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UNIVERSIDADE VILA VELHA-UVV/ES CURSO DE DIREITO – D10NA MONOGRAFIA II THIAGO FERREIRA DE MEDEIROS A APLICAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO VILA VELHA-ES 2022 THIAGO FERREIRA DE MEDEIROS A APLICAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO Artigo científico apresentado ao Curso de Direito da Universidade Vila Velha-UVV/ES, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Carlos Magno Moulin Lima VILA VELHA-ES 2022 THIAGO FERREIRA DE MEDEIROS A APLICAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO Artigo científico apresentado ao Curso de Direito da Universidade Vila Velha-UVV/ES, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Aprovada em: Vila Velha-ES, . COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________ Prof. Me. Carlos Magno Moulin Lima Orientador _____________________________________ Prof. Me. Fernando da Fonseca Resende Ribeiro Examinador AGRADECIMENTOS Aos meus pais, familiares e amigos, por todo apoio e companhia durante todo o curso, ainda mais na final da conclusão do curso de Direito. “Você é o arquiteto de sua carreira” – Frank Channing Haddock LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS Art.- Artigo CF- Constituição Federal CP- Código Penal CPP- Código de Processo Penal HC- Habeas Corpus STF- Supremo Tribunal Federal STJ- Superior Tribunal de Justiça (De acordo com as siglas apresentadas no seu texto) 8 A APLICAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO Thiago Ferreira de Medeiros1 Prof. Me. Carlos Magno Moulin Lima2 RESUMO O trabalho trata-se de um estudo da matéria incluída recentemente no Código de Processo Penal, nominada como cadeia de custódia. A metodologia da pesquisa usada é a modalidade dedutiva, pois se trata de uma pesquisa sobre os efeitos e a aplicabilidade da cadeia de custódia no processo penal, estudando as doutrinas que abordam o tema processual penal, analisando ainda, jurisprudências recentes que têm como assunto decisões que tratam da quebra da cadeia de Custódia. Escrita no Código de Processo Penal desde o art.158-A ao art.158-F, o legislador de forma didática estipulou o conceito e os procedimentos da cadeia de custódia. Recebida como novidade no sistema processual penal, a doutrina percebeu dúvidas quanto a implementação da nova lei, tanto na prática do exercício dos procedimentos estipulados pela lei, quanto nos efeitos jurídicos, restando dúvida sobre a real eficácia da lei. Os doutrinadores citados sustentam as lacunas que a cadeia de custódia apresenta, a dificuldade da implementação da cadeia de custódia no Brasil, observando as dificuldades práticas ante a ausência de recursos muita das vezes, como entende Paulo Rangel, um sistema longe da realidade brasileira. Bem como a controvérsia do entendimento jurisprudencial quando se trata de quebra da cadeia de custódia, se há ou não nulidade processual, assunto que os doutrinadores preservam o entendimento dos princípios da prova. O objetivo da pesquisa é apontar as lacunas que restaram no sistema da cadeia de custódia quando se trata da sua aplicação no sistema processual penal sob a ótica dos doutrinadores apresentados, de forma que seja dada a devida atenção para a resolução. Palavras-chave: Cadeia de custódia; Quebra da cadeia de custódia; Implementação da cadeia de custódia no processo penal brasileiro; Obstáculos da aplicação da cadeia de custódia. 1 Acadêmico(a) de Direito da Universidade Vila Velha-UVV/ES. 2 Prof. Me. Carlos Magno Moulin Lima. 9 ABSTRACT The work is a study of the matter recently included in the Code of Criminal Procedure, known as chain of custody. The research methodology used is the deductive modality, as it is a research on the effects and applicability of the chain of custody in criminal proceedings, studying the doctrines that address the criminal procedural issue, also analyzing recent jurisprudence that have as their subject decisions dealing with breaking the chain of custody. Written in the Code of Criminal Procedure from art.158-A to art.158-F, the legislator didactically stipulated the concept and procedures of the chain of custody. Received as a novelty in the criminal procedural system, the doctrine heard doubts about the implementation of the new law, both in the practice of exercising the procedures stipulated by the law, and in the legal effects, leaving doubts about the real effectiveness of the law. The cited doctrinaires support the gaps that the chain of custody presents, the difficulty of implementing the chain of custody in Brazil, noting the practical difficulties in the face of the lack of resources many times, as Paulo Rangel understands, a system far from the Brazilian reality. As well as the controversy of jurisprudential understanding when it comes to breaking the chain of custody, whether or not there is procedural nullity, a subject that scholars preserve the understanding of the principles of proof. The objective of the research is to identify the gaps that remain in the chain of custody system when it comes to its application in the criminal procedural system from the perspective of the doctrinaires presented, so that due attention is given to the resolution. Keywords: Chain of custody; Breaking the chain of custody; Implementation of the chain of custody in the Brazilian criminal procedure; Obstacles to the application of the chain of custody. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO; 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA; 3 ASPECTOS PROCESSUAIS DA CADEIA DE CUSTÓDIA; 4 OS OBSTÁCULOS DA IMPLEMENTAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA; 5 AS CONSEQUENCIAS DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA NO PROCESSO CRIMINAL; 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 7 REFERÊNCIAS. 