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UFRJ AVALIAÇÃO DA QUALIDADE E BIOACESSIBILIDADE DE SUCO DE AMORA PRETA (Rubus spp.) PROCESSADO POR TECNOLOGIA DE MEMBRANAS Juliana dos Santos Vilar 2014 ii UFRJ AVALIAÇÃO DA QUALIDADE E BIOACESSIBILIDADE DE SUCO DE AMORA PRETA (Rubus spp.) PROCESSADO POR TECNOLOGIA DE MEMBRANAS Juliana dos Santos Vilar Orientadoras: Lourdes Maria Corrêa Cabral Suely Pereira Freitas Rio de Janeiro Abril, 2014 Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência de Alimentos, do Instituto de Química, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciência de Alimentos. iii AVALIAÇÃO DA QUALIDADE E BIOACESSIBILIDADE DE SUCO DE AMORA PRETA (Rubus spp.) PROCESSADO POR TECNOLOGIA DE MEMBRANAS Juliana dos Santos Vilar Orientadoras: Lourdes Maria Corrêa Cabral Suely Pereira Freitas Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência de Alimentos, do Instituto de Química, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciência de Alimentos. Aprovada por: _______________________________________ DSc. Lourdes Maria Corrêa Cabral Embrapa Agroindústria de Alimentos - CTAA ______________________________________ Profº DSc. Suely Pereira Freitas Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ ______________________________________ Profº DSc. Alexandre Guedes Torres Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ ______________________________________ DSc. Verônica Maria de Araújo Calado Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ ______________________________________ DSc. Anna Paola Trindade Pierucci Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ ______________________________________ DSc. Armando Ubirajara Oliveira Sabaa Srur Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Rio de Janeiro Abril, 2014 iv Vilar, Juliana dos Santos. Avaliação da qualidade e bioacessibilidade de suco de amora preta (Rubus spp.) processado por tecnologia de membranas /Juliana dos Santos Vilar, Rio de Janeiro: UFRJ/ IQ, 2014. xiv; 102f.: il, 31 cm. Orientadoras: Lourdes Maria Corrêa Cabral, Suely Pereira Freitas. Tese (Doutorado) - UFRJ/ IQ/ Programa de Pós-graduação em Ciência de Alimentos, 2014. Referências bibliográficas: f. 91-102. 1. Suco de amora. 2. Rubus spp. 3. Tecnologia de membranas. 4. Bioacessibilidade. 5. Capacidade antioxidante. 6. Antocianinas. I. Cabral, Lourdes Maria Corrêa; Freitas, Suely Pereira. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Química, Programa de Pós- graduação em Ciência de Alimentos. III. Avaliação da qualidade e bioacessibilidade de suco de amora preta (Rubus spp.) processado por tecnologia de membranas. v DEDICATÓRIA Dedico este trabalho às minhas irmãs Luciana e Fabiana e aos meus queridos pais Antonio e Joana pelo apoio, amor e compreensão e paciência durante o desenvolvimento desta tese. vi AGRADECIMENTOS A Deus que me concedeu saúde e força para prosseguir nessa caminhada. Ao Instituto de Química da UFRJ e à Embrapa Agroindústria de Alimentos pela possibilidade da realização deste trabalho. À Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pela concessão da bolsa de estudos. Ao professor Armando Ubirajara Oliveira Sabaa Srur pelo incentivo e atenção aos meus questionamentos e, principalmente, por ter me apresentado a minha orientadora. À Drª Lourdes Maria Corrêa Cabral que foi mais que uma orientadora e me adotou como filha e confiou no meu trabalho, proporcionando uma relação profissional cheia de amizade, carinho e compreensão. À professora Suely Pereira Freitas pela orientação e apoio durante a realização deste trabalho. À pesquisadora Drª Daniela Freitas que junto com sua equipe, em especial Cláudia e José Carlos, auxiliaram os ensaios de análise sensorial desta tese. Á pesquisadora Ângela Furtado pela disponibilização de seu precioso tempo para esclarecimento de dúvidas e dos equipamentos necessários a realização dos testes de pasteurização. Ao Dr. Ronoel Godoy pela disponibilização de tempo para discussão de metodologias e equipamentos para execução de análises importantes para a obtenção de alguns resultados deste trabalho. À analista Manuela Santiago, do laboratório de Cromatografia Liquida de Alta Eficiência, pelos ensinamentos e disponibilização de seu tempo de trabalho para auxiliar algumas análises. Às pesquisadoras Drª Flávia dos Santos Gomes, Drª Renata Valeriano Tonon e professora Mônica Marques Pagani pela amizade, paciência e apoio no decorrer deste trabalho. A Luís Fernando Menezes (Chorão), que me conheceu de forma tão conturbada, mas se tornou um grande amigo e auxiliou muitos processos desenvolvidos nesta tese. A Sérgio Macedo Pontes (Filé) pela amizade e disposição para ajudar todas as vezes que precisei. vii À amiga Luiza Sancier que por muitas vezes compartilhou das minhas dificuldades e compreendeu minha ausência em momentos importantes de sua trajetória. Ao melhor presente que Deus me proporcionou ao executar esse trabalho, minha amiga-irmã Flávia Silva Monteiro, companheira de todas as horas, que além de me ensinar muito sobre processos e análises, me concedeu seu tempo, atenção e carinho sempre que precisei. A todos que torceram por mim e pelo sucesso do meu trabalho e que porventura não tiveram seus nomes citados aqui, perdoem-me a falha e obrigada por tudo. viii RESUMO A amora preta (Rubus spp.) é um fruto que apresenta compostos fenólicos com propriedades antioxidantes, como os ácidos fenólicos e flavonoides. As antocianinas são responsáveis por sua coloração altamente atrativa. No entanto, tratamentos térmicos podem desestabilizar o suco desse fruto, resultando em produtos escuros e com alterações de sabor. Processos de separação com membranas são uma alternativa para a clarificação e concentração de sucos, com as vantagens de manutenção das características nutricionais, sensoriais e funcionais do suco. O efeito da pasteurização e de processos de separação com membranas sobre as características físico-químicas e sensoriais do suco de amora foram avaliadas. Frutos de amora foram despolpados, centrifugados e processados por pasteurização, clarificados por microfiltração, concentrados por osmose inversa e evaporação osmótica. Amostras dos sucos foram analisadas em relação ao pH, acidez, teor de sólidos solúveis, teor de sólidos totais, antocianinas e capacidade antioxidante. Os resultados obtidos indicaram que o tempo e a temperatura da pasteurização podem contribuir para a redução de antocianinas e da capacidade antioxidante. Os sucos concentrados por osmose inversa e evaporação osmótica apresentaram 24,6 º Brix e 55.5º Brix, respectivamente. O conteúdo de antocianinas totais e capacidade antioxidante do suco concentrado por evaporação osmótica aumentaram 6,2 e 7,7 vezes em comparação ao suco clarificado. Os resultados da análise sensorial mostraram que os sucos pré-concentrado por osmose inversa a partir do clarificado e concentrado por evaporação osmótica a partir do clarificado foram descritos pelos consumidores com “boa aparência”, “refrescante”, “gostoso”, “doce” ou “com doçura ideal”, o que se encontra de acordo com as maiores médias das notas da aceitação apresentadas (6,2 e 6,9, respectivamente). No que diz respeito aos resultados da digestãoin vitro foi possível notar que o suco clarificado foi o que obteve maior bioacessibilidade aparente (74% de cianidina-3- O-glicosídeo e 83% de cianidina-3-O-rutenosídeo), o que sugere que este último pode ser um produto interessante para ser utilizado como ingrediente em formulações de outros produtos ou mesmo ser consumido na forma de suco. Palavras chaves: Microfiltração, osmose inversa, evaporação osmótica, antocianina, análise sensorial. ix ABSTRACT The blackberry is a rich source of phenolic compounds with antioxidant properties, especially phenolic acids and flavonoids. Anthocyanin gives the attractive color to the juice. However it can unstabilize the juice under severe heat treatments resulting in darkened products and altered taste. Membrane separation processes are an alternative for the clarification and concentration, with advantages as the maintenance of the nutritional, sensory and functional characteristics of the juice. The effect of pasteurization and membrane process on the physicochemical and sensory characteristics of concentrated blackberry juice was investigated. Blackberry fruits were depulped, the pulp was centrifuged and processed by pasteurization, clarified by microfiltration, concentrated by reverse osmosis and osmotic evaporation processes. Samples were characterized for pH, titratable acidity, total soluble and total solids contents, anthocyanin concentration and antioxidant activity. Results showed that time and temperature of pasteurization can contribute to the reduction of anthocyanins and the antioxidant activity. The juice concentrated by RO and OE presented 24.6 ºBrix and 55.5ºBrix, respectively. The anthocyanin content and the antioxidant activity in the final juice increased 6.2 and 7.7 times, respectively, with respect to the clarified juice. Results of sensory analysis revealed that samples previously clarified and concentrated by reverse osmosis and osmotic evaporation were described by consumers as “good appearance”, “refreshing”, “tasty”, “sweet” or “with ideal sweetness”, which is in agreement with their highest mean overall liking scores (6.2 and 6.9, respectively). With respect to the results of in vitro digestion was noticeable that the clarified juice had higher bioaccessibility (74% of cyanidin-3-O-glucoside and 83% cyanidin-3-O-rutenoside), suggesting that can be an interesting product for use as ingredient in the formulation of other products or even be consumed as juice. Keywords: Microfiltration, reverse osmosis; osmotic evaporation; anthocyanin; juice quality; sensory evaluation. - x SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................................... viii ABSTRACT................................................................................................................ ix LISTA DE FIGURAS................................................................................................ xii LISTA DE TABELAS............................................................................................... xiv 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 15 2 OBJETIVOS........................................................................................................... 