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158 1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 4 1 TRIBUNAL DO JÚRI – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ........................ 5 1.1 A Classificação dos Princípios do Direito Penal. .......................................... 7 1.2 Princípios Constitucionais Explícitos ............................................................ 8 1.3 Princípios Constitucionais Implícitos............................................................. 8 1.4 Princípio da Legalidade: Gênese Histórica. .................................................. 8 1.5 Princípio da Legalidade: Fito Primário. ......................................................... 9 1.6 Desdobramentos do Princípio da Legalidade. ............................................ 10 1.7 Princípio da Anterioridade da Lei. ............................................................... 11 1.8 Princípio da Exigibilidade da Lei Escrita. .................................................... 12 1.9 Princípio da Proibição da Analogia In Malam Partem. ................................ 13 1.10 Princípio da Taxatividade. .......................................................................... 13 1.11 Princípio da Legalidade e o Princípio da Reserva Legal. ........................... 13 2 PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL ................................................ 14 2.1 Sistema inquisitivo. ..................................................................................... 16 2.2 Sistema Acusatório. .................................................................................... 17 2.3 Sistema Misto. ............................................................................................ 17 2.4 Sistema Processual Penal Brasileiro. ......................................................... 19 2.5 O Pacto de São José da Costa Rica no Direito Processual Penal Brasileiro. 20 2.6 Princípios Processuais Penais. .................................................................. 21 2.7 Princípio do devido processo legal (art. 5º, LVI, CF). ................................. 21 2.7.1 Princípio da igualdade. .............................................................. 22 2.8 Princípio Da Reserva De Jurisdição. .......................................................... 22 2.9 Princípio do contraditório ou da bilateralidade da audiência (art. 5º, inc. LVI). 22 2.10 Princípio da Ampla Defesa (art. 5º, LV). ..................................................... 23 2.11 Princípio do estado de inocência (art. 5º, inc. LVII). ................................... 24 2.12 Identidade física do Juiz. ............................................................................ 24 2.13 Persuasão racional ..................................................................................... 25 2.14 Verdade real ............................................................................................... 26 2 2.15 Justa causa ................................................................................................ 27 2.16 Do artigo 155 do CPP ................................................................................. 29 3 O PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL PENAL. 30 3.1 A Emendatio Libelli. .................................................................................... 31 3.2 Mutatio libelli. .............................................................................................. 33 3.3 Circunstância ou elementar ........................................................................ 34 3.4 Supressão da expressão “explícita ou implicitamente” ............................... 34 3.5 Mutatio libelli e ação privada ...................................................................... 35 3.6 Procedimento ............................................................................................. 35 3.7 Vinculação aos termos do aditamento ........................................................ 36 4 INVESTIGAÇÃO criminal .......................................................................... 37 5 TEORIA DA PROVA ................................................................................. 42 5.1 A Finalidade Da Prova ................................................................................ 42 5.2 O Objeto Da Prova ..................................................................................... 42 5.3 Alegações Excluídas da Atividade Probatória ............................................ 43 5.4 Presunções ................................................................................................. 44 5.5 Meios De Prova .......................................................................................... 44 5.6 Procedimento probatório ............................................................................ 46 5.7 Classificação Da Prova............................................................................... 46 5.8 Prova emprestada ...................................................................................... 47 5.9 Provas Ilícitas e Provas Ilegítimas .............................................................. 48 5.10 Prova ilícita “pro reo” .................................................................................. 48 5.11 Sistemas de Apreciação das Provas .......................................................... 49 6 RECURSOS NO PROCESSO PENAL ..................................................... 51 6.1 Das nulidades e dos recursos em geral...................................................... 52 6.2 Das nulidades ............................................................................................. 52 6.3 Dos recursos em geral................................................................................ 54 6.4 Disposições Gerais ..................................................................................... 54 6.5 Do recurso em sentido estrito ..................................................................... 55 6.6 O Processo e do Julgamento dos Recursos em Sentido Estrito e das Apelações, nos Tribunais de Apelação ................................................................. 58 6.7 Recurso Extraordinário e Recurso Especial ............................................... 60 3 6.8 Recurso Ordinário em Habeas Corpus ....................................................... 61 6.9 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança ......................................... 61 7 PACOTE ANTICRIME = Lei nº 13.964/2019. ..................................................... 62 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 73 4 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 1 TRIBUNAL DO JÚRI – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Fonte: cafenapadaria.com.br O Júri tem quatro princípiosfundamentais previstos na Constituição Cidadã brasileira, no seu artigo 5º, XXXVIII: plenitude de defesa, sigilo nas votações, competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida e soberania dos veredictos. O princípio da plenitude de defesa ou da defesa plena abrange o da ampla defesa, contido no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, porque inclui a autodefesa do próprio acusado em seu interrogatório e a defesa técnica, realizada por advogado devidamente habilitado. A defesa técnica do acusado no Júri é realizada por um procurador, constituído ou dativo (nomeado pelo Estado, quando o acusado não indicar ou não puder arcar com um), para defender o réu, sendo-lhe possível alegar qualquer matéria, mesmo sem base legal, seja fática, doutrinária ou jurisprudencial. No Júri, deve o juiz togado (presidente) quesitar os jurados sobre as teses apresentadas pela autodefesa e pela defesa técnica, mesmo que haja contradições entre as duas, para assim garantir a plenitude de defesa. Caso se verifique que a defesa técnica é falha a ponto de ser inepta, o juiz poderá dissolver o Conselho de Sentença para declarar o réu indefeso, com base no artigo 497, inciso V, do Código de Processo Penal. Outro princípio importante para o Tribunal do Júri é o sigilo das votações, que é específico para este instituto jurídico, sendo uma exceção ao artigo 93, inciso IX, da Lei Maior, que diz respeito ao princípio da publicidade: Lei complementar, de 6 iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX-todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes. O Sigilo nas Votações do Júri é garantido por meio de três formas: pela incomunicabilidade dos jurados, pelo julgamento em sala secreta e pelo julgamento dos jurados com base na sua íntima convicção. A incomunicabilidade dos jurados significa que não eles não podem emitir qualquer opinião sobre a ação penal em julgamento. Os jurados conversam assuntos diferentes do julgamento, mas são impedidos de praticar qualquer comunicação com terceiros que não estejam no processo, salvo por meio de Oficial de Justiça. Outra garantia do sigilo nas votações é a sala secreta, para a qual os jurados se dirigem para votar os quesitos, sem que se saiba qual foi o voto de cada um e sem haver qualquer