido com o emprego exclusivo de matéria-prima ativa vegetal, que é sujeito ao registro ou registro simplificado pela ANVISA para comercialização, e cuja comprovação de segurança e eficácia sejam baseadas em evidências clínicas. As suas boas práticas de fabricação devem seguir a RDC n°17/2010 e as informações a respeito do fitoterápico são disponibilizadas por meio de bula ao consumidor final 27,33. O Produto Tradicional Fitoterápico (PTF) é aquele obtido também com emprego exclusivo de matéria-prima vegetal, porém sua comprovação de eficácia e segurança é baseada em dados de uso seguro e efetivo publicados na literatura 37 técnico-científica, sendo concebidos para a utilização sem a vigilância de um médico para fins de diagnóstico, prescrição e monitorização. O uso tradicional seguro por um período mínimo de trinta anos é requisito para comprovação de segurança. Para comercialização são passíveis de registro, registro simplificado ou notificação junto à ANVISA. O PTF segue a RDC n° 13/2013 para boas práticas de fabricação e as informações a seu respeito são disponibilizadas por meio de folheto informativo ao consumidor final 27,33. Entretanto, na avaliação de eficácia e segurança dos fitoterápicos, a possibilidade do uso concomitante com outros medicamentos, não merece a devida atenção. Moreira et al (2014) alertam sobre a necessidade de testes complementares na avaliação da eficácia e segurança, sobretudo dos PTF, pois, assim como na farmacoterapia, a fitoterapia está exposta à eventuais interações clínicas e farmacocinéticas. Os autores sugerem, a necessidade da investigação dos efeitos da espécie vegetal em sistemas de biotransformação de fármacos como um dos requisitos necessários à demonstração de segurança para fins de registro junto ao órgão regulador 34. No contexto de fitoterápicos, a RDC n° 26/2014 e a IN n°4/2014 trazem algumas definições importantes, descritas no Anexo 1. A prescrição de fitoterápicos para uso humano é permitida à classe médica, aos odontólogos, e regulamentada à nutricionistas e farmacêuticos, por meio de resoluções expedidas pelos seus respectivos conselhos de classe 35 . No que diz respeito ao farmacêutico, é estabelecido em seu código de ética o dever de “manter atualizados os conhecimentos técnicos e científicos para aprimorar, de forma contínua, o desempenho de sua atividade profissional” 36. Logo, além da prescrição, esse profissional deve sempre estar pronto a fornecer informações baseadas em evidências científicas para a orientação do paciente e dos outros profissionais de saúde com relação aos medicamentos fitoterápicos. 3.6 PANORAMA DOS ESTUDOS DE INVESTIGAÇÃO A RESPEITO DE INTERAÇÕES PLANTA-MEDICAMENTO (HERB-DRUG INTERACTIONS) É notório o crescimento do desenvolvimento de investigações e publicações na área de conhecimento relacionada às interações planta-medicamento. Ao fazer a busca do termo “herb drug interactions” na base de indexação SCOPUS, de ampla 38 abrangência, que possui duas vezes mais títulos e reúne cinquenta por cento a mais de editores listados em qualquer outro banco de dados, e na qual dentre os editores incluídos estão a Elsevier, Springer, Taylor & Francis, Bentham Science, Sage e outros 37, verificamos 2127 resultados, entre os anos de 1993 e 2016, com seu maior crescimento entre 1999 e 2015 (Figura 1). As publicações são majoritariamente dos Estados Unidos da América (EUA) e China, que possui uma tradição milenar na utilização de plantas medicinais e aromáticas em suas práticas de saúde (Medicina Tradicional Chinesa), conforme vemos na Figura 2. O Brasil, apesar de possuir uma das maiores biodiversidades do planeta 26 e de já utilizar, há muito tempo, plantas medicinais e seus derivados em seus cuidados em saúde 20, possui pesquisas nessa área ainda incipientes quando comparadas a esses países, possivelmente devido ao incentivo a esse desenvolvimento científico e tecnológico ser recente, tendo sido fortalecido a partir da criação da PNPIC e PNPMF 2,19. Figura 1: Análise dos resultados da busca TITLE-ABS-KEY ("herb drug interactions"), na base SCOPUS, por ano 38 . 