17 2.1 Objetivo geral.................................................................................................. 17 2.1 Objetivos específicos....................................................................................... 17 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.............................................................................. 18 3.1 Amoreira preta.................................................................................................. 18 3.1.1 Composição química da amora preta........................................................ 19 3.2 Metabolismo vegetal secundário....................................................................... 20 3.2.1 Antocianinas............................................................................................. 25 3.3 Tecnologia de separação por membranas......................................................... 30 3.3.1 Tipos de membranas.................................................................................. 33 3.3.2 Tipos de processos.................................................................................... 34 3.3.3 Vantagens e limitações do uso de PSM.................................................... 36 3.3.4 Aplicações dos PSM na clarificação e concentração de sucos de fruta.............................................................................................................................. 37 3.4 Bioacessibilidade.............................................................................................. 39 3.4.1 Digestão in vitro........................................................................................ 40 3.5 Análise sensorial............................................................................................... 42 4 MATERIAL E MÉTODOS................................................................................... 45 4.1 Material............................................................................................................. 46 4.2 Obtenção da polpa de amora preta................................................................... 46 4.3 Pasteurização..................................................................................................... 47 4.4 Tratamento enzimático...................................................................................... 48 4.5 Microfiltração............................................................................................... 48 4.6 Concentração do suco de amora preta por osmose inversa............................................................................................................... 49 xi 4.7 Concentração do suco de amora preta por evaporação osmótica..................... 50 4.8 Parâmetros de acompanhamento dos processos com membranas.................... 51 4.9 Determinações analíticas........................................................................................... 51 4.10 Análise sensorial............................................................................................. 53 4.11Simulação da digestão gastrointestinal in vitro........................................................... 54 4.12Análises estatísticas.................................................................................................. 55 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................................. 56 5.1 Avaliação da qualidade físico-química e microbiológica do suco de amora preta (Rubus spp.) pasteurizado...................................................................................... 56 5.2 Processo de microfiltração para a clarificação do suco de amora preta (Rubus spp.)........................................................................................................................................ 67 5.3 Avaliação da qualidade físico-química e microbiológica do suco de amora preta (Rubus spp.) clarificado por microfiltração................................................................... 70 5.4 Concentração do suco de amora preta clarificado pelo acoplamento de osmose inversa e evaporação osmótica................................................................................................ 73 5.5 Concentração do suco de amora preta integral pelo acoplamento de osmose inversa e evaporação osmótica.................................................................................................................... 765.6 Avaliação sensorial............................................................................................................................. 79 5.7 Bioacessibilidade de antocianinas de suco de amora preta (Rubus spp.) pela simulação in vitro da digestão gastrointestinal.................................................................................... 84 6 CONCLUSÕES......................................................................................................... 88 7 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS .................................................. 90 8 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 91 xii LISTA DE FIGURAS Figura 1. Frutos da amoreira preta............................................................................. 19 Figura 2. Principais vias do metabolismo secundário e suas interligações.................................................................................................................. 21 Figura 3. Via do ácido chiquímico para biossíntese de compostos fenólicos e alguns alcalóides........................................................................................................... 22 Figura 4. Metabolismo dos compostos fenólicos em plantas...................................... 23 Figura 5. Principais classes de compostos não-flavonóides....................................... 24 Figura 6. Núcleo flavano............................................................................................. 25 Figura 7. Cátion flavilium........................................................................................... 26 Figura 8. Estrutura das seis antocianidinas comuns alimentos .................................. 26 Figura 9. Transformações estruturais das antocianinas em solução com a mudança de pH do meio.............................................................................................................. 27 Figura 10. Estrutura química da cianidina-3-O-glicosídeo e da cianidina-3-O- rutenosídeo................................................................................................................... 29 Figura 11. Correntes envolvidas nos processos de separação por membranas.................................................................................................................... 31 Figura 12. Esquema comparativo da filtração frontal e tangencial...................................................................................................................... 32 Figura 13. Representação da seção transversal das diferentes morfologias de membranas sintéticas.................................................................................................... 34 Figura 14. Comparação entre os PSM em relação à pressão utilizada, tamanho dos poros e partículas retidas.............................................................................................. 35 Figura 15. Fluxograma do processamento da amora preta............................................................................................................................... 45 Figura 16. Frutos de amora preta................................................................................ 46 Figura 17. Despolpamento da amora preta.................................................................. 46 Figura 18. Centrifugação do suco de amora preta integral......................................... 47 Figura 19. Trocador de calor de superfície raspada Armfield..................................... 47 Figura 20. Sistema de membranas (GEA FILTRATION, 2010) utilizado na microfiltração e osmose inversa do suco de amora-preta............................................. 49 xiii Figura 21. Sistema de evaporação osmótica utilizado na concentração do suco de amora-preta................................................................................................................... 50 Figura 22. Gráfico de Pareto e superfície de resposta para capacidade antioxidante em função das variáveis independentes temperatura (T) e tempo (t) referentes ao dia de processamento (tempo 0)................................................................................... 