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Da barbárie à terra prometida o campo e as lutas sociais na história da República

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Da barbárie à terra prometida: o campo e as lutas sociais na história da
República - Mário Grynszpan 1ª parte
Em 17 de abril de 1997, os trabalhadores rurais, organizados pelo MST e vindos
de diversas regiões do país, ocuparam a Praça dos Três Poderes e se concentraram na
frente do Palácio do Planalto. Batizada de Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e
Justiça, a caminhada tinha por objetivo pressionar o governo para que intensificasse a
implementação da reforma agrária. No dia seguinte eles foram recebidos no gabinete de
Fernando Henrique Cardoso, que prometeu maior empenho e disse que a mobilização era
um importante meio de promoção de mudanças sociais e políticas.
100 anos antes, um movimento envolvendo populações rurais, em Canudos,
interior da Bahia, foi aniquilado por tropas federais. Tendo a frente Antônio Conselheiro, foi
visto como um antro de bárbaros e fanáticos e considerado território insubordinado, e por
isso mesmo alvo de diversas investidas militares, até ser destruído em outubro de 1897.
Ao longo dos 100 anos seguintes, foi objeto de uma revisão histórica e política, deixando de
ser um evento localizado no passado e passando a se tornar símbolo das lutas populares,
mostrando que os conflitos atuais são resultado da persistência secular de desigualdades
sociais.
Todo o período da Primeira República foi pontuado por conflitos mais ou menos
intensos, por revoltas e levantes, até se encerrar em 1930 com uma revolução. A Revolução
Federalista e a Revolta Armada (1893) representavam um sério problema para o governo
Floriano Peixoto, pois questionavam diretamente sua autoridade e a do Exército, opondo-se,
pela via das armas, ao processo de centralização política que tentava se impor. Olavo Bilac
procurava apontar diferenças entre a Revolta Armada e a Revolução Federalista, que seriam
regidos por ideais elevados, pela racionalidade e pelo realismo, e a de Canudos onde
reinavam a demência e a cegueira religiosa.
Antônio Vicente Mendes Maciel, era um beato que, partindo do Ceará,
onde nasceu, passou por Pernambuco e Sergipe na década de 1870, para se fixar
na Bahia. Dedicava-se por onde ia, à construção e à reforma de igrejas e cemitérios,
desse modo ganhando a boa vontade de párocos e vigários, que abriam o púlpito
para seus sermões. Com o tempo , ele foi ganhando seguidores, popularidade e
visibilidade.
Com a separação entre Igreja e Estado, os atos públicos como casamentos,
ensino, e cemitérios se tornaram laicos, e ainda havia uma ameaça de expropriação
de algumas propriedades da igreja. Considerando isso um ataque à fé e à religião,
pois o poder dos homens cresceu indevidamente, Conselheiro passou a pregar
contra a República, entrando em colisão com autoridades locais. Em 1893, uma
força policial tentou reprimir a ação de Conselheiro, mas foi repelida. O beato então
criou seu próprio arraial, separada da contaminação republicana. Conselheiro e seus
seguidores foram para terras abandonadas de uma antiga fazenda, Canudos e a
partir daí cresceu num ritmo acelerado, passando de umas poucas centenas,
para algo em torno de 20 mil. Era mais de 10% da população de Salvador, na
época com 174 mil habitantes.
A escravidão não foi sucedida pelo trabalho livre e assalariado.
Antes criaram-se mecanismos de coerção e de imobilização de mão-de-obra,
de tal modo que as propriedades eram praticamente, universos sociais
fechados. Ali se desenrolava boa parte da vida social dos trabalhadores: seus
contatos e redes de relações mais significativas. O trabalhador estava sujeito
a um grande proprietário, preso por uma série de laços, obrigações e dívidas.
A imobilização da mão-de-obra impedia o trabalhador de se deslocar para
outras regiões onde havia terras livres, não controladas por grandes
proprietários. Ela era parte de um sistema de dominação não apenas
econômico, mas político. O vínculo ao grande proprietário dava ao trabalhador
a possibilidade de acesso à moradia e um trecho de terra, para produção de
sua subsistência e a de sua família, e também proteção e auxílio em
determinadas situações. Em troca, ele devia trabalho, respeito, lealdade e
apoio nas disputas políticas e lutas entre facções em que o proprietário se
metesse. Quanto maior o número de pessoas vinculadas a um senhor, sob
sua dependência, maior também seu prestígio e poder.
