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1 ETNOMATEMÁTICA 1 SUMÁRIO NOSSA HISTÓRIA ................................................................................................................................ 2 1. ETNOMATEMÁTICA, ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL DA MATEMÁTICA ..... 3 2. AS ETNOMATEMATICAS ..................................................................................................... 5 3. A IMPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO DA MATEMÁTICA NO ENSINO . 8 4. O NASCIMENTO DA ETNOMATEÁTICA ............................................................................ 9 6. A PRÁTICA E A ETNOMATEMÁTICA ................................................................................18 7. A ETNOMATEMÁTICA E A MATEMÁTICA ACADÊMICA ...............................................21 9. AÇÕES PEDAGÓGICAS ...................................................................................................25 12. POR UMA TEORIA DA ETNOMATEMÁTICA ................................................................30 REFERÊNCIA ................................................................................................................................33 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1. ETNOMATEMÁTICA, ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL DA MATEMÁTICA A etnomatemática é a arte ou técnica (techné = tica) de explicar, de entender, de se desempenhar na realidade (matema), dentro de um contexto cultural próprio (etno). D’Ambrosio A influência recíproca entre culturas muitas vezes não é relacionada na historiografia da matemática, e por isso tem implicações na educação. O acontecimento das múltiplas culturas , tem influência nos preceitos escolares. Há uma grande tendência em trabalhar com prioridade a matemática da cultura predominante, descuidando do ambiente cultural do aluno. O Brasil, tem uma múltipla história cultural. A ampla finalidade da Etnomatemática é reconhecer a cultura plural, que é responsável pela constituição do país e elaborar um padrão educacional que responda aos anseios do seu povo. Ela deve estar a serviço da construção da responsabilidade social e da cidadania. A etnomatemática é uma abordagem histórico-cultural da disciplina. A Matemática deve ser compreendida não apenas como uma constituição social mas também como uma construção histórica e política. A etnomatemática, enaltece a matemática dos distintos grupos culturais e recomenda uma enfatização maior dos conceitos matemáticos informais desenvolvidos pelos educandos através de seus conhecimentos, fora da conjuntura escolar na vivência do seu cotidiano. Os povos com suas diferentes culturas, têm múltiplas maneiras de trabalhar com o conceito matemático. Todos os diferentes grupos sociais produzem conhecimentos matemáticos. A Etnomatemática valoriza estas diferenças e afirma que toda a construção do conhecimento matemático é válida e está intimamente vinculada à tradição, à sociedade e à cultura de cada povo. Devemos lembrar que, a matemática apareceu para suprir as necessidades básicas do homem, através da construção de materiais de pedra, de osso, de barro, de metal, e esse material era utilizado em moradias, vasilhames, utensílios, etc . A linguagem matemática se vincula com a tradição e a tecnologia dos dias atuais, através de sua operacionalização. Não é exagero dizer que a linguagem matemática se insere nas mais diferentes atividades humanas como por exemplo: nas artes, na música, na arquitetura, na dança, nos esportes, na engenharia, na informática, enfim dentro do contexto da sociedade onde está inserido o indivíduo. 4 Dentro do contexto social a matemática é uma ferramenta para a tomada de decisões, fornecendo instrumentos para avaliar os resultados das ações implementadas para a resolução escolhida. O conhecimento que é gerado pela matemática em todas as culturas, através de tomada de decisões e de resoluções de problemas, tem uma atitude subordinada ao social e cultural. A história representa de maneira geral a história dos grupos sociais e a afirmação de identidade desses mesmos grupos, com isso os educadores matemáticos querem simplificar o ensino da matemática, valorizando o seu uso social: a matemática do dia-a-dia. Devemos lembrar que toda a construção teórica da matemática, também nos deu os melhoramentos tecnológicos, que fazem parte do século atual: o telefone celular, a Internet, o laser, as televisões a cabo, etc. Dica! Nessa aula, Ubiratan D`Ambrosio fala um pouco sobre a matemática alternativa cultural. https://www.youtube.com/watch?v=kUCNDK7DeKs 5 2. AS ETNOMATEMATICAS Atualmente vivenciamos um momento semelhante a efervescência intelectual da Idade Média. A etnomatematica é uma manifestação do novo renascimento, que se apresenta em paralelo com outras manifestações de cultura. Ferreira (apud Chieus Junior, 2006, p.185) parafraseando Freire coloca que: ‘...se me perguntarem o que é Etnomatemática eu diria – É matemática, é criança brincando, é pedreiro construindo casa, é dona de casa cozinhando, é índio caçando ou fazendo artesanato, isto é, é parte da vida, da existência de cada um’. Numa proposta de entender e avaliar o comportamento da juventude atual e com a proposta atual do estado da educação e necessário examinar o que se passa com a disciplina de matemática nos currículos e como ela se situa hoje na experiência individual e coletiva do indivíduo. O Programa Etnomatemático procura delinear alguns possíveis caminhos que possibilite questionar o que é considerado válido como conhecimento e para que este conhecimento é válido, incorporar a cultura e o meio social nas práticas pedagógicas fará com que o educando saiba de forma adequada fazer relações no âmbito do que é conhecido para alcançar novos conhecimentos. De acordo com Schmitz (2007). O Programa Etnomatemático procura delinear alguns possíveis caminhos que valorizem os desejos a cultura o meio social do educando, a fim de que possa usar de forma mais adequada os conhecimentos matemáticos. Incorporar a cultura, a vida do educando nas práticas pedagógicas valoriza a vivência, coloca em cena a cultura local de cada grupo, e uma possibilidade de questionar o que é considerado válido, como conhecimento e para que este conhecimento é válido. Para (D’ AMBRÓSIO, 2005, p.17) “A Etnomatemática procura entender o saber/fazer matemático ao longo da história da humanidade, contextualizando em diferentes grupos de interesse, comunidades, povos e nações.” Numa linguagem mais favorável, pode-se dizer que, permite-se que o educando utilize formas mais adequadas os conhecimentos matemáticos, possibilitando que assim a evolução do conceito através dos tempos. 6 Figura 1 – O que é etnomatematica. Fonte: (CORREA, Jeandson. 