59 Figura 23. Gráfico de Pareto e superfície de resposta para capacidade antioxidante em função das variáveis independentes temperatura (T) e tempo (t) referentes aos dias de armazenamento (tempo 60 dias)...................................................................... 60 Figura 24. Fluxo de permeado em função do tempo durante o processo de microfiltração do suco de amora-preta......................................................................... 67 Figura 25. Fator de concentração volumétrico em função do tempo durante o processo de microfiltração do suco de amora-preta..................................................... 68 Figura 26. Comportamento do fluxo permeado e sólidos solúveis totais durante o processo de osmose inversa do suco de amora preta clarificado................................. 75 Figura 27. Comportamento do fluxo permeado e sólidos solúveis totais durante o processo de evaporação osmótica do suco de amora preta clarificado........................ 76 Figura 28. Comportamento do fluxo permeado e sólidos solúveis totais durante o processo de osmose inversa do suco de amora preta integral...................................... 78 Figure 29. Comportamento do fluxo permeado e sólidos solúveis totais durante o processo de evaporação osmótica do suco de amora preta integral............................. 79 Figura 30. Mapa interno de preferência...................................................................... 82 Figura 31. Perfil cromatográfico das antocianinas do suco de amora preta................ 84 xiv LISTA DE TABELAS Tabela 1. Composição centesimal da amora-preta in natura...................................... 20 Tabela 2. Resumo dos PSM e aplicações ................................................................... 32 Tabela 3. Delineamento completo do desenho experimental...................................... 48 Tabela 4. Gradiente de eluição utilizado na análise cromatográfica........................... 53 Tabela 5. Teor de antocianinas (mg/100g) do suco de amora preta pasteurizado, clarificado e controle ao longo do tempo de armazenamento...................................... 56 Tabela 6. Capacidade antioxidante (μmol Trolox equivalente/g) do suco de amora preta pasteurizado, clarificado e controle ao longo do tempo de armazenamento....... 57 Tabela 7. Valores de pH e acidez do suco de amora-preta pasteurizado, clarificado e controle ao longo do tempo de armazenamento........................................................ 63 Tabela 8. Valores de teor de sólidos solúveis totais (SST) e teor de sólidos totais (ST) totais do suco de amora-preta pasteurizado, clarificado e controle ao longo do tempo de armazenamento............................................................................................. 65 Tabela 9. Caracterização das etapas da clarificação do suco de amora por microfiltração............................................................................................................... 69 Tabela 10. Valores de teor de antocianinas, capacidade antioxidante, pH, acidez, sólidos solúveis e sólidos totais totais do suco de amora-preta pasteurizado, clarificado e controle ao longo do tempo de armazenamento...................................... 70 Tabela 11. Características físico-químicas do suco concentrado de amora preta obtido por osmose inversa e evaporação osmótica a partir do suco clarificado.......... 73 Tabela 12. Características físico-químicas do suco concentrado de amora preta obtido por osmose inversa e evaporação osmóticaa partir do suco integral............... 76 Tabela 13. Teor de sólidos solúveis dos suco de amora preta..................................... 80 Tabela 14. Médias da aceitação global e aparência dos sucos de amora preta........... 81 Tabela 14. Conteúdo de antocianinas (mg/100g) do suco de amora-preta antes e após a digestão in vitro................................................................................................. 85 1 INTRODUÇÃO Os alimentos possuem como função primordial o fornecimento de energia e nutrientes para o organismo humano, porém a ingestão alimentar deve ser nutricionalmente adequada, pois o excesso ou a carência alimentar podem causar agravos à saúde. O consumo de alimentos de origem vegetal está associado à redução do risco de desenvolvimento de doenças crônicas, possivelmente, por apresentarem uma ampla classe de compostos fenólicos, os quais possuem a capacidade de reagir com radicais livres e minimizar o estresse oxidativo (DE ANGELIS, 2005; KUSKOSKI et al.,2004). Entre as espécies frutíferas com boas características de comercialização pode-se citar a amoreira-preta, cujos frutos são consumidos in natura ou na forma de sucos, geleias e doces caseiros. A amora-preta (Rubus spp.) apresenta pigmentos antociânicos, compostos classificados como flavonoides e que compreendem pigmentos que conferem colorações entre laranja, vermelho e azul presentes em diversas frutas, hortaliças e flores (LIMA & GUERRA, 2003). Apesar do potencial benéfico associado aos vegetais, geralmente possuem vida útil reduzida quando comercializados in natura por serem perecíveis. Uma alternativa para minimizar este problema é utilizar os processos tecnológicos de conservação de alimentos a partir dos quais se podem obter diversos produtos derivados. Dentre os métodos de conservação de alimentos pode-se citar a pasteurização, concentração e evaporação a vácuo, processos convencionais de conservação e/ou concentração de sucos de frutas, que apesar de promover maior vida útil aos produtos derivados pode diminuir a qualidade nutricional e sensorial dos mesmos, uma vez que a maioria das substâncias bioativas são termolábeis e o princípio desses métodos é o uso de calor (FELLOWS, 2006). Devido à estrutura frágil e alta atividade respiratória dos frutos que contribuem para a vida pós-colheita relativamente curta, a amora-preta é comercializada preferencialmente na forma industrializada (ANTUNES et al., 2003). Uma forma de reduzir a perda de componentes benéficos presentes nessa matéria-prima é a utilização da tecnologia de membranas, processo que se baseia na premissa de que substâncias em misturas líquidas podem permear seletivamente através de uma membrana, impulsionadas por uma força motriz, variável segundo os diferentes processos (MULDER, 1991). A separação ocorre 16 normalmente em temperatura ambiente e sem mudanças de fase, o que significa uma considerável economia de energia, sem comprometimento da qualidade dos produtos derivados (MATTA et al., 2004; RODRIGUES et al., 2004). Um exemplo de aplicação da tecnologia de membranas é o processo de microfiltração, que possibilita a obtenção de um produto estéril pela remoção de microrganismos, sem a utilização do tratamento térmico, muitas vezes indesejado, por resultar em perdas na qualidade do produto (ROSA et al., 1999; CARNEIRO et al., 2002). Outro exemplo é o processo de osmose inversa no qual se aplica, sobre uma solução, uma pressão hidráulica maior que sua pressão osmótica, o que permite a transferência do solvente da região mais concentrada para a menos concentrada (SA et al, 2003). Já no processo de evaporação osmótica, uma membrana microporosa hidrofóbica é colocada em contato com líquidos de diferentes concentrações, um deles contendo uma solução aquosa diluída, como, por exemplo, o suco de fruta, e o outro uma solução concentrada que é uma salmoura (COUREL et al., 2000). Essa técnica torna-se bastante interessante para a concentração de sucos de frutas por ser realizada sob condições amenas de pressão e temperatura (RODRIGUES et al., 2004). O uso dos processos de concentração nessa matéria-prima pode contribuir para o aumento da concentração dos compostos bioativos no produto final. No entanto, estudos sobre a absorção dessas substâncias presentes em produtos alimentícios precisam ser desenvolvidos, pois, no organismo vivo, as substâncias são absorvidas e metabolizadas podendo perder sua atividade ou até mesmo apresentar uma atividade muito maior do que aquela mensurada através de técnicas analíticas. Fatores como a solubilidade dos compostos frente aos diferentes sistemas do organismo, pH do meio, concentração e sinergismo entre as substâncias podem influenciar no metabolismo das mesmas ao longo do trato gastrointestinal (HORST & LAJOLO, 2009). Nesse contexto, a busca por processos não-térmicos, que preservem a qualidade dos sucos de frutas e o aumento da demanda por produtos com valor nutricional e características sensoriais próximos do fruto in natura tem levado à intensificação dos estudos para a busca de tecnologias alternativas, visando preservar tais características. 17 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral Avaliar a qualidade física, química e a bioacessibilidade de suco de amora-preta (Rubus spp.) processado por tecnologia de membranas. 2.2 Objetivos específicos Avaliar a estabilidade química e microbiológica dos sucos pasteurizado e clarificado por microfiltração armazenados sob refrigeração por 60 dias; Avaliar a integração dos processos de osmose inversa e evaporação osmótica na obtenção de suco concentrado a partir do suco integral e do suco clarificado por microfiltração; Caracterizar os sucos integral, pasteurizado, clarificado por microfiltração e concentrados quanto às propriedades físicas, químicas, sensoriais e seu potencial antioxidante; Avaliar a bioacessibilidade das antocianinas dos sucos integral, pasteurizado, clarificado e concentrados. 