0 0 1 4 3 16 28 38 35 37 91 115 118 122 142 153 162 177 206 195 226 155 119 0 50 100 150 200 250 39 Figura 2: Análise dos resultados da busca TITLE-ABS-KEY ("herb drug interactions"), na base SCOPUS, por país de publicação 38 . As terapias foco específicas com monofármacos tem se mostrado menos eficazes, especialmente no tratamento de doenças crônicas como o diabetes mellitus, câncer, inflamação e aterosclerose. Há o reconhecimento que múltiplos mecanismos estão envolvidos na fisiopatologia de cada doença, e, sendo assim, vários alvos devem ser atacados simultaneamente para que o objetivo da terapêutica seja alcançado. Nesse sentido, a natureza multicomponente das espécies vegetais pode ser adequada ao tratamento de doenças complexas, além de poder agir sinergisticamente no alcance dos objetivos terapêuticos 39. Isso justifica o desenvolvimento de estudos e o ganho de popularidade da Fitoterapia em todo o mundo, na expectativa de promover saúde 40. Por outro lado, com a utilização disseminada, torna-se imperativo serem observados os seus riscos, especialmente nesses pacientes, que possuindo doenças crônicas, farão uso continuado de medicamentos, como no caso do diabetes mellitus e câncer.Alguns pesquisadores no Brasil observaram essa concomitância. Molin et al (2015) realizaram um estudo com o objetivo de verificar a prevalência do uso de plantas medicinais e fitoterápicos em um Centro de Alta Complexidade em Oncologia do Rio Grande do Sul, e verificaram que os 130 usuários entrevistados faziam uso de plantas medicinais e 67% desses, com finalidade terapêutica. No entanto, esses usuários careciam de informação acerca 0 100 200 300 400 500 600 Hong Kong Japão Alemanha Coréia do Sul Austrália Canadá Reino Unido Índia China Estados Unidos 40 do uso e dos riscos dessa utilização e alguns, inclusive, utilizavam espécies contraindicadas pela ANVISA a pacientes oncológicos 41. Feijó et al (2012) também verificaram o uso de plantas medicinais em idosos no tratamento complementar ao diabetes mellitus e concluiu que é importante a realização de estudos farmacológicos a fim de que a utilização proporcione os efeitos almejados e não acarrete riscos à saúde 42. A preocupação quanto às interações planta-medicamento ocorre inclusive no uso de suplementos alimentares de origem vegetal, utilizados com o intuito de melhora da saúde e longevidade, que demonstram a possibilidade da ocorrência de efeitos indesejados, quando associados a fármacos, devido a interações farmacocinéticas 43. As informações a respeito de interações planta-medicamento são atualizadas a todo momento e veiculadas sob a forma de estudos in vitro, in vivo, clínicos e revisões desses estudos. O número e a variedade de metodologias empregadas tornam difícil o acompanhamento do profissional de saúde. Antes de serem abordados os estudos de interação planta-medicamento envolvendo antidiabéticos, serão introduzidos alguns conceitos a respeito do diabetes mellitus e da farmacologia dos antidiabéticos. 3.7 DIABETES MELLITUS Diabetes mellitus (DM) diz respeito a um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos, cuja apresentação comum é a hiperglicemia, que é ocasionada pela insuficiência ou na ação e/ou na secreção de insulina 15. Do ponto de vista epidemiológico, o DM faz parte do grupo de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), cuja vigilância e monitoramento de seus principais fatores de risco associados, é fundamental para a definição de políticas de saúde com foco na prevenção desses agravos. Atualmente, o Brasil atravessa um período de transição epidemiológica, onde ocorre um significativo aumento nas principais DCNT, dentre elas a citada anteriormente e as doenças cardiovasculares, que tem ocasionado grande parte das mortes e perda da qualidade de vida antes dos 70 anos.44 Foi estimado, pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013 e publicada em 2014, que 6,2% da população brasileira de dezoito anos ou mais (9,1 41 milhões de pessoas) referiram diagnóstico médico de diabetes mellitus, sendo a maior proporção (7,1%) encontrada na região Sudeste44. Com relação a faixa etária, o maior percentual encontrado foi para as pessoas de 65 a 74 anos (19,9%), seguidos da faixa etária de 75 anos ou mais (19,6%); com relação ao gênero, a proporção foi maior em mulheres (7,0%) que nos homens (5,4%) e quanto a cor ou raça, não foram observados resultados estatisticamente diferentes entre pretos, brancos e pardos.44 Complementarmente, o VIGITEL 2014 –Saúde Suplementar (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por Inquérito Telefônico), estimou o percentual de adultos (≥ 19 anos) beneficiários de planos de saúde que referiram diagnóstico médico de diabetes mellitus, em 7,8%, no Rio de Janeiro; enquanto que, no conjunto de cidades entrevistadas, o percentual foi de 7,1. Observou-se que, da mesma forma que na PNS, o diagnóstico da doença aumentou com o avanço da idade, sendo o maior percentual na faixa etária maior que 65 anos (24,4%). 45 Outro fator associado ao risco de doença cardiovascular, o excesso de peso e obesidade, estimados no VIGITEL 2013, trouxeram resultados alarmantes. Estima- se que 52,5% dos brasileiros estão acima do peso e 17,9% da população está obesa. O excesso de peso se mostra mais predominante na população de 45 anos ou mais, sendo de 57,8% (65 anos ou mais), 61,6% (45 a 54 anos) e 61,8% (55 a 64 anos). No Rio de Janeiro, 54% da população adulta encontra-se com excesso de peso. 46 Do ponto de vista clínico, o DM é classificado em quatro classes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Americana de Diabetes (ADA): DM tipo 1 (DM1), DM tipo 2 (DM2), outros tipos específicos de DM e DM gestacional.15 No DM1, a insuficiência na produção de insulina é ocasionada pela destruição das células beta pancreáticas, que pode ser mediada por autoimunidade (na maioria dos casos) ou não (DM1 idiopática). 15 Outros tipos específicos de DM são causados por defeitos genéticos na função das células beta e na ação da insulina, doenças do pâncreas exócrino, medicamentos, infecções, síndromes genéticas e formas incomuns de DM autoimune. Além disso, outra forma de ocorrência é o DM gestacional, tratando-se da intolerância a glicose, diagnosticada durante a gestação, de grau variável. 15 42 No entanto, a forma mais comum de ocorrência é o DM2, uma doença progressiva que alcança proporções pandêmicas 47. Manifesta-se por defeitos na ação e secreção de insulina, podendo haver predomínio de um deles e possui uma patogênese multifatorial. Ocorre geralmente após os 40 anos, em pacientes com sobrepeso ou obesidade.15 A morbidade cardiovascular no paciente diabético chega a ser duas a quatro vezes maior que no não-diabético 48 3.7.1 O Tratamento do paciente com diabetes mellitus tipo 2 O Tratamento dos pacientes com diabetes mellitus tipo 2 tem como principal foco o controle dos níveis glicêmicos, segundo a ADA e a European Association for the Study of Diabetes (EASD). Esse controle está inserido em um contexto maior, associado a adoção de estilo de vida saudável, cessação do tabagismo, controle da pressão arterial e dos níveis lipídicos, dando prioridade à utilização das estatinas, e, em alguns casos, de agentes antiplaquetários, que tem como objetivo a redução de fatores de risco cardiovasculares. Além disso, a redução da hiperglicemia diminui também o início e progressão de complicações microvasculares, porém a relação risco-benefício da utilização de antidiabéticos nesse controle varia de acordo com a idade e status de saúde do paciente 49,50. Particularmente, dentre os eventos adversos associados a utilização de antidiabéticos, um que chama a atenção é o risco de hipoglicemia 50–52 . Deve-se ressaltar que a primeira recomendação para o controle da hiperglicemia deve ser a alimentação saudável, controle de peso e o incremento na atividade física, que devem ser associados, quando for o caso, a utilização de um ou mais antidiabéticos.49 Existem várias opções de antidiabéticos, podendo ser utilizados, individualmente ou em associação, no tratamento do DM2. Seus mecanismos de ação e farmacocinética são diferenciados, e, conforme