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A política do Pânico e Circo - Conrado Hubner Mendes Na crise dos 30 anos da Constituição de 1988 aconteceu a eleição de Jair Bolsonaro, cujo programa de governo e o repertório de propostas durante toda sua carreira ameaçam a integridade e permanência desse projeto. Essa crise vêm de 3 testes de estresse a que a Constituição foi submetida: nos tribunais e nas ruas entre junho de 2013 e 2016; em tribunais e no Congresso desde o questionável processo de impeachment de Dilma e; em tribunais e urnas em 2018, onde o debate sobre os problemas concretos do país, deram lugar a um grito Pró/Contra Bolsonaro. Jair se coloca contra o corpo e o espírito da Constituição ao defender a extinção de direitos e de programas de solidariedade. As noções de soberania popular e de povo são filtradas e traduzidas num complexo edifício de procedimentos que visam assegurar o autogoverno e a proteção de liberdades. Atos de governo dependem de autorização legal e estão sujeitos a camadas de controle jurídico. Para um líder autoritário driblar instituições e a lei/ato formal, impactar o status quo e desestabilizar políticas públicas é instalar o "pânico e o circo" em seus seguidores. Para o pânico coletivo, é preciso criar (ou de fato ocorrer) um sentimento de ameaça à segurança física, patrimonial, de orientação sexual ou status social. O circo é uma bolha, blindada contra o contraditório, onde seguidores que são alimentados pela intensa provisão de mentiras se deixam levar. Canaliza-se o sentimento contra um corpo estranho (pessoa, grupo, identidade ou ideia) visto como a encarnação do mal. Movidos por medo e raiva, os seguidores fazem "um governo com as próprias maos", que leis e instituições democráticas buscam neutralizar. Esse tipo de democracia gera um déficit de atenção que escondem os problemas que importam e os remédios que funcionam. Como exemplos temos: em 1985 Jânio virou a eleiçõa municipal contra Fernando Collor ao acusá-lo de ateu; em 1989 Collor espalhou um boato contra Lula, afirmando que ele obrigaria proprietários a dividir casas com os pobres; em 2010, o ataque de José Serra a Dilma como defensora do aborto; a investida de Dilma em 2014 contra Marina Silva, que faria o país passar fome dando independência ao Banco Central. No movimento que levou bolsonaro a presidência não foi diferente, ele definiu a cartilha de educação sexual como "kit gay que alicia a garotada para ser homossexual", convocou um boicote a "agenda gay da Disney", criou a ideia de uma "ditadura gay", denunciou a "sensualização precoce de crianças" e o "crime hediondo da pedofilia" em exposições de arte, recrutou alunos para gravar professores em aula, tornando as crianças vigias, os pais juízes, esfera pública commo tribunal popular e professores como vilões, entre outras investidas. As palavras de um chefe do poder executivo ou de candidatos, possuem bastante influência no comportamento de seus subordinados e da sociedade. Sociólogos do direito, afirmam que as lideranças estatais e de justiça fazem muita diferença para o cumprimento das leis. Como exemplo temos a eleição de Donald Trump e com ela o crescimento de crimes de ódio étnico/racial. A expectativa da vitória de Bolsonaro fazia seus apoiadores darem mostras de como se desenrolaria essa ordem: Em Natal, um professor de história foi ameaçado de morte por ensinar o papel da Lei Rouanet no cinema brasileiro; Em Manaus, um professor de letras foi atacado por um aluno enquanto analisava uma música à luz do conceito de fascismo; Na UnB, livros de direitos humanos foram rasgados na biblioteca… Os seguidores dele traduzem silêncios e palavras em carta branca. A violência que ele inspira tem 3 camadas: a 1ª diz respeito a crimes de odio e discriminações punidas pela lei, a 2ª abrange agressões cotididanas que ficam entre o legal e ilegal, a 3ª remete as microagressões, que ferem sem que o agrssor perceba e caso o ofendido reclame, se invoca o "direito ao politicamente incorreto". Ele impacta os níveis da crônica criminal até as relações urbanas do dia. A regra de ouro da democracia é o respeito às normas do jogo sem virar a mesa, para que a competição continue na rotina política e na próxima rodada eleitoral. O estado de direito também depende que as autoridades respeitem a lei e demonstrem ao falar ou fazer, o compromisso de que a lei vale para todos igualmente. Na política do pânico e do circo, ocorre o contrário disso, a prioridade de valores é a extinção do inimigo político, percebido como ameaça a um modo de vida e presumidamente como criminoso. A democracia e a lei, por serem vistas como obstáculos, são