18 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 Amoreira preta A amoreira preta é uma frutífera de clima temperado, caracterizada por um arbusto de porte ereto ou rasteiro, pertencente à família Rosaceae, gênero Rubus, de grande potencial para as regiões brasileiras com período de inverno marcante e propícia para pequenas propriedades agrícolas (OLIVEIRA et. al., 2008; STRIK et al., 2007; VIZZOTTO, 2007). É uma planta rústica que necessita de pouca utilização de defensivos agrícolas, possui baixo custo de produção e facilidade de manejo, sendo assim, uma importante alternativa para cultivo na agricultura familiar. A amoreira preta produz frutos agregados que possuem cerca de 4 a 7 gramas, coloração negra e sabor ácido a doce-ácido (ANTUNES, 2002). A amoreira-preta teve seu cultivo comercial iniciado na Europa no início no século XVII, quando o cultivar Evergreen foi selecionado de material nativo. Nos Estados Unidos, onde é conhecida como “blackberry”, a exploração comercial teve início em 1850 e 1860. No Brasil, as primeiras plantas, oriundas da Universidade de Arkansas, foram introduzidas em 1972, no Centro de Pesquisa da Embrapa Clima Temperado, localizado em Pelotas-RS. Devido à boa adaptação ao local, foi possível expandir seu cultivo para os estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e para o sul de Minas Gerais (ALMEIDA et al., 2005; ANTUNES, 2002; SANTOS et al.,1997). Existem inúmeras cultivares de amoreira-preta, mas as selecionadas no Brasil são Tupy, Guarani, Negrita, Caingangue e Ébano. As cultivares Tupy e Guarani são as mais recomendadas para o consumo in natura pelo fato de apresentarem baixa acidez (CHIM, 2008; SANTOS & RASEIRA, 1988). A amora preta (Figura 1) geralmente é consumida in natura, utilizada em tortas, sorvetes, compotas, geleias, doces cristalizados,entre outros. É comercializada em bandejas de 120 a 150 gramas, quando destinada ao mercado in natura e para a utilização da fruta na forma processada, ela pode ser congelada para facilitar o armazenamento (MACHADO, 2007; SANÁBIO, 2009). 19 Figura 1. Frutos da amoreira preta (Fonte: JACQUES, 2008). Pelo fato da amora-preta apresentar alta taxa respiratória e uma frágil estrutura sua vida pós-colheita para consumo in natura é muito reduzida; portanto, a utilização deste fruto na forma processada é uma alternativa para pronlongar sua vida útil (ANTUNES et al., 2003). Pesquisas têm demonstrado a utilização da amora-preta para fins medicinais por apresentar componentes que podem trazer benefícios à saúde humana (VIZZOTTO, 2008). Extratos de amora-preta apresentaram efeito anti-mutagênico e anti-carcinogênico (TATE et al., 2006) para as linhagens humanas de câncer de útero, câncer de cólon (LAZZE et al., 2004), câncer oral, câncer de mama, câncer de próstata (SEERAM et al., 2006), câncer de pulmão (DING et al., 2006), além de prevenir metástases (TATE et al., 2004). Em muitos casos o efeito anti-carcinogênico da amora-preta ocorre devido ao efeito anti-inflamatório de seus extratos. NETZEL et al. (2002) demonstraram que a capacidade antioxidante do plasma aumenta em 30% após a ingestão de suco contendo amora-preta. Além disso, extratos de amora preta podem ajudar a reduzir os níveis de colesterol sanguíneo, atuando na prevenção de doenças cardiovasculares e circulatórias (STOCLET et al., 2004). 3.1.1 Composição química da amora preta A composição centesimal da amora-preta está descrita na tabela 1. O fruto in natura apresenta alto teor de umidade (85%), baixos teores de cinzas (0,19 e 0,47%), proteínas (1,5%) e lipídeos (entre 0,03 e 0,08%), e cerca de 6 a 13% de carboidratos (VIZZOTTO, 2008). Ainda segundo a mesma autora, o valor energético total dessa matéria-prima, em média, corresponde a 52 kcal/100g de fruto, o que sugere uma opção para a alimentação de indivíduos com algum tipo de restrição energética. 20 Tabela 1. Composição centesimal da amora-preta in natura. Componente Quantidade (%) Umidade 85 Cinzas 0,19-0,47 Carboidratos 6-13 Proteínas 1,5 Lipídeos 0,03-0,08 Fibras 3,5-4,7 Fonte: REYES-CARMONA et al., 2005 Em relação aos micronutrientes, o fruto apresenta teores de cálcio (32mg/100g); fósforo (21 mg/100g); potássio (196 mg/100g); magnésio (20 mg/100g); ferro (0,57 mg/100g); selênio (0,60 mg/100g); vitamina C (21 mg/100g); e menores quantidades de vitamina A, vitamina E, folato, tiamina, riboflavina, niacina, ácido pantotênico, vitaminas B-6 e B-12 (VIZZOTTO, 2008). A presença de cálcio nessa matéria-prima é importante para produção industrial de geleias, por se tratar de um elemento que participa ativamente na complexação da pectina durante a formação do gel, particularmente quando se deseja formular e processar produtos com baixo teor de açúcar, como os produtos dietéticos (JACKIX, 1988). Além destes constituintes, a amora-preta (Rubus spp.) apresenta compostos do metabolismo secundário, especialmente as antocianinas, compostos fenólicos importantes para coloração do fruto e associados à redução do risco de aparecimento de diversas doenças (LIMA & GUERRA, 2003). 3.2 Metabolismo vegetal secundário O metabolismo é definido como o conjunto total de transformações das moléculas orgânicas, catalisadas por enzimas, que ocorrem nas células vivas. Nos vegetais, costuma ser dividido em primário e secundário, sendo o primeiro aquele que corresponde ao conjunto de processos metabólicos que desempenham uma função essencial no vegetal e os compostos envolvidos possuem uma distribuição universal nas plantas, tais como os aminoácidos, 21 nucleotídeos, lipídios, carboidratos e clorofila. Já o metabolismo secundário origina compostos que não possuem uma distribuição universal, pois não são necessários para todas as plantas (MARZZOCO & TORRES, 2007). Embora o metabolismo secundário nem sempre seja necessário para que uma planta complete seu ciclo de vida, ele desempenha um papel importante na interação das plantas com o meio ambiente. Os metabólitos secundários compreendem três grandes grupos: os terpenos, os compostos fenólicos e os alcaloides. Os terpenos são sintetizados a partir do ácido mevalônico (no citoplasma) ou do piruvato e 3-fosfoglicerato (no cloroplasto). Já os compostos fenólicos são derivados do ácido chiquímico ou ácido mevalônico e os alcalóides são derivados de aminoácidos aromáticos, conforme demonstrado na Figura 2 (TAIZ; ZEIGER, 2004). Figura 2. Principais vias do metabolismo secundário e suas interligações. Entre os metabólitos secundários citados, aqueles de maior interesse neste trabalho são os compostos fenólicos que são sintetizados em resposta a condições de estresse. Essas substâncias são produzidas naturalmente pelas plantas para se protegerem do ataque de pragas e doenças, e também ajudam a planta a resistir a condições adversas do ambiente (ZADERNOWSKI et al., 2005). Quimicamente esses compostos são substâncias que possuem pelo menos um anel aromático no qual ao menos um hidrogênio é substituído por um grupamento hidroxila e Piruvato + 3 fosfoglicerato TERPENOS Via do Mevalonato FENÓIS Via do Ácido Chiquímico Aminoácidos aromáticos ALCALÓIDES 22 podem ser sintetizados a partir de duas rotas metabólicas principais: a via do ácido chiquímico (Figura 3) e a via do ácido mevalônico, a qual é menos significativa (SIMÕES et al., 2010). Figura 3. Via do ácido chiquímico para biossíntese de compostos fenólicos e alguns alcaloides (Fonte: PERES, 2013) 23 O ácido chiquímico é f13mado pela condensação de dois metabólitos da glicose: o fosfoenolpiruvato e a eritrose-4-fostato. A ligação do ácido chiquímico e a uma molécula de fosfoenolpiruvato leva a formação do ácido corísmico, que por sua vez, gera os aminoácidos aromáticos (triptofano, fenilalanina e tirosina). A partir do ácido corísmico são formados os fenilpropanóides que são os primeiros grupos de compostos fenólicos. A fenilalanina amônia- liase (PAL) é a enzima chave na regulação da via metabólica de fenilpropanóides, convertendo a L-fenilalanina em ácido trans-cinâmico e iniciando a biossíntese de fenólicos, como visto na Figura 4 (NACZK & SHAHIDI, 2004). Figura 4. Metabolismo dos compostos fenólicos em plantas 24 O grupo dos compostos fenólicos apresenta estruturas variadas e divide-se em duas grandes classes, os não flavonóides e os flavonóides. A classe dos não flavonóides compreende desde os compostos mais simples, ácidos fenólicos (ácido benzóico, ácido hidroxicinâmico e seus derivados), assim como estruturas mais complexas como as ligninas, lignanas, suberinas, taninos hidrolisáveis, estilbenos, dentre outras, como pode ser observado na Figura 5 (CHEYNIER, 2005; NAZCH & SHAHIDI, 2004). Figura 5. Principais classes de compostos não-flavonóides A classe dos flavonóides apresenta uma estrutura básica conhecida como núcleo flavano (Figura 6), sendo o grau de oxidação e padrão de substituição do anel C os fatores que determinam as classes dos flavonóides e as substituições nos anéis A e B responsáveis pelas diversidades de compostos de cada classe (RHODES, 1996). 25 Figura 6. Núcleo flavano (Fonte: BRAVO, 1998). Mais de 8000 substâncias pertencentes a esse grupo já foram identificadas e essa diversidade de compostos surge devido à variação de combinações de grupos metil e hidroxil como substituintes na estrutura química básica. Nessa classe são encontradas as antocianinas, flavonóis, flavonas, isoflavonas, flavononas e flavanas, compostos com várias propriedades biológicas, tais como atividade antioxidante, antiinflamatória e antitumoral, reduçãoa fragilidade e permeabilidade capilares; inibição da destruição do colágeno a agregação plaquetária, entre outras. (ARAÚJO, 2008; FILHO et al., 2001). 