2010). O indivíduo se baseia em conhecimento e ao mesmo tempo produz novo conhecimento. Cada indivíduo conforme seu meio age em função de sua capacidade sensorial e de sua criatividade, processa uma informação e define sua ação resultando na geração de mais conhecimento, acúmulo de conhecimento constituindo uma cultura de grupo. O cotidiano de grupos, independente de sua cultura, faz com que existam maneiras diferentes de fazer e saber sobre como se caracteriza uma dessas denominações culturais. Em todo momento, os indivíduos usam de métodos e instrumentos que são adotados pela própria cultura. Além disso, ainda existe a matemática familiar, em que é apresentado e utilizado de próprios métodos familiares e de certa forma pedagógicos, que estão se inserem dentro da etnomatematica. Segundo D’Ambrósio (2005, p.24) “A Matemática do jogo do bicho já havia atraído o interesse de Malba Tahan. Marcelo de Carvalho Borba analisou a maneira como crianças da periferia se organizam para construir um campo de futebol obedecendo escalas e as dimensões oficiais. O mesmo autor (p.23) apresenta práticas de etnomatemáticas desenvolvidas em diferentes contextos: Adriana M. Marafon identificou a prática matemática própria da profissão de borracheiro. É importante destacar que grupos de profissionais praticam sua própria 7 etnomatemática. Assistindo a inúmeras cirurgias, Tod L. Schochey identificou na sua tese de doutorado, práticas matemáticas de cirurgiões cardíacos, focalizando critérios para tomada de decisão sobre tempo e risco e noções topológicas na manipulação de nós de sutura. Maria do Carmo Villa pesquisou as maneira como vendedores de suco de frutas decidem por um modelo probabilístico, a quantidade de suco de cada fruta que devem ter disponíveis na barraca para atender satisfatoriamente, as demandas da freguesia. N.M.Acioly e Sergio R. Nobre identificou a matemática praticada pelos bicheiros para praticar um esquema de apostas atrativo e compensador. A proposta da etnomatematica é aprimorar a matemática acadêmica, de forma a incorporar os valores da humanidade, e de forma que o individuo seja atuante no mundo moderno. Esse vínculo é importante para que a diversidade cultural esteja atrelada na construção de uma sociedade mais humana, solidaria e critica. Na sociedade moderna, a Etnomatemática terá utilidade limitada. Não se pode, pensar hoje em aritmética e álgebra, que privilegiam o raciocínio quantitativo, sem a utilização de calculadoras. O raciocínio quantitativo e o cálculo [ aritmético, algébrico, integral] foi a razão de ser das calculadoras e computadores. O uso de mídias tem suscitado novas questões às possibilidades do surgimento de novos conceitos e de novas teorias matemáticas (BORBA, 1999). Atividades com lápis e papel ou mesmo quadro e giz, para construir gráficos, por exemplo, se forem feitas com o uso dos computadores, possibilitam a solução em menor tempo do que o necessário mediante uso de caderno e lápis. Pode parecer contraditório falarmos em uma matemática sofisticada quando fazemos a proposta da Etnomatemática, mas justamente o essencial da Etnomatemática é incorporar a matemática cultural, contextualizada, na educação matemática e o uso de mídias amplia essa possibilidade, pois os recursos tecnológicos têm favorecido as experimentações matemáticas, visto que o raciocínio lógico com qualidade é essencial para situar-se no mundo moderno e chegar a uma nova organização de sociedade, que permita exercer a crítica e análise do mundo moderno que vivemos. 8 3. A IMPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO DA MATEMÁTICA NO ENSINO Atualmente muito tem se falado na contribuição da História da Matemática para seu ensino na formação de alunos de todos os níveis de escolaridade e na formação de futuros professores. De fato, não é possível a construção de um novo conhecimento sem percorrer caminhos conhecidos, ou seja, é necessária uma releitura daquilo que já foi feito para se propor o novo e em qualquer área isso somente é viável pela história. Além do mais, segundo os autores, o reconhecimento histórico de feitos dos povos fornece uma segurança para as novas gerações em suas próprias produções. Trata-se aqui da valorização de diferentes fazeres matemáticos e do reconhecimento da matemática nos diversos contextos fora da sala de aula. Constata-se que a Matemática escolar não é uma verdade única ou a única possibilidade de se fazer matemática, ela é na verdade o resultado de situações práticas, ou seja, das necessidades surgidas ao longo da história da humanidade. A própria História da Matemática mostra a possibilidade e a realidade do fazer matemático. Apropriar-se dessa percepção é fundamental para que todos se sintam capazes de sistematizar o conhecimento matemático, uma vez que já o conhecem e realizam na prática. A História da Matemática mostra o caminho para a relação teoriaprática que estão vinculadas e não o contrário. Considerar o conhecimento da História da Matemática no ensino dos seus conceitos não é uma solução para que este se torne mais eficiente e nem para que os alunos estejam mais motivados a aprender matemática, mas é sem dúvida um ponto a ser considerado para alcançar mais qualidade e receptividade ao ensino. 9 4. O NASCIMENTO DA ETNOMATEÁTICA Com o fracasso da matemática moderna, na década de 70, apareceu então os educadores matemáticos que tinha em comum, uma forte reação contra a ao currículo comum da disciplina e a maneira em que era imposta de se apresentar a matemática. Nesse período era perceptivo que não havia espaço para a matemática moderna e para a valorização do conhecimento que o aluno trazia para sala de aula que era proveniente a do seu meio social e cultural. Esses educadores voltaram seus olhos para então um outro tipo de conhecimento: O pedreiro, pescador, vendedor de rua, dona de casa e etc. Nasce, então termos metafóricos para designar esta matemática de diferenciá- la daquela estudada no contexto escolar: 1 – Cláudia Zalavski, em 1973, chama de Sociomatemática as aplicações da matemática na vida dos povos africanos e, inversamente, a influência que instituições africanas exerciam e ainda exercem sobre a evolução da matemática, sendo esta a abordagem mais significativa de seu trabalho. 2 – D´Ambrosio, em 1982, denominou de Matemática Espontânea os métodos matemáticos desenvolvidos por povos na sua luta de sobrevivência. 3 – Posner, também em 1982, designa de Matemática Informal aquela que se transmite e aprende fora do sistema de educação formal, isto levando em conta também o processo cognitivo. Em 1985, D`Ambrosio utilizou pela primeira vez o termo “Etnomatematica”, em seu livro “Etnomathematics and its Place in the History of Mathematics”. Desde 1978, o autor em uma conferencia utilizou o mesmo termo para uma reunião para o Progresso da Ciência, mas não foi publicada. Em 1986, criou-se então um Grupo Internacional de Estudo em Etnomatematica com pesquisadores que buscavam conhecimento pela mesma área de conhecimento, e, principalmente de como utiliza- la em sala de aula. A Etnomatemática possui três vertentes de trabalho, mas todas possuem como característica principal de metodologia, a observação e análise; Primeira vertente: busca descrever e entender práticas de populações e grupos diferenciados, além de verificar como essas práticas originam métodos, dos métodos as teorias, das teorias as criações. 