O crescimento de Canudos, sugerindo a existência de uma grande
população livre, destoava desse quadro. Para isso, alguns fatores foram
importantes. As décadas finais do Império foram, para o então chamado Norte
(Nordeste), marcadas por longos períodos de seca, que determinaram o
abandono de várias propriedades e um forte deslocamento de populações.
Além disso, haviam diversas crises econômicas, especialmente na Bahia. A
simples existência de Canudos provocava um efeito desestruturador no
sistema de dominação existente.
A autoridade de Antônio Conselheiro era religiosa, contudo não foi
atribuída/reconhecida pela igreja. A presença de Canudos, era afirmada como
refúgio para os que estavam fora das grandes propriedades e os que ainda
permaneciam nelas. Por isso, os proprietários o culpavam pela redução da
mão de obra disponível e a fuga de seus trabalhadores. No início a existência
do arraial era tolerada, pois o afluxo de pessoas beneficiou o comércio, e as
disputas entre os chefes políticos (que favoreceu Cícero Dantas Martins),
além de ter a assistência inicial do vigário Vicente Sabino, que construiu uma
residência no arraial.
No governo de Luís Viana (fim de 1896) o arraial foi atacado, com a
desculpa de que os conselheiristas invadiriam Juazeiro para reclamar uma
partida de madeira, encomendada e previamente paga por Antônio para ser
utilizada na igreja nova, mas que terminou não sendo entregue. A primeira
expedição, com mais de 100 homens, saiu de Salvador no dia 6 de novembro,
sob o comando do tenente Manuel da Silva Pires Ferreira. Antes de alcançar
Canudos, a tropa foi atacada de surpresa e vencida pelos conselheiristas. Ao
saber disso, Luís Viana determinou uma segunda expedição, com mais de
600 homens e maior poder de fogo, chefiada pelo major Febrônio de Brito.
A terceira investida foi sob a orientação do próprio governo federal.
Era uma luta pela República, um combate da nacionalidade contra as forças
monarquistas, que a sua destruição era apresentada. O comandante Antônio
Moreira César, que combateu a Revolução Federalista, foi com 1600 homens
e farto armamento, em fevereiro de 1897, tendo-se como certa a sua vitória.
Já nas primeiras investidas o coronel foi morto (amo), o mesmo ocorrendo
com outros oficiais. Isso fez com que a tropa debandasse e deixasse para trás
armamento e munição que foram tomados pelos conselheiristas.
Para a 4ª expedição, Prudente de Morais nomeou Artur Oscar de
Andrade Guimarães, também destacado combatente contra a Revolução
Federalista. O ministro da Guerra, Carlos Machado Bittencourt, entrou para o
centro das operações. Os combates começaram em 1897 e se estenderam
por 4 meses, envolvendo 10 mil homens e um moderno armamento. A
expedição correu o risco de ser derrotada mas, cercou em diferentes pontos o
arraial e bombardeou-os constantemente, o que culminou com a derrota de
Canudos no dia 5 de outubro. Antônio Conselheiro morreu dia 22 de setembro, de
diarréia. Os sobreviventes foram degolados/fuzilados e o arraial arrasado para
não deixar vestígios, como um passado que não deveria ser preservado e
para deixar clara a impossibilidade de episódios parecidos no futuro.
Seu extermínio se deu porque representava um sertão que não se
curvava a suposta superioridade litorânea, pois além de não reconhecê-la,
punha em xeque a crença na inevitabilidade do avanço da civilização. Foi
destruída em nome da razão, do progresso, da liberdade, da igualdade, da
cidadania.
Desde as décadas de 1940/50, Canudos se firmou como um caso
de luta pela terra, e uma mobilização camponesa contra a exploração e
opressão dos proprietários. Essa interpretação tem grande influência do
trabalho de Rui Facó. As teses delese formularam num quadro de forte
mobilização no campo. Ele direcionava sua atenção para o arraial com o
interesse de transformar a sociedade brasileira e a identificação de seus
agentes e obstáculos. Entre os obstáculos, estavam o monopólio da terra e a
classe de latifundiários. Entre os agentes de transformação estava o
campesinato.