3.2.1 Antocianinas As antocianinas são flavonoides que se caracterizam por serem compostos hidrossolúveis responsáveis por uma variedade de cores de frutas, flores e folhas, com um espectro de cor que vai do vermelho ao azul e podem variar do vermelho alaranjado, como no morango (Fragaria vesca L.) ao roxo, no jamelão (Syzygium cumini), passando pelo vermelho vivo, na cereja vermelha (Prunus avium L.) (BOBBIO & BOBBIO, 2003). Na natureza, as antocianinas são sempre encontradas na forma de glicosídeos facilmente hidrolisados em açúcares, agliconas, denominadas antocianidinas, que têm como estrutura básica o cátion flavilium (Figura 7). Além do grupo de açúcares, a molécula de antocianina pode vir, frequentemente, ligada a um grupo de ácidos orgânicos e outros substituintes (MALACRIDA & MOTTA, 2006). 26 Figura 7. Cátion flavilium (Fonte: BOBBIO & BOBBIO, 2003). Dentre as antocianinas encontradas na natureza, apenas seis estão presentes em alimentos: pelargonidina, cianidina, delfinidina, peonidina, petunidina e malvidina, que diferem entre si quanto ao número de hidroxilas e grau de metilação, presentes no anel B, conforme ilustrado na Figura 8 (BOBBIO & BOBBIO, 2003). Figura 8. Estrutura das seis antocianidinas comuns alimentos (Fonte: BOBBIO & BOBBIO, 2003). Pesquisas tem demonstrado interesse no uso de antocianinas como corante natural, com o intuito reduzir o uso de corantes alimentícios sintéticos (FRANCIS, 1989; ESPÍN et al., 2000; HAKE & QUINN, 2008). No entanto, o pH é um fator limitante no uso dessas substâncias como corante por influenciar a coloração e na estabilidade das antocianinas, que podem ter alterações de coloração conforme o pH do meio, o que é considerado uma das desvantagens das antocianinas quando comparadas aos corantes sintéticos (ANDERSEN et al., 1998). Sua utilização é restrita pela baixa estabilidade em meio aquoso e pH acima de 2,0, condições bastante comuns durante o processamento e estocagem dos alimentos. Em soluções ácidas, a antocianina é vermelha, mas com o aumento do pH a intensidade da cor diminui e Antocianidinas R1 R2 Pelargonidina H H Cianidina OH H Delfinidina OH OH Peonidina OCH3 H Petunidina OCH3 OH Malvidina OCH3 OCH3 27 em solução alcalina, a cor azul é obtida, porém instável (MALACRIDA & MOTA, 2006). A Figura 9 ilustra as transformações estruturais das antocianinas em solução com a mudança de pH do meio. Figura 9. Transformações estruturais das antocianinas em solução com a mudança de pH do meio (Fonte: TERCI & ROSSI, 2002). Além do interesse pela coloração o uso de antocianinas tem sido intensificado devido a seus possíveis benefícios à saúde (EIBOND et al., 2004). As antocianinas podem ser oxidadas por radicais livres, formando compostos menos reativos e mais estáveis, prevenindo, assim, danos causados por esses compostos. Por serem extremamente reativos e instáveis, os radicais livres participam de reações com substâncias químicas orgânicas e inorgânicas, podendo favorecer a peroxidação lipídica das membranas, modificações oxidativas das proteínas e lesões no ácido desoxirribonucléico (DNA). O poder antioxidante das antocianinas 28 se deve principalmente à deficiência de elétrons do núcleo flavilium e à presença de hidroxilas livres (SOOBRAATTE et al., 2005; WADA et al., 2007; OLSZEWER, 2008). KUSKOSKI et al. (2004) ao determinarem a atividade antioxidante de pigmentos antociânicos, constataram atividade semelhante ou superior ao antioxidante sintético padrão Trolox. Dos pigmentos antociânicos estudados, delfinidina e cianidina 3-glicosídeo apresentaram atividade duas vezes superior ao Trolox, indicando que estes compostos possuem potente propriedade antioxidante. Pesquisas relatam o uso de antocianinas para controle de pressão arterial e diabetes, prevenção de hipercolesterolemia e propriedades antiinflamatórias (MACZ-POP et al., 2006; MURRAY, 1997; REYNERTSON et al., 2006) . Quin et al. (2009) ao avaliarem 120 indivíduos (42 homens e 78 mulheres), com idade entre 40-65 anos portadores de dislipidemia que ingeriram 4 capsulas de 80 mg de antocianinas (58% delfinidina e 33% cianidina) extraídas de mirtilo (Vaccinium myrtillus) e groselha preta (Ribes Nigrum) durante 12 semanas, observaram aumento do HDL-colesterol (13,7%), redução do LDL- colesterol (13,6%). Walace (2011) ao avaliar pacientes com doença cardiovascular observou que o consumo de antocianinas teve relação com a redução da isquemia, pressão sanguínea, nível de lipídeos plasmáticos e status inflamatório. Esses compostos também estão associados a proteção de alguns tipos de câncer por minimizar o dano ao DNA por meio da redução de fatores de iniciação tumoral, suprimindo a angiogênese e inibindo a progressão de estágios do tumor (MARTIN et al, 2013). Outras pesquisas corroboram com essas evidências ao relacionar as antocianinas com a prevenção de doenças degenerativas devido a suas propriedades antioxidantes. Já foram descritos estudos biológicos em laboratório indicando que antocianinas possuem um papel importante como protetor da oclusão de artérias cerebrais e da isquemia cerebral em ratos e promotor de apoptose em culturas com células leucêmicas (REYNERTSON et al., 2006; KANG et al., 2003; HOLLMAN & KATAN, 1999; SHIN et al., 2006; KATSUBE et al., 2003; PALOMBINO, 2006). Dentre as antocianinas identificadas em amora-preta, incluem-se a cianidina-3- glicosídeo (SERRAINO et al., 2003), cianidina-3-arabinosídeo, cianidina-3-galactosídeo, malvidina-3-glicosídeo, pelargonidina-3-glicosídeo, cianidina-3-xilosídeo, cianidina-3- rutinosídeo, cianidina-malonoil-glicosídeo (FAN-CHIANG & WROLSTAD, 2005), 29 cianidina-dioxaloil-glicosídeo, peonidina-3-glicosídeo (SEERAM et al., 2006) e malvidina- acetilglicosídeo (REYES-CARMONA et al., 2005). A cianidina-3-O-glicosídeo e a cianidina- 3-O-rutinosídeo (Figura 10) são descritas como as mais representativas no fruto, sendo a primeira a majoritária, correspondendo a aproximadamente 92,7% das antocianinas totais (FERREIRA, 2008). Figura 10. Estrutura química da cianidina-3-O-glicosídeo e da cianidina-3-O-rutenosídeo A quantidade de antocianinas na amora-preta varia de acordo com a maturação das frutas. Estudos demonstram que seu conteúdo aumenta de 74,7 mg equivalente de cianidina- 3-glicosídeo/100 g peso úmido em frutos ainda verdes para 317 mg cianidina-3-glicosídeo /100 g peso úmido em frutos maduros (SIRIWOHARN & WROLSTAD, 2004). WANG & LIN (2000) ao estudarem frutos e folhas de amora-preta, framboesa e morango, observaram que os frutos maduros de framboesa preta e amora-preta constituem fonte rica em antocianinas (197,2 mg/100 g e 152,8 mg/100 g, respectivamente) quando comparados com frutos maduros de framboesa vermelha (68,0 mg/100 g) ou morango (31,9 mg/100 g). Estudos realizados por Chim (2008) relatam teores de antocianinas totais na amora- preta cultivar Tupy de 137,59 mg cianidina-3-glicosídio/100g fruta, valor semelhante ao encontrado por Jacques (2009) (140,73 mg cianidina-3-glicosídio/100g fruta). Os valores de antocianinas totais relatados para amora-preta cultivar Tupy cultivada na cidade Poços de Caldas/MG/Brasil, foram pouco inferiores, 116,76 mg cianidina-3-glicosídio.100g-1fruta, demonstrando a variabilidade em função do local de plantio (JACQUES & ZAMBIAZI, 2011). 30 Segundo Ferreira (2008), o teor de antocianinas totais encontrados na amora preta foi igual a 104,1 ± 1,7 mg/100g de fruta. Já na polpa, Kuskoski et al. (2006) encontraram 41,8mg equivalente de cianidina-3-glucosídeo por 100g de antocianinas totais. Hassimoto et al. (2008) ao avaliarem cultivares de amoraspretas brasileiras encontraram teores de 116 a 194 mg de antocianinas/100 g, 123 a 233 mg de flavonoides totais/100 g e 373 a 499 mg de compostos fenólicos/100 g. Pesquisas têm demonstrado que o processamento, de forma geral, induz a redução no teor inicial de antocianinas. Na laboração de geleia de amora preta foi observada uma perda de antocianinas em média de 8,8 % em relação aos valores encontrados na polpa e o armazenamento desse produto à temperatura ambiente em recipientes de vidros transparentes resultou em perdas de 32 % do conteúdo de antocianinas nos primeiros 40 dias de estocagem e outros 11% nos 50 dias subsequentes (MOTA, 2006a). Estudos realizados em suco de amora-preta também identificaram a redução de antocianinas após processamento. Mota (2006b) demonstrou que ocorreu uma redução de 42% do teor inicial de antocianinas em suco obtido por extração através de vapor. 3.3 Tecnologia de separação por membranas Durante a década de 70 surgiu o interesse nos processos de separação que utilizam membranas no intuito de buscar alternativa aos outros processos de separação existentes. A membrana é definida como uma barreira que separa duas fases e restringe, ou permite, a passagem de espécies de forma seletiva (HABERT et al., 2006; RAVANCHI et al., 2009). A utilização de processos de separação por membranas (PSM) compreendem o uso de membranas artificiais no intuito de fracionar os componentes de uma mistura em função de suas diferentes taxas de permeação. Nesses processos, a corrente de alimentação é fracionada em duas correntes distintas: o retido ou concentrado, que é a fração que não permeia a membrana e o permeado, que é a fração que a permeia, como exemplificado na Figura 11 (HABERT et al., 2006). 