1 INTRODUÇÃO Em 2019 entrou em vigência a lei nº13.964, sendo denominada como lei “pacote anticrime”, trazendo a reforma das leis no âmbito penal, processual penal e na execução penal. Dentre as 10 alterações nas leis, foi implementada ao Código de Processo Penal a cadeia de custódia. Matéria que visa a atenção para as provas no processo penal. Descrita desde o art.158-A ao 158-F, que de início conceitua o sistema da cadeia de custódia e passa a determinar os procedimentos para sua realização, de forma que o legislador buscou pontuar esses procedimentos de forma objetiva e didática. No entanto, ainda que o legislador tenha pensado em todo o roteiro para a realização da cadeia de custódia, restaram lacunas para aplicação prática, gerando dúvidas nas decisões posteriores diante os seus efeitos quando não observados as formalidades da cadeia de custódia, de forma que ainda não há uma concordância entre a doutrina e a jurisprudência quanto a aplicação do sistema. Portanto, a doutrina apontou lacunas quanto a implementação da cadeia de custódia no sistema processual penal, observando a falta de recursos e de instrução para que os procedimentos da cadeia de custódia fossem realizados conforme estipulou o legislador. Já em fase processual, a doutrina visa o vicio processual quando não são observados os procedimentos da lei, causando então a quebra da cadeia de custódia, ferindo então todo o roteiro que o legislador determinou para o acondicionamento do conteúdo probatório. Dessa forma, a jurisprudência possui controvérsia nas decisões diante os casos de quebra da cadeia de custódia, é analisado no trabalho jurisprudência que reconhece a quebra da cadeia de custódia como uma nulidade processual, bem como jurisprudência que reconhece a quebra da cadeiade custódia mas entende que a mera inobservância do sistema da cadeia de custódia não é motivo de nulidade. Entretanto, os doutrinadores apresentados sustentam a corrente doutrinária que protege os princípios da prova, de forma que deve ser protegida e não ser levada a juízo de valor, e em caso de violação dos institutos que asseguram a idoneidade da prova, esta deverá ser considerada ilícita, prevalecendo o princípio do devido processo legal. Para a pesquisa, foi estudado doutrinas sobre direito processual penal, onde os autores que aprofundam mais o tema do artigo são os ilustres doutrinadores: Geraldo Prado, Guilherme de Souza Nucci, Paulo Rangel e Aury Lopes Jr. Sendo apresentado ainda decisões do STJ que abordam a problemática dos efeitos da quebra da cadeia de custódia. Os doutrinadores apresentados na pesquisa apontam os questionamentos que a nova legislação trouxe ao âmbito penal, ressaltando que, enquanto a legislação da cadeia de custódia não é observada com cautela, seja pelos agentes que realizam os procedimentos, quanto pelos 11 julgadores que demonstram sua convicção na decisão, o que está em pauta é a defesa do réu. Pois a cadeia de custódia foi introduzida no código de processo penal como um instrumento de preservação da idoneidade do conteúdo probatório O artigo apresentado disserta inicialmente a respeito da introdução do sistema probatório no âmbito penal, abordando como a legislação e a doutrina brasileira foi dando cada vez mais importância para o elemento da prova no processo criminal, cuidando do valor que a prova tem para seus efeitos. Ante a essa evolução histórica, vem a apresentação da nova legislação que cuida da cadeia de custódia, matéria que trata da preservação do conteúdo probatório. Em sequência, os aspectos processuais da cadeia de custódia, onde é observado os princípios constitucionais inerentes ao réu no processo penal. Princípios estes que visam as condições do devido processo legal, resguardando ao acusado o direito da ampla defesa e do contraditório, ainda, o princípio que cuida da fundamentação do juiz perante a dúvida de seu convencimento, o princípio in dubio pro reo. Como dito anteriormente, a matéria da cadeia de custódia trata-se de tema recente e com lacunas na doutrina e na jurisprudência. São essas lacunas tanto na implementação dos procedimentos estipulados para a prática da cadeia de custódia, quanto para os seus efeitos quando não observados as formalidades estipuladas pelo legislador, que são causa para a o efeito da inobservância do sistema de custódia probatória, a denominada quebra da cadeia de custódia. O método de pesquisa utilizado é o método dedutivo, sendo estudado a ótica da doutrina quanto a implementação e eficácia da cadeia de custódia no processo penal, analisando os princípios que regem a prova, matéria principal do sistema da cadeia de custódia. Bem como o entendimento jurisprudencial quanto aos efeitos jurídicos quando a cadeia de custódia não é observada. O objetivo deste trabalho é apresentar o sistema da cadeia de custódia e sua aplicação no processo criminal, bem como os questionamentos que são feitos pela doutrina quanto a sua implementação e realização, tendo em vista que a realidade do Brasil muitas das vezes é distante da imaginada pelo legislador. E as decisões da jurisprudência a respeito do tema, que se mostram em correntes diversas, apresentando entendimentos diferentes. 