10 Segunda vertente: leitura amplificada da História da Matemática, a partir da visão dos matemáticos que, de alguma forma, “criaram o substrato material e intelectual para os matemáticos, e que se beneficiaram, utilizando, no cotidiano e nas suas práticas, conhecimentos matemáticos”. (D’AMBROSIO, 2013). Terceira vertente: “propõe uma pedagogia viva, dinâmica, de fazer o novo em resposta a necessidades e estímulos ambientais, sociais, culturais (...). Assim, dá espaço para a imaginação e para a criatividade. É por isso que na pedagogia da Etnomatemática, utiliza-se muito o fazer cotidiano, a literatura, a leitura de periódicos e diários, os jogos, o cinema, etc. Tudo isso tem importantes componentes matemáticos.” (D’AMBROSIO, 2013). Para Pollig, (2015). A utilização da Etnomatemática vem como uma ferramenta para auxiliar o docente em seu trabalho, dando-lhe alegria e prazer em lecionar, e traz um suporte agregador na aprendizagem dos discentes, de maneira incentivadora e divertida, mostrando-os que a matemática muitas vezes está em pequenas ações, trabalhos e até mesmo brincadeiras, que é possível levar esses conhecimentos, que muitos educadores desprezam, para as salas de aula, que matemática não é só aquela que está em seus livros didáticos.(POLLIG. 2015) Com esse conceito, é sabido que há pessoas que mesmo sem possuírem formação escolar, conseguem desenvolver técnicas próprias para solucionar cálculos e aplicar em suas necessidades profissionais. 11 5. O PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA O Programa Etnomatemática inicialmente focalizou história e filosofia da matemática, com implicações pedagógicas óbvias (D’Ambrosio, 1992). O foco do Programa Etnomatemática foi expandido para contemplar o sistema complexo de comportamento e conhecimento gerado e organizado por cada indivíduo (desde o nascimento até a morte) e por toda a espécie humana. Ambos, cada indivíduo e a espécie humana, desenvolvem estratégias para lidar com a realidade ampla em que está inserido. É importante esclarecer desde o início que considero realidade no sentido lato de fenômenos e fatos naturais, fisiológicos, sensoriais, emocionais e psíquicos, imaginários e as interações sociais. Simplesmente tudo, que está permanentemente mudando. A realidade é dinâmica. Logo o Programa Etnomatemática não é uma teoria final, e essa é a razão para considerar essa proposta um programa de pesquisa. É um programa necessariamente transcultural e transdisciplinar e utiliza métodos de pesquisa das ciências, da cognição, da mitologia, da antropologia, da história, da sociologia (política, economia, educação) e de estudos culturais em geral. A proposta se concentra na geração e evolução de comportamento e conhecimento em dois focos aparentemente distintos: cada indivíduo da espécie humana e a espécie humana como um todo. Ambos se inspiram mutuamente, como foi muito bem mostrado nos programas de pesquisa de Jean Piaget, Lev Vygostsky, entre outros. Eles mostram o quanto crianças e adultos podem nos sugerir o comportamento de toda a espécie humana. Deixam também claro que as emoções e tomadas de decisão resultam tanto de processos cognitivos quanto de processos emocionais e sociais. As relações com educação são óbvias. O conceito de Etnomatemática é muito mais ambicioso do que o estudo das ideias e práticas matemáticas e das técnicas reconhecidas em diferentes grupos étnicos e em artesanato e profissionais e mesmo em civilizações diferentes, como é o foco principal da etnografia, da etnologia e da antropologia. Como será explicado adiante, eu uso o prefixo etno em um sentido muito mais amplo do que étnico e também matema e tica com significados mais amplos que na matemática como disciplina acadêmica. 12 A Matemática Acadêmica, que é universalmente praticada nos institutos de pesquisa e nos sistemas educacionais, é uma categoria ampla de conhecimento, uma construção abstrata originada nas culturas da bacia do Mediterrâneo e da Mesopotâmia (Iraque antigo) e das civilizações do vale do Nilo. Podemos dizer que a Matemática Acadêmica (e portanto a Matemática Escolar) tem como origem a Etnomatemática dessa ampla região ao redor do Mediterrâneo. Essa construção abstrata, muitas vezes chamada o estilo euclidiano, é baseada na lógica do tertium non datur. O estilo euclideano é o protótipo de rigor matemático. Mas esse estilo e os resultados obtidos a partir dele têm se mostrado insuficientes e inadequados como estratégia para lidar com a complexidade de fatos e fenômenos de todos os ambientes naturais e socioculturais. Muitos matemáticos acham que essas insuficiências não devem ser consideradas na matemática elementar, não devem ser consideradas nas escolas, desde o Fundamental ao Superior. Insistem que o estilo euclidano é a base de toda a evolução do pensamento, não só matemático e científico, mas de todas as áreas de conhecimento. O estilo euclideano é considerado padrão de rigor. Mas a dicotomia do “é ou não é”, “certo ou errado”, “bom ou mau” e tantas outras formulações do tertium non datur vêm sendo contestada, particularmente como estratégias de desenvolvimento cognitivo. O “pode ser”, “talvez seja” vêm ganhando presença entre pensadores, particularmente entre matemáticos e cientistas. Os trabalhos de Max Planck, Albert Einstein, Luitzen E. J. Brouwer, Kurt Gödel e outros evidenciam isso, assim como a matemática fuzzy. Como aprendemos do eminente matemático Wen-Tsun Wu, a matemática na China antiga tinha um método de pensamento e estilo de apresentação muito diferente da matemática grega. Havia rigor seguindo um modelo distinto do estilo euclideano (Wu, 1987). Reconhecemos construções abstratas ao estudar a história da matemática na Índia antiga, nas civilizações andinas, na África subsaariana, na Polinésia, de fato em todas as civilizações do mundo. Pode haver alguma semelhança nas construções abstratas em civilizações diferentes, mas elas são essencialmente distintas. Temos de compreender os intelectuais, os artesãos, os profissionais, as pessoas, a sociedade invisível nestas regiões, seus mitos e sistemas de valores, seus sistemas de conhecimento. Tudo está em permanente mudança. Temos também de considerar a dinâmica dos encontros de civilizações. 