escanteadas. PIB X PIBB Algumas pessoas votaram em Bonoro, pois queriam o crescimento do PIBB - Produto Interno da Brutalidade Brasileira, um indicador a ser construído para traduzir nossa cota de incivilidade em números e agregar nossos recordes de homicídios, crimes de ódio, encarceramento, violência estatal, entre outros. A maior parcela dos eleitores dele fez um voto de fé no crescimento do Produto Interno Bruto. O crescimento do PIB compensaria o crescimento do PIBB, visto como um preço do avanço econômico. Antes mesmo do fim das eleições, o índice de brutalidade era palpável no país. Ao contrário do que pensam os economistas, a correlação positiva entre aumento do PIB e diminuição do PIBB, não significa que o crescimento de um diminui o outro, pois isso depende de outra variáveis, como o funcionamento das instituições segundo um estado de direito: respeito às liberdades, obediência a procedimentos estáveis, orientados por regras claras e previsíveis. Os direitos civis e políticos dependem do estado de direito. Economistas perceberam que, além da liberdade e dignidade, esse tipo de estado gera crescimento econômico. Daniel Kaufman apontou que os ingredientes desse crescimento são além do direito à propriedade, o respeito a contratos, e a busca da lei da ordem, incluem também mecanismos de controle, transparência e responsabilização das autoridades públicas, proteção de direitos civis, políticos e sociais. A violência diminui o crescimento por reduzir diversificação e complexidade econômica e romper laços de confiança e reciprocidade social. Estudiosos da segurança pública notam que a retração de políticas de bem-estar gera expansão das políticas de repressão: minimalismo governamental = maximalismo penal. Quanto menos investimento de um lado, mais do outro. A lei do encarceramento brasileiro seria: quanto mais prisão, mais crime organizado; quanto mais crime organizado, maior a corrosão da política e da democracia. A plataforma política dele continua a pensar segurança pública como sinônimo de arma, polícia e prisão, e a vender um placebo político, uma estratégia ilusionista. Deixa a patologia social intocada, mas aplaca por um momento os sintomas e gera a sensação efêmera da cura. Nunca mais, nunca menos A Constituição de 1988, buscou superar um longo período de violência política, instabilidade econômica e aumento da desigualdade. Entre trancos e barrancos, depois dessas 3 décadas, o Brasil é menos pobre e desigual, com índices melhores de bem-estar material, de educação e de saúde, não apenas pelas ondas de crescimento econômico, mas pela implementação de várias políticas de redistribuição, reconhecimento e cuidado. Contudo a sociedade "fraterna, pluralista e sem preconceitos" tem a polícia que mais mata (70% de negros ou pardos) e mais morre no mundo, tem baixa representação feminina no Congresso (menos de 15%), tem a 3ª população carcerária mais alta do planeta, e é o país que mais mata LGBT's e concentra 11% dos homicidios cometidos no mundo. Essa sociedade também tem 40% da população até 14 anos em situação de pobreza, sendo um número maior nas regiões Norte e Nordeste, apesar de ter o 9º maior PIB do mundo. As saídas apresentadas pelo bolsonarismo para essa encruzilhada passam pela violação dos direitos de minorias. O plano de "moralização institucional" inclui a prisão de ministros do STF, até a criação de um "Index Librorum Prohibitorum",por conterem versões da história brasileira que os generais não concordam. Janaína Paschoal por meio de falas públicas e tuítes disse que realmente acreditava "que estamos em um processo de depuração". Esse processo teria 3 degraus, com seus respectivos heróis: começando pelo impeachment (Eduardo Cunha), continua pela Lava Jato (Sérgio Moro) e fecha com Bolsonaro: "Neste momento histórico, a eleição de Bolsonaro é essencial para que tenha sequência o processo de depuração". Na forma, ela recomenda um caminho legalista: "O processo de depuração vai continuar, mas deve ser conforme a Constituição". "Não dá para depurar Executivo e Legislativo sem passar pelo Judiciário". No bolsonarismo há uma divisão do trabalho: a violência simbólica, verbal e coreográfica pertence ao líder e a seu círculo íntimo, e a violência física e as mão sujas de sangue ficam por conta de seus seguidores nas ruas; já a violência do colarinho-branco, por cumplicidade silenciosa, fica com a mídia que o normalizou como "polêmico", com o Legislativo que o tolerou por leniência partidária e com o Judiciario que o legitimou à luz da liberdade de expressão. Será um governo em campanha permanente. pag 12-17
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