Enquanto a cidade fosse vista como moderna e industrializada, e o
campo como tradicional e atrasado, o país continuaria mergulhado no
subdesenvolvimento, afinal sua economia era predominantemente agrícola e
a maior parte da população era rural. Era preciso a modernização do campo.
Para alguns a modernização viria pela industrialização da
produção no campo e pela elevação do padrão de vida das populações rurais,
via rendimentos e educação. Para outros, isso não poderia ocorrer sem a
eliminação do latifúndio, que isolava, explorava e submetia as populações
rurais, propondo então uma reforma agrária, uma redistribuição da
propriedade da terra. Latifúndio designava um sistema de dominação que era
a base do poder dos grandes proprietários, em sua representação no
Congresso, em sua capacidade de influências e vetos de políticas.
Entre os fatores que motivaram essa mobilização estavam as
expulsões de camponeses das propriedades a partir dos anos 1940, e tiveram
razões diversas, dependendo da região do país. No nordeste estava
associada ao declínio dos antigos engenhos e sua incorporação ao sistema
de usinas. No sudeste, o processo de urbanização, que impulsionou
migrações do campo para a cidade. Nas fronteiras do Paraná e Goiás, foi a
grilagem que determinou a saída de posseiros, antigos camponeses que as
cultivavam.
Essa situação coincidiu com a ida para o campo de militantes de
esquerda, que apresentavam aos camponeses uma alternativa à expulsão e à
exploração, questionando a inevitabilidade dessas ações. Construiram uma
noção de grupo, e graças aos vínculos externos atraíram advogados,
formaram redes de solidariedade, desencadearam demonstrações de apoio
nas cidades, produziram manifestações de parlamentares e autoridades,
conferiram visibilidade por meio da imprensa.
Em meio a essas lutas surgiram as organizações camponesas,
que consolidaram o campesinato como ator político importante. Na época, a
legislação permitia a criação de sindicatos rurais só para os empregados em
terras de alguém em troca de remuneração. Com isso ficavam de fora os
foreiros, arrendatários, parceiros, posseiros e pequenos proprietários.
Jango proliferou diversos projetos, decretos e portarias relativos à
sindicalização rural, criou a Superintendência de política agrária (Supra) no
final de 1962 e aprovou o estatuto do trabalhador rural em 1963. A Supra
planejaria, promoveria e executaria a reforma agrária, além de medidas de
assistência técnica, financeira, educacional e sanitária e detinha o poder de
desapropriar terras. Também seria responsável por dar apoio para criação de
sindicatos e de planos para atendimento das reivindicações camponesas, por
meio do Consir.
A projeção nacional das Ligas camponesas, foi resultado da visão que se
tinha do Nordeste na década de 1950: era visto como uma região marcada pela seca,
miséria, fome, índices de mortalidade altos e baixos de saúde e educação. As elites locais,
políticos, empresários, religiosos e intelectuais passaram a pressionar o governo para
implementação de políticas que beneficiassem a região, o que era visto como um passo
importante para o desenvolvimento da nação. Desse movimento resultou a criação da
Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste, em 1959, no governo JK.
O latifúndio e seus proprietários eram vistos como uma das causas principais do
males da região. A mobilização camponesa era vista como resposta lógica a esse processo
e tida como uma antecipação do que ocorreria caso não se realizasse uma reforma agrária.
Um dos principais eixos de ação da Ligas camponesas era a luta contra a expulsão das
propriedades e o recurso ao Judiciário, quando advogados procuravam estender a
permanência dos camponeses ou forçar os proprietários a pagar indenização. Dessa forma,
se reconhecia um poder superior aos proprietários, impondo limites ao seu arbítrio,
afirmando os direitos garantidos em lei aos camponeses, algo inédito no país.