13 O Programa Etnomatemática é conceitualmente projetado como um programa de ampla investigação da evolução das ideias, das práticas e do conhecimento da espécie humana em diferentes ambientes culturais. Essencialmente, implica uma análise de como grupos de seres humanos geraram formas, estilos, artes e técnicas de fazer e de saber, de aprender e explicar, como lidam com situações e resolvem os problemas do seu cotidiano, do seu ambiente natural e sociocultural. Ao conceituar Etnomatemática, no sentido amplo, pratiquei um abuso etimológico com a apropriação “livre” de raízes gregas: techné [tica] significando maneiras, estilos, artes e técnicas; matema significando fazer e saber, as explicações, os entendimentos, o ensinar e apreender para lidar com situações e resolver problemas de seu próprio etno, que significa o meio ambiente natural, socioculturais e imaginário. Assim, usando essas raízes gregas, as maneiras, estilos, artes e técnicas [ticas] para fazer e saber, explicar, entender, ensinar e apreender [matema] no meio ambiente natural, sociocultural e imaginário [etno], podem ser sintetizados em uma palavra composta: ticas de matema em distintos etnos ou tica+matema+ etno ou, reorganizando a frase, etno+matema+tica ou simplesmente Etnomatemática. É fácil entender como essa construção etimológica conceitual deu origem à palavra Etnomatemática. Embora vários especialistas, particularmente antropólogos, etnógrafos e sociólogos, pesquisem disciplinas acadêmicas em diferentes etnos, como são a etno+botânica, a etno+musicologia, a etno+linguística, a etno+metodologia e várias outras etno+disciplinas, inclusive etno+matemática, eles baseiam suas pesquisas do ponto de vista de um observador, e recorrem a categorias do pesquisador, tentando encontrar semelhanças entre a cultura do pesquisador e a cultura do pesquisado. Sem dúvida, são pesquisas válidas. Mas é muito importante, para fundamentar essas pesquisas, identificar categorias próprias da cultura que se está estudando. Minha conceituação de etno+matema+tica reconhece estratégias cognitivas específicas de uma cultura para lidar com a realidade e categorias adequadas para construir conhecimento dessa cultura. Um exemplo são os conceitos de tempo e de medição de tempo, que estão ligados ao desenvolvimento da aritmética. Expressam conhecimentos produzidos a partir de observações astronômicas e de uma visão específica de mundo. As culturas mediterrâneas desenvolveram uma forma específica de medir o tempo. Culturas da Amazônia, assim como culturas do Ártico e de outras regiões do planeta, terão outras observações astronômicas e, como consequência, outras visões de mundo. 14 Produzem, socializam, atualizam e ensinam seus conhecimentos sobre tempo e sobre a medição do tempo. A pesquisa de João Severino Filho, junto ao povo Apyãwa, na Amazônia, mostra como essa cultura conceitua tempo e sua medição e como produz, atualiza e ensina esse conhecimento como parte intrínseca à sua prática cultural. A pesquisa só pode ser desenvolvida liberando-se das categorias acadêmicas e, tratando-se de culturas orais, recorrer a narrativas para entender suas maneiras de explicar e justificar essas práticas. Isso possibilitou ao autor contemplar, em toda sua complexidade, conceitos de rigor apoiados na personalidade e no jeito, do povo Apyãwa, de interagir com o outro e com seu meio natural (Severino Filho, 2015). O Programa Etnomatemática vai muito além do conhecimento das culturas indígenas. Reflete também sobre impactos de novos desenvolvimentos científicos e tecnológicos no conhecimento matemático estabelecido no mundo acadêmico. O uso dos computadores para provar o teorema das Quatro Cores, há quase cinquenta anos, nos leva inevitavelmente a estender as fronteiras do saber e fazer matemático, questionando a lógica tradicional sobre as quais se baseia a matemática no estilo euclidiano. Essa temática também foi abordada por Wu-Wen Tsun. Observando que na China antiga havia mais preocupação com calcular, principalmente áreas e volumes, do que com demonstrar, como era o caso da Grécia antiga, Wu introduz o conceito e a metodologia de mecanização de provas, com ampla utilização de computadores. Seu foco é o desenvolvimento de algoritmos em vez de axiomatização e de abstrações para resolver sistemas de equações polinomiais multivariadas e aplicações à geometria elementar (Wu, 2000). O Programa Etnomatemática focaliza as práticas matemáticas no cotidiano de profissionais, artesãos, do homem comum, da sociedade invisível. Por exemplo, Evanilton Rios Alves, em uma pesquisa exemplar com marceneiros, ouviu de um de seus entrevistados “A minha matemática é mais ou menos simples, uso medida linear, profundidade, altura, largura. Tiramos a medida de um quarto, uma sala, divide pra achar a medida dos móveis. É isso, matemática simples (sic)”. A proposta do pesquisador foi como utilizar o que apreendeu dos marceneiros na formação inicial de professores no curso de Licenciatura (Alves, 2010). Um outro exemplo é a pesquisa de Tod L. Shockey sobre a prática de cirugiões cardíacos, cujas perguntas diretrizes são: i) que matemática esses cirurgiões utilizam para lidar com quantidade, espaço e probabilidades na prática cirúrgica; ii) qual o papel de procedimentos e conhecimentos conceituais e intuitivos nesse contexto (Shockey, 2000; 2002). 15 Seguem dois exemplos de orientandos que mostram, conceitual e metodologicamente, quão amplo é o Programa Etnomatemática. Ao conversar com meu aluno Ricardo Morelo sobre sua história de vida e seu interesse de pesquisa, prática que sempre adoto com meus orientandos, soube que ele é neto de imigrantes libaneses e lembra-se de que, quando criança, sua avó lhe ensinara como fazer operações no modo libanês. Assim surgiu o tema de sua pesquisa: descrever a maneira apreendida com a avó, relacionar com a maneira ensinada nas escolas brasileiras e procurar raízes históricas para ambos os métodos e como se influenciaram mutuamente (Morelo, 2016). Outro exemplo é do aluno Sergio Perine que em conversa me disse que sua religião era a umbanda. Interessei-me sobre o que é umbanda, uma religião brasileira surgida no início do século XX como uma mescla de kardecismo e de candomblé. Ficou clara a apropriação de símbolos, de natureza geométrica, própria dos cultos africanos. Assim surgiu a Geometria Sagrada presente nos cultos da umbanda. A partir daí a pesquisa de Sergio orientou-se para estudos de Geometria Sagrada, uma área muito ativa no mundo acadêmico (Perine, 2017). Os exemplos apontados mostram como a recuperação de valores culturais revela conhecimentos matemáticos muito relevantes e podem ser um componente importante na redução da ansiedade matemática, um dos responsáveis pelo mau desempenho de alunos nas escolas. Em todos esses exemplos, nota-se a capacidade de representar, em forma analógica, uma semelhança dos objetos e eventos da realidade externa e interna. A partir daí há condições para representações simbólicas e para os matema que se organizam como linguagem