tipo de constrangimento. A terceira e última garantia do sigilo nas votações é a de que o julgamento dos jurados tem por base sua íntima convicção, o que significa dizer que não há nenhuma fundamentação jurídica nem fática nas suas decisões, sendo uma exceção ao princípio do Livre Convencimento Motivado. Mais um princípio constitucional fundamental do Júri é o da competência mínima para julgar os crimes dolosos contra a vida, sejam tentados ou consumados. Os delitos abrangidos estão no Código Penal em sua parte especial, no título I dos crimes contra a pessoa, no capítulo I dos crimes contra a vida, que são: homicídio previsto no artigo 121, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio no 122, infanticídio no 123, aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento no 124 e aborto provocado por terceiro nos 125 e 126. Há, ainda, a competência do Júri da Justiça Federal que julga os crimes dolosos contra a vida de funcionários públicos federais, em razão de suas funções, bem como dos delitos contra a vida cometidos a bordo de navio ou de aeronave em território brasileiro. Os crimes conexos cometidos com os delitos dolosos contra a vida, são julgados pelo Tribunal do Júri, além de outros que, por ventura, sejam previstos em Lei ordinária que amplie sua competência. No que tange ao crime de roubo seguido de morte, conhecido vulgarmente como latrocínio, uma importante observação deve 7 ser feita. Não se trata de crime contra a vida, mas sim, contra o patrimônio, e, por este motivo, regra geral, não é julgado pelo Tribunal do Júri, salvo por conexão. Outro delito que não é de competência do Júri é o genocídio, denominado de crime contra a humanidade, que é da alçada da Justiça Federal, salvo nos casos de conexão. Por fim, o último princípio garantidor do Tribunal do Júri é o da soberania dos veredictos dos jurados, cuja finalidade precípua é confirmar a efetiva participação popular nos seus julgamentos. Os jurados, integrantes da sociedade, irão decidir conforme sua íntima convicção, com respostas monossilábicas positivas ou negativa (sim ou não) sobre os fatos julgados. A soberania dos veredictos deve ser considerada relativa, não sendo regra absoluta, porque não traduz em onipotente a decisão proferida. Desta forma, a afamada soberania constitucional do Júri não pode ser levada em seu sentido estritamente ortográfico, pois é tão somente a impossibilidade de outro órgão jurisdicional alterar ou rescindir sua decisão. Todavia, existe a possibilidade de ser determinado, por instância superior, que o Júri realize um novo julgamento, quantas vezes forem necessárias, caso ocorra o error in judicando, que é o veredicto manifestamente contrário às provas dos autos; ou o error in procedendo, que significa o desrespeito das regras de procedimento de ordem pública, conforme jurisprudência: (TJSP– AP – JTJ. Lex 188/304): Júri– Soberania– Versão inverossimilhante. A soberania dos veredictos do Júri, não obstante a sua extração constitucional, ostenta valor meramente relativo, pois as decisões emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico – processual. 1.1 A Classificação dos Princípios do Direito Penal. A Classificação dos Princípios do Direito Penal trata de toda a gama de postulados e mandamentos que atuam como alicerces do Direito Penal, permeando e guiando sua aplicação. É imperioso analisar, em um primeiro momento, a classificação atribuída pelos doutrinadores aos princípios. Ainda nessa ótica, é impostergável enfocar de maneira substancial a dicotomia existente, visando atingir uma maior compreensão sobre o tema trazido à baila, bem como facilitar o entendimento. Em face disso, os postulados podem ser avaliados e enquadrados em duas vertentes distintas, a saber: Princípios Constitucionais Explícitos e Princípios Constitucionais Implícitos. 8 1.2 Princípios Constitucionais Explícitos Utiliza-se a denominação “Princípios Constitucionais Explícitos”, para fazer alusão a uma das vertentes que afirma que esses postulados devem ser analisados como reflexos da necessidade de limitar a ação punitiva do ente estatal. Para tanto, foi fundamental incluí-los na Carta de Outubro, como parte integrante de sua redação. Segundo Bitencourt (2000, pág. 09) expõe, “As ideias de igualdade e liberdade, apanágios do iluminismo, deram ao Direito Penal um caráter menor cruel do que aquele que predominou durante o Estado Absolutista, impondo limites a intervenção estatal nas liberdades individuais”. 1.3 Princípios Constitucionais Implícitos A segunda categoria compreende os postulados que estão subentendidos da redação dos princípios que foram normatizados e positivados na Carta Magna. Deve-se salientar que, por tal fato, não tem sua aplicação reduzida ou condicionada, ao revés, possuem a mesma eficiência dos mandamentos que foram integrados como pilares a Lei Maior. 1.4 Princípio da Legalidade: Gênese Histórica. Trazendo à baila o tema em epígrafe, é crucial discorrer de maneira maciça a respeito de todos os pilares históricos que, de certa forma, contribuíram para a formação e o desenvolvimento de premissas que culminaram na construção de todos os arcabouços e aportes que sustentam o Princípio da Legalidade. Em termos primários, é possível afirmar que se denotaa pedra fundante do referido mandamento na redação que inaugurou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto dos ideais advindos do Iluminismo. Assim, o artigo 8° do documento retrocitado preconizou que: “Ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente publicada”. Tais preceitos passaram a irradiar pelos Estados, passando a integrar de maneira clara e fundamental as Cartas Políticas. No Brasil, a primeira manifestação de tais ditames foi vislumbrada na Carta Magna de 1824. Isto é, na primeira Constituição do Brasil, ainda quando Império, permeado por uma explícita aura de 9 absolutismo e ideias diametralmente opostas às ostentadas pela democracia, aprouve ao constituinte positivar tal mandamento. Ou seja, em um cenário em que as ideias arcaicas e anacrônicas do modelo de concentração de poder tão-só na mão do Imperador, pilar que sustenta o chamado “Poder Moderador”, tinham pleno e irrestrito assento, as concepções emanadas pelo Iluminismo permitiram o favorecimento do princípio da legalidade, mesmo que de forma tão tímida e limitada. Na década de 1960, denota-se uma atmosfera marcada pela maciça repressão, decorrente de um regime ditatorial, cujas características mais substanciais estão atreladas ao total desrespeito as instituições basilares de um Estado Democrático, ultraje ao cidadão como ser humano dotado de potencialidades a serem desenvolvidas e suplantação dos aspectos primários da Tripartição dos Poderes. Isto é, ante a tais aspectos, fez-se premente e latente a necessidade da promulgação de uma Carta Magna que amparasse em seu seio valores a muito ultrajados e mandamentos que protegessem e resguardassem a população do poder arbitrário do ente estatal. Assim, o constituinte inaugurou uma nova ordem, pautada no garantismo constitucional. Desta feita, ao avaliar a Constituição Cidadã, vislumbra-se que o princípio da legalidade foi abarcado no artigo 5° inciso XXXIX como cláusula pétrea, elencando tal preceito como Direitos e Garantias Fundamentais. 1.5 Princípio da Legalidade: Fito Primário. Tendo por axioma tudo o que foi apresentado, é possível dispor que o preceito que resguarda a concepção de legalidade desenvolveu-se como objetivo primário, servir como ponto efetivo a limitar a intervenção arbitrária e desmedida do ente estatal, bem como seu poder punitivo. Ipso facto, em consequência de tais considerações, é válido afirmar que o arcabouço teórico que constitui tal mandamento, busca frear os desmandos dos governantes, a exemplo do foi observado em tempos passados. Assim, fica explícito que, desde tempos imemoriais até poucos séculos atrás, o poder do Estado/Monarquia/Império era um mero prolongamento da vontade do governante que condicionava a população aos seus desmandos. Frente a isso, evidencia-se que o princípio da legalidade desenvolveu-se como resultante de 10 cenários históricos que foram marcados pela exacerbação dos poderosos ante os mais humildes e aqueles que possuíam opinião ou pensamento diverso do adotado. Em suma, fundou-se como um contraponto as tendências de exagero personalistas daquele que detêm o poder. Ainda nesse sentido, incumbe ressaltar que, segundo apregoa Mirabete (2008, pág. 38), por si só esse mandamento não se basta, ao contrário, é fundamental a existência de um manancial de corolários que sejam utilizados como alicerces e substrato. Ao trazer para a esfera penal, fica ainda mais nítido sua necessidade, vez que tão-somente por suas disposições, torna-se plausível evitar a punição, fundada no mero desejo dos governantes, daqueles que atentem contra a sociedade por meio da perpetração de condutas criminosas. Isto é, para punir, é primordial que exista uma norma anterior que preveja, de maneira abstrata, a conduta e apresente em seu âmago a punição cominada. É a chamada função de garantia penal. 