12 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA O processo penal trata o objeto da prova como matéria cronológica, de forma que seja observada como objeto que conta uma história desde o conhecimento de sua existência legitima até o ato que é apreciado pelo julgador, para julgue a matéria conforme seu convencimento formado. A integridade e legitimidade do objeto que forma o conteúdo probatório são as qualidades que devem ser atribuídas a prova para que o processo penal seja apreciado com justiça, sendo assim, é de suma importância o momento em que a prova é conhecida e colhida sendo levado a juízo. No entendimento do conjunto de fatores que formam a história da prova, Aury Lopes Jr. (2022) caracteriza o processo penal como um mecanismo de recriar os fatos, a fim de levar a história do crime ao juiz, para que firme sua convicção. No sistema jurídico é acolhido o princípio da imparcialidade do juiz, logo, quando o juiz toma conhecimento do processo não há como o julgador criar sua convicção diante apenas da síntese processual que lhe é apresentado, é indispensável que tome conhecimento das matérias que comprovem o caso concreto da lide a qual foi levada a juízo. Entretanto, Guilherme de Souza Nucci afirma sobre o convencimento do juiz: “Não significa, por óbvio, que a convicção judicial é o espelho da realidade; muito pelo contrário, pode ser uma conclusão totalmente dissociada do acontecimento real.” (NUCCI, 2022, p.441). Segundo Paulo Rangel (2002), sobre a teoria geral da prova, o juiz pode aplicar três modalidades de sistemas para avaliação da prova. O sistema da íntima convicção ou da certeza moral do juiz, nesta modalidade de avaliação probatória a motivação do convencimento do julgador se dá pela sua experiência moral. O autor ainda leciona sobre esse sistema: O legislador impõe ao magistrado toda a responsabilidade pela avaliação das provas, dando a ele liberdade para decidir pela avaliação das provas, dando a ele liberdade para decidir de acordo, única e exclusivamente, com a sua consciência. O magistrado não está obrigado a fundamentar sua decisão, pois pode valer-se da experiência pessoal que tem, bem como das provas que estão ou não nos autos do processo. (RANGEL,2002, p.413) Ocorre que tal sistema pode ser contrário aos preceitos fundamentais do julgador imparcial, ainda, fere o próprio Código de Processo Penal pátrio, que dispõe ao art. 381 o requisito que a sentença condenatória deve conter os motivos para sua fundamentação (BRASIL, acesso em 01 dez. 2022). Nesse diapasão, a intima convicção do juiz corre o risco de ser mais valorizada que uma prova levada aos autos, deixando de dar o devido valor as provas concretas. 13 Rangel (2002) traz a doutrina outro sistema de avaliação de prova, de forma que sanaria o problema que havia no sistema anterior diante dos valores das provas a serem fundamentados na decisão do juiz. O autor intitula essa modalidade em sistema das regais legais ou da prova tarifada. Em tal sistema, o valor das provas já preestabelecido pela lei tem maior relevância que o livre convencimento do juiz. O autor ainda afirma: [...] o sistema das regras legais é a desconfiança que o legislador tem do juiz. Estabelece, assim, a certeza moral do legislador. Em termos de provas, não vale mais que o juiz diz, mas, sim, o que o legislador estabelece como meio de prova prioritário. (RANGEL, 2002, p.413) Entretanto, tal sistema tira a liberdade do juiz de decidir a respeito das provas, atribui ao juiz como um agente que utiliza apenas da legislação como ferramenta para concluir com a decisão. Dessa forma, o ilustre Paulo Rangel (2002) traz enfim a modalidade de avaliação probatória que é de maneira essencial aplicada ao Código de Processo Penal, precisamente ao art.157, o sistema da livre convicção ou da persuasão racional. Sanando os possíveis problemas que havia nos sistemas anteriores, neste as provas não possuem hierarquia, são todas relativas, entretanto, o juiz deve fundamentar sua decisão ante a análise das provas acostadas aos autos do processo. Conforme firma o autor: “A apreciação é da prova. Portanto, deve haver prova nos autos, seja para condenas, seja para absolver.” (RANGEL,2002, p.415- 418). Mougenot (2019) ainda defende o sistema da persuasão racional como uma mobilidade de análise probatória que promove maleabilidade do sistema acusatória, de forma que evite da abordagem do sistema que aplica apenas a legislação,tampouco do demasiado convencimento íntimo e absoluto do juiz, mas sim, um sistema flexível e objetivo para as decisões no âmbito do processo penal. É necessário ressaltar que o magistrado que faz a avaliação probatória, para fundamentar sua decisão, não conhece a ordem cronológica dos fatos em questão, logo, é crucial o nexo entre a interpretação das provas apresentadas e a convicção que dará fundamento a decisão penal. Como leciona Nereu José (2016), uma funcionalidade essencial da prova é trabalhar no convencimento do julgador no que tange ao objetivo da defesa ou da acusação, de forma que contribua na elaboração da decisão. Nessa linha de raciocínio, Guilherme de Souza Nucci leciona a respeito das provas levadas a juízo: “A meta da parte, no processo, portanto, é convencer o magistrado, por meio do raciocínio, de que a sua noção da realidade é a correta [...]”. (NUCCI, 2022, p.441) 14 Ao mesmo tempo que se vale da interpretação do juiz diante uma prova para que firme seu entendimento, é fundamental que as provas levadas a juízo possuam qualidade e credibilidade, de forme que possa apresentar uma ordem cronológica eficaz para o entendimento do caso em que fora abordado. Diante disso, o legislador criou métodos que fossem suficientes para a preservação e confiabilidade da prova, desde a coleta ao transcorrer do processo até o findar. Incluindo a participação do perito no processo penal. A atuação do perito no meio judiciário é primordial para a demonstração de um exame pericial que trará ao processo mais legitimidade para as provas acostadas. Entretanto, a atuação do perito no processo penal não lhe é conferido o poder de julgar. Como defende Aury Lopes Junior: “O perito, por elementar, não é meio de prova ou sujeito de prova, sendo estéril (senão descabida) tal