e a “matemática mais ou menos simples” a que se refere o artesão entrevistado por Alves. Está assim preparado o caminho para memória do fazer/saber, para imaginação e criatividade, para sentimentos, como belo e feio, e para fantasia. Tudo isso constitui a cultura do indivíduo. A vertente historiográfica do Programa Etnomatemática é essencial, pois o programa trata da geração e da evolução do conhecimento na academia e nas práticas do cotidiano da sociedade invisível. A conceituação de pesquisa se aplica aos estudos históricos de culturas extintas e da dinâmica de encontro de culturas, no presente e no passado. Um exemplo na história da matemática é como, no século XIII, a introdução da nova tecnologia da aritmética com algarismos indo-arábicos por Leonardo Fibonacci mudou radicalmente não só a matemática dominante, mas também a Filosofia Natural e as demais ciências, e possibilitou a emergência da 16 economia capitalista e as implicações em um novo modelo de organização social. Particularmente importante foi o desenvolvimento das grandes navegações e as consequentes conquistas e colonização. Em praticamente todos os períodos de história da humanidade algo semelhante se passa. Na pré-história isso é bem mostrado em (D’Ambrosio, 2017). O Programa Etnomatemática recorre a fontes materiais, como monumentos e artefatos, escritos e documentos, mas também a fontes orais, preservadas nas memórias e nas práticas. Fatos, datas e nomes dependem de registros, mas também de outras conceituações de tempo e de lugar. O conceito amplo de fontes mostra que é necessário o diálogo com informantes, que são intelectuais, artesãos, profissionais, o povo, membros da chamada sociedade invisível. A metodologia de pesquisa do Programa Etnomatemática consiste essencialmente nas etapas: Como práticas ad hoc e solução de problemas se desenvolvem em métodos? Como métodos se desenvolvem em teorias? Como as teorias se desenvolvem em invenção científica? Não vou dar exemplos de como essa metodologia é praticada. Isso pode ser visto em inúmeras publicações, incluindo dissertações e teses. Recomendo a coletânea de trabalhos publicada na revista ETD-Educação Temática Digital (ETD, 2017) e no site Meus Recursos Etnomatemáticos, mantido por Daniel C. Orey. A globalização provoca um questionamento sobre as culturas locais. Há um consenso internacional que culturas milenares lidaram com sabedoria com seu meio ambiente, embora seja muito difícil conciliar conhecimentos que foram organizados e estruturados em diferentes ambientes naturais e socioculturais. Isso foi muito bem estudado pelo historiador inglês G. E. R. Lloyd, FRS. Embora seu principal interesse seja medicina, sua observação aplica-se a todas as áreas de conhecimento: [...] a biomedicina [com dependência em uma bateria de testes] pronuncia-se sobre um caso individual e pretende afirmar o que os pacientes efetivamente sentem. Mas também as elites mais ou menos articuladas de estilos alternativos de medicina, focalizam a complexidade do que se acredita sentir-se verdadeiramente bem, e certamente seria temerário supor que a biomedicina nada tem a aprender com suas rivais [que são as medicinas tradicionais]. (Lloy.2009, p.101) O mesmo se aplica à matemática, particularmente no seu ensino. 17 No encontro se reconhece o outro, o diferente, a essencialidade do outro e a dependência mútua de si mesmo e do outro e a natureza como a sustentação comum da vida. Isso leva a um comportamento primordial, o que implica a continuidade da vida, em seu sentido mais amplo. Esse comportamento primordial eu chamo a ética da diversidade: respeito pelo outro com todas as diferenças; solidariedade com o outro na satisfação de todas as suas necessidades; colaboração com o outro na preservação do suporte comum para a vida. Essa ética precede qualquer noção de cultura e é mais ampla do que a subordinação a um sistema de valores. De fato, é transcultural. 18 6. A PRÁTICA E A ETNOMATEMÁTICA Para inserir e transpor um pouco mais sobre como utilizar a etnomatemática, buscou, apresentar no tópico um estudo de caso, que traz a proposta de ampliar os conhecimentos abordados, uma forma mais sólida de abordar o tema. O estudo de caso apresentado abaixo, mostra como foi a pratica da aplicação pedagógica etnomatemática, realizado no dia 9 de Marco de 2010, na cidade de Curitiba proposta aos alunos da EJA – Educação de Jovens e Adultos. Os autores buscaram por lugares em que iriam encontrar o uso da matemática de formas diferentes de como a conhecemos, sendo ela uma turma da EJA. Para os autores Lima e Souza (2010) As pessoas que frequentam a EJA não tiveram oportunidade ou condições financeiras de estudar quando eram crianças, portanto, retomam os estudos quando jovens ou adultos em turmas especiais para essa faixa etária. A EJA, portanto, tem três finalidades: reparadora, equalizadora e qualificadora. A função reparadora se refere a reparar um direito à educação que foi, em algum momento, negado. A função equalizadora é de justamente dar a oportunidade que essas pessoas não tiveram quando estavam em idade de escolarização regular, por consequência de sua situação social. E a função qualificadora que se caracteriza pela busca de qualificação e aprendizado contínuos. Os alunos presentes em sala de aula, mesmo não tendo frequentado a escola, certamente faziam uso de conhecimentos matemáticos. Os pesquisadores então, numa conversa com os alunos da escola se depararam comum aluno, pedreiro há 22 anos que, ao ser questionado se aprendera a matemática na escola prontamente respondeu que não. A profissão do aluno foi herança do irmão e que da matemática da escola, ele não utilizava e nem se recordava de quase nada, com isso, é perceptivo que o aprendizado na escola, para ele não fora significativo. “A dificuldade de ele passar a linguagem prática do seu trabalho em linguagem matemática convencional não significa que ele não aprendeu nada do que utiliza na escola, mas que ele não consegue relacionar o que aprendeu ao que realmente utiliza.” (SOUZA; LIMA. 2010). Ao ser questionado de como sabia a quantidade de cerâmicas seriam necessárias para cobrir determinado local, ai sim foi perceptivo a etnomatematica, ele explicou com detalhes que calculava a área em que iria trabalhar multiplicando um lado pelo outro (A = b x h), depois, através do tamanho da cerâmica a ser aplicada 19 quantas eram necessárias para preencher o determinado local. Em outra profissão já exercida pelo entrevistado, ele precisava dominar o cálculo de medidas menores e que são apresentados no 7º ano. O aluno frequentou somente ate o 5º ano então, o que fica é o questionamento, onde ele aprendeu a calcular e a fazer as determinadas operações com números tão pequenos (decimais)? São essas maneiras utilizadas pelo aluno que são consideradas possíveis pelo Programa Etnomatemática, no meio social