31 Figura 11. Correntes envolvidas nos processos de separação por membranas. Os PSM necessitam de uma força motriz agindo sobre a membrana para que ocorra o transporte de uma espécie por meio da mesma. Essa força motriz pode ser o gradiente de potencial químico e/ou o gradiente de potencial elétrico. Em geral, os processos com membranas são atérmicos e, assim, o gradiente de potencial químico pode ser expresso, apenas em termos do gradiente de pressão e de concentração (HABERT et al., 2006). Os processos de separação que utilizam o gradiente de pressão como força motriz são empregados para concentrar, fracionar e purificar soluções diluídas ou dispersões coloidais (MULDER, 1991). Segundo WANG et al. (2005) as membranas que tem como força motriz o gradiente de pressão, são capazes de remover substâncias nas seguintes faixas de separação: • Microfiltração: 0,1 a 10 µm; • Ultrafiltração: 0,001 a 0,1 µm; • Nanofiltração: moléculas de massa molar média, entre 500 e 2.000 Da; • Osmose inversa: moléculas solúveis (membrana densa) A Tabela 2 resume os PSM que utilizam gradiente de pressão como força motriz. 32 Tabela 2. Resumo dos PSM e aplicações. Processo Força motriz (ΔP) Material retido Aplicações Microfiltração 0,5-2 atm Material em suspensão, Bactérias Esterilização bacteriana, Concentração de células Ultrafiltração 1-7 atm Colóides, macromoléculas Recuperação de pigmentos e óleos Nanofiltração 5-25 atm Sais bivalentes solúveis e em suspensão Purificação de enzimas Osmose inversa 15-80 atm Todo material solúvel em suspensão Dessalinização de águas, concentração de sucos de frutas Fonte: HABERT et al., 2006. Os PSM podem ser operados de forma clássica, ou seja, alimentando de modo frontal, denominado “dead-end”, ou tangencial “cross flow”. Na filtração convencional, a filtração é efetuada pela passagem de uma solução de alimentação em direção perpendicular ao meio filtrante, criando uma única corrente de saída e o soluto, ou os materiais em suspensão, são retidos, acumulando-se na superfície da membrana. Já na filtração tangencial a corrente de alimentação escoa paralelamente à superfície da membrana enquanto o permeado é transportado transversalmente à mesma, sendo o processo mais eficiente (HABERT et al, 2006). A Figura 12 ilustra os dois modos de operação e suas respectivas características de escoamento. Figura 12. Esquema comparativo da filtração frontal e tangencial (Fonte: HABERT et al., 2006). 33 3.3.1 Tipos de membranas As membranas atuam como barreiras que possibilitam a separação de duas fases e que restringem, total ou parcialmente, o transporte de uma ou várias espécies químicas presentes nessas fases (HABERT et al., 2006). A separação ocorre pela capacidade em transportar um componente mais rapidamente que os outros devido às diferenças de tamanho, forma ou estrutura química das moléculas presentes na mistura (MULDER, 1991). Uma grande variedade de materiais pode ser usada na confecção de uma membrana. Todavia, a escolha do material a ser utilizado deve ser realizada de acordo com suas propriedades hidrofóbicas e hidrofílicas, resistência mecânica, química e térmica, capacidade de esterilização, estabilidade dimensional e custo (MULDER, 1991). De acordo com Cheryan (1998), as membranas podem ser classificadas, principalmente, quanto à sua natureza, composição e estrutura morfológica. De acordo com sua natureza, elas podem ser classificadas como biológicas ou sintéticas, quanto à composição, podem ser orgânicas (poliméricas) ou inorgânicas (cerâmicas, metais e vidro). Em geral as membranas podem ser classificadas em duas grandes categorias: densas e porosas. Dentro da classificação densa e porosa as membranas são subclassificadas em isotrópicas (simétricas): quando possuem as mesmas características morfológicas ao longo de sua espessura e, anisotrópicas (assimétricas): quando apresentam gradiente de tamanho de poro em direção à superfície (MULDER, 1991). A Figura 13 ilustra as morfologias mais comuns observadas em membranas comerciais. 34 Figura 13. Representação da seção transversal das diferentes morfologias de membranas sintéticas (Fonte: HARBERT et al., 2006). O transporte através da membrana é o resultado da atuação de uma força motriz sobre os componentes individuais da alimentação. A morfologia da membrana e a força motriz empregada no processo são parâmetros fundamentais para o mecanismo de transporte através da membrana, que pode ser difusivo ou convectivo. Em membranas porosas, se a força motriz for o gradiente de pressão, o fluxo permeado ocorre nos poros e o mecanismo é o convectivo, porém, se a força motriz for o gradiente de concentração das espécies, o fluxo do permeado será de natureza difusiva. Já em membranas densas, o fluxo de permeado é sempre de natureza difusiva independente do tipo de força motriz aplicada, já que a membrana não apresenta poros em sua interface (HABERT et al., 2006). 3.3.2 Tipos de processos Os processos que utilizam a pressão como força motriz e membranas porosas são a microfiltração, ultrafiltração e nanofiltração, cujas principais diferenças são relativas ao tamanho médio dos poros da membrana, permitindo ou não a passagem de determinados componentes, conforme ilustrado na Figura 14 (MULDER, 1991). 35 Figura 14. Comparação entre os PSM em relação à pressão utilizada, tamanho dos poros e partículas retidas. O tamanho dos poros da membrana decresce na ordem dos processos de microfiltração, ultrafiltração e nanofiltração e, consequentemente a pressão exigida em cada operação é diferente, sendo maior quando a membrana tiver poros menores (MULDER, 1991). O processo de microfiltração é um exemplo de aplicação da tecnologia de membranas comumente utilizado para a clarificação de sucos e possibilita a obtenção de um produto estéril pela remoção de microrganismos, sem a utilização do tratamento térmico, muitas vezes indesejado, por resultar em perdas na qualidade do produto(CARNEIRO et al., 2002). Outro processo que utiliza a pressão como força motriz é a osmose inversa, no qual são utilizadas membranas densas. Nesse processo se aplica, sobre uma solução, uma pressão hidráulica maior que sua pressão osmótica, o que permite a transferência do solvente da região mais concentrada para a menos concentrada, o que promove a pré-concentração de sucos a temperatura ambiente (SÁ et al., 2003). Outra técnica de separação por membranas bastante interessante para a concentração de sucos de frutas por ser realizada sob condições amenas de pressão e temperatura é a evaporação osmótica, a qual é capaz de remover a água de uma solução através da diferença de concentração entre a solução a ser concentrada e uma solução concentrada. Nesse processo MM: massa molecular 36 são utilizadas membranas microporosas hidrofóbicas cujos lados estão em contato com os líquidos de concentrações diferentes, um deles contendo a solução aquosa diluída (suco de fruta) e o outro a solução concentrada, geralmente salmoura. A água do suco atravessa a membrana para o lado da salmoura e a membrana restringe a passagem da salmoura para o suco e de outros constituintes do suco para a salmoura, o que possibilita obter sucos concentrados que podem atingir cerca de 60º Brix (COUREL et al., 2000; RODRIGUES et al., 2004). 3.3.3 Vantagens e limitações do uso de PSM A possibilidade de integração a outros processos de separação, a simplicidade de operação, o fácil escalonamento e as condições brandas de separação são as principais vantagens em utilizar os processos de separação por membranas. Em geral, os processos com membranas ocorrem à temperatura ambiente sem que haja mudança de fase ou utilização de calor, assim, garantem menor impacto nas propriedades sensoriais, nutricionais e funcionais dos produtos, além de representar uma economia nos custos energéticos envolvidos no processo (MULDER, 1991). Todavia, algumas desvantagens dos processos de separação por membranas podem ser citadas, tais como: a baixa vida útil da membrana associada ao custo de sua reposição e a redução no fluxo de permeado ao longo do processo (MULDER, 1991). A redução do fluxo permeado das membranas é causada principalmente por dois fenômenos: a polarização de concentração e a incrustação, que pode ser o resultado da formação de camada gel ou torta, além de outros solutos adsorvidos na superfície das membranas (HABERT et al., 2006). O aumento da concentração da alimentação na superfície da membrana causa a polarização da concentração. Por meio do transporte conectivo e devido à pressão, componentes sólidos da alimentação são arrastados para a superfície da membrana, sendo parcialmente ou totalmente rejeitados e, assim, tendem a se concentrar na interface, formando um gradiente de concentração. Simultaneamente, há um contra-fluxo difusivo de solutos em direção à alimentação, devido à diferença de concentração, fenômeno que se estabelece rapidamente, provocando uma queda acentuada do fluxo permeado no início da permeação (CHERYAN, 1998). 37 O conjunto de fenômenos capazes de provocar queda no desempenho da membrana com o tempo, quando se trabalha com solução ou suspensão é denominado “fouling”, onde os solutos presentes em soluções de macromoléculas ou de suspensões coloidais penetram na superfície interna dos poros da membrana e também pode ocorrer adsorção de moléculas no material da membrana, promovendo a diminuição no fluxo do solvente e alterando as características de retenção. Esse fenômeno está relacionado com as características da membrana e interações soluto-soluto e soluto-membrana e provoca um declínio irreversível no fluxo de permeado, que pode ser recuperado com a limpeza química da membrana (CHERYAN, 1998). 