1.6 Desdobramentos do Princípio da Legalidade. Fonte: marciofioravante.jusbrasil.com.br O princípio da legalidade traz em si mais que a simples concepção de não haver crime sem lei anterior que o defina ou ainda pena sem prévia cominação legal, estende-se e gera de sua essência outros princípios de maciça relevância. Tais preceitos visam, em um primeiro momento, a obtenção de maior eficiência e que formam, segundo as palavras do professor Mirabete (2008, pág. 39), “um todo indivisível”, de modo tal que a concretização de cada um se revela imprescindível para que todos os demais possam se consubstanciar. 11 1.7 Princípio da Anterioridade da Lei. Também chamado de princípio da exigência da lei anterior ou laex preavia, é externando por meio de uma expressão latina nullum crimen, nulla poena sine lege praevia. Portanto, com fulcro nesse corolário, proíbe-se a edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade. Isto é, a lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao fato ao qual é destinada a punir. Assim, em linhas iniciais, torna-se latente que, fundando-se em tais premissas, o poder punitivo do ente estatal fica adstrito/condicionado as definições legais. Destarte, um indivíduo só poderá ser processado e condenado pelo Estado, desde que ao cometer uma conduta, esta esteja exaurida em um tipo legal. De igual monta, somente poderá ser sancionado nos limites fixados pela legislação que trouxe à baila o ilícito penal. Posto isto, Roxin (2003, pág. 34) ainda ostenta que de tal mandamento decorre o nomeado princípio da vedação das leis penais materiais ex post facto, ou o princípio que proíbe a criação de leis ad hoc. Tal preceito se alicerça em um único motivo, qual seja, apenas aplacar o estado de ânimos e as excitações que são politicamente indesejáveis. Isto é, são normas construídas devido à emoção emanada pelo momento, e, por esse aspecto, são indesejadas por um Estado Democrático de Direito, dado o seu conteúdo. Em uma análise primária, denota-se que para empregar uma lei a um determinado fato, é primordial que a norma esteja em plena vigência antes do cometimento do crime. No mais, cabe destacar que somente a lei em sentido estrito pode criar crimes e penas criminais. Conseguintemente, desconsiderasse, desse modo, a mera possibilidade de se criar fatos delituosos e sanções penais por meio de atos normativos lato sensu, como é o caso do decreto-lei ou medida provisória, antes da aprovação desta pelo Congresso Nacional, bem como por meio de decreto legislativo e resolução. Ademais, o postulado da irretroatividade da lei penal, tem pleno assento na Carta Política, inciso XL do artigo 5° ao determinar: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. De igual sorte, no Código Penal, o artigo 2º prescreve: “ninguém poderá ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. 12 Esse princípio confere ao cidadão a segurança de não ser punido, ou não ser apenado mais severamente, pelo cometimento de fatos que passaram a ser considerados crimes ou passaram a ter pena menos branda por uma lei posterior. Isto é, a lei penal mais severa não pode retroagir para alcançar fatos praticados anteriormente a sua vigência. Esse postulado corresponde à interferência direta do princípio da anterioridade da lei. Entretanto, tal preceito pode ser mitigado, permitindo sua retroatividade quando a lei posterior for mais benéfica, essa premissa é o substrato sobre o qual se estrutura o princípio da retroatividade benéfica, admitido e privilegiado no ordenamento pátrio. 1.8 Princípio da Exigibilidade da Lei Escrita. Um segundo desdobramento do princípio da legalidade é o nullum crimen, nulla poena sine lege scripta ou ainda chamado de princípio da exigibilidade da lei escrita. Isto é, conforme estabelece o princípio em apreço, para se criar normaspenais incriminadoras e as respectivas sanções mister se faz a edição de uma lei escrita, “submetida aos rígidos processos de formulação legislativa constitucionalmente estabelecidos, com obediência de todos os ritos e fórmulas para a validade formal da lei” (LOPES, 1994, pág. 107). Portanto, arrimando-se no corolário supra, fica explícita a proibição do emprego do direito consuetudinário (costumes e tradições) para fundamentar ou agravar a pena. Em face disso, os costumes não podem ser utilizados como fonte criadora de crimes e penas. Entretanto, cumpre destacar que a utilização dos costumes como fonte do Direito Penal só é vedada se maléfico ao acusado, isto é, se estiver criando direito repressivo, instituindo ou majorando crimes e penas. Do contrário, para o benefício do réu, a invocação do costume é devida e amplamente aceita pelo Estatuto Repressor Penal. Com espectro no apresentado, faz premente evidenciar que, devido a tradição da lei escrita adotada no Brasil, o denominado Civil Law, somente esta tem a qualificação carecida para criar a tipificação das condutas passíveis de sofrerem qualquer sanção, e igualmente, estabelecer as medidas a serem tomadas para punir o indivíduo. 13 1.9 Princípio da Proibição da Analogia In Malam Partem. Nomeado, por vezes, como o princípio da lei em sentido estrito (lex stricta) ou ainda nullum crimen, nulla poena sine lege stricta, é outro postulado que deriva do princípio da legalidade. Traz como flâmula primordial a proibição de criar crimes, fundamentar e agravar a pena por meio de analogia, isto é, fica vedada dentro do Direito Penal a analogia in malam partem. Contudo, faz-se mister arrazoar que é totalmente permitido a analogia in bonam partem, ou seja, será utilizada a analogia sempre que for benéfica ao cidadão, visto que gera a diminuição ou até mesmo a não aplicação da pena ao acusado. Deste modo, nas palavras de Maurício Lopes (1994, pág. 123) e o mestre Damásio de Jesus (2003, pág. 09), o Direito Penal admite o emprego da analogia, desde que se atenda ao critério do favorabilia amplianda, permitindo a aplicação analógica dos preceitos referentes à exclusão do crime ou de culpabilidade, isenção ou atenuação de pena e extinção de punibilidade. Cumpre ressaltar, porém, que ficam ressalvados os casos em que a lei quiser excluir de certa regulamentação determinados casos semelhantes. 1.10 Princípio da Taxatividade. Este princípio se encontra ligado à técnica redacional legislativa, fica determinado que são proibidas as leis penais indeterminadas, ou seja, veda-se os conceitos genéricos ou vagos que permitem abusos e interpretações equivocadas. Isto é, o ordenamento criminal brasileiro estabelece que os tipos penais devem ser claros e precisos, ou seja, o legislador, ao elaborar a figura típica, não deve deixar margens a dúvidas, nem utilizar termos genéricos, muito abrangentes, visto que a lei só irá realizar a sua função preventiva motivando o comportamento humano, se for acessível a todas as pessoas, em todos os níveis sociais. 1.11 Princípio da Legalidade e o Princípio da Reserva Legal. Segundo alguns posicionamentos, o princípio da reserva legal é um sinônimo do princípio da legalidade. Isto é, a reserva legal está intimamente atrelada ao fato 14 da lei possuir aspecto formal e, por isso, assemelha-se ou mesmo pode ser considerado como um simples sinônimo do corolário do nullum crimen, nulla poena sine lege stricta. Diante de tudo o que foi apresentado, é possível constatar de maneira clara e transparente a real importância dos muitos princípios que permeiam a Ciência Jurídica, sobretudo, em especial, o da legalidade. Este corolário veda a utilização das normas como simples e caprichosa manifestação da vontade do governante, asseverando um cunho de imparcialidade, tal como deve ser, ao ordenamento jurídico, de modo geral, e o estatuto repressor penal, em especial. Assim, adotando como premissa final o fato de a norma ser abstrata, sendo empregada a todos, sem qualquer distinção, conforme o princípio da isonomia apregoa. É latente salientar que as leis criminais por tutelarem de maneira singular um dos bens jurídicos mais valorados, a liberdade, deve ter sua atuação limitada aos casos que realmente necessitem e de acordo com os ditames que fixa, sem prejudicar nenhum indivíduo e visando garantir a harmonia da coletividade. 2 PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL Fonte: projetoexamedeordem.com.br Processo e Constituição são inseparáveis e o regramento do direito processual penal deve ser interpretado à luz dos valores políticos que fundamentam a Constituição, pois “a efetividade daquele, dentro de um Estado Democrático de 15 Direito, somente será possível se realmente for interpretado a partir desta, diretriz maior para a construção de um processo devido”. Nessa perspectiva, a relação processual penal haverá necessariamente que desenvolver-se sobre a estrutura democrática escolhida pela Constituição, devendo adaptar-se e conforma-se ao paradigma adotado, compatibilizando o sistema normativo vigente, implicando em conceber o Direito Processual Penal não apenas como realização do direito penal material, mas também como Direito Constitucional Aplicado. Consequentemente, a República Federativa do Brasil, ao insculpir em seu texto constitucional o Estado Democrático de Direito como padrão a ser seguido, compromete-se com a implementação e sustentação de uma política de respeito à dignidade da pessoa humana como valor fundamental do Estado, implicando, inexoravelmente, na adoção de um rol de garantias em matéria criminal inerentes ao paradigma adotado. Assim, ao avocar o modelo de Estado Democrático de Direito na Constituição, em termos de processo penal, o Estado passa a adotar o procedimento acusatório como superação do procedimento inquisitivo, consistindo em um processo público (com a supressão do secreto), isonômico, contraditório, e com a efetiva participação do acusado e seu defensor no processo, tendo como escopo principal a proteção jurídica (garantia) do acusado. Segundo o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal: Art. 1 o O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2º, e 100); III - os processos da competência da Justiça Militar; IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, n o 17); V - os processos por crimes de imprensa. (Vide ADPF nº 130) Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nºs. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso. Art. 2 o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. Art. 3 o A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/DEL%203.689-1941?OpenDocument http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm#art86 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm#art89 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm#art89§2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm#art100 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm#art122.17 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm#art122.17 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1283716 2.1 Sistema inquisitivo. O sistema inquisitivo é um modelo histórico e inicia, paulatinamente, a partir do século XII, momento que até então vigia o sistema acusatório Greco-romano, sob a justificativa de que esse modelo da democracia antiga era totalmente ineficiente. A proteção excessiva do acusado, com punição a denúncias caluniosas, a responsabilidade de a acusação ser manejada por uma pessoa privada e a dificuldade, por consequência, de coletar as provas necessárias à acusação, levaram, aos poucos, a substituição da pessoa que iria ter o encargo da persecução criminal. No sistema inquisitivo o poder de acusação dos particulares e deslocam-se como uma função do Estado. A peculiaridade principal do processo penal inquisitivo, denuncia Coutinho, é “a gestão da prova”, ganhando especial destaque a confissão, por ser um “ato sujeito criminoso e que falta, é a peça complementar de uma informação escrita e secreta”. Entretanto, existe uma ambiguidade em relação à confissão, uma espécie de cálculo geral das provas, pois de um lado há uma preocupação com a confissão, devido ao fato de alguns acusados confessarem crimes que sequer cometeram, exigindo, assim, indícios complementares; de outro modo, mesmo diante dessa preocupação, havendo divergência da confissão com qualquer outra prova, prevalece à primeira. Outra característica do sistema inquisitivo é a existência de duas fases, denominadas, respectivamente, de: inquisição geral e inquisição especial. A primeira fase tinha a função de apurar a materialidade delitiva e a autoria do crime, como uma fase antecedente para a fase especial, que era destinada a condenação e aplicação do castigo. Nesse sistema processual a prisão é regra, que significa dizer que o acusado fica recluso de maneira provisória durante todo o curso processual, como forma de evitar burlas para se chegar à verdade real ou prevenir que o acusado, em comunicação com o mundo exterior, possa desvirtuar os caminhos regulares do processo. Além disso, a tortura é outro instrumento utilizado como forma de obter a confissão do acusado, sendo-lhe submetido a uma atenta verificação, com interrogatórios incansáveis. 17 2.2 Sistema Acusatório. O sistema acusatório possui dois estágios na história da humanidade. Em um primeiro momento, quando vigorava a democracia antiga, o sistema acusatório desenvolve suas estruturas na Roma e Grécia antiga, como forma de condução do procedimento de condenação (ou absolvição). Por outro lado, após a idade medieval, nos idos do final do século XVIII, o sistema acusatório (re) assume a regulação procedimental do processo penal, com outras feições, novas adaptações e conceitos inovadores. O princípio do acusatório caracteriza-se pela distinção das funções dos três sujeitos processuais: acusação, defesa e julgador (ponto de vista estático), sendo necessário para caracterizá-lo, satisfatoriamente, realizar “observação do modo como se relacionam juridicamente autor, réu, e seu defensor, e juiz, no exercício das mencionadas funções” (ponto de vista dinâmico). Se no sistema inquisitivo a defesa era vista com óbice ao desenvolvimento regular do processo, no sistema acusatório o oposto se estabelece e a defesa é imprescindível para curso regular do procedimento de condenação. A paridade de armas entre acusação e defesa é que irá proporcionar uma decisão imparcial do caso. A consciência de que o acusado é a relação mais frágil do processo impõe a criação de uma rede de garantias. Entretanto, importante alertar que o sistema acusatório (moderno) apresentado sofre mitigações ou é mal compreendido (e mal utilizado) em diversos países, especialmente na realidade jurídica brasileira, detentor de um Código de Processo Penal formulado em 1941, eivado de diversos mecanismos nitidamente inquisitorial. 2.3 Sistema Misto. O sistema misto é fruto do fracasso da inquisição, uma substituição moderada dos modelos inquisitivos através da implantação de mecanismos do modelo acusatório antigo, mas sem permitir a persecução criminal através dos particulares. A história nos revela que o Código de Napoleão de 1808 foi o primeiro ordenamento jurídico que adotou o sistema bifásico (misto), caracterizado, como o próprio nome sugere, pela mescla dos dois sistemas anteriores: o acusatório e o 18 inquisitivo. Seu modelo bifásico permite a criação de dois momentos distintos, tem- se uma primeira fase pré-processual, investigatória, sigilosa, secreta, escrita, sem contraditório, nos moldes do sistema inquisitivo e uma segunda processual, contraditória, com publicidade dos seus atos, como se fosse um sistema acusatório propriamente dito. O que precisa ficar claro, desde logo, é que o ponto crucial para identificação de um sistema é a gestão da prova. No sistema acusatório o que predomina, no tocante à gestão probatória, é o princípio dispositivo, que impõe a necessidade de as partes produzirem o material probatório. No sistema inquisitivo o que prevalece é o princípio onde a gestão da prova fica a cargo do inquisidor. Dito em outras palavras, “não há – e nem pode haver – um princípio misto, o que, por evidente, desconfigura o dito sistema”, porque não há um elemento unificador nele. O sistema nunca será misto, isso porque ou ele é inquisitório (como mitigações acusatórias) ou ele é acusatório com elementos (secundários) inquisitórios. Pouco importa o que diz o Código de Processo Penal, o Código Penal e as leis ordinárias esparsas, o que deve prevalecer, independentemente de qualquer dispositivo, é a Constituição. A desobediência aos preceitos constitucionais é um dos atos mais autoritários e violentos, um dos desrespeitos mais graves na democracia moderna, pois ela é (a Constituição) uma das principais formas de garantir plena efetividade dos direitos fundamentais e da própria essência do Estado. Sem perder de vista a inconfundível e imperiosa interpenetração entre aos aspectos referidos, a identificação qual sistema adotado no ordenamento jurídico pátrio deve se pautar nos preceitos insculpidos na Carta Política do Estado, avaliando que as disposições das normas infraconstitucionais em sentido contrário, nada mais são do que violações a norma fundamental. 