já dito anteriormente, a terapêutica a ser escolhida deve ser personalizada, respeitando as peculiaridades individuais de cada paciente. Dentre as opções disponíveis no Brasil estão, em resumo 15,49: a) Biguanidas – metformina - , que age na diminuição da produção hepática de glicose; 43 b) Sulfoniluréias (SU) –Clorpropamida (primeira geração), Glibenclamida, Glipizida, Gliclazida e Glimepirida (segunda geração) – aumentam a secreção de insulina; c) Metiglinidas ou Glinidas – Repaglinida, Nateglinida – mecanismo de ação similar às SU; d) Tiazolidinedionas ou Glitazonas (TZD) - Pioglitazona – ativa o fator de transcrição nuclear PPAR-γ.; e) Inibidores da α-glicosidase – Acarbose – inibe a α-glicosidase intestinal, retardando a absorção de carboidratos; f) Gliptinas (DPP-4 i) – Sitagliptina,Vildagliptina, Saxagliptina, Linagliptina e Alogliptina – inibem a atividade do Dipeptidilpeptidase-4 (DPP-4) intestinal, responsável pela degradação das incretinas GLP-1 e GIP pós prandiais e, com isso, aumentando sua concentração e as suas ações na síntese e secreção de insulina e diminuição do glucagon; g) Mimético e Análogos do GLP-1 (GLP-1 ar) – Exenatida, Liraglutida, Lixisenatida, Dulaglutida – Ativam o receptor de GLP-1, desencadeando os efeitos do GLP-1 no controle da glicemia anteriormente mencionados; h) Inibidores da SGLT2 (SGLT2 i) – Dapagliflozina, Empagliflozina, Canagliflozina – Inibidor do transportador de glicose no túbulo proximal renal, impedindo sua reabsorção e causando glicosúria. Um resumo prático das recomendações da ADA e da EASD sobre a forma de se instituir a terapia antihiperglicêmica encontra-se representado na Figura 3. May e Schindler (2016) realizaram uma abrangente revisão a respeito das interações na farmacoterapia com antidiabéticos, e concluíram que as interações relevantes são predominantemente relacionadas às sulfoniluréias, glinidas e tiazolidinedionas através de enzimas metabólicas, e que deve haver cautela no uso da metformina concomitante a fármacos que comprometam da função renal16. 44 Figura 3: Recomendações gerais na farmacoterapia antihiperglicêmica, segundo a ADA e a EASD. Legenda: IC: Insuficiência cardíaca; Ef. Adv.: Efeitos adversos; Hipo: Hipoglicemia; FT:Fratura; Met: Metformina; SU: Sulfoniluréia; DPP-4 i: Inibidores de Dipeptidilpeptidase; SGLT2 i: Inibidores de SGLT2; GLP-1 ar: Agonista do receptor GLP-1; TZD: Tiazolidinediona. As Glinidas podem ser utilizadas no lugar das SU em pacientes com esquemas irregulares de alimentação ou que desenvolvem hipoglicemia tardia pós prandial com a SU. Inibidores de α-glicosidase podem ser utilizados em situações específicas, porém possuem eficácia modesta e frequência de administração e/ou efeitos adversos limitantes. Em pacientes intolerantes à Metformina, considerar a monoterapia com algum dos outros medicamentos colocados na terapia dupla. A Insulina é eficaz quando nenhum dos outros agentes tem efeito e deve ser considerada como parte de qualquer combinação em casos de hiperglicemia, se o paciente é sintomático ou se apresenta características catabólicas como perda de peso ou alguma cetose. Maiores detalhes em 49,53 . Fonte: Adaptado de 49 . 45 3.8 BASES FARMACOLÓGICAS NA ABORDAGEM DAS INTERAÇÕES PLANTA- MEDICAMENTO Na avaliação de riscos ou benefícios de eventuais interações planta- medicamento, particularmente na administração oral, é necessário abordar os eventos físico-químicos e bioquímicos aos quais os xenobióticos constituintes do medicamento e da planta estão expostos no organismo no trajeto compreendido entre à administração e a manifestação do efeito, com enfoque nas particularidades dos sistemas envolvidos no biotransporte de xenobióticos e os sistemas de biotransformação. Neste sentido destacamos os eventos em três fases principais: biofarmacêutica, farmacocinética e farmacodinâmica (Figura 4). 3.8.1 Fase Biofarmacêutica, Farmacocinética e Farmacodinâmica 3.8.1.1 Fase Biofarmacêutica A Fase Biofarmacêutica compreende as etapas desde a administração do medicamento, liberação do fármaco e sua solubilização no meio gastrintestinal para que seja possível a absorção 54. 