e cultural em que ele está inserido. “O conhecimento adquirido é o mesmo que se da na escola, mas a maneira de se fazer é diferente” (SOUZA; LIMA. 2010). É possível que, ao apresentar a situação a um aluno de 6º ano, ele não saiba transpor o conhecimento, isso ocorre por muitas vezes os alunos aprenderem a fazer o cálculo, mas não raciocinarem sobre o que estão fazendo. Assim como muitos alunos entrevistados pelos autores, o trabalhador apresentado anteriormente teve que sair da escola em busca de trabalho e sustento para a família e/ou pelo fato de que a escola ficava muito longe de suas casas, o que dificultava ainda mais o acesso a ela. Eh através de motivos como esse que fica fácil entender a função da EJA e o quanto ela eh importante. Os pesquisadores consideraram fundamental relacionar etnomatematica com a EJA pelo fato de ser possível verificar na pratica o quanto esses alunos possuem conhecimento social e, sobretudo, matemáticos. A EJA, para eles, deve considerar ao aluno como detentor de muitos conhecimentos para que a escola sirva de instrumento capaz de ampliar seus conhecimentos e complementar aquilo que já domina. “Levar uma forma de ensino pautada nas concepções da Etnomatemática para as salas de Educação de Jovens e Adultos é um assunto que necessita do cuidado de um novo trabalho de pesquisa em ampliação a esta.” (SOUZA; LIMA. 2010). 20 Figura 2 – Matemática da Etnia Paresi (Cultura Indigena) Fonte: (NASCIMENTO, Eulina; MATTOS, Jose; SILVA, Marco. 2012) 21 7. A ETNOMATEMÁTICA E A MATEMÁTICA ACADÊMICA É muito importante para a pedagogia etnomatematica saber qual é o conhecimento etnomatematico o grupo, pois esse conhecimento tem valor cultural, afetivo e social. Ainda assim é necessário questionar sobre quais os benefícios da substituição dos conhecimentos matemáticos acadêmicos pelos conhecimentos etnomatematicos. Os grupos sociais, estão de fato inseridos em um meio sociocultural que é mais abrangente, em um país que possui suas próprias condutas e que delimitam o acesso de seus membros as diversas escalas sociais e carreiras profissionais. Sobre o ponto de vista utilitário, os conhecimentos etnomatematicos não são validos e reconhecidos pela sociedade. Por isso, a ideia de substituir a matemática acadêmica pela etnomatematica, é uma ideia um tanto quanto equivocada, mesmo que a etnomatematica tenha sua utilidade e importância, ela ainda é considerada limitada pela sociedade moderna, assim também, como a matemática moderna, igualmente é absolutamente inútil nessa sociedade (D’AMBROSIO, 2001, p. 43). Dessa forma, mesmo reconhecendo que muitos conteúdos hoje são obsoletos, colocamos como questão o envolvimento efetivo/reflexivo dos educadores sobre o processo ensino-aprendizagem. Ou seja, como mencionamos, não vemos a substituição pura e simples de conteúdos como algo que resolveria o problema do ensino e aprendizagem da matemática. Ainda, a sua eliminação dos programas poderia representar nenhum avanço ao ensino tradicional de matemática. Da mesma forma, podemos reconhecer, vai na mesma direção a inclusão de novos conteúdos. Isso porque “a fraqueza do ensino não está no conteúdo, mas na forma como se ensina” (ITURRA, 1994, p. 46). A postura de muitos educadores diante do sistema de matemática acadêmica reforça que todos os conteúdos são uteis e por isso precisam ser ensinados. Entretanto, cabe ressaltar a defesa de certos conteúdos pelo seu valor utilitário não está muito distante da defesa de sua utilização. Não se trata, portanto, de glorificar a Matemática popular, celebrando-a em conferências internacionais, como uma preciosidade a ser preservada a qualquer custo. Este tipo de operação não empresta nenhuma ajuda aos grupos subordinados. Enquanto intelectuais, precisamos estar atentas/os para não pô-la em execução, 22 exclusivamente na busca de ganhos simbólicos no campo científico ao qual pertencemos. No entanto, não se trata de negar à matemática popular sua dimensão de autonomia, tão cara às teorias relativistas. (Ibidem, p. 89) Diante de todo exposto eh que assentamos a crença na contextualização, nos moldes delineados por Ubiratan D’Ambrosio como um importante subsidio a pedagogia etnomatematica. A promoção da contextualização e do diálogo é um avanço para a inserção e aceitação da etnomatematica, valorizando sua proposta e o aluno que a acompanha. Dica! Entrevista de Ubiratan sobre a matemática humanística. https://www.youtube.com/watch?v=YYXoBpZy6Fo 23 8. A MATEMÁTICA E O AMBIENTE CULTURAL DO ALUNO A etnomatemática não pode ser considerada uma nova ciência e nem um método de ensino, mas sim uma proposta educacional que aborda as relações interculturais. Muitas vezes, a influência recíproca entre duas ou mais culturas não é levada em consideração na historiografia da matemática, o que traz implicações na educação. Existe a enorme tendência de se trabalhar a matemática da cultura predominante, sem a influência do ambiente cultural do aluno. Neste contexto, eis que surge a etnomatemática, que possui como finalidade o reconhecimento da cultura plural, responsável pela constituição do país, e que deve, sim, ser levada em consideração para a elaboração que responda aos anseios de sua população. Trata-se de uma abordagem histórico-cultural da matemática, em que a disciplina deve ser compreendida para além da constituição social, mas também como construção histórica e política. Figura 3 – Método de contagem. Fonte: (Estudo Prático. 2018) Existe a matemática vivenciada pelos vendedores de praças públicas, pelo artesão, donas de casa, costureira, na geometria da cultura indígena etc. Cada situação é completamente distinta, pois está em função do contexto cultural e social na qual estão inseridas. Assim sendo, para ampliar a compreensão da realidade, é 24 necessário ultrapassar a noção de matemática apenas como uma maneira de resolver questões de ordem prática. 25 9. AÇÕES PEDAGÓGICAS A etnomatemática defende que se enfatizem as ações pedagógicas construídas dentro do contexto sociocultural dos educandos, levando-se em consideração os distintos grupos culturais. Assim sendo, são enaltecidos os conceitos matemáticos informais desenvolvidos pelos alunos através de seus conhecimentos, fora da vivência escolar. Nesta perspectiva, os conteúdos e os objetivos devem variar de acordo com a cultura, as necessidades, as aspirações e a realidade social de cada grupo. Os povos em suas diferentes culturas possuem inúmeras maneiras de trabalharem o conceito matemático e todos os conhecimentos produzidos pelos grupos sociais são válidos. A etnomatemática valoriza as diferenças e defende que toda construção do conhecimento matemático está intimamente relacionado com a tradição, sociedade e cultura de cada povo. O estudo das atividades fora da sala de aula proporciona um rico conhecimento prático do educando e que não perde o caráter acadêmico desta ciência dos números. A linguagem matemática está presente nas mais diversas atividades humanas, como nas artes, arquitetura, música, dança, esporte, engenharia etc., e faz parte do contexto da sociedade na qual o indivíduo está inserido, estando, assim, relacionada ao social e cultural. O ensino da matemática na perspectiva etnomatemática contempla as experiências cotidianas e, por isso, enriquece a relação entre teoria e prática. 