O Congresso Camponês de BH, representou um marco no reconhecimento do
campesinato como ator político nacional e demarcou a intensificação das disputas entre
diversas forças políticas que atuavam junto aos camponeses. No governo Goulart houve
uma sindicalização do campo e se tentou uma ampla reforma agrária aprovada pelo
Congresso. A legislação de 1946 permitia apenas intervenções tópicas, como a
desapropriação de algumas fazendas, mas bloqueava qualquer possibilidade de
implementação de uma política de reestruturação agrária mais ampla. No parágrafo 16 do
artigo 141 da Constituição, que determinava que qualquer desapropriação deveria ser feita
mediante indenização prévia em dinheiro. Isso demandava muito dinheiro, por isso o
governo se esforçou para canalizar para a aprovação de um projeto de reforma
constitucional que permitisse o pagamento das desapropriações em títulos da dívida agrária,
papéis que seriam descontados ao longo de vários anos.
O projeto sofreu resistências e Jango passou a pressionar o Congresso. Em um
comício realizado no RJ em 13 de março de 1964, na estação de trens da Central do Brasil,
Goulart assinou um decreto tornando desapropriadas as terras às margens de rodovias,
ferrovias e de açudes, o que fez com que os militares determinassem a sua derrubada no
dia 31. Jango perdeu importantes bases de apoio no Congresso, o que permitiu que o
projeto golpista se tornasse bem sucedido. Desencadeou-se um processo de repressão que
resultou na prisão ou perseguição de lideranças e fechamento de sindicatos e ligas. Mas as
mudanças nas relações sociais no campo haviam sido profundas, fazendo com que os
conflitos persistissem, mesmo que sob formas e com dimensões distintas. O trabalho
sindical foi sendo aos poucos retomado, o que permitiu a Contag a assumir um papel de
destaque, trazendo novamente a importância da reforma agrária. A partir daí os eventos
como Canudos puderam ser reinterpretados e dotados de um sentido positivo, ali se
delinearam os marcos nos quais se desenrolaria a questão agrária nos anos seguintes ao
movimento militar.
As lutas foram reprimidas com prisão ou perseguição de lideranças, intervenção
em entidades e a desocupação à força de áreas invadidas. Criou-se o Estatuto da Terra, no
mesmo ano, no governo de Humberto Castelo Branco. Essa lei regia a implementação de
uma reforma agrária no país, que respondia a questões de ordem externa, por um lado,
tratando de incorporar as recomendações do governo estadunidense, para controlar a
estabilidade social, capazes de eliminar fontes de revolta, e internas por outro pois as
tensões no campo persistiam e a ideais ganhou legitimidade até nas grandes cidades.
A reforma agrária aprovada fazia parte de um projeto autoritário mais amplo, que excluía a
participação direta dos trabalhadores rurais. A reforma tinha como objetivo aumentar a
produtividade e a oferta de bens agrícolas, apontadas como fundamentais para o progresso
social e para a consolidação de uma classe média rural. Transformou-se às grandes
propriedades em empresas rurais, com a aplicação de impostos como o Imposto Territorial
Rural e a desapropriação de terras improdutivas.
A estrutura fundiária do país manteve-se bastante concentrada e as tensões na
área rural, envolvendo diversos atores, passaram a eclodir. Os sindicatos passaram ao
controle do sindicalismo cristão, que continuaram encaminhando as demandas dos
trabalhadores, de maneiras e graus distintos, e assumiram o comando da Contag, trazendo
à tona a luta pela reforma agrária.
Em 1968 uma chapa de oposição assumiu a direção da Contag, o que fez com que
os trabalhadores rurais passassem de ofensiva à resistência, de ações coletivas aos
conflitos individuais, localizados. Sua principal arma erao Estatuto do Trabalhador Rural e o
Estatuto da Terra o que os permitiu atravessar de maneira menos drástica o AI-5,
diferentemente dos trabalhadores das cidades. Os trabalhadores realizaram duas grandes
greves, que foram reprimidas. Durante praticamente toda a década de 70, apenas algumas
ocorrências localizadas seriam noticiadas.