discussão. É ele um “auxiliar da Justiça”, na definição do Título VIII do CPP, mas cuja produção (laudo) é sim um meio de prova.” (LOPES, 2012, p.612). Diante a atuação do perito no processo penal Eliomar da Silva Pereira (2022), apresenta o “conceito de John Dewey”, que segundo o autor, é utilizado como padrão geral de investigação. Em sua tese, Dewey apresenta as situações elementares de uma investigação, resumindo em: Situação indeterminada, determinação do problema, determinação da solução do problema e o raciocínio. (PEREIRA, 2022). Nota-se que diante a atuação da pericial criminal há uma ordem cronológica para que seja instaurado a conclusão da perícia. Em entendimento paralelo, o legislador trouxe ao código de processo penal a cadeia de custódia, de forma que a coleta das provas fosse padronizada a fim de manter a idoneidade do conteúdo probatório. O conceito da cadeia de custódia foi disposto no art.158-A do Código de Processo Penal nos seguintes termos: Art. 158-A: Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. (BRASIL, acesso em 01 dez. 2022). Diante a implementação da cadeia de custódia no processo penal, o legislador destacou os requisitos e formalidades para que seja praticado o ato a fim de alcançar o objetivo principal da cadeia de custódia, preservar o conteúdo probatório sob a destinação de ter uma prova idônea 15 e legitima, preservando os preceitos constitucionais diante a aplicação do procedimento em sede processual. 3 ASPECTOS PROCESSUAIS DA CADEIA DE CUSTÓDIA Diante a própria Constituição Federal já foram instituídos princípios constitucionais que asseguram o direito de defesa no processo penal apontado ao art.5º, LV, CF de 1988 (BRASIL, acesso em 01 dez. 2022): “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Nesse entendimento, a lei já resguarda que para haver um processo deve prevalecer os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Dentre tais preceitos constitucionais, o princípio do contraditório, de forma que quando a for prova levada ao processo tenha a possibilidade de ser confrontada. Nessa mesma linha de raciocino, Paulo Rangel salienta: A instrução contraditória é inerente ao próprio direito de defesa, pois não se concebe um processo legal, buscando a verdade dos fatos, sem que se dê ao acusado a oportunidade de desdizer as afirmações feitas pelo Ministério Público (ou seu substituto processual) em sua peça exordial. (RANGEL, 2002, p.15) No mesmo entendimento, Lopes (2012) conceitua a fase do contraditório como a conduta de contradizer a alegação apresentada, coligando ainda ao princípio audiatur et altera pars (traduzido do latim: ouçamos também a outra parte), no sentido que a alegação contraditória traz uma versão da história sobre a ótica do interrogado. Na Visão de Guilherme de Souza Nucci, o contraditório seria uma das etapas mais importantes diante do devido processo legal, associando à ampla defesa. Nesse sentido, o doutrinador define o contraditório: “O contraditório significa a oportunidade concedida a uma das partes para contestar, impugnar, contrariar ou fornecer uma versão própria acerca de alguma alegação ou atividade contrária ao seu interesse.” (NUCCI, 2015, p. 398). Ainda a respeito dos princípios constitucionais, o sentido da ampla defesa seria a garantia de ferramentas que o acusado teria a sua disposição para arguir sua defesa, que em faz coligação com o instrumento do contraditório. Ademais, o direito de defesa é um direito inerente a pessoa 16 humana. Para Carvalho (2014), o contraditório e a ampla defesa constituem no mesmo princípio constitucional, pois um não pode existir sem o outro. No entendimento de Geraldo Prado (2021), a defesa tem o direito de conhecer todos os elementos que constituem o acervo probatório, tomando conhecimento da legalidade que o processo corre, pois essa é a única maneira de a defesa perceber alguma ilicitude que consta no processo. Nesse diapasão, fica atribuído ao princípio do contraditório o sistema que abrange as informações e provas devidas que devem ser levadas ao conhecimento do juiz, ampliando a compreensão dos fatos do processo penal, de forma que o convencimento ante as alegações da acusação e da defesa sejam suficientes para proferir uma sentença que seja fundamentada diante tais alegações. Como leciona Ricardo Gloeckner: “o princípio do contraditório constitui uma característica do sistema acusatório, responsável pelo equilíbrio das chances processuais.” (GLOECKNER, 2017, p.74). Tais princípios do contraditório e a ampla defesa firmam o princípio que rege o conceito teórico da cadeia de custódia, que é o princípio do devido processo legal, de forma que a aplicação do princípio do contraditório e ampla defesa desenvolve o princípio do processo legal. Instituído com o conceito de que não será tirada da pessoa, sua liberdade ou seus bens, sem que haja o devido processo legal. Princípio que a Constituição Federal de 1988 dispõe ao art. 5º, LIV. Portanto, o doutrinador Geraldo Prado (2021) define o método da cadeia de custódia como uma combinação da garantia da possibilidade do corpo de delito com os preceitos fundamentais do princípio do devido processo legal. A respeito do princípio do devido processo legal, a doutrina aponta dois aspectos importantes que formam tal princípio, sendo o lado material e o lado processual. Quanto ao lado material ou substancial, MOUGENOT (2019) identifica como a parte das garantias fundamentais da pessoa, ressaltando ainda que o Estado não pode julgar de forma abusiva, devendo ainda respeitar o princípio da razoabilidade. Na mesma linha de pensamento, Mougenot (2019), define o lado processual comoo aspecto que garante o trâmite legal do processo relacionado ao Poder Judiciário. Em entendimento