3.8.1.2 Fase Farmacocinética A Fase Farmacocinética engloba os processos de Absorção, Biodistribuição, Biotransformação e Excreção54. Aos conhecimentos atuais, trata-se da fase mais envolvida na ocorrência de interações fármaco-planta, sendo a mais estudada55. As etapas dessa fase encontram-se discriminadas a seguir: 3.8.1.2.1 Absorção A absorção é a passagem de xenobióticos (fármaco, constituintes do fitocomplexo) através de membranas celulares, do local de administração à circulação sanguínea. Tratando-se da administração por via oral, ela será fundamentalmente dependente da solubilidade e permeabilidade gastrointestinal do xenobiótico 56. A permeação através da membrana é dependente do seu coeficiente 46 de partição, tamanho molecular e grau de ionização do xenobiótico. A passagem através das membranas celulares pode ser por difusão passiva ou dependente de grupos transportadores, não sendo excludente a simultaneidade das duas situações54. A extensão da absorção é dependente de fatores associados ao xenobióticos, como pKa, coeficiente de partição, fatores associados à formulação, como granulometria das partículas sólidas, natureza dos excipientes, e fatores associados ao indivíduo, como pH gastrointestinal, circulação no local de absorção, expressão de grupos de biotransporte e de sistemas de biotransformação 54. A relação entre absorção e as propriedades de solubilidade e permeabilidade gastrintestinal de fármacos foi estudada por Amidon et al (1995) 57, que propuseram o Sistema de Classificação Biofarmacêutica (BCS), agrupando os fármacos em quatro classes biofarmacêuticas, segundo sua permeabilidade e solubilidade. São elas: Figura 4: Etapas da administração à chegada ao sítio ativo do antidiabético. Legenda: Fárm.: Fármaco; Excs.: Excipientes; F: Fármaco; R: Receptor; FR: Fármaco ligado ao receptor; FR*: Fármaco ligado, ativando o receptor Fonte: Baseado em 255 . 47 - Classe 1 – moléculas com alta solubilidade e alta permeabilidade; - Classe 2 – moléculas com baixa solubilidade e alta permeabilidade; - Classe 3 – moléculas com alta solubilidade e baixa permeabilidade e - Classe 4 – moléculas com baixa solubilidade e baixa permeabilidade. O objetivo desta classificação foi buscar elaborar modelos experimentais que permitissem prever a extensão da absorção a partir de estudos in vitro,56 os denominados estudos correlação in vitro x in vivo. Em 2005, com o mesmo objetivo, Wu e Benet propuseram um novo sistema de classificação chamado “Biopharmaceutics Drug Disposition Classification System (BDDCS)” 58. Nesta proposta a permeabilidade leva em consideração a solubilidade e a suscetibilidade do xenobiótico aos sistemas de biotransformação intracelular, ou seja, a extensão do processo de biotransformação, que obviamente tem influência na fração de xenobiótico que permeia o enterócito. Essa é a diferença fundamental entre os métodos de classificação sistemas BCS e BDDCS. Sua finalidade era a previsão da biodisponibilidade de novos fármacos, assim como as potenciais interações fármaco-fármaco com respeito ao intestino e fígado, incluindo os efeitos de transportadores absortivos e de efluxo na absorção oral58. Assim, a BDDCS agrupa os fármacos em Classes de 1 a 4, considerando os parâmetros solubilidade e a extensão do metabolismo. São elas: - Classe 1 – moléculas com alta solubilidade e extensa biotransformação; - Classe 2 - moléculas com baixa solubilidade e extensa biotransformação; - Classe 3 - moléculas com alta solubilidade e baixa biotransformação e - Classe 4 - moléculas com baixa solubilidade e baixa biotransformação 58. Em 2010, Benet, Broccatelli e Oprea classificaram mais de 900 fármacos 59 e em 2015, Hosey, Chan e Benet inseriram 175 fármacos e revisaram a classificação de 13 60. Em termos gerais, para os fármacos Classe 2 BDDCS, Benet, Broccatelli e Oprea (2011) sugerem que, nos enterócitos, alterações nos biotransportadores de efluxo terão importância, principalmente para os fármacos que sejam substratos dos sistemas de biotransformação CYP3A