A previdência social rural , delineada no Estatuto do Trabalhador Rural, só seria
efetivada com a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Pro-rural),
regulamentado em 1972, que instituiu aposentadoria, pensão, auxílio-funeral, serviços de
saúde e serviço social. os sindicatos emitiam a documentação necessária para que o
trabalhador ou seus dependentes fizessem jus ao direito. Em 1973, ocorreu o 2º Congresso
Nacional dos Trabalhadores Rurais que destacou a defesa da reforma agrária como linha de
ação, reivindicando uma redistribuição do acesso à terra com participação ativa das
organizações de trabalhadores rurais.
No governo de Emílio Garrastazu Médici, em 1970 criou-se o Incra - Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Sua ação consistiu em um projeto geopolítico ,
uma antiga reivindicação dos militares, de ocupação das áreas de fronteira do Norte e do
Centro-Oeste. Desbravamento, estradas (Transamazônica e Cuiabá-Santarém) e ocupação
eram elementos na construção de um Brasil grande, que estimulavam a crença em um
progresso e uma prosperidade ilimitados.
Nas áreas rurais mais antigas, a colonização procurava reduzir as tensões
decorrentes da demanda por terra. Principalmente no Nordeste, onde houve uma expulsão
dos trabalhadores, por efeitos da seca em 1970. Vários trabalhadores vinham de diversas
partes do país, para a Amazônia em busca de recomposição do patrimônio familiar e manter
sua posição social, adquirindo terras nos projetos de colonização ou ocupando áreas livres
como posseiros.
Além da colonização, instalou-se grandes projetos agropecuários/mineradores, por
empresas do Sul e do Sudeste que recebiam incentivos fiscais e recursos da
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia e do Banco da Amazônia.
Comunidades indígenas inteiras foram alvo de violência, grupos foram exterminados ou
tiveram que se deslocar. A região, particularmente os vales dos rios Tocantins e Araguaia,
passou a ser vista como uma das mais tensas e violentas do país. No período do general
João Batista Figueiredo, se deu a exclusão do Incra da gestão dos conflitos na área, e se
atribuiu ao Conselho de Segurança Nacional. O campo também foi visto como marcado
pelas imagens dos bóias-frias e de suas precárias condições de vida/trabalho, eram
trabalhadores expulsos de favelas, e que viviam exclusivamente de diárias. Todos os dias
eles se aglomeravam em determinados pontos da cidade de manhã bem cedo à espera dos
caminhões que os transportavam até as plantações. Nem todos conseguiam embarcar
sempre.
Nessa época, a igreja católica ocupou um lugar central nas lutas dos
trabalhadores rurais, por se afirmarem como um dos pólos de oposição/denuncia do regime
militar, tomando uma posição a favor dos pobres e oprimidos, libertando-os da violência e
das injustiças. Desse trabalho resultou a criação do Conselho Indigenista Missionário, em
1972, e da Comissão Pastoral da Terra, em 1975. A CPT na década de 1970, patrocinou a
criação dos sindicatos e estimulou a formação de chapas de oposição. Alguns clérigos foram
presos, ameaçados/processados ou assassinados. Em 1979, ela contava com 15 regionais
e questionava a exclusividade dos sindicatos na representação dos trabalhadores. Nessa
época, havia um processo de abertura em marcha, os militantes enfrentavam um claro
desgaste e apresentavam divisões internas. As lutas no campo passaram a se intensificar e
a se generalizar, envolvendo um número crescente de pessoas e conformando um novo
ciclo de grandes mobilizações.
Nos primeiros anos da década de 1980 movimentos grevistas foram
desencadeados em outros estados além de Pernambuco, como no RN, PB, BA, MG, RJ e
SP. Os pequenos produtores organizaram protestos contra política agrícola e creditícia do
governo. Acrescentem-se às greves e aos protestos de pequenos produtores as lutas dos
seringueiros no Acre, opondo-se à derrubada de seringais para exploração de madeira ou
para a transformação da área em pastagens.
Os movimentos de atingidos pelas barragens foram uma das origens do MST, que
resultou da falência e da rejeição , por parte de trabalhadores rurais do Sul do país, da
política de colonização e de transferências de populações. Agricultores expropriados pela
construção de barragens, mecanização, concentração fundiária e pela fragmentação do
patrimônio familiar passaram a reivindicar terras onde tradicionalmente habitavam.