similar, NUCCI leciona a respeito do aspecto processual: “[...] cria-se um espectro de garantias fundamentais para que o Estado apure e constate a culpa 17 de alguém, em relação à prática de crime, passível de aplicação de sanção!” (NUCCI, 2022, p.59). O devido processo legal, então, seria a harmonia das garantias inerentes a pessoa humana, bem como a congruência dos princípios doutrinários do Direito Penal e do Direito Processual penal. Nucci aponta com excelência os princípios compreendidos na esfera penal e processual penal: A ação e o processo penal somente respeitam o devido processo legal, caso todos os princípios norteadores do Direito Penal e do Processo Penal sejam, fielmente, respeitados durante a persecução penal, garantidos e afirmados os direitos do acusado para produzir sua defesa, bem como fazendo atuar um Judiciário imparcial e independente. A comunhão entre os princípios penais (legalidade, anterioridade, retroatividade benéfica, proporcionalidade etc.) e os processuais penais (contraditório, ampla defesa, juiz natural e imparcial, publicidade etc.) torna efetivo e concreto o devido processo legal. (NUCCI, 2015, p.61). Adentrando ao processo criminal nos aspectos ligados ao crime, no que tange a cadeia de custódia, há o valor na observância da legitimidade das provas confiscadas vislumbrando a fase de conhecimento probatória, de forma que o que fora levado a juízo ensejaria na aplicação da pena. No mesmo entendimento, Guilherme de Souza Nucci (2015) leciona que não haveria o devido processo legal caso a condenação fosse aceita somente com base no tipo penal, de forma que desapreciaria o princípio da taxatividade. Sobretudo, a análise do mérito da prova formará a convicção do juiz que definirá o tipo penal a ser aplicado, entretanto, sendo o caso de dúvida do julgador, prevalecerá a presunção da inocência, denominado pela doutrina princípio in dubio pro reo, termo de origem latina que traduz em “em favor do réu”. Ou seja, se o juiz não estiver convencido das provas acusatórias, prevalecerá a decisão em favor do réu. Entretanto, ante a dúvida sobre a decisão que o juiz tomara diante as provas insuficientes para dar certeza a sua convicção, surge o questionamento que o juiz enfrenta, “condenar o acusado, correndo o risco de se cometer uma injustiça, ou absolvê-lo, correndo o risco de se colocar nas ruas, em pleno convívio com a sociedade, um culpado” (Rangel, 2021, p.67). Logo, a resposta da decisão será em absolver o réu, prevalecendo o favorecimento ao réu. O doutrinador Paulo Rangel (2021) ainda afirma que mais vale um culpado em liberdade do que um inocente na cadeia. 18 Firmado essa tese, o legislador incluiu ao art.386 do Código de Processo Penal, o inciso VII, pela Lei nº.11.690/2008, no sentido que reconhecendo não existir prova suficiente para a condenação do réu, o juiz o absolverá. Nessa esteira de pensamento, a aplicação do princípio in dubio pro reo diante a fundamentação na decisão do magistrado se dá pela valoração às provas apresentadas. Logo, entendendo que o valor da prova não é suficiente para condenar o réu, deve-se decidir absolvê-lo em seu favor. Entendido como direito fundamental, a Constituição Federal trouxe em seu texto no art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (BRASIL, 1988). Portanto, de acordo com Geraldo Prado (2021), a conceituação da aplicabilidade do princípio da presunção de inocência é que diante uma situação de incerteza, o acervo probatório seja correto e suficiente para a condenação do acusado, sanando as dúvidas no tocante as responsabilidades do agente. O principal objetivo da implementação da cadeia de custódia é preservar o conteúdo probatório de forma que permaneça preservada desde o seu conhecimento ao decorrer do processo, de forma que não se perca ou se fragilize, para que o juiz tome conhecimento da prova real e integral. Como leciona RANGEL: “O que se faz com a cadeia de custódia da prova é documentar, cronologicamente, toda a descoberta das provas e dos elementos informativos que a acompanham.” (RANGEL, 2021, p.512). Inserido esse conceito da cadeia de custódia ao processo penal, foi trazido pela lei nº 13.964/2019, denominada como “Pacote Anticrime”, que aponta outras demais reformas no código de processo penal. Descrita no art. 158-A do CPP, assim diz: Art. 158-A: Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. (BRASIL, 2019). Com a implementação da cadeia de custódia no código de processo penal, o legislador buscou de forma bem instrutiva descrever as condutas a serem realizadas no procedimento da cadeia de custódia da prova, descrevendo os atos desde o art.158-A ao art.158-F do Código de Processo Penal. 19 Em síntese, diante os artigos que determinam as condutas da cadeia de custódia, art.158-A ao art.158-F, o legislador definiu as etapas na seguinte ordem: reconhecimento, isolamento, descrição detalhada do vestígio, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento. O doutrinador Geraldo Prado (2021) salienta que, a atenção para elementos importantes para a cadeia de custódia da prova traz uma atuação de meios científicos que ensejam na decisão judicial. Ou seja, matérias que não poderiam ser observadas apenas pela visão jurídica, são analisadas no âmbito científico de forma que trariam auxílio a devida análise concreta destas matérias. Desta forma, a observância estipulada pelo legislador, o conteúdo probatório se mantém idôneo desde o momento do reconhecimento ao momento em que será analisado em fase pericial, a qual chegará ao julgador uma prova integra e suficiente para formar sua convicção para julgar, livrando da dúvida para condenar alguém. 