19 2.4 Sistema Processual Penal Brasileiro. Fonte: uv.mx Certamente, a tarefa de demonstrar qual o sistema processual penal brasileiro não é fácil, ainda mais diante da realidade jurídica brasileira, onde o complexo de normas que incidem sobre o processo penal aponta para direções diametralmente opostas. Isso significa dizer que há uma dificuldade em conciliar o Código de Processo de 1941, a Constituição de 1988 e outras tantas normas esparsas que compõe o sistema punitivo. Apesar dessa dificuldade, o ponto decisivo neste processo, conforme toda estrutura ideológica adotada até então, deve ser a Constituição. Em termos didáticos, alguns pontos serão analisados nessa perspectiva, a saber: a iniciativa da ação penal, a gestão da prova, a divisão das funções das partes, a imparcialidade do juiz, a ampla defesa, o contraditório, a publicidade e a oralidade. Vale dizer, definido a hermenêutica constitucional sobre os seguintes temas, ficará mais evidente o sistema processual penal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, embora se reconheça que o Código de Processo Penal tenha relevância no assunto, a compatibilização de suas normas com a Magna Carta é indispensável para validar qualquer dispositivo do Código de Ritos Penais. Nessa organização nota-se que a iniciativa da ação penal, na sistemática brasileira, fica a cargo do MP, conforme dispõe o art. 129, inc. I da CF-88, embora em alguns casos a iniciativa da ação penal seja do ofendido ou esteja condicionada a representação, nos termos do art. 5, inc. LIX da CF-88. Com isso, as bases do sistema acusatório começam a se desenhar, uma vez que o juizdeverá se 20 comportar com espectador, deixando a cargo do órgão do parquet a iniciativa da ação penal, não tendo a função de acusar. O inquérito, ainda, é dispensável. Significa que ele não é imprescindível para a propositura da ação penal. Se o membro do Ministério Público constatar evidentes os indícios de autoria e de materialidade do crime, poderá oferecer denúncia sem que tenha havido, previamente, inquérito. O inquérito tem a finalidade de reunir indícios suficientes da autoria e atestar a materialidade delitiva, a fim de possibilitar ou não, após o relatório da autoridade policial, o início da ação penal a cargo do órgão de acusação (em regra, o Ministério Público). Se a Constituição prevê o devido processo legal, a ampla defesa, a vedação das provas ilícitas, a publicidade, a duração razoável do processo, o princípio do juiz natural, a presunção de inocência, não há como sustentar que o sistema adotado é inquisitivo, misto ou outro nome que se queira dar. Com tantas garantias constitucionais, fica claro que a gestão da prova não poderá ser regida pelo princípio inquisitivo, decididamente não. O princípio que irá coordenar o procedimento de acusação é o princípio dispositivo, pois qualquer possibilidade de o magistrado interferir no sistema de colheita de provas representa uma ferida em sua imparcialidade, que é definida pela norma hierárquica do Estado. Por isso, qualquer dispositivo, seja do ano que for escrito pela forma que preferir o legislador, tem que estar em conformidade com a imparcialidade constitucional do juiz. 2.5 O Pacto de São José da Costa Rica no Direito Processual Penal Brasileiro. O direito processual penal governa a atividade jurisdicional do Estado e relaciona-se intimamente com o Direito Constitucional, que, além de entrelaçar suas normas com as de todos os demais campos do direito, lhe determina as bases diretoras. A nossa Carta Magna também faz referência a um direito processual unitário. Tanto é assim, que contamos com vários princípios que servem indistintamente a ambos os ramos. Em seu artigo 22, inciso I, atribui à União a competência privativa para legislar sobre o direito processual. O artigo 24, inciso XI, distribui a competência concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre 21 procedimentos em matéria processual. No artigo 5º, inciso LIV, anota que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Em complemento à legislação nacional, há também a legislação estrangeira, que incorpora o ordenamento doméstico e adquire validade normativa, como é o caso de um dos mais importantes documentos internacionais consagradores de direitos e garantias é o Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969. Pelo Decreto nº 678, de 6/11/1992, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, integrou o nosso ordenamento jurídico. Ratificado pelo Brasil, desde então, os direitos e garantias processuais constantes de seu artigo 8º, que fala das garantias judiciais, passaram a complementar a Lei Maior, especificando ainda mais as regras do devido processo legal, pois, o artigo 5º, § 2º, prescreve que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 2.6 Princípios Processuais Penais. O processo penal, assim como os demais ramos do direito, também possui regras e princípios próprios (NUCCI, 2014). 2.7 Princípio do devido processo legal (art. 5º, LVI, CF). É a matriz onde todos os demais princípios processuais vão buscar fundamento. Possui duas acepções, o devido processo formal e o devido processo substancial. A primeira acepção, ou seja, o devido processo procedimental tem por objetivo apenas assegurar o regular e justo andamento do processo judicial, através da instrução contraditória, do direito de defesa, do direito de ser citado, do duplo grau de jurisdição e da publicidade dos julgamentos, entre outras garantias. Desdobra-se em três aspectos fundamentais: a) adequação (o intérprete deve identificar o meio adequado para a consecução dos objetivos pretendidos); b) necessidade ou exigibilidade (o meio escolhido não deve exceder os limites 22 indispensáveis à conservação dos fins desejados); c) proporcionalidade em sentido estrito (o meio escolhido, no caso específico, deve se mostrar como o mais vantajoso para a promoção do conjunto de valores em jogo). 2.7.1 Princípio da igualdade. Trata-se da isonomia processual. Em juízo, as partes devem ter as mesmas oportunidades de fazer valer suas razões, e ser tratadas igualitariamente na medida de suas igualdades, e desigualmente na medida de suas desigualdades. 2.8 Princípio Da Reserva De Jurisdição. O postulado da reserva constitucional de jurisdição - consoante assinala a doutrina de Canotilho (1998, p.580 e 586) - importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de verdadeira discriminação material de competência jurisdicional fixada no texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se hajam eventualmente atribuído "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais". É por esse princípio que se veda à Comissões Parlamentares de Inquérito, por exemplo, praticar atos que a Constituição reservou com exclusividade aos magistrados. Entre essa "reserva de jurisdição" constitucional incluem-se: a prisão, salvo flagrante (CF, art. 5°, inc. LXI); a busca domiciliar (CF, art. 5°, inc. X) e a interceptação ou escuta telefônica (art. 5°, inc. XII); exercer o poder geral de cautela judicial: isso significa que a CPI não pode adotar nenhuma medida assecuratória real ou restritiva do 'jus liberta tis: incluindo-se a apreensão, sequestro ou indisponibilidade de bens ou mesmo a proibição de se afastar do país. 2.9 Princípio do contraditório ou da bilateralidade da audiência (art. 5º, inc. LVI). Não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. 23 O contraditório, por exemplo, obriga que a defesa fale sempre depois da acusação (art. 400, CPP). Assim, no Processo Penal as testemunhas arroladas na peça acusatória são inquiridas em primeiro lugar, por exemplo. Com fundamento em tal princípio o Superior Tribunal de Justiça anulou um "processo a partir do julgamento, por entender que, na hipótese, o Ministério Público, além de atuar como fiscal da lei, era também parte, e como tal, à luz da Constituição vigente, não pode proferir sustentação oral depois da defesa. ” (BRASIL, 2007) Fonte: luizcarlos.com.br A essência do contraditório pode ser sintetizada na fórmula informação (necessária) e participação (eventual), ou seja, a necessária ciência, por ambas as partes, do que se faz ou que se pretende que seja feito no processo e possibilidade de cooperar e contrariar. 2.10 Princípio da Ampla Defesa (art. 5º, LV). O princípio da ampla defesa assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, a utilização dos meios de prova, dos recursos e dos instrumentos necessários para defesa de seus interesses perante o Judiciário e a Administração. O processo não é um procedimento inquisitório, mas dispositivo. Deve-se, portanto, possibilitar aos litigantes a oportunidade de apresentarem defesa em sentido amplo. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados 24 em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa com os meiose recursos a ela inerentes. A ampla defesa compõe-se da defesa técnica e da autodefesa. O defensor exerce a defesa técnica profissional, que exige a capacidade postulatória. O acusado, por sua vez, exercita ao longo do processo (v.g., quando é interrogado) a autodefesa (defesa material). Ambas, juntas, compõem a ampla defesa. Como defensor do réu, o advogado age como representante técnico da parte. Neste mister parece-nos que cabe a este profissional exercitar a sua defesa mesmo contra a vontade do réu, até porque o direito de defesa é indisponível. Admite-se, por exemplo, a interposição de recurso mesmo contra a vontade do réu, pois deve, como regra geral, prevalecer a vontade de recorrer, só se admitindo solução diversa quando, por ausência do interesse utilidade, não seja possível vislumbrar, em face de circunstâncias do caso, vantagem prática para o acusado. Isto ocorre por que a regra da disponibilidade dos recursos sofre exceções no processo penal, em que a relação jurídica de direito material controvertida é de natureza indisponível. 2.11 Princípio do estado de inocência (art. 5º, inc. LVII). O art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988 traz o chamado princípio da Presunção da Inocência, nos seguintes termos: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Se refere esse dispositivo a uma regra de tratamento dispensada a qualquer pessoa que esteja sendo acusada de cometer um crime. Assim, até que haja uma sentença penal condenatória irrecorrível, o indivíduo deve ser tratado como inocente. Essa garantia existe para evitar aplicações apressadas e, muitas vezes, erradas de punições a sujeitos que ainda têm chance de demonstrarem sua inocência. 