26 10. ETNOCIÊNCIA No dicionário etnológico de Panoff e Perrina (Panoff-Perrina - ) aparece duas definições de Etnociência: a primeira diz que “ é o ramo de etnologia, que se dedica a comparar os conceitos positivos das sociedades exóticas com os que a ciência ocidental formalizou no quadro das disciplinas 2 constituíldas”. Chamamos a atenção para os termos “positivo” e “ exótico”, que caracterizam uma posição eurocentrista e, mesmo, preconceituosa, típicas do início do século passado, imbuida da corrente positivista. Quando Levis-Strauss ( Levis-Strauss - ) se refere a Etnozoologia escreveu que: “ é o conhecimento positivo que os nativos ( da região estudada) possuem a respeito de animais, a técnica e rituais usados com os quais eles trabalham e as crenças que têm em relação a elas.” Isto nos coloca de imediato frente as seguintes perguntas: O que são conhecimentos positivos? O que seria um conhecimento negativo? O que seria uma sociedade exótica? Existe uma ciência ocidental diferente de outras ciências, digamos oriental, astral, etc.? A segunda definição de Etnociência dada por Panoff e Perrina como sendo “ toda e qualquer aplicação das disciplinas científicas ocidentais aos fenômenos naturais que são apreendidos de outra forma pelo pensamento indígena”. Todas estas concepções advêm dos trabalhos de Malinovisk e Boas, que foram os pioneiros na etnografia, em um contexto de uma época colonialista. Mas continua ainda sendo um conceito aceito por muitos pesquisadores, como por exemplo o casal Acher quando se refere a Etnomatemática explicita como sendo a matemática de povos não letrados, “reconhecendo, como pensamento matemático, noções que de alguma maneira correspondem ao que temos em nossa cultura”. Mas o que são povos letrados? Para mim não existe povos não letrados, pois o conceito de escrita que advogo é muito amplo. Qualquer forma de registrar algum conhecimento chamo de letramento, assim os Guaranis registram suas vidas em seus cocares, pode-se ler um cocar guaraní e saber praticamente toda a vida do seu proprietário. Por outro lado as pinturas corporais, habito bem difundido em quase todas tribos indígenas, também é uma forma de escrita, pois cada uma delas tem uma representação bem explicita. Todo artesanato admite um leitura quer no seu desenho, que na sua forma. Isto tudo é comum no saber fazer de quase todos povos. Não conheço nenhuma etnia que não tenha alguma maneira de representar seus conhecimentos, portanto desconheço 27 povos não-letrados neste meu sentido. Por outro lado esses autores também acreditam que a matemática só passou a existir com a escrita, no sentido de representar por letras as palavras e que a Etnomatemática não faz parte da História da Matemátaica ocidental. Se lembrarmos o quanto a matemática egípcia, portanto oriental, contribuiu para a matemática grega, teríamos que perguntar como esta matemática egípcia não estaria dentro do que para eles seria a matemática ocidental? Isto sem deixarmos também de levarem conta todo conhecimento matemático mesopotânio, que também foi fortemente usado na construção da matemática grega. Gostaria de citar também um etnolinguístico Favrod, que em seu livro tenta uma definição de sua ciência como: “ A Etnolinguística tenta estudar a 3 língua ou a linguagem nas suas relações com o conjunto da vida cultural e social”. Numa das primeiras aproximação para a Etnomatemática, Paulus Gerdes se apropria muito bem desta definição e escreveu: “A Etnomatemática tenta estudar as idéias matemáticas na suas relações com o conjunto da vida cultural e social”, o que também bem caracteriza o que Struik chamou em 1986 de “Sociologia da Matemática”. 28 11. PRIMEIRAS TENTATIVAS DE CONCEITUAÇÃO No primeiro Newsletter do IGSE de 1986, temos uma definição aproximada da Etnomatemática como a “zona de confluência entre a matemática e a antropologia cultural”, mas ainda persistem as metáforas como Matemática-no-Contexto-Cultural ou Matemática-na-Sociedade. Figura 3 – Zona de Confluência. Fonte: (UFFRJ. Sem data). Outra definição de Etnomatemática que se tem neste mesmo jornal é uma definição particular (ou peculiar): “ caminho que grupos particulares específicos encontraram para classificar, ordenar, contar e medir”. O primeiro pesquisador que tentou agrupar as várias tendências foi Huntig dizendo que Etnomatemática “ é a matemática usada por um grupo cultural definido na solução de problemas e atividades do dia a dia”. Outro pesquisador que deu uma ótima aproximação foi D´Ambrosio quando, em 1987, escreveu: “...as diferentes formas de matemática que são próprias de grupos culturais, chamamos de Etnomatemática”. Ainda se discute muito este termo, para os antropólogos é parte da Etnologia de um grupo, para os educadores é um métódo educacional da matemática e para outros pesquisadores, como D´Ambrosio e Gerdes é um sub-conjunto da Educação, que contém a Matemática como sub-conjunto. Toda esta polêmica leva os pesquisadores a terem certa prudência no uso deste termo, levando a explicitar sempre que usar a que conceito esta se referindo. Eu me utilizei certo tempo do expressão “Matemática Materna”, numa associação com a “Língua Materna”, termo já consagrado pelos linguístas, isto quando queria me referir aos conceitos matemáticos 29 que os estudantes trazem para a escola, oriundos de seus contextos sociais; conceitos estes contruidos socialmente ou de origem antropológica, quando passados de uma geração à outra. Figura 4 – Concepção de D´Ambrosio e de Gerdes. Fonte: (UFFRJ. Sem data). Mas, mesmo com estas três inclusões, ainda é difícil precisar um conceito para Etnomatemática, foi pensando nisto que Bishop escreveu: “... é um conceito que ainda não encontrou sua definição. Em face das idéias e afirmações que temos, talvez fosse mais apropriado não usar ainda este termo na busca de um melhor entendimento – ou, se optarmos por utilizá-lo, devemos precisar claramente a conceituação que estiver sendo a ele aplicada.” Nesta linha prudência, que compartilho, Gerdes chama, então, de Acento Etnomatemático referindo-se a pesquisa em si e de Movimento Etnomatemático quando for utilizado pedagogicamente. Para ele “Etnomatemáticos salientam e analisam as influências de fatores sócioculturais sobre o ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento da matemática.”, isto para se referir aos pesquisadores nesta área de conhecimento. Este estudo leva a ver a Matemática como um produto cultural, e, então, cada cultura, e mesmo sub-cultura, produz sua matemática específica, que resulta das necessidades específicas do grupo social. Como produto cultural tem sua história, nasce sob determinadas condições econômicas, sociais e culturais e desenvolve-se em determinada direção; nascida em outras condições teria um desenvolvimento em outra direção. Pode-se então dizer que o desenvolvimento da matemática é não- linear, como querem alguns matemáticos. 