4 OS OBSTÁCULOS DA IMPLEMENTAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA A preservação do conteúdo probatório, ante a implementação da cadeia de custódia no processo penal, sanaria as dúvidas apresentadas ao caso criminal, afinal, o processo criminal só pode prosseguir se houver provas para que seja imputado um crime a alguém. Nesse entendimento, Geraldo Prado aborda com excelência a respeito da definição do processo penal condenatório: O processo penal condenatório é antes de mais nada um processo probatório. A atividade probatória deve ser de qualidade tal a espancar a dúvida sobre a existência do crime e a autoria responsável, em termos compatíveis com o estado de direito. (PRADO, 2021, p.154). Diante disso, compulsando os artigos que determinam o procedimento a ser realizado para a formação da cadeia de custódia no processo penal, observa-se que foi descrita cada etapa com riqueza de detalhes e definições para os atos de custódia da prova, desde o art.158-A ao 158-F do Código de Processo Penal Brasileiro. Entretanto, Rangel (2022) chama atenção para o §3º do art.158-A, do CPP, que define o que seria vestígio: “[...] é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal.” (BRASIL, acesso em 01 dez. 2022). Logo, se a lei já definiu 20 o que é vestígio, qualquer outra matéria probatória que não se enquadre nesta definição deverá ser questionada. Ocorre ainda que nem sempre o crime deixará vestígios, ou mesmo os vestígios podem ter sido perdidos em decorrência do tempo. Não obstante a lei que determina a cadeia de custódia, estipula procedimentos que seriam fora da realidade da maioria dos territórios brasileiros, devido à ausência de recursos para a realização dos procedimentos determinados,bem como, o material para coleta da prova, estabelecimento adequado para o acondicionamento da prova, ou seja, procedimentos que demandariam de investimento financeiro, o que nem sempre é alcançável. Vale ressaltar que além da possível falta de recursos financeiros para os materiais e estabelecimentos, é possível ainda, que o agente responsável pelo início do procedimento da cadeia de custódia cometa algum erro ou negligência em razão da falta de treinamento. Compreendendo que nem sempre a região terá condições de proceder com os atos de continuidade da cadeia de custódia, é plausível entender que não são todos os agentes de polícia que vão receber o treinamento adequado para a implementação da cadeia de custódia. Em pesquisa elaborada por Pedro Luiz Lemos Cunha (2012), concluiu que somente o estado do Rio Grande do Sul possui sistema de registro e rede de comunicações de informações entre as unidades. Quanto a uma unidade própria para armazenamento de vestígios, somente o Distrito Federal e o Rio Grande do Norte possuem este estabelecimento. Ressalta ainda a pesquisa que apenas, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Tocantins possuem estabelecimento apropriado para armazenar vestígios biológicos, e câmaras frias com instrumentos para o acondicionamento dos vestígios. Diante esta análise, foi demonstrado com clareza a falta de infraestrutura para os procedimentos que visam a implementação da cadeia de custódia, portanto, é de extrema dificuldade que a cadeia de custódia da prova seja implementada com total eficácia de todas as etapas. Na visão de Paulo Rangel (2021) diante tal problema, a solução seria que a lei criasse recursos suficientes para obter orçamentos fundamentais para a atuação eficaz da perícia técnica, ao invés de apenas definir em lei as formalidades para os procedimentos da cadeia de custódia no processo penal. A realidade do sistema criminal brasileiro é que os procedimentos da cadeia de custódia, além da falta de recursos na maioria das regiões, são desconhecidos e/ou desinteressados para as 21 autoridades competentes. Logo, com a implementação da cadeia de custódia no processo penal seguida da ausência da capacidade de exercer o procedimento determinado em lei, procede então a responsabilidade da idoneidade da prova, conteúdo de ampla atenção no processo penal. Nessa linha de raciocínio, qualquer ausência de algum dos atos estipulados na legislação que determina os procedimentos da cadeia de custódia, causaria a quebra da cadeia de custódia. Vê-se então, a participação não só do poder judiciário na atuação da cadeia de custódia da prova, mas sim a participação dos agentes da autoridade, bem como os peritos. Nas palavras de Geraldo Prado: “O dar início à cadeia de custódia é uma conduta em um contexto jurídico em que o Estado atua oficialmente por meio de seus agentes. E estes agentes atuarão conforme as circunstâncias.” (PRADO, 2021, p. 171). Insta observar que não obstante a lei trouxe com firmeza em detalhes e de maneira didática os procedimentos para a realização da cadeia de custódia da prova, a implementação deste sistema na prática ainda não é a possível realidade na máquina processual penal. Como bem salienta o doutrinador Guilherme de Souza Nucci: “É preciso considerar que, enquanto não for possível implementar exatamente a cadeia de custódia, como prevista na reforma implementada pela Lei 13.964/2019, cuida-se de nulidade relativa.” (NUCCI, 2022, p.460). Nesse entendimento, adequando a análise abordada, a vigência da lei da cadeia de custódia nos processos penais, entretanto com a ampla dificuldade da implementação eficaz desta, causa uma lacuna no sistema processual penal pois abre uma vasta possibilidade de casos de nulidades. Pois se a lei determina que as provas sejam acondicionadas de tal forma, porém há a impossibilidade de realizar os procedimentos nos padrões da lei, seja por falta de recursos materiais ou de conhecimento, logo ocorrerá a quebra da cadeia de custódia, tornando então a invalidez do acervo probatório. 