2.12 Identidade física do Juiz. Trata-se de princípio que vincula o magistrado que presidiu a instrução, ou seja, colhendo provas, ao julgamento do processo, com esteio no artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal (NUCCI, 2014). 25 A doutrina salienta que o princípio da identidade física do juiz decorre do princípio da oralidade, uma vez que historicamente se davam através do Tribunal do Júri (NUCCI, 2014). Com o advento das Leis 11.689/2008 e 11.719/2008, consagrou-se os princípios da oralidade e seus consectários, a saber, da concentração e, o ora analisado, princípio da identidade física do juiz, nos termos dos artigos 399, §2º, 400, §1º, 411, § 2º, todos do Código de Processo Penal (NUCCI, 2014). Cuidam-se de princípios que interferem na percepção pessoal do juiz sobre a prova colhida (LOPES JR. 2012). Daí a doutrina suscita o debate de pontos positivos e negativos do presente princípio. De um lado, a doutrina sustenta que o magistrado poderá criar laços psicológicos com as partes e as testemunhas (LOPES JR., 2012), lado outro, o juiz, quando determinar diligências ao final da audiência de instrução, abrirá vista às partes para apresentação de memoriais e, se neste ínterim, o julgador tiver que ser removido daquele órgão jurisdicional, quer por promoção ou aposentadoria, trará atraso ao processo (RANGEL, 2010). Destarte, conforme salienta LOPES JR. (2012) o princípio ora analisado confere maior benesse que prejuízos aos processos e, neste diapasão, o magistrado poderá confrontar a prova oral colhida em audiência com aquela produzida na fase inquisitiva, podendo, assim, rechaçar a possibilidade de mácula em seu juízo. Assim, confere-se ao processo penal maior lisura na decisão do magistrado, o que se coaduna ao princípio do juiz natural. 2.13 Persuasão racional O princípio em análise, segundo a doutrina, “regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, p. 73, 2007). Salienta a doutrina que o princípio em tela consiste em o magistrado apreciar a prova livremente, desde que colacionada aos autos (GRECO FILHO, 2012). Deverá ainda a referida prova ser submetida ao crivo do contraditório (RANGEL, 2010). 26 Nesse influxo, o princípio em análise, também conhecido como livre convicção motivada, assim o é conhecido em razão da obrigatoriedade de o juiz fundamentar sua decisão, com esteio no artigo 93, IX, da Constituição Federal (RANGEL, 2010). Sobre o tema, FERRAJOLI (2014) faz críticas, uma vez que poderá haver critérios discricionários de avaliação da prova e, com um abastado de dizeres, sem nenhum apego à hermenêutica, fundamentar a decisão. Assim, a despeito da convicção do juiz livre, deve evitar que “em mentes já distorcidas e debilitadas [sem apego à hermenêutica], por força de sorites e sofismas, aquilo que seja manifestamente verdadeiro, passando de proposição em proposição, por levíssimas e quase imperceptíveis mutações, produza o falso” (NICOLINI, apud FERRAJOLI, 2014, p. 181). Oportunamente relatou-se sobre o objetivo do garantismo penal constitucional tratar-se do reforço dos princípios eleitos pela Constituição. Assim, o modelo de apreciação da prova trazido pelo novel Código de Processo Civil, em seu artigo 371, que também influenciará as Tábuas Processuais Penais, coaduna-se com o garantismo, uma vez que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (CURIA; CÉSPEDES; ROCHA, 2015, p. 128). Para arrematar, verificou-se a íntima relação do princípio da persuasão racional com o sistema de produção de provas. 2.14 Verdade real O processo penal possui caráter instrumental e salienta a teoria de que “se uma justiça penal integralmente ‘com verdade’ constitui uma utopia, uma justiça penal completamente ‘sem verdade’, equivale a um sistema de arbitrariedade” (FERRAJOLI, 2014, p. 48). O processo penal tem como escopo alcançar elementos probatórios e lícitos para lançar certeza, dentro dos autos, contudo, não correspondendo a verdade do mundo dos homens (RANGEL, 2010). Deste raciocínio se depreende o conceito de verdade formal, ou verdade processual, onde vigora o princípio do dispositivo, do processo civil (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007). Neste viés, o magistrado pode “satisfazer-se com 27 a verdade formal (ou seja, aquilo que resulta ser verdadeiro em face das provas carreadas aos autos) ” enquanto “no processo penal o juiz deve atender à averiguação e ao descobrimento da verdade real (ou verdade material), como fundamento da sentença” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p; 71). Relativamente à verdade formal no processo penal, a mesma, excepcionalmente, é aceita quando “não disponha de meios para assegurar a verdade real (CPP, art. 386, inc. VI) ”, ilustrando-se com o exemplo de absolvição do réu, “não poderá ser instaurado novo processo criminal pelo mesmo fato [bis in idem], após a coisa julgada, ainda que venham a ser descobertas provas concludentes contra ele” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p; 71). Nesse influxo, Rangel (2010) faz críticas no caso em que o magistrado, quando verificada ausência total de provas, digna-se a produção de provas ao argumento da busca da verdade real. Salienta o processualista pátrio que o magistrado ao agir desse modo, busca a condenação e não absolvição, uma vez que esta já era patente pela ausência de provas. Como acima já exposto sobre uma verdade absoluta, “a impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais depende do fato de que a verdade ‘certa’, ‘objetiva’ ou ‘absoluta’ representa sempre a expressão de um ideal inalcançável” (FERRAJOLI, 2014, p. 52). Assim, Ferrajoli (2014) traduz a verdade material como sendo uma verdade aproximativa. Daí abre-se a possibilidade para refutação da prova, o que se dá através da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, princípios oportunamente já estudados. Com isso, verifica-se que a linha tênueentre a formação da justa causa e o sistema probatório, especialmente o inquérito, e o princípio ora analisado. 2.15 Justa causa Em regra, o processo penal só poderá se desencadear quando houverem indícios mínimos de autoria e materialidade da conduta delitiva imputada a algum indivíduo. Não é necessário ser o inquérito policial o principal instrumento para formação da justa causa. 28 Fonte: iped.com.br Alerta a doutrina tratar-se de uma condição da ação penal (RANGEL, 2010) e esta é conceituada como suporte probatório mínimo. Não é crível, em um Estado Democrático de Direito, aceitar uma condenação fundada em acusações sem fundamento. Necessário, então, repensar a doutrina de Ferrajoli (2014) que leciona no sentido de não ser o processo penal máquina de condenações, tampouco tirano e arbitrário, todavia ser a tutela dos inocentes. Quando verificada a ausência da justa causa, o juiz ao invés de receber a denúncia poderá rejeitá-la de plano, nos termos do artigo 395, III, do CPP. Em sendo o caso de recepção da denúncia, não há previsão no ordenamento jurídico para recurso apto a atacar tal decisão, contudo, a doutrina salienta sobre a possiblidade de combater o recebimento da denúncia, quando houver ausência de justa causa, pelo remédio do habeas corpus, nos termos do artigo 648, I, do CPP (RANGEL, 2010). Em que pese ser regra, no ordenamento jurídico pátrio, o princípio da presunção da inocência e do favor rei, é possível o magistrado receber a denúncia para, na asserção, verificar a veracidade da conduta imputada ao acusado. Dessa premissa se extrai a importância do inquérito policial para deslinde da ação penal. São daqueles elementos contidos na peça de informação que vão dar base ao Ministério Público para sustentar a denúncia. 29 Se a justa causa nasce a partir dos elementos probatórios mínimos, começa- se a indagar a possibilidade do magistrado participar da formação destes elementos de uma forma proativa. Faz-se necessário fazer a seguinte linha do tempo: a doutrina (RANGEL, 2010; LOPES JR., 2012 e NUCCI, 2014) aponta que a justa causa é condição da ação penal, que nasce na peça de informação. Salienta-se que o próprio Código de Processo Penal autoriza a intervenção do magistrado na produção da justa causa nos termos do artigo 156 do CPP (RANGEL, 2010). Assim, deve ser feita acurada análise da legislação processual penal, notadamente seus artigos 155 ao 157, todos do Código de Processo Penal. Em que pesem estarem os dispositivos legais insertos onde o Código trata das provas, a análise é pertinente, nos termos do que se explanará oportunidade. 