No ano de 1984 o MST foi criado, no Paraná. Era uma organização autônoma, e
tinha lideranças vindas do RS, PR, SC, SP, MS. Em 1985 foram aprovadas resoluções que
falavam na edição de novas leis que levassem em conta a luta dos trabalhadores e
acenava-se com a ocupação de terras improdutivas ou públicas e adotava-se o lema
"ocupação é a única solução". Ela se nacionalizou e se tornou mais ofensiva: produziam os
conflitos por não ter nada a perder e investindo seu destino, na possibilidade de obter um
pedaço de terra.
A Contag promoveu o 4º congresso nacional dos trabalhadores rurais, que ocorreu
no momento da instalação da Nova República, que propunha que fosse elaborada uma nova
lei de reforma agrária, o que foi acatado pelo congresso. O presidente do Incra e o titular do
Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, que ali lançou a proposta para a
elaboração do 1º Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República. Começaram a
surgir fortes resistências da parte dos proprietários de terras e dos políticos mais
conservadores, o que culminou em sucessivos adiamentos da data de apresentação da
versão definitiva do plano.
Em outubro de 1985 foi assinado o decreto do PNRA, com um formato modificado
e atenuado em relação ao original. Os setores favoráveis, passaram a voltar-se
politicamente para a Assembleia Nacional Constituinte, de fevereiro de 1987. O MST passou
a promover diversas ocupações, acampamentos e manifestações, e invasões de sedes do
Incra, forçando o governo a realizar desapropriações e assentar os trabalhadores.
Pelo lado dos proprietários as pressões ocorreram por parte da Confederação Nacional da
Agricultura, a Sociedade Rural Brasileira e a ação da União Democrática Ruralista, sua
bancada no Congresso. A UDR atuou junto a Constituinte, procurando bloquear dispositivos
que favorecessem a reforma agrária, além se constituir em um braço armado dos ruralistas,
formando milícias para conter ocupações, saindo daí uma das fortes razões para o seu
declínio.
As principais propostas para a reformulação da estrutura fundiária do país deixaram
de ser incorporadas à Constituição de 1988. Os dispositivos adotados requerem
regulamentação por meio de leis que tiveram que aguardar alguns anos para serem
aprovadas.
Após a eleição de Fernando Collor de Mello, o MST passou a trabalhar voltando-se
para o interior dos assentamentos. Buscou ocupar o lugar dos sindicatos e passou a lidar
com questões como associativismo, crédito, produção, preço dos produtos etc. e construir
um Sistema Cooperativista dos Assentados, que resultou em 1992 , na criação da
Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil.
O governo federal, na época de FHC criou o Ministério do Desenvolvimento Agrário,
devido a massacres provocados por policiais militares. Se é pela produção de lutas que
reside a força do MST, um primeiro problema é que ela se torne refém de suas táticas e seja
obrigado a empreender mais e mais ocupações, impelido a criar mais fatos políticos; o
segundo é como garantir a organização em conjunturas desfavoráveis, ou em um quadro de
efetiva redistribuição de terras.
Mais recentemente (1995) ele procurou se afirmar como movimento não apenas
voltado unicamente para trabalhadores rurais, pois a reforma agrária se constitui comoalternativa para os trabalhadores urbanos desempregados. Um dos elementos que tem
permitido ao MST ser bem sucedido em suas mobilizações, uma das fortes marcas que ele
traz e imprime, é a religiosidade. Canudos foi um movimento religioso.
Se observada a partir do campo, a história do país teve como regra a violência,
como se as nossas relações sociais fossem sempre conflituosas ao extremo. Ganhando o
debate público nos anos 1940/50, a reforma agrária foi reconhecida como medida
necessária e urgente por praticamente todos os governos, inclusive militares. A reforma
agrária ainda guarda relação com a consolidação, ou com a construção da democracia no
país. Significa a incorporação de uma parcela da população à cidadania, rompendo com um
padrão secular de relações sociais e de poder. De Canudos até hoje houveram muitas
transformações ocorridas, mudanças que não resultaram em benefícios generalizados para
todos os setores do campo, e para a sociedade. Vem sendo apropriadas por determinados
grupos, convertendo-se em recursos privados e servindo de base para a reprodução de
sistemas de dominação, ainda que com novas feições e agentes.

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