5 AS CONSEQUÊNCIAS DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA NO PROCESSO CRIMINAL Visto anteriormente, a inobservância dos padrões estabelecidos em lei para o procedimento e desenvolvimento da cadeia de custódia acarretam o entendimento da quebra da cadeia de custódia. Sendo entendida como uma lacuna na história do conteúdo probatório, que pode interferir diretamente na conclusão da prova levada a juízo, logo, diante de uma ausência da 22 idoneidade da prova, perde-se o valor do conteúdo, podendo ainda ser considerada como uma prova ilícita A quebra da cadeia de custódia – por inobservância das regras e procedimentos estabelecidos – conduz a ilicitude probatória (teoria da prova ilícita) e consequente desentranhamento e proibição de valoração. Não se desconhece, contudo, autores que situam a quebra da cadeia de custódia na dimensão da valoração probatória. (LOPES JR., 2022, p. 197). Tal entendimento apresentado por Aury Lopes Jr. tem conexão com o dispositivo de lei apresentado ao art.157 do CPP (2008), onde o legislador entende como inadmissíveis as provas ilícitas, determinando que estas sejam desentranhadas dos autos, sob o entendimento de violação das normas constitucionais e legais. No tocante a solução para quebra da cadeia de custódia, Ricardo Sidi e Anderson Bezerra Lopes (2018) apontam dois caminhos para sanar o vício desta violação. Sendo as hipóteses, reconhecer a ilegitimidade da prova, dando causa de inadmissibilidade do conteúdo probatório no processo, ou então, a hipótese de aplicar a ideia de valoração da prova, dando menor valor a prova que não procedeu das regras da cadeia de custódia. Diante esse entendimento que visa duas possibilidades, o CPP não reconhece a medida de valoração de conteúdo probatório, tampouco níveis do valor da prova, ademais, tal medida afrontaria com o princípio que a própria cadeia de custódia busca, que é alcançar uma prova idônea e preservada, logo, na prática jurídica esta medida seria incoerente. Entretanto, a hipótese de reconhecer a ilegitimidade da prova ante a quebra da cadeia seria o mais congruente, visto que essa medida segue a mesma linha de raciocínio do intuito da aplicação da cadeia de custódia. Em caso concreto, a Sexta Turma do STJ, no HC 653.515 (BRASIL, acesso em 11 nov. 2022) deu provimento ao pedido de absolvição do réu onde reconheceu a quebra da cadeia de custódia, diante ação penal de tráfico de drogas pois não foram cumpridos os procedimentos de preservação do material ilícito, ficando a dúvida para os julgadores se o material ilícito apreendido já estava na posse do réu no momento da chegada da polícia. Ressaltando que o material apreendido foi entregue a perícia em uma sacola de supermercado, amarrado com um nó, indo contra o procedimento da cadeia de custódia que determina o uso de material de coleta específico. Nessa decisão foi entendida a hipótese que houve a quebra da cadeia de custódia, pois fora negligenciados os procedimentos estipulados pela lei que determina como a prova será coletada, 23 armazenada e entregue a perícia. Logo, invalidando o material probatório considerado ilegítimo. Em entendimento contrário, a Quinta Turma do STJ, no HC 168.788 (BRASIL, acesso em 11 nov. 2022) entendeu que a mera indicação da quebra da cadeia de custódia não é suficiente para ensejar em uma absolvição, tendo em vista que para que seja reconhecida uma nulidade absoluta no processo penal, deve-se demonstrar o prejuízo que a inobservância da cadeia de custódia causou ao acusado. Diante desta decisão, foi entendido que, apesar de realmente ter ocorrido a quebra da cadeia da prova, não houve prejuízo a legitimidade do conteúdo probatório e nem lesão ao direito de defesa do acusado. Logo, a mera inobservância dos procedimentos determinados pela aplicação dacadeia de custódia no processo penal não é suficiente para considerar prejudicial ao acusado. Perante tal problemática, Aury Lopes Jr. (2022) em sua visão sobre a consequência da cadeia de custódia, entende que a quebra da cadeia de custódia faz ligação direta aos preceitos do devido processo legal, tendo em vista que a quebra fere uma garantia legal, logo, a conduta da quebra da cadeia de custódia seria uma violação as regras probatórias. Portanto, Lopes entende que a consequência da quebra da cadeia probatória tornaria a prova ilícita, aplicando o art. 157 do CPP. Na visão de Geraldo Prado (2021), é descartada a ideia de valoração da prova diante uma violação da cadeia de custódia, não sendo a prova submetida a juízo de relevância da prova. Nesse entendimento, se a prova não atende os requisitos para ser legitima, esta não pode ser levada a juízo, tampouco ter peso de prova. Sob a consequência da ilicitude probatória, Aury Lopes Jr. (2022) traz a teoria dos frutos da árvore envenenada. Teoria constituída no Estados Unidos da América, no ano de 1937, nominada pelo juiz americano Frankfurter como “fruits of the poisonous tree”, traduzido para o Português, “frutos da árvore envenenada”. A tese dessa teoria é que se a árvore está envenenada, logo, os frutos produzidos por esta árvore consequentemente também estarão envenenados. A lógica firmada pela teoria e aplicada no sistema processual penal é que, as provas obtidas por meios ilícitos, que originam outras provas secundárias, dão a entender que todas as demais provas resultantes são também ilícitas. Nas palavras de Aury Lopes Jr.: “A lógica é muito clara, ainda que a aplicação seja extremamente complexa, de que se a árvore está envenenada, os 24 frutos que ela gera estarão igualmente contaminados (por derivação).” (LOPES JR., 2022, p. 186). Seguindo essa linha de raciocínio, como a teoria dos frutos da arvore envenenada faz conexão as consequências da quebra da cadeia de custódia? Ante a todos os procedimentos já determinados em lei, para a realização eficaz da cadeia probatória, quando há a quebra da cadeia de custódia surge o entendimento que houve nulidade processual, logo, os atos e provas dependentes da fase que gerou a nulidade, deverão retroagir a fim de serem retificados, como disposto no art.573, § 1º do CPP. Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados ou retificados. § 1o A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência. (BRASIL, 1941) O entendimento da aplicação da teoria do fruto envenenado ao caso da quebra da cadeia de custódia seria a visão da corrente doutrinaria que entende a imprestabilidade da prova diante uma violação da cadeia de custódia. Com bem salienta Renato Marcão: “Se determinada prova decorrer de prova ilícita e também de outra fonte lícita independente, prevalecerá sua licitude.” (MARCÃO, 2021, p.273). Entretanto há ainda outras correntes doutrinarias com entendimento diversos quanto aos efeitos da quebra da cadeia de custódia. Dentre a doutrina e a jurisprudência, há a corrente que defende que cabe ao réu demonstrar o prejuízo sofrido caso ocorra a cadeia de custódia, caso não apresente, valerá o convencimento do juiz ante as provas apresentadas. Entretanto, a corrente majoritária defende a imprestabilidade da prova diante um caso da violação da cadeia probatória, pois estaria ferindo o direito da ampla defesa e do contraditório. Nesse diapasão, a partir do momento que a legislação abrange os instrumentos legais que aperfeiçoam o devido processo legal, o Estado tem de propor ao acusado os preceitos fundamentais que dão condições para o direito da ampla defesa e do contraditório. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante aos pontos abordados no presente trabalho, verifica-se a aplicação da nova legislação no processo penal a respeito do sistema da cadeia de custódia, bem como os objetos e institutos que associam ao tema. Atenta-se que a implementação da cadeia de custódia no processo 25 criminal, reforça os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Pode-se concluir com a pesquisa que apesar de o legislador ter especificado todo o roteiro que forma a cadeia de custódia, a aplicação na prática na realidade ainda é distinta da realidade da legislação. Dando atenção os tópicos que dizem a respeito dos obstáculos da implementação da cadeia de custódia, onde ficou demonstrado pela doutrina, que a implementação deste sistema nos estabelecimentos que deveriam atuar na cadeia de custódia beira o impossível da realidade brasileira. Tanto as estruturas dos estabelecimentos, quanto a capacidade dos agentes que realizam os procedimentos voltados ao manuseio da prova. Em continuidade, vê-se ainda que a jurisprudência não pacificou um entendimento singular quanto a decisão do julgador perante um processo em que houve a quebra da cadeia de custódia. Restando a dúvida entre as partes de qual será a decisão do juiz quando convencido que houve a quebra da cadeia de custódia, surgindo as hipóteses de: ou invalidar a prova sob a ótica de nulidade processual; ou atribuir ao réu a oportunidade de demonstrar o prejuízo sofrido diante a quebra da cadeia de custódia. Conclui-se que o tema da aplicação da cadeia de custódia no processo penal ainda é muito recente e ainda está longe de ser procedido com eficácia pelo Estado, e em questão processual, a jurisprudência ainda não firmou um entendimento majoritário nos casos em que a cadeia de custódia é quebrada. Diante disso, enquanto não há uma segurança jurídica para os efeitos da real eficácia da cadeia de custódia, deve prevalecer os princípios constitucionais inerentes ao réu, assegurando todos os direitos que lhe são atribuídos, livrando de uma possível decisão duvidosa, triunfando o princípio in dubio pro reo. Como bem salienta Paulo Rangel (2021), mais vale um acusado nas ruas do que um inocente preso. Feito toda a pesquisa do tema da implementação da cadeia de custódia no sistema processual penal, conclui que a lei da cadeia de custódia ainda é muito recente e avançada comparado a realidade brasileira, no sentido prático. O legislador foi bem pontual nas determinações dos procedimentos para realização da cadeia de custódia, porém estes procedimentos demandam um alto custo financeiro e preparação dos agentes responsáveis, então há uma grande dificuldade de proceder com as determinações da lei, visto que há estados que sequer possuem 26 o material básico para coleta das provas ou estabelecimentos e profissionais para o acondicionamento da prova. Bem como a falta de preparo e de informação para todos os agentes responsáveis, seja perito ou policiais militares. Não obstante, observei na pesquisa que a jurisprudência possui entendimento contrários diante o caso da quebra da cadeia de custódia. Concordando com a corrente doutrinária apresentada na pesquisa, entendo que diante um caso de violação da cadeia de custódia deve prevalecer o entendimento da imprestabilidade da prova, sendo causa de nulidade processual. Pois esse entendimento doutrinário firma ênfase nos princípios constitucionais que regem o processo penal, apontando principalmente os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, bem como o princípio da prova. 7 REFERÊNCIAS: BONFIM, Edilson M. Curso de Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Disponível em: < https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553610631/>. Acesso em: 11 out. 2022. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 03 nov. 2022. BRASIL. Decreto-Leinº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro, 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 03 nov. 2022 BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Brasília: Senado Federal, 2021. 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