e enzimas de fase II (como glucoronosiltransferases e sulfotransferases), controlando o acesso do fármaco a 48 essas enzimas. Alterações nos biotransportadores de influxo não serão relevantes na absorção, uma vez que o acesso desses fármacos será determinado pela sua lipofilicidade (pois são altamente permeáveis) 59. A inibição dos transportadoresde efluxo na membrana apical dos enterócitos levará a um aumento da área sob a curva (ASC) sistêmica do fármaco substrato pois haverá aumento na velocidade da absorção, saturação da enzima, e menor possibilidade de exposição do substrato à enzima58. Nos hepatócitos, biotransportadores de influxo e efluxo podem afetar a biodisponibilidade. A inibição ou indução dos grupos de biotransporte podem levar a mudanças no metabolismo hepático, independentemente da atividade enzimática59. A inibição do biotransportador de influxo da membrana basolateral aumentará a ASC do fármaco, enquanto que a inibição do efluxo na membrana apical (ou canalicular) terá efeito contrário58. Para fármacos de Classe 3 BDDCS, a alta solubilidade permitirá que haja fármaco suficiente no lúmen intestinal para ser absorvido, porém neste caso, devido à baixa lipofilicidade, os transportadores de influxo terão papel fundamental na absorção. E uma vez que o fármaco tenha sido carreado para o interior do enterócito/hepatócito, o efeito dos transportadores de efluxo também podem ocorrer. A inibição dos biotransportadores de influxo renais e hepáticos também podem levar a aumentos significantes na concentração sistêmica 58. Sendo assim, para os antidiabéticos de Classe 2 BDDCS (glibenclamida, glimepirida, gliclazida, glipizida, nateglinida, repaglinida, pioglitazona), devem ser considerados na busca de interações medicamentosas, enzimas de biotransformação, transportadores de efluxo e a interação entre esses dois, nos enterócitos. Nos hepatócitos, devem ser consideradas enzimas de biotransformação, biotransportadores de influxo e efluxo e a interação entre esses três 59. E na busca de interações medicamentosas com a Metformina, Classe 3 BDDCS, devem ser considerados biotransportadores de influxo e efluxo 59. 3.8.1.2.2 Transportadores de Influxo e Efluxo Transportadores, expressos amplamente em todos os tecidos do corpo, tem importante papel na absorção, distribuição, endereçamento de fármacos tecido- específicos, influenciando assim na farmacocinética e farmacodinâmica 61. Sendo 49 assim, a sua expressão e atividade regula a habilidade de alguns fármacos serem absorvidos a partir do intestino delgado, ou acessar órgãos, impactando na eficácia desses em alcançar o seu alvo terapêutico e também na sua toxicidade 60. A maioria dos transportadores de influxo responsáveis pelo transporte de xenobióticos pertence à superfamília SLC (Solute Carrier Transporter). Nessa, primariamente foram caracterizadas 43 famílias de transportadores diferentes, com um variado número de membros cada 62, e hoje em dia, a lista foi atualizada para 52 famílias diferentes, obtidas a partir de 395 genes humanos63. OATPs (Organic Anion Transporting Polypeptides) são membros da família SLC21/SLCO, OCTs (Organic Cation Transporter), da família SLC22 64, 65 e MATEs (Multidrug and Toxic Compound Extrusion), da família SLC47 61. Os OATPs mediam um transporte independente de sódio de uma ampla gama de compostos orgânicos anfipáticos. Seu mecanismo de transporte consiste na troca de um ânion, acoplando o influxo celular do substrato com o efluxo de substâncias endógenas intracelulares, como bicarbonato, num mecanismo eletroneutro. OCTs transportam cátions orgânicos de baixa massa molecular e relativa hidrofilicidade 66. MATEs secretam cátions e zwitterions na urina, trabalhando como cátion/H+ antiporte em conjunto com OCT2, localizado na membrana basolateral das células do túbulo proximal renal 61. A maioria das proteínas que medeiam o efluxo de fármacos e seus metabólitos para fora das células pertencem à superfamília ABC. A família de transportadores ABC humanos contém 49 membros com 7 subfamílias incluindo vários importantes transportadores