30 12. POR UMA TEORIA DA ETNOMATEMÁTICA A busca de uma teoria para a Etnomatemática é hoje objeto de empenho dos educadores matemáticos que se dedicam ao estudo e pesquisa desse movimento. Para dar uma visão de quando essa corrente será definitivamente enunciada e aceita pela comunidade científica como teoria, temos que recorrer aos filósofos da ciência, pois são eles os responsáveis por caracterizar uma corrente científica, ou como dizem os kuhnianos, quando se tem uma “ciência normal”. Um dos nomes mais citados na filosofia da ciência, Sir Kar Popper, discute a questão sem nos revelar os caminhos que deve seguir um movimento científico para se tornar uma teoria. Segundo Popper, a ciência é um casamento entre a metafísica e a tecnologia, mas ele não explica como, onde e quando se dá esse casamento: “Nós inventamos nossos mitos e nossas teorias e os pomos a prova.” Ainda em seu texto, lemos: “ Veem-se teorias como livre criação de nossas mentes, o resultado de um intuição quase poética.” Tendo em mente uma teoria em construção, como por exemplo a Etnomatemática, evidentemente que não é a Popper que devemos recorrer para estudar o nascimento de uma ciência, pois até que ponto podemos caracterizar um movimento como um mito, no sentido da crença ou saber, quando estamos trabalhando no contexto de uma intuição poética? Recorremos então a outro filósofo da ciência que, no meu entender, responde a estas questões: Thomas S. Kuhn. Kuhn nos fornece com certa clareza os caminhos que devem ser percorridos por um acento científico, desde o seu nascimento até sua ruptura, através de uma revolução, “mesmo sendo a ciência praticada por indivíduos, o conhecimento científico é intrinsecamente um produto de grupo e é impossível entender tanto a sua eficácia peculiar como a forma de seu desenvolvimento, sem fazer referência à natureza especial dos grupos que a produziram. Nesse sentido, o trabalho desses grupos tem profundas raízes sociológicas, mas não de uma maneira que permita separar o sujeito de epistemologia.” Antes de tentar fazer uma análise kuhniana da Etnomatemática, procuremos caracterizar esse movimento como uma pesquisa. No meu entender, há três visões diferenciadas da Etnomatemática: em primeiro lugar, ela pode ser vista como uma parte da Etnociência e, nesta visão, estaria dentro da pesquisa antropológica – que acredito ser uma “ciência normal”. Matemática, muitas vezes chamada de Antropologia Matemática. 31 Uma segunda maneira de ver a Etnomatemática é como uma pesquisa em História da Matemática. Esta concepção tem seu lugar resguardado pela comunidade científica e há vários pesquisadores que estudam a Etnomatemática neste ponto de vista. Esta visão é baseada na crença de uma evolução cultural, então os grupos étnicos estariam em um certo estágio histórico da matemática, deixando para o estágio mais superior a matemática ocidental. Estudemos, então, o seu desenvolvimento como teoria educacional, pois é com este sentido que usarei o termo Etnomatemática. Na tentativa então de encarar a Etnomatemática como uma teoria educacional, voltemos a Kuhn. Temos que entender primeiramente o que é para ele um paradigma , pois “ o paradigma tem que existir antes da teoria”, e nosso propósito e ver se a Etnomatemática como teoria educacional é de fato uma teoria. O que vem a ser um paradigma para Kuhn? “ Filosoficamente, o paradigma é um artefato que pode ser utilizado como expediente na solução de enigmas.” e a “ciência normal” se caracteriza pela solução de enigmas. “O cientista normal é um adepto da solução de enigmas - não apenas um mero ` solucionar de problemas`, mas uma solução de enigmas - que consiste, prototipicamente, a `ciência normal`”. “Cientísta normal” aqui no sentido daquele que pratica a ciência normal. Então, paradigma é para ele a instrumentação da ciência para a resolução de enigmas. Assim, para “qualquer enigma que deva ser solucionado pelo emprego do paradigma, este terá de ser uma construção, um artefato, um sistema, um instrumento com seu manual de instrução - para que possa ser utilizado com êxito - e um método de interpretação do que esse instrumento faz.”. As principais críticas à Etnomatemática Segundo Sebastiani Ferreira (1997), as maiores críticas à Etnomatemática foram as de Milroy, Dowling e Taylor. Milroy fala do paradoxo da Etnomatemática quando pergunta: “como pode alguém que foi escolarizado dentro da Matemática Ocidental convencional ‘ver’ qualquer outra forma de matemática que não se pareça com esta matemática, que lhe é familiar?” Dowling se refere ao discurso da Etnomatemática que, segundo ele, é uma manifestação ideológica. Ele diz que a sociedade é heteroglóssica, composta de uma pluralidade de comunidades culturais, e as comunidades são monoglóssicas; e como a Etnomatemática faz falar estas comunidades, então ela tem um discurso ideológico monoglóssico, onde o falar de um subgrupo é privilegiado em relação ao falar de toda a sociedade que o contém. Taylor afirma que a Etnomatemática tem um discurso 32 político pedagógico, mas não epistêmico, ou seja, ela tenta discutir epistemologicamente, mas seu discurso fica somente na relação político-pedagógica. 33 REFERÊNCIA HAMZE, Amelia. ETNOMATEMÁTICA , ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL DA MATEMÁTICA. Brasil Escola.2020. Disponivel em <https://educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/etnomatematica.htm >. Acesso em: 11/10/2020. XAVIER, Tulio; PEDROSO, Sandra. A ETNOMATEMÁTICA NA DIMENSÃO EDUCACIONAL ENCONTRAR A MATEMÁTICA SUBENTENDIDA NA PRÁTICA PROFISSIONAL. Disponivel em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/45-4.pdf. Acesso em: 11/10/2020. LIMA, Lilian; SOUZA, Jorge. A ETNOMATEMÁTICA COMO PROPOSTA PEDAGÓGICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA. 2010. Disponivel em: https://img.fae.edu/galeria/getImage/1/12294808141697765.pdf . Acesso em: 11/10/2020. POLLIG, Karlla. AS APLICAÇÕES DA ETNOMATEMÁTICA NO ENSINO DE MÚLTIPLOS E DIVISORES. Disponivel em: https://www.ufjf.br/emem/files/2015/10/AS-APLICA%C3%87%C3%95ES-DA- ETNOMATEM%C3%81TICA-NO-ENSINO-DE-M%C3%9ALTIPLOS-E- DIVISORES.pdf . Acesso em 12/10/2020. Estudo Pratico. A ETNOMATEMÁTICA. 2018. Disponível em < https://www.estudopratico.com.br/a-etnomatematica/>. Acesso em 19/10/2020. UFRRJ. O que é Etnomatemática. 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