2.16 Do artigo 155 do CPP Está disposto, in verbis, o artigo 155 do Código de Processo Penal: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. As provas são avaliadas por intermédio de três sistemas, a saber: a) livre convicção, onde a valoração da prova vem do íntimo e das experiências pessoais do julgador, dispensando-se a motivação dos votos, conforme se vê na votação dos jurados; b) prova legal, onde a prova teria um valor predeterminado pela lei, restringindo a atividade do julgador; por fim, c) a persuasão racional ou livre convencimento motivado, que trata-se de método misto adotado pelo Código de Processo Penal e, na ótica da doutrina, do art. 93, IX, da Constituição Federal (NUCCI, 2008). Contudo, a prova não pode ser apreciada de forma tão livre como a doutrina costuma salientar, pois tal não se alia ao ensinamento supracitado do direito de ver os argumentos considerados, tampouco aos princípios garantistas da Constituição Federal. Se o Ministério Público lança o argumento “A”, enquanto a defesa lança argumento “B”, todos baseados na mesma prova, quiçá única do processo, não 30 poderá o magistrado apresentar argumento “C” sem antes analisar os pedidos formulados. Importante buscar melhor fundamento na doutrina processual civil, senão vejamos: A motivação da decisão é essencial para que se possa verificar se o juiz prolator da decisão era ou não imparcial. Isto se dá por uma razão. Ao contrário do administrador e do legislador, que recebem sua legitimação antes de exercerem suas atividades (já que tal legitimação provém do voto popular), o juiz não é previamente legítimo. A legitimação do juiz só pode ser verificada a posteriori, através da análise do correto exercício de suas funções. Assim, a fundamentação das decisões é essencial para que se possa realizar o controle difuso da legitimidade da atuação dos magistrados. Trata-se, pois, de mais uma garantia ligada à ideia de processo justo, de devido processo legal. (CÂMARA, 2008, p. 55) É através da fundamentação que se poderá verificar se o magistrado está contaminado com a produção de provas anterior ao processo com todos os princípios citados no primeiro capítulo. É através dessa indagação que começa a se construir a problemática do presente trabalho, qual seja a sistemática do processo penal vigente frente aos princípios garantistas da Constituição Federal. Mais a mais, o artigo 155 do CPP proíbe a fundamentação com base exclusiva no inquérito, ressalvadas aquelas provas produzidas antes da ação penal. Alerta a doutrina a especialidade na decisão que condena com base exclusiva em inquérito quando não for possível se repetir a prova ou a mesma se der de forma cautelar (NUCCI, 2008). 3 O PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL PENAL. O oferecimento da denúncia é um marco fundamental no processo penal, pois deflagra a ação penal e permite que seja iniciada a formação da relação processual, que se completará através da citação do denunciado, conforme preleciona a própria redação do art. 363, alterado pela Lei n° 11.719/08. Sendo um ato processual de suma relevância, o Código de Processo Penal, em seu art. 41, elenca os requisitos necessários da denúncia, haja vista que através da ação penal, o Ministério Público deduz em juízo uma verdadeira pretensão, tendo em vista o pedido formulado na inicial acusatória que visa a condenação do réu por infração a um dos tipos penais previstos em nosso Código Penal. (SILVA, 2016) 31 Ao realizar o juízo de admissibilidade da acusação, cabe ao juiz examinar se estão presentes os indícios de materialidade e autoria lastreados em um mínimo suporte probatório, permitindo-se que com o desenvolvimento do processo, o juiz possa prolatar uma sentença de mérito. A denúncia tem como fim precípuo a delimitação da res in judicium deducta, ou seja, a delimitação da matéria a ser conhecida pelo juízo, bem como a individualização do pedido, permitindo ao magistrado prolatar sua sentença em observância ao princípio da correlação, ou adstrição, pois já delimitado o conteúdo e a amplitude da prestação jurisdicional. Para tanto, a imputação no processo penal deve demonstrar a tipicidade do fato, sua ilicitude, bem como a culpabilidade, os três elementos necessários para a configuração analítica do crime. (ALVES E BURRI, 2009) 3.1 A Emendatio Libelli. A emendatio libelli consiste em uma simples operação de emenda ou corrigenda da acusação no aspecto da qualificação jurídica do fato. O Código de Processo Penal, na redação primitiva, previa-a, no art. 383, ao dispor: O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. A emendatio libelli é prevista no artigo 383 do Código de Processo Penal, que foi modificado recentemente pela Lei 11.719/08. A redação anterior assim estabelecia: “O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em consequência, tenha deaplicar pena mais grave”. O novo texto do artigo 383 dispõe que “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. (ALVES E BURRI, 2009) A emendatio é aplicável nas hipóteses em que os fatos se mantém inalterados durante a instrução, modificando-se apenas sua capitulação jurídica. É o que ocorre, por exemplo, quando o promotor, na denúncia, narra um furto simples, mas o tipifica como qualificado. Em tal caso, o juiz poderá, valendo-se da emendatio libelli, sentenciar pelo crime de furto simples. Conforme acentua a Ministra Jane 32 Silva, em recente acórdão, “o princípio da correlação entre a peça vestibular e a sentença é um dos pilares do nosso processo penal, entretanto, tal princípio deve coexistir com o da livre dicção do direito, jura novit curia, isto é, o juiz conhece o direito, é ele quem cuida do direito, expresso na regra narra mihi factum dabo tibi jus (narra-me o fato e te darei o direito). Se o fato criminoso está descrito na denúncia, ainda que não tenha ali sido capitulado, pode o Juiz por ele condenar o acusado, posto que a defesa é contra os fatos e não contra a capitulação do delito. A emendatio libelli é procedida de ofício, tanto em primeiro como em segundo grau de jurisdição, sem qualquer formalidade prévia”1. Existe certa controvérsia sobre o momento processual em que a emendatio pode ser aplicada. Alguns entendem que não é lícito ao juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória, somente podendo fazê-lo no momento da prolação da sentença2. Em sentido contrário, entendemos que a emendatio pode ser aplicada a qualquer tempo, até mesmo no recebimento da denúncia. Apesar do entendimento uníssono de que o acusado se defende dos fatos e não da capitulação legal que lhe é atribuída na peça acusatória, não se pode olvidar que a defesa, ao formular sua tese, se debruçará também sobre a capitulação formulada pela acusação3. (ALVES E BURRI, 2009) Dessa forma, quanto mais cedo processualmente se aplicar a emendatio, maior segurança a defesa terá acerca do seu âmbito de atuação. Neste sentido é a opinião de Geraldo Prado: “[...] o sistema acusatório, que demanda plenitude de defesa e contraditório, em face da pretensão do processo justo, assegura a ‘emendatio libelli’, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal, na fase de sentença, mas aplicável a todo o tempo (quanto antes, melhor), principalmente se resultar em significativa alteração do procedimento. [...] Justamente este tipo de 1 STJ - HC 47838/GO – 6ª. T. - Rel. Min. Jane Silva – j. 27.03.2008 – DJ 14.04.2008 2 STF - HC 87324 / SP – 1ª. T. - Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – j. 10.04.2007 – DJ 18.05.2007 3 Neste sentido é a lição de Ivan Luís Marques da Silva que, inclusive, discorda da máxima de que o acusado se defende somente dos fatos e não do direito. O autor exemplifica a crítica com a seguinte situação: “Imagine um agente delitivo ser denunciado por porte de drogas para uso próprio (art. 28 da Lei 11.343/06). Não aceita os benefícios da Lei 9.099/1995 e, no momento do magistrado lavrar sua decisão, valendo-se do que diz o art. 383 do CPP, atribui definição jurídica diversa daquela presente na denúncia, alterando a capitulação para o art. 33 da Lei de Drogas, que cuida do tipo penal do tráfico de drogas. Para quem milita na área das ciências criminais, fica evidente o prejuízo criado por força desta modificação, já que uma das teses de defesa para o tráfico de drogas é discutir a quantidade apreendida, o que restou prejudicado no caso da condução da defesa pelo porte para uso próprio.” Reforma Processual Penal de 2008, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.26. 33 controle, deduzido, a princípio ou no decorrer do processo, até a sentença, permitirá que o acusado não fique ‘refém’ da classificação jurídica emanada da acusação, em virtude da qual poderá, ou não, incidir um modelo de processo consensual, poderá ou não ser cabível a prisão preventiva ou a liberdade provisória, com ou sem fiança”. A Lei 11.719/08 incluiu dois parágrafos no artigo 383. De acordo com o parágrafo 1º, “se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei”. (ALVES E BURRI, 2009) O parágrafo 2º, também incluído pela Lei nº 11.719/08, assim dispõe: “Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos”. Mais uma vez, não há grande novidade, uma vez que esta previsão já estava assentada pelo artigo 74, parágrafo 2º do Código de Processo Penal, segundo o qual “se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração da competência de outro, a este será remetido o processo, salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência prorrogada”. 