3.3.4 Aplicações dos PSM na clarificação e concentração de sucos de fruta O uso do processo de microfiltração com o intuito de clarificar o suco de maçã é um exemplo do emprego de PSM que vem sendo realizado em escala industrial (GIRARD; FUKUMOTO, 2000). Outro fruto sobre o qual estudos de microfiltração foram realizados é o suco de açaí diluído e refinado. Fontes & Caminoto (2007), ao avaliarem a retenção de fibras e antocianinas, obtiveram baixa produtividade, em termos de fluxo permeado, possivelmente devido ao tamanho de poro utilizado (0,2 e 0,6 µm) no processamento. Além da clarificação, o uso de osmose inversa para realizar a pré-concentração de suco de frutas é outro exemplo de aplicação da tecnologia de membranas. Ao concentrar suco de uva tinto por essa técnica, utilizando as temperaturas de 50, 30 e 20 ºC e pressão de 60 bar, Santana (2009) obteve fluxos permeados iniciais foram 27,9 (50 ºC), 20,4 (30 ºC) e 16,3 Lh/m 2 (20 ºC). Nesse estudo, o teor de sólidos solúveis, compostos fenólicos, antocianinas totais e monoméricas e a atividade antioxidante aumentaram, nos sucos concentrados, proporcionalmente ao fator de concentração volumétrica do processo (2,0). Ao utilizar um módulo de osmose inversa do tipo quadro e placas em vários binômios pressão/temperatura, Gurak et al. (2010) observaram que o processo realizado a pressão de 60 bar e temperatura de 20 °C foi o mais adequado para obter um suco de uva concentrado com melhor qualidade nutricional. Nesse processo o fluxo médio permeado foi de 20,38 Lh/m -2 , o teor de sólidos solúveis inicial de 14,3°Brix e final igual a 28,2°Brix, com aumento do teor de compostos fenólicos, antocianinas e capacidade antioxidante no suco concentrado. 38 Gomes (2009) ao concentrar suco de melancia utilizando microfiltração combinada com osmose inversa observou que a integração desses processos foi eficaz na concentração do referido suco, no aumento do teor de licopeno e da capacidade antioxidante, preservando a qualidade físico-química sem alteração dos atributos sensoriais. Uma alternativa aos processos de concentração de sucos de frutas que utilizam o calor é a integração de PSM como a evaporação osmótica em conjunto com a microfiltração e a osmose inversa, ou mesmo a ultrafiltração e osmose inversa, visto que esses processos conseguem atingir teores de sólidos solúveis semelhante aos processos de concentração que usam o calor, além de favorecer a manutenção da cor do produto final, sem adição de corantes (GALAVERNA, 2008). Ao clarificar sucos de frutas vermelhas, Koronai et al. (2008) realizaram a ultrafiltração com o uso de um módulo de membranas cilíndrico composto de membranas de poliétersulfona e concentraram o suco clarificado por meio de um sistema de evaporação osmótica utilizando membranas de polipropileno com porosidade de 0,2µm, utilizando como solução de extração cloreto de cálcio 6M. Neste trabalho, o teor de sólidos solúveis inicial foi de 8 e final 65°Brix, sendo a capacidade antioxidante estável ao final do processo. No suco de groselha, Bánvölgyi et al. (2009) aplicaram a integração dos processos de ultrafiltração e osmose inversa, sendo o suco submetido a um tratamento enzimático prévio, clarificado e concentrado em um módulo de osmose inversa composto por membranas de poliamida, com rejeição ao sal e área de permeação de 0,18m 2 , a 30°C e 50 bar, aquele com maior aumento no teor de sólidos solúveis, passando de 11 °Brix no suco clarificado, para 26°Brix no concentrado, com um alto teor de compostos fenólicos e alta capacidade antioxidante. Outro suco concentrado pela integração dos processos de ultrafiltração e evaporação osmótica por Cassano et al. (2011) foi o suco de romã, utilizando-se para a clarificação um sistema de membranas de escala laboratorial composto de membranas de fibra oca, pressão de 0,96 bar a 25°C e para a concentração um sistema de evaporação osmótica de escala industrial composto por membranas microporosas de fibra oca de polipropileno, de diâmetro igual a 0,2µm, pressão 0,4 bar a 25°C. Nesse trabalho,o teor de sólidos solúveis do suco passou de 16,6 °Brix (suco clarificado), para 52 °Brix (suco concentrado), observando-se a preservação das antocianinas no produto final. 39 3.4 Bioacessibilidade A alimentação fornece, além dos macro e micronutrientes essenciais, alguns compostos químicos, denominados compostos bioativos ou fitoquímicos, geralmente presentes em vegetais, que exercem efeitos benéficos à saúde humana (CARRATU & SANZINI, 2005). Para que compostos bioativos presente nos alimentos tenham atividade biológica em tecidos e células diferentes do aparelho digestivo, é necessário que resistam ao processo de digestão gastrointestinal, sejam absorvidos e não sejam biotransformados em metabolitos sem atividade biológica. Sendo assim, além de conhecer o teor desses compostos presentes no alimento é importante determinar a fração destes que é libertada da matriz do alimento e que fica realmente disponível para ser absorvida, ou seja, a sua bioacessibilidade (HOLST & WILLIAMSON, 2008). Muitas vezes os termos bioacessibilidade e biodisponibilidade são utilizados indistintamente, mas é interessante salientar que a biodisponibilidade é um conceito mais amplo, visto que para avalia-la é necessário considerar alguns processos fisiológicos normais, tais como: a liberação, a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção (COZZOLINO, 2005). A liberação é a etapa que torna um composto disponível para absorção, por liberá-lo da matriz do alimento, ou seja, corresponde à bioacessibilidade. Já a absorção diz respeito ao movimento do composto do lúmen digestivo para a circulação sanguínea. A distribuição é a etapa onde os compostos são difundidos ou transferidos do espaço intravascular para o extra vascular e o metabolismo compreende a conversão ou transformação química de um composto às suas respectivas formas mais eletrofílicas. A última etapa compreende a excreção dos compostos não modificados ou de seus metabólitos conjugados, pelas vias renal, biliar ou pulmonar (HOLST & WILLIAMSON, 2008). Diversos fatores influenciam a biodisponibilidade dos compostos químicos. Alguns fatores são inerentes do próprio composto como sua estrutura química ou o seu grau de ionização e outros que não estão diretamente relacionados com o composto em si, tais como: a complexidade da matriz do alimento onde o composto se insere, o tipo e quantidade dos outros compostos ingeridos ou o maior ou menor tempo do esvaziamento gástrico ou de trânsito intestinal (HOLST & WILLIAMSON, 2008). 40 Segundo Manach et al. (2004), a absorção digestiva dos polifenóis e o comportamento fisiológico dos polifenóis dietéticos depende de sua absorção intestinal e suas subsequentes interações com tecidos alvos, no entanto os mecanismos de absorção gastrintestinal de polifenóis ainda não foram totalmente elucidados 3.4.1 Digestão in vitro Para realização do método de digestão in vitro é necessário compreender a fisiologia do trato digestivo humano, que é formado pelo tubo digestivo, que se estende desde a boca até o ânus, e pelas glândulas anexas, que segregam fluidos para o tubo digestivo. Sendo assim, o tubo digestivo divide-se em: boca ou cavidade oral, faringe, esófago, estômago e intestino delgado (constituído pelo duodeno, jejuno e ílio). Quanto às glândulas anexas englobam as glândulas salivares, amígdalas, glândulas tubulares, fígado, pâncreas e vesícula biliar (SEELEY et al, 2005). Durante a digestão ocorre um conjunto de transformações físico-químicas para que os alimentos ingeridos sejam convertidos em compostos de dimensões menores e sejam mais facilmente absorvidos para a circulação. Nesse processo há a atuação de enzimas digestivas capazes de clivar ligações químicas das moléculas orgânicas, que compreende a digestão química, e o fraccionamento das partículas alimentares através da contração muscular do trato gastrointestinal, que corresponde a digestão mecânica (GROPPER et al, 2005; SEELEY et al, 2005; FERRUA & SINGH, 2010). O início da digestão é na boca, onde os alimentos são triturados e misturados com a saliva formando o bolo alimentar. Essa etapa é curta, com duração de poucos segundos a alguns minutos. A saliva apresenta um pH entre 6,4 e 7,5, o que favorece a ação da principal enzima da saliva que é a amilase salivar, cuja principal função é catalisar a hidrólise de polissacarídeos, como amido, glicogénio e seus derivados (KOHLMEIER, 2003). Da boca, o bolo alimentar passa pelo esófago e atinge o estômago, onde as glândulas presentes nas paredes do estômago secretam suco gástrico que se mistura com o bolo alimentar, formando o quimo. O suco gástrico é composto por água, sais inorgânicos, ácido clorídrico e por diversas enzimas gástricas, tais como a pepsina, a lipase gástrica e a amilase gástrica. O ácido clorídrico é essencial por manter o pH ótimo para a desnaturação de proteínas, além de ativar a conversão do pepsinogénio (inativo) em pepsina, a principal 41 enzima proteolítica do suco gástrico, cujo pH ótimo de atuação é próximo de 2, com redução da sua atividade em pH superior a 5 e desnaturação a pH superior a 7 (GROPPER et al, 2005). Por meio dos movimentos peristálticos, o quimo passa do estômago para o intestino delgado através do piloro, sendo o esvaziamento gástrico progressivo e dependente de sua composição e consistência (SEELEY et al, 2005). No intestino delgado, as secreções produzidas pelo pâncreas e fígado têm um papel fundamental na digestão. O suco pancreático contém água, bicarbonato e diversas enzimas como a amilase pancreática, tripsina, quimotripsina e lipase pancreática. Ele apresenta um pH entre 7,8 e 8,2, devido ao elevado teor de bicarbonato que neutraliza a acidez do quimo. Já a bile, fluido produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar, não apresenta enzimas, sendo composta por sais biliares, que têm como funções a emulsificação de lipídeos, de modo a facilitar a posterior ação das lipases e a solubilização dos produtos finais da digestão lipídica, auxiliando assim a sua absorção pela mucosa intestinal (SEELEY et al, 2005; GROPPER et al, 2005). Ao passar pelo intestino os componentes dos alimentos vão sendo absorvidos, seja por processo de difusão passiva, transporte ativo ou passivo utilizando transportadores ou pinocitose. Os compostos que não foram absorvidos ao longo do intestino delgado acabam por chegar ao cólon onde podem sofrer a ação da flora intestinal e onde ainda podem ser absorvidos. Após a absorção de água e eletrólitos, os resíduos da digestão passam para o reto até serem eliminados ao passar pelo ânus por meio das fezes (WILLIAMSON & MANACH, 2005; KOHLMEIER, 2003). A partir do conhecimento da fisiologia digestiva humana modelos de digestão in vitro foram desenvolvidos com o objetivo de estudar, através da simulação das condições gastrointestinais, as alterações estruturais, a digestibilidade e a liberação de compostos presentes nos alimentos. Em geral, esses modelos envolvem uma digestão com pepsina gástrica em pH ácido, seguida de uma digestão com pancreatina e sais biliares sob condições ligeiramente alcalinas. O tempo de digestão e a temperatura de 37ºC utilizada nos modelos de digestão in vitro devem mimetizar o organismo in vivo (HUR et al., 2011). Pesquisas com métodos de digestão in vitro para avaliar compostos bioativos têm sido realizadas. Gião et al. (2012) verificaram que os compostos antioxidantes podem ou não ser afetados pela simulação in vitro da digestão gastrointestinal, ao observarem que as catequinas 42 resistiram ao processo digestivo, enquanto que os ácidos rosmarínico e o clorogénico sofreram perdas acentuadas ao longo da digestão. No trabalho de Porfírio et al. (2010) foi observado que a simulação da digestão gástrica não promoveu redução da atividade antioxidante de infusões de boldo-de-jardim (Plectranthusbarbatus), porém essa propriedade reduziu-se em torno de 50% após a digestão pancreática. Vallejo et al. (2004) ao avaliarem as inflorescências de brócolis, observaram que os flavonoides podem ser afetados pelas condições gastrointestinais. Em testes in vitro com extratos de amoras foi verificado que, embora tenha ocorrido redução do teor em antocianidinas após digestão intestinal, a atividade antioxidante permanece elevada, o que sugere que os compostos fenólicos gerados a partir da degradação das antocianidinas no intestino ainda possuam atividade antioxidante (LIANG et al., 2012). Desde a década de 90 relacionam-se dietas com altos teores de antocianinas com aspectos biológicos, porém a atividade biológica in vivo não era fundamentada. Para atingir um efeito biológico em um determinado órgão ou tecido, exceto o trato gastrointestinal, os componentes bioativos além de estarem disponíveis na dieta, precisam ser liberados, absorvidos, distribuídos e metabolizados. Em relação às antocianinas pesquisas com seres humanos evidenciaram que elas aparecem no plasma sanguíneo, em níveis farmacologicamente ativos, depois de uma alimentação rica em frutas e legumes (EIBOND et al., 2004; CAO et al., 1998). Segundo Talavera et al.(2005) as antocianinas presentes nos extratos de amora-preta são absorvidas pelo intestino delgado, metabolizadas, distribuídas nos tecido e excretadas na bile e urina na forma intacta, metiladas e/ou glicuronizadas. Netzel et al. (2002) demonstrou que após a ingestão de suco com amora preta houve aumento de 30% da capacidade antioxidante do plasma. 3.5 Análise sensorial A análise sensorial é uma disciplina científica usada para evocar, medir, analisar e interpretar reações das características dos alimentos e materiais como são percebidas pelos sentidos da visão, olfato, gosto, tato e audição (BARBOZA et al., 2003). Essa ciência é aplicada no desenvolvimento e melhoramento de produtos, controle de qualidade, estudos sobre armazenamento e desenvolvimento de processos. Ela também é 43 utilizada em alimentação coletiva na avaliação de preparações alimentares e auxilia o desenvolvimento de novos produtos, sendo realizado para observar a opinião do consumidor, do público-alvo, através de um método que privilegie sua opinião na avaliação do produto, para que a elaboração do mesmo seja bem aceito (DUTCOSKY, 2007). A forma de definir atributos sensoriais é descrever os componentes relativos às propriedades dos produtos, como a aparência, odor e aroma, textura, sabor entre outros (LANZILLOTTI e LANZILLOTTI, 1999). Os provadores dão suas opiniões em cabines individuais, onde recebem o produto a ser analisado, usando metodologia científica, acompanhado de um formulário com perguntas pré-definidas para determinação dos resultados (IAL, 2005; DELLA LUCIA et al., 2006). Os fatores que influenciam o julgador na análise sensorial são atitude e personalidade do julgador; fatores fisiológicos; e por fim, fatores psicológicos. Portanto, há vários elementos que afetam diretamente a avaliação sensorial de um produto. Por isso é necessário planejar e realizar o estudo com cautela, percebendo o momento certo de contornar certos problemas que podem surgir (DELLA LUCIA et al., 2006). Segundo SBRT 2006, dentre os métodos de análises sensoriais mais utilizados, destacam-se: - Método Sensorial Descritivo: São organizadas equipes treinadas de provadores e essa técnica permite avaliar a intensidade da qualidade sensorial dos produtos. Dentro deste método emprega-se a Análise Descritiva Quantitativa (ADQ). - Método Sensorial Discriminativo: Este método pode avaliar de cinco maneiras diferentes. Nele são avaliadas as diferenças sensoriais entre dois produtos ou mais. Dentre as técnicas utilizadas para se avaliar através deste método, estão: o Teste Duo-Trio, o qual determina diferença entre um padrão e uma amostra; a Comparação Pareada, a qual determina uma qualidade sensorial e analisa se há diferença entre duas amostras; o Teste Triangular que analisa se houve mudança entre duas amostras que sofreram processos diferentes; o Teste de Ordenação, o qual faz comparações entre várias amostras para verificar se há diferença entre elas; e o Teste de Comparação Múltipla, que analisa o grau de diferença entre muitas amostras e uma amostra padrão. - Método Sensorial Afetivo: Neste método tem-se como objetivo avaliar a preferência e consequentemente, a aceitação dos consumidores por um ou mais produtos. Através deste método podem-se realizar dois tipos de testes. O primeiro é o Teste de Preferência que avalia 44 o grau de preferência entre um produto relacionado a outro produto. Já o segundo, que é o Teste de Aceitação, analisa o grau de aceitação ou não do produto, ou seja, o quanto o provador gosta ou desgosta de um produto. Entre os métodos afetivos de aceitação utilizados encontra-se o teste de aceitação com escala hedônica, o qual consiste na avaliação de um produto a partir de uma escala gradativa com pontos que representam psicologicamente a aceitação do provador (SOUZA, 2007). 45 4 MATERIAL E MÉTODOS Para a realização deste trabalho foram realizados os processamentos descritos no fluxograma (Figura 15). Figura 15. Fluxograma do processamento de suco de amora preta. Amora preta congelada Descongelamento Despolpamento Centrifugação Casca e semente Suco integral Tratamento enzimático Microfiltração Clarificado Osmose inversa Permeado Suco pré- concentrado Evaporação osmótica Suco concentrado Retido Osmose inversa Suco pré- concentrado Evaporação osmótica Suco concentrado Permeado Pasteurização Suco pasteurizado 46 4.1 Material Para realização dos experimentos utilizou-se amora-preta (Rubus spp.), variedade Tupy que foi adquirida congelada, em embalagens de 1 kg, diretamente da empresa DeMarchi (Rio de Janeiro, RJ), conforme ilustrado na Figura 16. Figura 16. Frutos de amora preta. 4.2 Obtenção da polpa de amora preta Os frutos foram despolpados com o auxílio de uma despolpadeira horizontal equipada com uma peneira de 0,6 mm de diâmetro (Figura 17). Figura 17. Despolpamento da amora preta. 47 Para padronização do teor de sólidos em suspensão, o suco obtido foi centrifugado a 2000 g por 15 minutos em uma centrífuga (Figura 18). Figura 18. Centrifugação do suco de amora preta integral. 4.3 Pasteurização A pasteurização foi realizada em um trocador de calor de superfície raspada (Figura 19) seguindo um planejamento fatorial completo 2 2 , com três repetições no ponto central na faixa de 65 a 85 °C e 10 a 30 s, conforme descrito na Tabela 3. Figura 19. Trocador de calor de superfície raspada Armfield. 48 Tabela 3. Delineamento completo do desenho experimental. x1= Temperatura (ºC); x2= Tempo(s) 4.4 Tratamento enzimático Antes de iniciar os processos de separação por membranas, o suco centrifugado (não pasteurizado) foi aquecido em banho termostático (modelo Rheotherm 115 da Contraves® - Malaca, Malásia) até atingir a temperatura do processo (35 ºC). Para reduzir a viscosidade do suco e, consequentemente, aumentar o fluxo permeado, como observado em testes preliminares, realizou-se a hidrólise enzimática, adicionando-se a enzima Rapidase® TF da DSM Food Specialities (Delft, Holanda), que apresenta atividade de pectinase e hemicelulase, na concentração de 0,4g/Kg de suco com atividade enzimática igual a 950,53 UI/mL, a 35ºC por 30 minutos, melhor condição obtida por Santiago (2010). 4.5 Microfiltração Para a realização da microfiltração