de xenobióticos como a P-gp (ABCB1), MRP 1-9 (ABCC10-12) e BRCP (ABCG2). Os transportadores ABC, abundantes na membrana apical dos enterócitos, bombeiam ativamente diversos substratos, incluindo aminoácidos, peptídeos, proteínas, lipídios, sacarídeos, íons inorgânicos, metais e xenobióticos do interior das células. O transporte dos substratos ocorre contra o gradiente de concentração, com o gasto de ATP 67. Especialistas em biotransformação, biotransporte e farmacocinética se reuniram no “Internacional Transporter Consortium” (ITC), com o objetivo de discutir e identificar quais transportadores seriam determinantes bem estabelecidos na farmacocinética, clinicamente importantes na absorção e biodisponibilidade de fármacos, e consequentemente poderiam ser alvos de interações medicamentosas. 50 Em março de 2010, foi publicado a revisão “Membrane transporters in drug development” 66, ressaltando sete transportadores que todos os membros concordaram que há evidências de estarem envolvidos na absorção, biodisponibilidade e/ou interações medicamentosas. São eles: P-gp (Glicoproteína P – MDR1, ABCB1), BCRP (Breast Cancer Resistance Protein – ABCG2), OCT2 (SLC22A2), OAT1/OAT3 (Organic Anion Transporters, SLC22A6/SLC22A7) e OATP1B1 e OATP1B3 (SLCO1B1 E SLCO1B3). Em 2013, uma atualização desses transportadores foi realizada pelo ITC e publicada, tendo incluído nessa listagem MATE1 e MATE2/MATE2K como envolvidos em interações fármaco-fármaco e implicados na eficácia e toxicidade induzida por fármaco 61. Dentre os transportadores considerados pelo ITC como clinicamente importantes na biodisponibilidade de fármacos, dos quais os antidiabéticos em estudo são substratos estão: P-gp, BCRP, OCT2, OATP1B1, OATP1B3, MATE1 e MATE2-K61,66,68,69. Além disso, alguns estudos, apesar de controversos, sugerem que variações genéticas em OCT1 podem ser determinantes na variabilidade interindividual da biodisponibilidade da metformina65,66. Stage et al (2016) apontaram a associação do uso da codeína, um inibidor de OCT1, a um risco aumentado de descontinuação precoce da metformina70. Em humanos, OATP1B1 e OATP1B3 estão ampla e exclusivamente expressos na membrana basolateral dos hepatócitos 68. OCT1 é expresso principalmente no fígado, na membrana basolateral dos hepatócitos, mas pode estar fracamente expresso em outros locais, como intestino delgado, cólon, rins , pulmão, cérebro, coração, músculo esquelético, leucócitos periféricos, glândula adrenal e mamária, células imunes e tecido adiposo65. OCT2 é predominantemente expresso na membrana basolateral das células do túbulo proximal renais, e fracamente expresso no cérebro, pulmão, intestino delgado, timo, placenta e ouvido interno 65. MATE1 é altamente expresso no fígado, rins, glândula adrenal e músculo esquelético, estando localizado na membrana apical das células do túbulo proximal renal e dos hepatócitos. MATE2/MATE2-K são expressos principalmente nos rins, onde estão restritos à membrana apical das células do túbulo proximal renal 65. 51 P-gp está expressa na membrana luminal (também chamada apical) dos enterócitos do intestino delgado, na barreira hematoencefálica, na membrana apical dos hepatócitos e no epitélio do túbulo proximal renal 66. BCRP é amplamente expressa na membrana luminal dos enterócitos 69, mas também ocorre nos hepatócitos, rim, endotélio cerebral, tecido mamário, testículos e placenta 66. Apesar de PMAT (Plasma Membrane Monoamine Transporter) ser um dos transportadores, localizado na membrana apical dos enterócitos, responsáveis pelo transporte da metformina a partir do trato gastrointestinal 65,71 , ou seja, teoricamente com importante influência na biodisponibilidade de medicamentos da Classe 3 BDDCS, ele não foi identificado pelo ITC como biotransportador com importantes implicações clínicas 61. A Figura 5 ilustra as localizações dos transportadores relevantes aos antidiabéticos, nos hepatócitos, enterócitos e células renais (Metabolismo Fase 0 e III). Os transportadores e suas ações, antidiabéticos deles
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