3.2 Mutatio libelli. A mutatio libelli, diferentemente da emendatio, pressupõe mudança fática: nela, o acusador descreve determinado fato e, no decorrer da instrução, surge um fato novo. É o que acontece, por exemplo, quando o promotor narra ter o agente subtraído bem da vítima e classifica o crime como furto simples. Durante a instrução, no entanto, descobre-se que a subtração se deu mediante grave ameaça e, diante desta mudança fática, é preciso uma alteração na tipificação do delito, de furto (art. 155 do CP) para roubo (art. 157 do CP). (ALVES E BURRI, 2009) A Lei 11.719/08 trouxe sensíveis modificações na disciplina da mutatio libelli. A redação anterior do artigo 384 assim previa: Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas. Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo- 34 se, em seguida, o prazo de três dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas. Fonte: folhavitoria.com.br 3.3 Circunstância ou elementar Primeiramente, importa observar que o legislador fez uma modificação salutar, substituindo a expressão “circunstância elementar” por “elemento ou circunstância”. A doutrina apontava que aquele era um termo inadequado, que não tem significado técnico no âmbito do direito penal, sendo fruto de equívoco do legislador da época. O correto, como agora diz a lei, é elementar (figura fundamental do delito, como matar, no homicídio, sem a qual ocorrerá a atipicidade do fato ou a desclassificação para outro delito) e circunstância (figura acessória, como qualificadoras ou causas de aumento do crime). (ALVES E BURRI, 2009) 3.4 Supressão da expressão “explícita ou implicitamente” Antes da reforma, o artigo 384 dizia ser cabível a mutatio quando o juiz reconhecesse a possibilidade de nova definição jurídica em consequência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa. A atual redação eliminou as expressões explícita ou implicitamente, o que nos parece benéfico. Isto porque, num modelo de direito penal mínimo e garantista, 35 como o que supostamente existe no país, a acusação tem de ser clara e expressa, jamais implícita. Outra não é a opiniãode Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró: “A descrição do fato é elemento absolutamente necessário de qualquer imputação. Como explica Sansò, o que não é descrito não é imputado, uma vez que o objeto da imputação se especifica mediante uma descrição que o determina e o indica. Se não há imputação sem descrição não se pode falar em imputação implícita. Ou o fato imputado foi descrito, e portanto consta da denúncia ou queixa de forma explícita, ou não há descrição, não se podendo falar em imputação, nem mesmo implícita”4. (ALVES E BURRI, 2009) 3.5 Mutatio libelli e ação privada Outra alteração é a impossibilidade, agora expressa, de se realizar a mutatio em crimes de ação privada. O caput do artigo 384 diz claramente que o instituto é cabível “em se tratando de processo em crime de ação pública”. Colocou-se fim, portanto, à controvérsia ora existente sobre a possibilidade de mutatio em crimes de ação privada. Questão interessante surge quando o promotor, diante de crime de ação pública, oferece denúncia e, durante a instrução, é trazido fato novo que o transmuda em crime de ação privada. Cremos que, em tais hipóteses, como acentua Eugênio de Oliveira Pacelli, não é o caso de mutatio libelli, mas sim de reabertura integral da instrução, iniciando-se, então, o prazo decadencial. Nas palavras do autor, “seria a hipótese de aditamento da denúncia – com sua modificação, então, para queixa -, e não de mutatio libelli”. O mesmo ocorreria na situação inversa, ou seja, se no curso de ação penal privada, se apurasse que o delito praticado, na verdade, é de ação penal pública. O caminho seria a intimação do Ministério Público para o aditamento da queixa, com sua modificação para denúncia5. 3.6 Procedimento De acordo com parágrafo 2º, realizado o aditamento, o defensor do acusado será ouvido no prazo de cinco dias. O juiz, então, admitirá ou não o aditamento. Se 4 Correlação entre acusação e sentença. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 172. 5 op. cit. p. 515. 36 admiti-lo, cada parte poderá arrolar até três testemunhas, no prazo de cinco dias (parágrafo 4º). Em seguida, reza o dispositivo que o juiz a requerimento das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado e realização de debates e julgamento. Como bem sustenta Guilherme de Souza Nucci, houve uma contradição neste ponto: “o juiz deve designar audiência, no mínimo, para interrogar novamente o réu, dando-lhe a oportunidade de exercer a autodefesa. Portanto, não depende de requerimento da parte interessada. Cuida-se de medida cogente. Se a acusação e a defesa não ofertarem rol de testemunhas, ouve-se somente o réu. Este, no entanto, precisa ser interrogado” 6 . Se, por outro lado, não for recebido o aditamento, o processo prosseguirá (parágrafo 5º). Contra esta decisão, é cabível recurso em sentido estrito (art. 581, I, do CPP) (ALVES E BURRI, 2009). São aplicáveis as disposições dos parágrafos 1º e 2º do art. 383 (art. 384, parágrafo 3º). Aqui não houve grandes novidades, tendo sido o tema tratado anteriormente. Vale apontar que não é possível a aplicação de mutatio em segundo grau, por representar supressão de instancia (ALVES E BURRI, 2009). 3.7 Vinculação aos termos do aditamento Conforme estabelece o parágrafo 4º, o juiz, na sentença, ficará adstrito aos termos do aditamento. Diante desta regra, tem-se questionado se o magistrado, após o aditamento, deverá necessariamente sentenciar com base na nova imputação ou se pode, entendendo correto, valer-se da imputação originária. Haveria, neste último caso, a denominada imputação alternativa sucessiva ou superveniente. Numa primeira leitura, o dispositivo parece indicar a primeira resposta. Todavia, entendemos ser possível que o juiz condene o réu nos termos da imputação originária. O que o parágrafo 4º quer impedir, na verdade, é tão somente que o juiz condene o acusado por uma imputação nova, não trazida originariamente e nem resultante do aditamento. 6 Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 685. 37 4 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL A investigação criminal é o instrumento por meio do qual se perfaz a apuração de fatos supostamente delituosos e correspondente autoria a partir da sua ocorrência ou notícia, com vistas a elucidar se os mesmos se enquadram ou não alguma infração penal. Um conceito mais analítico desta atividade nos é trazido por Manoel Monteiro Guedes Valente, conforme excerto a seguir reproduzido: (ALVES E BURRI, 2009) “A investigação criminal, levada a cabo pela polícia, procura descobrir, recolher, conservar, examinar, e interpretar provas reais e também procura localizar, contatar e apresentar as provas pessoais que conduzam ao esclarecimento da verdade material judicialmente admissível dos fatos que consubstanciam a prática de um crime, ou seja, a investigação criminal pode ser um motor de arranque e o alicerce do processo crime que irá decidir pela condenação ou pela absolvição”. Fonte: ma.gov.br Como se pode observar, a investigação criminal tem por objeto a isenta apuração da materialidade e autoria de um suposto crime ou contravenção penal mediante busca da sua verdade fática e jurídica com base em um juízo de probabilidade indiciária. (ALVES E BURRI, 2009) Neste particular, cumpre salientar que a concepção de verdade colimada pela investigação criminal diz respeito à verdade processual (adequada à persecução penal como um todo), definida por Luigi Frerrajoli, que a dicotomiza entre verdade 38 processual de fato e de direito, as quais não podem ser afirmadas por observações diretas. A verdade processual fática, para o referido jurista, consiste em um tipo particular de verdade histórica, relativa a proposições que falam de retratos passados, não diretamente acessíveis como tais a experiência; enquanto a verdade processual jurídica é uma verdade que pode se chamar de classificatória, ao referir- se à classificação ou qualificação dos fatos históricos comprovados conforme as categorias pelo léxico jurídico e elaboradas mediante a interpretação da linguagem legal. Desta forma, a investigação criminal, assim como a investigação científica, colima a busca de uma verdade formal aproximada e corrigível (aperfeiçoável), com a peculiaridade de na primeira esta verdade ser ordinariamente retrospectiva, uma vez que está em regra diz respeito a fatos passados não mais acessíveis à experiência. Portanto, como veículo da busca pela verdade processual (formal), decorrem da investigação criminal três funções básicas: resguardar a imparcialidade, economicidade e eficiência da Justiça Criminal, exsurgindo, da soma destes três fatores, o principal bem jurídico tutelado pela mesma, qual seja, a defesa da ordem jurídica. A imparcialidade da Justiça Criminal permanece resguardada pela investigação criminal na medida em que a esta municia o Juiz com uma instrução provisória procedida por um órgão não comprometido ou vinculado com a acusação ou a defesa, preservando-o de juízos açodados e/ ou parciais. Tal observação restou bem ilustrada no item IV da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal vigente, ao discorrer sobre o inquérito policial: “É ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspeta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. (ALVES E BURRI, 2009) Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo,
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